Breve comentário sobre a poesia de Shakespeare.

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aaa BREVE COMENTÁRIO SOBRE A PRODUÇÃO POÉTICA DE SHAKESPEARE Vitor da Matta Vívolo E um selvagem Shakespeare, seguindo as luzes da natureza fluorita É do valor de completos planetas, repletos de estagiritas Thomas More

Apesar de controvérsias acadêmicas ao traçar o início definitivo das tentativas de Shakespeare como poeta, convém levarmos em conta a febre dos sonetos ao redor de 1590 na Inglaterra1. Essa, infelizmente, foi acompanhada por outra febre, advinda do surto de peste: de 1592 a 1593 teatros foram fechados como medida de segurança pelas autoridades londrinas, forçando escritores de espetáculos teatrais a buscarem alternativa fonte de renda. Shakespeare foi um deles e, escrevendo poemas narrativos, conquistou a atenção e patrocínio de um jovem conde de Southampton. Seus primeiros dois poemas publicados, Vênus e Adônis e A violação de Lucrécia, foram dedicados ao rapaz e foram tão bem sucedidos que chegaram a atingir dezesseis reedições. Para os contemporâneos, “poesia” significava quase o mesmo que “literatura” significa atualmente. Além disso, nos aponta Peter Hyland que: Enquanto nenhum tipo de ofício de escritor profissional era respeitável, existia uma diferença, medida pela legitimidade social, entre escrever para a pequena minoria sofisticada (ou aspirante a sofisticada) que comprava livros de poesia, e escrever para as turbulentas massas que frequentavam os casas de teatro públicas. (HYLAND, 2003, pp. 15. A tradução é minha.)

William teve a sorte, portanto, de inicialmente cair nas graças de ambos círculos. Ironicamente, não publicou nenhuma de suas peças teatrais. Especula-se que o ritual comércioteatral da época não conferiu muita importância ou preocupação a tal ato: uma peça, depois de escrita, era vendida a uma companhia teatral e, enquanto fizesse sucesso, já gerava dinheiro sem a necessidade de ser publicada (correndo-se o risco de versões piratas do roteiro pulularem nos mercados clandestinos). Certos biógrafos cogitam também o compartilhado pensamento da época que enxergava na criação poética maior altivez de invenção ao poeta em comparação ao dramaturgo 2. Curioso notar que ao fim de seu “período” como poeta, terminou por retornar ao ramo teatral quase que imediatamente: 1

Apesar do gênero já existir cerca de cinquenta anos antes.

2

Cf. KAY, Dennis apud BURGESS, 2006, pp.16

Aqui, novamente, podemos pensar que o instinto o induzia a voltar para o teatro, onde pisava em solo seguro. Mesmo que seu público o obrigasse, às vezes, como um patrono, a escrever a contragosto, isso era menos humilhante para ele. Em todo caso, o teatro era muito mais estimulante. A distância entre o clima feudal e o moderno era apenas a da mansão de um nobre até o Globe. [...] O teatro era sua salvação contra introspecção, o soneto era seu meio de imergir em um estado de ânimo que era “doce” por ser solitário. (KIERNAN, 1999, pp.237)

Em 1609 foi publicada uma coleção de 154 sonetos, atribuídos a “Shake-speare” (sic), por Thomas Thorpe. Estudiosos shakespearianos não chegam a consenso em relação a unânime autoria dos sonetos ou à permissão do autor em relação à publicação. Na Inglaterra Elizabethana, estava em voga a desorganização (até inescrupulosa) de editores, valendo-se da publicação de poemas como anônimos, do pirateamento poético e até a falsa atribuição de autoria a poetas famosos (visando aumentar a porcentagem de vendas). Mesmo assim, sabe-se que desde 1598 o comentador Fracis Meres comparava a “melíflua e melada língua” de Shakespeare e “seus açucarados sonetos [que circulam] entre seus amigos pessoais” às obras do poeta romano Ovídio3. Estranhamente, seus Sonetos não parecem ter sido tão bem recebidos, visto que não ganharam nenhuma nova edição do autor em vida. A compilação Sonetos revolucionou o ramo poético-literário conforme inverteu vários valores canonizados por Petrarca ou pelos clichés Elizabethanos4. Shakespeare transfere o ponto focal (antes exclusivo) da inatingível mulher ideal para figuras como o jovem rapaz que talvez seja (ou talvez não seja) inatingível5, a mulher que é atingível mas gera relações de amor e ódio no “eu lírico”, impõe novos humores e intensidades amorosas satíricas ao gênero e aos valores da elite. Às vezes, o realismo em relação ao sentimento humano desses sonetos nos fazem crer em traços autobiográficos do autor presentes nos quadros que retrata. Se este for realmente o caso, é triste observarmos suas frustrações e decepções em relação à incerta vida literária que levava: Ah, é bem verdade, fui a toda parte E fiz de mim um tolo perante todos,

3

Cf MERES, Francis apud KERRIGAN, John in: GRAZIA, 2001, pp.65

4

Cf. HYLAND, 2003, pp. 146.

5

Alguns críticos inclusive tomam tal característica como aval para uma possível bissexualidade de Shake-

speare. Considerar tamanha abrangência interpretativa não contempla a liberdade poética de mudança de gênero do “eu lírico” dos versos.

2

Gorei os pensamentos, vendi barato o mais caro, Renovei velhas ofensas às minhas afeições. Certo é que encarei a verdade De soslaio e a estranhei; mas, por tudo que foi dito, Esses erros deram novo alento ao meu coração, E as piores tentativas provaram que és meu amor. (Soneto

110.

Tradução

disponível

em

http://

f r a g m e n t o l i t e r a r i o . b l o g s p o t . c o m . b r / 2 0 11 / 1 2 / o s - s o n e t o s - 1 0 9 11 0 - d e shakespeare.html, acesso em 10/12/2012.)

BIBLIOGRAFIA BLOOM, Harold. “As grandes tragédias”. In: Shakespeare: a invenção do humano. Tradução José Roberto O’Shea. Revisão Marta M. O’Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. BORNHEIM, Gerd. “Prefácio” In: HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004. BURGUESS, Anthony. “William Shakespeare”. A Literatura Inglesa. 2a edição, 6a impressão. Tradução Duda Machado. São Paulo: Ática, 2005, pp. 89-99. GRAZIA, Margreta e WELLS, Stanley. The Cambridge Companion to Shakespeare. Reino Unido: Cambridge University Press, 2001. HELIODORA, Barbara. “Otelo, uma tragédia construída sobre uma estrutura cômica”. In: Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004. HELLER, Agnes. “O que é Natureza? O que é natural? Shakespeare como Filósofo da História”. In: Revista Morus - Utopia e Renascimento, no 2. Tradução Helvio Gomes Moraes Jr. Campinas/SP: Unicamp, 2005, pp.19-38. HONAN, Park. “O sublime trágico”. In: Shakespeare: uma vida. Tradução: Sonia Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 386-421. HYLAND, Peter. An Introduction to Shakespeare’s Poems. China: Palgrave Macmillan, 2003. JOWETT, John. Shakespeare and Text: Oxford Shakespeare Topics. Nova Iorque: Oxford University Press, 2007 KIERNAN, Victor. Shakespeare: poeta e cidadão. Tradução Alvaro Hattnher. São Paulo: Fundação da Editora UNESP, 1999. KOTT, Jan. “Os Reis”. Shakespeare nosso contemporâneo. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, pp.25-67. SHAKESPEARE, William. Ricardo III: mangá Shakespeare. Tradução: Alexei Bueno. Ilustrações de Patrick Warren. Galera Record. Rio de Janeiro. 2011. Comédias, de Shakespeare. Vida Editorial. Disponível em http://www.videeditorial.com.br/dicionario-obras-basicas-da-cultura-ocidental/a-b-c/comedias-de-shakespeare.html, acesso em 12/12/12. The Complete Works of William Shakespeare. Wordsworth Library Collection. The Shakespeare Head Press, Oxford, Edition. 2007. Especialistas Comentam a Longevidade de William Shakespeare. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,especialistas-comentam-a-longevidade-de-william-shakespeare,877513,0.htm, acesso em 12/12/12. Shakespeare e a Psicologia da Mutabilidade. Disponível em http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/ 13729/13729_2.PDF, acesso em 12/12/12.

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