BRICS e a Nova Ordem Internacional

August 7, 2017 | Autor: J. Silva | Categoria: Development Studies, China studies, Emerging Markets, BRICS
Share Embed


Descrição do Produto

BRICS e a NOVA ORDEM INTERNACIONAL

BRICS e a NOVA ORDEM INTERNACIONAL Jorge Tavares da Silva (Coordenação)

João Gomes Cravinho (Prefácio)

Paulo Roberto de Almeida (Brasil)

Sandra Fernandes (Rússia)

Eugénio Viassa Monteiro (Índia)

Jorge Tavares da Silva (China)

Philippe Tshimanga Kabutakapua Aninho Mucundramo Irachande (África do Sul)

SUMÁRIO 7

Lista de siglas e acrónimos

11 15

Nota Introdutória Agradecimentos

17

PREFÁCIO – João Gomes Cravinho

29

INTRODUÇÃO – Jorge Tavares da Silva Enquadramento conceptual e a institucionalização dos BRICS As novas fronteiras da economia internacional BRICS numa ordem internacional renovada Objetivos e organização do volume

13

36 43 51 60 71 71 79 90 99 104 109 117 117

CAPÍTULO 1. Brasil – Paulo Roberto de Almeida O Brasil e os principais componentes de sua geoeconomia elementar O sistema político brasileiro e sua posição na geopolítica mundial Potencial e limitações da economia brasileira no contexto internacional A emergência econômica e a presença política internacional do Brasil A política externa brasileira desde 2003 e sua atuação no âmbito dos BRICS Conclusões: o que busca o Brasil nos BRICS?; o que deveria, talvez, buscar? CAPÍTULO 2. Rússia – Sandra Fernandes Introdução: o regresso de uma potência paradoxal

118

164

O sistema político: o cunho do hiperpresidencialismo Situação económica e características do mercado Uma política externa em transição: a “vizinhança próxima” e a ordem do pós-Guerra Fria Rússia e BRICS: o enfoque chinês Conclusão

171

CAPÍTULO 3. Índia – Eugénio Viassa Monteiro

125 132 145 158

171 176 182 190 194 195 211

Breves rasgos da história: da antiguidade à dominação estrangeira A Índia livre: Ideias-força no progresso social: notas introdutórias A riqueza na base da pirâmide social. Economias de escala Das ideias à ação: instrução, saúde e trabalho Relações externas e a dimensão geopolítica

221

CAPÍTULO 4. China – Jorge Tavares da Silva

221 225 230 235 244 252 257 271 271 272 274 278 282

Do isolacionismo milenar ao reformismo denguista A estrutura do poder e o “sonho da China” Forças e fraquezas do novo epicentro do crescimento mundial Dinâmicas da política externa chinesa A nova projeção do poder de Pequim no seu espaço regional A China no contexto dos BRICS CAPÍTULO 5. África do Sul – Philippe Tshimanga Kabutakapua e Aninho Mucundramo Irachande A África do Sul e os BRICS: notas introdutórias A “nação arco-íris”: um mosaico de cores, povos e nações discriminação racial Sistema político na África do Sul pós-Apartheid A nova política externa e o enquadramento geopolítico do país

286 293 295 299 304 313

Potencialidades Pretória no quadro de cooperação dos BRICS Estrutura produtiva e indicadores económicos

| 7

LISTA DE SIGL A S E ACRÓNIMOS AEB ACR AFP AIDS/HIV ANC ASEAN BDA BJP BPO BM BRICS CBERS CEI CIA CNUDM CO2 COMESA COSATU CPLP CPS CSCE CSN CSNU CSTO CVRD EIA EMN EPL ETIM EU EUA EURASEC EXIMBANK FAO

[The Association of the European Businesses] - Associação dos Empresários Europeus Arranjo Contingente de Reservas Agence France Presse [ ] Síndrome African National Congress [ ] Associação de Nações do Sudeste Asiático Banco de Desenvolvimento Asiático Baratiya Janata Party Business Process Outsourcing Banco Mundial Brasil, Rússia, Índia e China [ ] Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres Comunidade de Estados Independentes Central Intelligence Agency Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar Dióxido de Carbono [ ] Mercado Comum da África Oriental e Austral Congresso dos Sindicatos dos Trabalhadores Africanos Comunidade de Países de Lingua Portuguesa Conselho de Paz e Segurança Commission on Security and Cooperation in Europe Companhia Siderúrgica Nacional Conselho de Segurança das Nações Unidas [ ] Organização do Tratado de Segurança Coletiva Companhia Vale do Rio Doce Energy Information Administration Empresas Multinacionais Exército Popular de Libertação [East Turquestan Islamic Movement] Movimento do Turquestão Islâmico Oriental [European Union] União Europeia Estados Unidos da América Eurasian Economic Community Export-Import Bank of China Food and Agriculture Organization

8 |

FDI FHC FMI FNLA FOCAC G20 G7 G8 GATT GEAR GNU IBAS IBEF

[Foreign Direct Investment] Investimento Direto Estrangeiro Fernando Henrique Cardoso [ ] Fundo Monetário Internacional Frente Nacional para Libertação de Angola Fórum de Cooperação China-África Grupo dos 20 Grupo dos 7 Grupo dos 8 [General Agreement on Tariffs and Trade ] Acordo Geral sobre sobre Tarifas e Comércio. [ ] Crescimento, Emprego e Redistribuição]. Governo de Unidade Nacional [ ] Índia, Brasil e África do Sul India Brand Equity Foundation

IC IDE IDN IFC INC ISCIA LCM MW MIST MPLA MT NAFTA

Instituto Confúcio [Foreign Direct Investment] Investimento Direto Estrangeiro Instituto de Defesa Nacional International Finance Corporation Indian Nacional Congress Instituto Superior de Ciências da Informação e Administração Linhas de Comunicação Marítima Megawatts (potência) México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia Movimento Popular de Libertação de Angola Milhões de toneladas [ ]

NATO NBD NDP NPC NRC OCDE OCRI OCX

The North Atlantic Treaty Organization Novo Banco de Desenvolvimento [ ] Plano de Desenvolvimento nNcional National Planning Commission

OMC ONG ONU OPEP OSCE OUA PCSD PEV

Organização Mundial de Comércio Organização Não Governamental Organização das Nações Unidas Organização dos Países Exportadores de Petróleo Organização para a Segurança e Cooperação na Europa Organização para a Unidade Africana Política Comum de Segurança e Defesa Política Europeia de Vizinhança

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico Observatório de Comércio e Relações Internacionais Organização de Cooperação de Xangai

| 9

PIB PIT PISA PPC PT RDP RMB RPC RSA SADC SADCC SINOPEC SWOT TAFTA TI TOI TTIP UA UAd UE UISM UK UNITA URSS ZEE

Produto Interno Bruto Partido Islâmico do Turquestão [ ] Programa Internacional de Avaliação de Alunos Paridade de Poder de Compra Partido dos Trabalhadores [The Reconstruction and Development Programme] Programa de Reconstrução e de Desenvolvimento [ República Popular da China República Sul-Africana [ ] Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [ ] Conferência para a Coordenação do Desenvolvimento da África Austral China Petroleum and Chemical Corporation [ ] Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças Transatlantic Free Trade Area Teconologias de Informação Times of India Transatlantic Trade and Investment Partnership União Africana União Aduaneira União Europeia United Kingdom União Nacional para a Independência Total de Angola União das Repúblicas Socialistas Soiviéticas ] Dólar Americano Zona Económica Especial

| 11

LISTA DE QUADROS, TABEL A S E FIGUR AS 28

30 34 38 39 44 44

Os cincos líderes dos dos BRICS na cimeira de Fortaleza INTRODUÇÃO Contributo das grandes potências na criação de riqueza mundial Protótipo de máquina de costura movida a força canina Projeção da Goldman Sachs para as maiores economias mundiais em 2050 Cimeiras dos BRICS Potências expressas em produto interno bruto Quota de percentagem do PIB global

46 56 59 68

70 72 73 80 82 85 86 87 89 90 93 95 96 97 98 99 101

116 123 133 133

O Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS Quadro comparativo dedesempenho económico e estabilidade política nos BRICS BRICS em números BRASIL Mapa do Brasil A primeira divisão do mundo entre portugueses e espanhois, 1493, 1494 A linha de Tordesilhas e o alargamento posterior do Brasil Constituições e regimes políticos no Brasil, 1824-2014 Indicadores econômicos em duas fases do regime militar, 1970-1984 Indicadores econômicos nos governos FHC: 1995-2002 Indicadores econômicos nos governos Lula: 2003-2010 Indicadores econômicos agregados para as presidências FHC e Lula Indicadores econômicos do Governo Dilma Rousseff: 2011-2014 Brasil: taxas de crescimento médio anual cumulativo, 1995-2013 Quadro SWOT para o Brasil Resultados do PISA 2012 para os países dos BRICS incluídos na avaliação BRICS: receitas públicas em % do PIB, 2013 Doing Business, 2013, países e indicadores selecionados Índice de Competitividade Global, 2014, países selecionados Poupança nos BRICS, 2013 Índice de preços de todas as commodities, 2000-2014 (excluindo o petróleo) RÚSSIA Mapa da Rússia Geopolítica da energia BRICS: evolução do PIB (preços constantes) BRICS: evolução do PIB per capita (preços constantes $)

12 |

135 136 137 138 139 163

170 175 181 187 199 208

220 222 224 225 226 231 233 236 238 259 259 260

270 290 300 301 302 303 304 305 306 308

Exportações russas Importações russas Rússia no ranking da produção mundial de produtos industriais Infraestrutura de produção e rede de distribuição Consumo europeu Análise SWOT da Rússia ÍNDIA Mapa da Índia Mapa político da Índia Riqueza da Índia e Reino Unido, em percentagem da riqueza mundial Análise SWOT da Índia Trabalho e Riqueza Quadro de trabalhadores nas grandes empresas de TI CHINA Mapa da China Distribuição da população na linha Aihui-Tengchong Macrorregiões e principais cidades da China oriental A história da China da era imperial ao presente Visão tradicional chinesa sobre o mundo O sistema Partido-Estado chinês Geração de líderes chineses Crescimento Económico Chinês 1980-2012 Análise SWOT da China Domínio chinês no comércio intra-BRICS Importação de produtos industriais entre os BRICS Valor das importações e exportações de mercadorias e serviços ÁFRICA do SUL Mapa da África do Sul Taxa de crescimento do produto interno bruto - países membros dos BRICS Participação dos setores no PIB Participação dos setores no PIB (em %) Evolução das exportações de produtos manufaturados Evolução dos principais indicadores económicos Análise SWOT da África do Sul Taxa de Desemprego Total e por Grau de Instrução entre 2000 e 2011 Evolução da Taxa de Desemprego Total e Segundo o Nível de Instrução (2000-2011) O Plano de Desenvolvimento Nacional (NPD) e o Novo Caminho de Crescimento (NPC)

| 13

NOTA INTRODUTÓRIA Armando Teixeira Carneiro Presidente CA da FEDRAVE

N

a regular mas ainda nova actividade editorial da FEDRAVE, através da nossa editora MARE LIBERUM, iniciamos hoje uma experiência: uma parceria editorial com a CALEIDOSCÓPIO que esperamos venha a ser frutuosa. A actividade editorial é cada vez mais complexa, com ganhos marginais, sujeita a procura de actividade em rede mesmo em instituições como a nossa em que prevalece o espírito de animus donandi. Este oportuno trabalho, orientado por um dos nossos mais jovens e promissores investigadores, que iniciou os seus estudos superiores no ISCIA e nele agora trabalha como docente coordenador e investigador, dirigindo o OCRI – Observatório de Comércio e Relações Internacionais, é inovador e introdutor de um tema relevante na actual economia mundial: a dinâmica relacional de um conjunto diferenciado de Estados que são factor catalisador de uma nova ordem mundial multipolar que substitui, por fragmentação e dispersão, o modelo bipolar Certamente que a evolução sinfásica, mas logicamente diferenciada, de cada um dos Estados em análise, vai permitir novas investigações de natureza geopolítica e a eventual formulação de novos conceitos. Um trabalho que dentro do ISCIA poderá ser realizado entre o já citado OCRI e o CPG – Centro Português de Geopolítica, o nosso mais antigo centro de investigação aplicada, e ainda em parceria com o OSM – Observatório de Segurança Marítima, atendendo à maritimidade destes novos actores mundiais e às suas crescentes apetências de virem a ser, simultaneamente, estados continentais e estados marítimos.

| 15

AGR ADECIMENTOS

A

publicação deste livro deixa o seu coordenador em dívida perante um conjunto de individualidades e organismos, sem os quais não teria sido possível dar continuidade e terminar o projeto. É neste âmbito que expresso os meus mais sinceros agradecimentos a todos eles pela colaboração e atenção dispensada. Desde logo: aos coautores do livro, ao Doutor Paulo Roberto de Almeida, à Doutora Sandra Fernandes, ao Doutor Eugénio Viassa Monteiro, ao Doutor Philippe Tshimanga Kabutakapua e Doutor Aninho Mucundramo Irachande, pela rápida resposta à solicitação inicial e pelo empenho e entusiamo na elaboração dos respetivos capítulos que compõem esta obra. Ao Doutor João Gomes Cravinho, um agradecimento especial pela disponibilidade concedida de forma a honrar este livro com o seu prefácio, sabendo das Teixeira Carneiro, diretor do ISCIA, por contribuir para que mais um projeto em que estou envolvido se torne realidade, tendo colocado à minha disposição a equipa técnica do ISCIA e da editora Mare Liberum. Ao Doutor Jorge Ferreira da editora Caleidoscópio pelo interesse em se associar à publicação desta obra. Ao Dr. José

páginas iniciais deste livro, e ao doutorando da Universidade do Minho, Vicente Ferreira da Silva, as ilustrações do capítulo da Rússia. deixo também um agradecimento especial. São elas, a Fundação para o Estudo e Desenvolvimento da Região de Aveiro (FEDRAVE), o Instituto Superior de Ciências de Informação e Administração (ISCIA), o Instituto Internacional de Macau (IIM), o Centro de Estudos e Investigação de Segurança e Defesa de Trás-os-Montes e Alto Douro (CEIDSTAD), o Observatório da China, a Fundação Jorge Álvares e o Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE). mulher, Débora Lopes, que tendo conhecido a falar de livros, por amor, quase me ciar histórias que só em palavras conhecia. Aos dois, um obrigado do tamanho do mundo, pois são eles que seguram a candeia que me alumia o caminho.

| 17

PREFÁCIO João Gomes Cravinho

N

os primeiros anos da segunda década deste século, boa parte do comentarismo internacional projeta a emergência dos BRICS como um dos fenómenos

inventado por Jim O’Neill em 2001, no âmbito de um trabalho para a Goldman Sachs sobre o aumento relativo do peso dos quatro países referidos – Brasil, Rússia, Índia e China – no PIB global. O principal propósito de O’Neill consistia em oferecer várias sugestões para melhorias da coordenação económica internacional, nomeadamente ajustando a composição do G7/8 (O’Neill, 2001). O texto de Jim O’Neill, combinando alguma perspicácia económica com ingenuidade política, seria um entre milhares escritos nos primeiros anos do século sobre essa temática, não fosse uma década mais tarde. O’Neill considera inapropriado que se tenha acrescentado ao seu acrónimo o “S” da África do Sul, por considerar que esse país tem características e escala económicas diferentes dos demais, mas, como bem referem os autores do capítulo sobre a África do Sul, esse raciocínio peca por não entender que os BRICS são essencialmente um fenómeno político. Atendendo a que O’Neill não se ocupa de todo da coordenação ou interação entre os próprios BRIC, seja no plano económico ou político, estamos na realidade face a uma trouvaille, uma iden-

Esta pequena excursão pelas origens do termo BRICS serve como alerta quanto à precariedade das nossas análises sobre o mundo enquanto ele gira, muito agravado quando se cede à tentação de projetar no futuro tendências da atualidade. Não obstante, há dois aspetos que se impuseram nestes anos mais recentes, e cipais dinâmicas de cada um destes cinco países, com uma análise, na perspetiva BRICS. O primeiro, corretamente previsto por O’Neill (excetuando o caso da África do Sul) diz respeito ao crescente peso destes países na economia mundial, ainda que a ritmos muito diferenciados. Por si só, esta realidade impõe aos estudiosos das dinâmicas internacionais uma atenção reforçada aos principais traços destes

18 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

países. O segundo, fenómeno mais recente, diz respeito ao processo de formalização dos BRICS enquanto entidade de coordenação política internacional. Com efeito, este processo encontra-se hoje num plano de relativa imaturidade, embora já não seja incipiente, valendo a pena indagar quanto à consistência e ao próprio

Guerra Mundial, mostra evidentes sinais de cansaço: incapacidade de lidar com -

as alterações geoeconómicas e geopolíticas globais. Sintomático desta letargia é a forma como o Banco Mundial negociou durante longos anos reformas na distribuição de poder de voto nas decisões do Banco, tendo redundado em alterações mais cosméticas que reais.1 No caso do FMI é ainda mais grave: desde 2010 que a proposta de reforma está pendente aguardando luz verde do Congresso americano. As regras do FMI implicam que alterações no poder de voto sejam sufragadas por uma maioria de 85% dos votos. Como os EUA detêm cerca de 17% dos votos têm na realidade poder de veto. Até ao momento as alterações de 2010, aumentando ligeiramente a voz dos países emergentes, foram aprovadas por 77% dos votos representando 146 países, mas enquanto o Congresso americano não der o seu aval elas não entrarão em vigor. A relutância em abrir mão da anacrónica regra segundo a qual a liderança do Banco Mundial cabe sempre a um americano e a do Fundo a um europeu é outra fonte de frustração para a maioria dos países de outros continentes.2 A situação é paradoxal porque os países que mais interesse teriam na reforma gradual e controlada do sistema multilateral instituído nos anos 40 do século passado são precisamente os que o criaram, nomeadamente os Estados Unidos e os principais países europeus. Mais grave ainda é que a ordem económica multilateral não pode ser entendida como algo de isolado ou dissociado da governação política global. Desde o desmoronar do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética temos um contexto em que a posição hegemónica dos Estados Unidos vem sofrendo uma paulatina mas percetível erosão. O primeiro Presidente da era unipolar, George

1. 2.

Cfr. Robert H. Wade e Jakob Vestergaard (2012), “The Future of the World Bank: Why More ‘Voice Reform’ is Needed”, http://cde.williams.edu/wp-content/uploads/2012/10/The-Future-of-theWorld-Bank_RWade.pdf. Apesar da sua insatisfação com o atual sistema os BRICS foram incapazes de apoiar a uma só voz um candidato alternativo à francesa Christine Lagarde, quando apareceu inesperadamente em 2011 uma vaga na liderança do Fundo Monetário Internacional, mostrando que os interesses dos

PREFÁCIO

| 19

Bush, deu sinais de entender a oportunidade de reorganização multilateral que se lhe deparava, mas faltou criatividade e energia para que aquele momento ideal fosse aproveitado para colocar num novo patamar os mecanismos de governação global que as novas dinâmicas internacionais exigiam. Passado pouco mais de

era: a invasão do Iraque pelos Estados Unidos e alguns dos seus aliados em 2003. O papel hegemónico americano depende não apenas da sua imensa superioridade militar e económica, mas também da legitimidade que resulta do fornecimento de bens públicos globais e da capacidade de contribuir para a resolução de problemas que minam a segurança e estabilidade internacional. Quando, como aconteceu, se dá um abuso grave desta posição, levando a cabo uma invasão desnecessária com um pretexto espúrio e consequências da maior gravidade para a estabilidade internacional, é inteiramente natural que a legitimidade hegemónica sofra uma erosão acentuada. A preponderância de poder dos Estados

perdurará como exemplo daquilo que pode acontecer na ausência de contrapesos nhado em permanentes controvérsias entre a Presidência e o Congresso e entre visões políticas dilacerantemente diferentes, em interpretar as responsabilidades que permitirão recuperar legitimidade hegemónica e fundamentar a transição conveniente para um sistema multilateral que seja capaz de compreender as realidades da multipolaridade. Não deve pois surpreender que potências emergentes procurem traduzir a sua relativa ascendência económica em mecanismos de coordenação que acelerem a decadência da atual ordem. É aqui que nos confrontamos com as principais perguntas da atualidade: Serão os BRICS capazes de coordenar os seus instrumentos de forma a corresponder aos seus objetivos contestatários? Serão os BRICS capazes de imaginar e promover formas alternativas de organização do sistema internacional? Serão os BRICS capazes de contribuir positivamente para a governação global, oferecendo soluções para problemas cada vez mais interligados e carentes de respostas à escala planetária? São questões maiores para quem se interessa por relações internacionais, e o ponto de partida é uma base de conhecimento sobre cada um dos cinco países que compõem os BRICS, e sobre o pensamento que em cada capital se pode encontrar quanto à utilidade deste agrupamento. A ambição deste livro consiste precisamente em corresponder a esta necessidade, sendo assim, em meu entender, um contributo da

20 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

maior relevância para quem lê, escreve ou pensa sobre relações internacionais em português. Os que naquela altura tinham idade para pensar sobre política internacional estarão recordados que nos anos 80 havia um consenso quanto à ascendência económica do Japão. Embora as consequências políticas fossem pouco claras, atendendo à condição japonesa de ser militarmente um protetorado dos Estados Unidos, poucos divergiam da narrativa segundo a qual o Japão estava destinado a eclipsar os países da Europa ocidental, atingindo mesmo num par de décadas uma capacidade económica equivalente ou superior à americana.3 Não foi essa a história que aconteceu nestas últimas três décadas. É igualmente verdade que não se encontram nos anos 40 ou 50 do século passado futurólogos que se arriscassem a prever a extraordinária inovação que se viria a chamar União Europeia, experiência sem paralelo histórico em matéria de integração regional e partilha de elementos de soberania. Ou seja: o que sabemos sobre o futuro é que ele não escapamos a atribuir-lhe precisamente essa característica. A ascendência linear dos BRICS que parecia uma proposta irrecusável há um par de anos atrás é hoje, em meados de 2014, entendido como algo que pode ou não acontecer, e que será mais problemática do que se pensava. Vale a pena explorar dois ou três aspetos da complexidade deste processo. O primeiro diz respeito à dinâmica económica e à capacidade de desempenharem o papel de principal motor da economia mundial. À hora da escrita, quatro dos BRICS enfrentam exceção da China, as análises SWOT que em cada capítulo se incluem pendem atualmente para o lado dos pontos fracos e das ameaças. Na Índia, ainda é cedo para perceber se o novo Governo será capaz de inverter a desaceleração dos penosos últimos anos da governação de Manmohan Singh e do histórico partido do Congresso. É verdade que, mesmo neste período de desalento, a economia indiana cresce a cerca de 5% por ano, mas este crescimento é pouco para um país que parte de uma base de desenvolvimento tão baixa, e que precisa de criar cerca de um milhão de empregos por mês para absorver o enorme número de jovens (na sua esmagadora maioria pouco escolarizados) que incesque a Índia pode ter depende essencialmente da sua capacidade de escolarizar e formar devidamente os milhões de jovens indianos, mas os atuais indicadores são profundamente preocupantes a este respeito. O sistema político e os mecanismos 3.

O icónico livro de 1979 de Ezra Vogel, década seguinte seria amplamente difundida.

, cristalizou o pensamento que na

PREFÁCIO

| 21

de tomada de decisão são muito fragmentários, frequentemente paralisantes, e o combate aos elevados índices de corrupção mostra poucos sinais de sucesso. Ou seja, sendo verdade que o potencial do país é grande, é igualmente verdade que nos próximos anos os obstáculos serão muito penalizadores. A Rússia encontra-se atualmente à beira da recessão, tendo provocado de consequências geopolíticas e também económicas. O país vive essencialmente à custa das indústrias extrativas, mostrando pouca capacidade de inovar e de renovar a sua decadente infraestrutura produtiva. A sua dependência em relação aos mercados energéticos e a elevada tensão com os países europeus que são os

em maré de grande popularidade por ter sabido interpretar aspirações nacionalistas. Contudo, esta popularidade é ténue, sendo abalável por um par de anos

Na África do Sul, os problemas estruturais persistem e o crescimento tem as expetativas de grande progresso económico e social nos vinte anos que já formas, incluindo turbulência laboral, elevada criminalidade e quase dois terços de jovens no desemprego. As perspetivas futuras não permitem pensar que estes problemas irão desaparecer nos anos mais próximos, embora o país possa tirar continente africano. Quanto ao Brasil, estes anos mais recentes foram difíceis, com crescimento económico parecido com o de muitos países europeus. Numa perspetiva histórica mais ampla vemos sinais contraditórios, com forte crescimento em alguns períodos, nomeadamente na primeira década deste século, mas uma tendência para uma ligeira diminuição do peso do Brasil num horizonte mais alargado: em 1988 o Brasil representava 3,57% do PIB mundial, enquanto em 2013 não representava mais de 2,79%.4 múltiplas leituras alternativas, sendo incerto se o Brasil demonstrará capacidade para superar os seus obstáculos internos e assumir um papel de liderança económica e política na América do Sul. 4.

Em paridade de poder de compra. Cfr. http://www.quandl.com/c/economics/gdp-as-share-ofworld-gdp-at-ppp-by-country.

22 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

Resta a China, que conseguiu superar a crise de 2008 e a posterior desacelevista económico, contém uma desmedida assimetria em resultado da presença da China. Tal como é referido em vários pontos deste livro, a China participa em 85% do comércio intra-BRICS; ela é responsável por 65% do comércio dos BRICS com o resto do mundo, e representa 55% do PIB combinado dos BRICS. O desequilíbrio é tal que um comentador indiano perguntava recentemente se fazia sentido a China associar-se a países tão distantes em matéria de pujança económica5. Mas a resposta é clara: trata-se de um projeto político que tem como ambição redecolocar a própria China, coadjuvada pelos restantes BRICS num papel de centralidade discreta mas incontornável. Nesta fase, qualquer caracterização que se possa fazer dos BRICS é precária face à rápida evolução do cenário internacional, mas há diversos elementos que sobressaem para os tempos mais próximos. Apesar das fragilidades evidenciadas atualmente por vários dos BRICS, deve-se admitir a possibilidade de voltarem a ganhar a pujança que tinham há poucos anos, aumentando a sua capacidade reivindicativa. Por outro lado, mesmo admitindo o cenário mais pessimista de de cooperação dos BRICS acentuará a sua capacidade de intervenção internacional. Em qualquer dos cenários, é portanto previsível que os BRICS se tornem um elemento mais ativo nas relações internacionais contemporâneas. Convém também notar que a ascensão dos BRICS não é vista com tranquiliocidentais que criaram os principais contornos da ordem internacional atual em Outros países emergentes como o México, a Indonésia e a Turquia associam-se com o intuito de não verem os seus interesses marginalizados. Na América Latina, as diplomacias do México e da Venezuela empenham-se ativamente (o que não deixa de ser visto com agrado na Argentina) para evitar que o Brasil venha a ser considerado porta-voz internacional do subcontinente. No continente africano, a resistência a qualquer pretensão de liderança por parte da África do Sul é grande, seja no âmbito dos BRICS ou da candidatura sul-africana a membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. No continente asiático a ascensão 5.

“Its leadership must, in private moments, be asking why it is hanging out at the children’s table” (Chakravorti, 2014).

PREFÁCIO

| 23

da China é considerada por muitos países (Japão, Coreia do Sul, países da ASEAN) como a maior ameaça que enfrentam a médio-longo prazo. É no continente asiático que os BRICS encontram a sua maior contradição, nomeadamente a tensão entre a Índia e a China. Estes dois gigantes asiáticos ainda pela China para testar o grau de preparação e de determinação da Índia. A Índia, por sua vez, procura estreitar laços políticos, económicos e militares com a Coreia e, sobretudo, com o Japão como contrapeso em relação à China. As relações entre a Rússia e a Índia são intensas e íntimas desde a Guerra Fria, mas para a Rússia é a China que lhe oferece possibilidades mais interessantes, nomeadamente com o recente acordo para a criação de um gasoduto da Sibéria para a China. Após assinar um acordo (às quatro da manhã) num momento particularmente intenso cações sugerem que a China tirou proveito da urgência russa para impor as suas preferências. Entre os BRICS não há preços para amigos, como nos recorda Paulo Roberto de Almeida quando fala da ausência de concessões da Rússia a interesses brasileiros no âmbito da sua adesão à OMC. Em suma, o caminho dos BRICS não será fácil, apesar de ser provável que venha a ter, em alguma medida, ganho de causa em algumas matérias. O primeiro de 2014, viu a aprovação de um banco de desenvolvimento, denominado Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), e um fundo para emergências chamado Arranjo Contingente de Reservas (ACR). Tanto o banco como o fundo são claramente respostas à lentidão e pouca relevância das reformas do Banco Mundial e do FMI

parte do próprio Banco Mundial e de bancos regionais como o Banco Asiático de Desenvolvimento, Banco Africano de Desenvolvimento ou Banco Interamericano de Desenvolvimento, ou mesmo gigantes nacionais como o BNDES do Brasil ou o tica, permitindo crédito sem o controle técnico e as exigências inevitavelmente políticas do Banco Mundial, sobretudo em matéria de boa governação. As ambia uma partilha equitativa no capital no NBD, introduzindo uma regra segundo a qual um país pode aumentar a sua participação apenas com o acordo dos outros quatro. Ou seja, o NBD terá apenas a dimensão permitida pelo facto da África do

24 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

ser trabalhadas, sendo interessante ver até que ponto os cinco fundadores do NBD estão disponíveis para assumir riscos na concessão de crédito a países terceiros e quais as condições em que o farão. A criação do ACR está mais atrasada e é mais difícil de pôr em andamento. Por um lado, representa simplesmente uma boa oportunidade de investimento para um conjunto de países que, devido à China, têm as maiores reservas mundiais de divisas estrangeiras. Mais importante, em termos da relevância do ACR, será o que difícil e pede aos outros que assumam parte do seu risco soberano através de um empréstimo de emergência. Haverá um desconto de solidariedade, ou aplicar-se-ão regras (preços, condições) de mercado? Se for este o caso, poderá haver pouca diferença com o FMI, que pode emprestar a preços relativamente baixos por causa das suas condicionalidades rígidas. Acontece ainda que à partida este fundo tem uma desvantagem grande em relação ao FMI: uma parte importante do poder do FMI advém da sinalização que faz à banca privada, o que por sua vez tem um impacto na redução de spreads (Mayer e Mourmouros, 2009; Eichengreen et al, 2005); não é nada claro que o ACR possa desempenhar esse papel. Quanto a outros países em desenvolvimento, estamos ainda muito longe de perceber se o tarefa que os cinco BRICS combinados quererão assumir. Previsivelmente, tal como assinala Paulo Roberto de Almeida neste livro, será a China a moldar as regras. Outro ponto de fricção entre os BRICS e muitos países ocidentais diz respeito às problemáticas de direitos humanos e promoção da democracia no contexto internacional. Três dos cinco BRICS são países democráticos, cada um com as

(citando Carlos Gaspar que é citado por Sandra Fernandes neste livro) transitou “de um regime democrático híbrido para uma autocracia de cariz imperialista”. As no âmbito dos BRICS. Para os países IBSA, a relação entre democracia e política externa situa-se apenas no âmbito do ambiente interno para a formulação da política externa. Nenhum destes três países assumiu a promoção da democracia, ou a luta por direitos humanos em outros países, como um vetor da sua política externa. Por maioria de razão a Rússia e a China também não o assumiram. Antes pelo contrário: os BRICS partilham uma abordagem soberanista das relações internacionais, na qual não há lugar para críticas sobre assuntos que possam ser considerados internos. Esta postura é muito visível no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e também no Conselho de Direitos Humanos. A abordagem soberanista constitui uma forte reação ao imaginário ocidental,

PREFÁCIO

| 25

sobretudo na versão europeia, inspirada pelo sucesso do modelo de partilha de soberania como forma de promover a democracia e a paz. Na perspetiva de muitos países emergentes e em desenvolvimento, trata-se de uma atitude que expõe a nu as alegadas hipocrisias internacionais, começando com a relação com os países do Médio Oriente e do Golfo pérsico. Sobretudo, resulta da desconsição de condições e processos mais convenientes para os países ocidentais. Em alguns casos é seguramente difícil contestar a noção que existem momentos em económica. Mas é também verdade que a abordagem soberanista, segundo a qual democracia e direitos humanos deixam de ser assuntos legítimos de discussão internacional, só pode servir de estímulo a regimes autoritários ou totalitários. OS BRIC S E A G OVERN AÇ ÃO G LOBA L Se é evidente que o projeto dos BRICS é contestatário da ordem internacional contemporânea, e consiste na criação de instrumentos e mecanismos de coordenação para levar a cabo essa contestação, é menos evidente o tipo de contributo que os BRICS podem oferecer às problemáticas da governação global. O Conselho de Segurança das Nações Unidas parece ter regressado à paralisia que o caracterizou ao longo das décadas da Guerra Fria, e começa a ser frequente ver a Rússia de fortes maiorias no Conselho ou na Assembleia Geral. A OMC está atualmente num impasse devido a um veto da Índia por razões de política interna. O tema das alterações climáticas, assunto maior dos nossos tempos, carece igualmente de um acordo internacional que não pode ser alcançado sem o envolvimento dos BRICS.

de opções de governação global, ocasionalmente bloqueando preferências largamente maioritárias. Contudo, embora seja indubitavelmente penalizador para as potências ocidentais que não haja consenso nas grandes temáticas da governação global, também não favorece os próprios BRICS, potências que pelo facto de serem “emergentes” necessitam de um ecossistema internacional estável. Quando se fala de governação global, num contexto de profunda interligação internacional e intertemática, a questão fundamental subjacente ao desenvolvimento de um consenso é a questão da distribuição da fatura pelos bens públicos necessários para a sustentação de um determinado regime que, em princípio, da parte dos Estados Unidos e de outros países ocidentais, o apelo para que a

26 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

China assuma um papel de “participante responsável”6 no sistema internacional. Da parte chinesa a resposta normalmente indica que o país é ainda um país “em desenvolvimento”, incapaz portanto de assumir custos pesados, e que está ainda no processo de corrigir desvios e injustiças históricas que durante largos anos favoreceram os países ocidentais. O mesmo se passa em relação à Índia, sendo voz corrente entre o corpo diplomático desse país a noção que o convite à Índia para assumir um papel mais ativo na governação global é um engodo que deve ser resistido. Compreende-se que este tipo de argumentos sejam esgrimidos com o intuito, sempre presente nos esforços diplomáticos de cada país, de minimizar o contributo individual para dirimir os custos dos bens públicos de que todos precisam. impasse em várias frentes em que a governação global é fundamental: alterações cional e mesmo combate ao terrorismo ou à desagregação de estados em várias partes do mundo. A característica central da globalização é precisamente a difusão de consequências da desregulamentação internacional por todo o planeta, frequentemente de forma imprevista. O falhanço de iniciativas de governação internacional não em processos de criação de uma ordem diferente. Contudo, mesmo esses terão a certo momento de contribuir para a criação da nova ordem que lhes parece mais favorável, o que acarreta necessariamente custos. Num contexto de transição de riqueza entre diferentes partes do planeta, é natural e necessário que haja, ao longo do tempo, um ajustamento na distribuição de custos dos processos de governação global. Inevitavelmente isto implicará alterações e novas preferências de governação, mas o tempo encarregará de demonstrar que é insustentável que não haja uma assunção de alguns custos por parte das novas potências. De algum modo este processo já começou com os BRICS, por exemplo com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas, mas estamos ainda muito longe de ver uma abordagem coerente e abrangente. Ora, saber se os BRICS evoluirão no sentido de interpretar e criar sustentadamente novos mecanismos de governação global, dar-nos-á a resposta para a questão que hoje se coloca: se os encarnam um pilar fundamental de uma nova ordem internacional.

6.

“Responsible stakeholder”, na versão inglesa que é mais expressiva.

PREFÁCIO

REFERÊNCIA S BIBLIOG R Á FIC A S CHAKRAVORTI, Bhaskar (2014), “A New Club for India”, Indian Express, 4 de Agosto. EICHENGREEN, Barry et al (2005), “The IMF in a World of Private Capital Markets”, , https://www.imf.org/ ex ternal /pubs/ f t / wp/ 2005/ wp058 4.pdf [consultado em 31 de julho de 2014]. MAYER, Wolfgang; MOURMOUROS, Alexandros (2009), “IMF Loans as Catalysts for Private Foreign Investment”, zations, http://wp.peio.me/wp-content/ up l o a ds / 2014 / 0 4 / Co n f 3 _ M aye r- M o u rmouras-09.09.09.pdf [consultado em 31 de julho de 2014]. O’NEILL, Jim (2001), “Building Better Economic Global BRICs”, , Global Economic Paper No: 66. http://www. goldmansachs.com/our-thinking/archive/ archive-pdfs/build-better-brics.pdf [consultado em 31 de julho de 2014].

| 27

Os cincos líderes dos países que compõem o grupo dos BRICS na cimeira de Fortaleza, em 15 julho de 2014. Da esquerda para a direita: Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Dilma Rousseff (Brasil), Xi Jinping (China) e Jacob Zuma (África do Sul). FONTE: Roberto Stuckert Filho, Presidência da República do Brasil, 2014.

| 29

INTRODUÇ ÃO

1

“The inferior’s revolt to become equals and equals to become superiors. This is the frame of mind that generates revolutions” (Aristóteles apud Pelle, 2007: 11)

N

a década de 1960, o economista americano Walt W. Rostow escreveu The quando pressentiu a possibilidade de alguns países ditos do “sul” puderem passar por fases de desenvolvimento idênticas às que tinha passado a Inglaterra. Segundo este autor, nas sociedades tradicionais, a introdução de inovações no comércio, indústria e agricultura podia ser fundamental para o crescimento económico (Rostow, 1991: 4). Esta teoria, que previa a “convergência dos extremos do mundo”, isto é, entre o Ocidente rico e um Oriente pobre, não obteve crédito e quase que foi esquecida2. A conceção da economia internacional mantinha-se ocidentalizada, em que o mundo subdesenvolvido e as suas organizações eram olhadas com descrédito. O gestor de investimentos Antoine van Agtmael (2007: 1), quando iniciou a sua ativiesta resistência e menosprezo na forma como eram olhadas as multinacionais dos

1.

2.

Nota introdutória: neste livro, nas referências a nomes e lugares de origem chinesa usamos o sistema de transliteração , criado em 1958 pelo Governo chinês. No entanto,em alguns casos optámos por manter as versões anteriores, especialmente o sistema wade-giles, pelo facto de algumas denominações serem mais amplamente conhecidas. Assim, aparece Mao Tsé-tung, em vez de Mao Zedong, Taipé, em vez de Taibei, Pequim em vez de Beijing, entre outras. Karl Marx (1853) ao abordar as interações entre a Europa e a China no referiu-as como o “contacto dos extremos”.

30 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

países do “Terceiro Mundo”3. Estas eram vistas como organizações sem futuro. Agtamel testemunhou com admiração como os seus colegas de trabalho referiam com frequência de que “não havia mercados fora dos Estados Unidos” (Agtamel, 2007: 1; Beausang, 2012: 2). Sabemos como o eurocentrismo moldou a visão ocidental do mundo, mas se olharmos com atenção para a evolução da economia mundial antes do século XIX, constatamos que o Ocidente não foi a regra na supremacia da criação da riqueza importância dos países do denominado mundo “subdesenvolvido” neste papel, sendo negligenciado o seu contributo e protagonismo na era pré-industrial. É um claro alerta para a necessidade de se interpretar a economia mundial como sendo incerta, pois os ciclos de crescimento alteram-se de acordo com fatores conjunturais. FIG UR A 1

Contributo das grandes potências na criação de riqueza mundial (Quotas do PIB mundial)

FONTE: Adaptado de Michael Cembalest apud The Economist (2012)

e Angus Maddison (2001: 241-263)4.

3. 4.

Conceito criado pelo demografo francês Alfred Sauvy, referindo-se a todos os países que não estavam alinhados nem com o bloco soviético nem capitalista da NATO. Como ele salientou na altura, “o Terceiro Mundo é nada e pretende ser alguma coisa” (Beausang, 2012:1-2; Sauvy, 1952). O estudo inicial não contempla o caso português. O posterior Maddison Project tem procurado dar continuidade e profundidade à investigação, alargando-se a outros países. Uma das novas conclusões aponta que antes de 1800 a Europa, de forma geral, teria sido mais rica do que económica próxima da Espanha e da Alemanha.

INTRODUÇÃO

| 31

Gunder Frank, no seu livro (1998) e Kenneth Pomeranz em The Great Divergence (2000) chamam a atenção para este descuido analítico, procurando simultaneamente encontrar as razões da “grande divergência”5 entre o Ocidente e o resto do mundo naquele período. Por outras palavras, procurou explicar a ascendência da Inglaterra a partir de 1800, em detrimento da China e da Índia. Até então, como sabemos, aqueles dois gigantes asiáticos foram o centro gravitacional da economia mundial. É inquestionável que a industrialização inglesa marcou um momento importante na história económica da humanidade, mas importa não esquecer que o domínio dos mercados mundiais foi sempre um processo efémero. Períodos e casos de crescimento exponencial alternam-se facilmente com ciclos de profunda decadência. As razões são diversas e tanto pode residir na pressão exercida pelas vantagens comparativas de outros atores, por exemplo ao nível da produção industrial, como por fatores de ordem política. Inclui-se a abertura e reformas internas de determinados países, que provocam efeitos nos mercados, mas também possíveis cataclismos naturais, movimentos e instabilidade social, alteração nos hábitos de consumo ou o desenvolvimento de dinâmicas de cooperação. A abertura da União Europeia a Leste, as reformas internas chinesas, as primaveras árabes, a crescente urbanização da são alguns fatores com aquele potencial. Encontramos muitos exemplos de fases de decadência e mudança provocadas por fatores conjunturais. Por exemplo, a alteração nos hábitos de consumo em Portugal na década de 1980, que levaram à aquisição massiva de viaturas automóveis, conduziu à falência em catadupa das indústrias de bicicletas e motorizadas, para o que contribuíram as novas facilidades no acesso ao crédito e o aparecimento da concorrência asiática. Também a crise do Egipto em 2013, e em outros locais de destino de férias. Nos EUA, no período do , a preponderância no consumo e produção de equipamentos eletrónicos mudou-se dos China. Por outro lado: a produção de tecido deslocou-se da América do Sul para o Sudoeste Asiático, depois para as Caraíbas e regressou a Ásia e a vantagem comparativa do mercado do aço americano passou para o Japão e para a Coreia do Sul (Rivoli, 2005: 4). 5.

económico da Inglaterra e os países do “sul” como sendo uma “grande divergência”; David Landes também utiliza a expressão no seu livro para explicar o excecionalismo europeu da era industrial, admitindo que “a Europa teve sorte, mas a sorte foi apenas o começo” (Landes, 2002: 30).

32 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

É importante notar que o caminho hoje seguido pelas “novas” economias emergentes não é diferente daquele que as “velhas” economias emergentes percorreram no passado, tais como a Inglaterra, a Alemanha, os Estados Unidos que, hoje, é exportado massivamente da China para os Estados Unidos é quase adquiria mais de metade das exportações de vestuário americanas naquela altura, contribuindo particularmente para o crescimento económico da região de Piedmont (EUA). Um viajante que passou pela China no período descrito relatou o que viu desta forma: “não há um buraco no Oriente que eu não encontre uma marca de Piedmond” (Hearden, 1986: 129). A partir de 1800, a exportação massiva do sector têxtil e vestuário americano, com fortes polos industriais concentrados no sul do país e produção mais barata, já tinha superado o anterior domínio inglês na Ásia. Lembremos que até 1900 o comércio têxtil na região era dominado pela China, mas a falta de modernização na sua produção industrial acabaria por ditar o seu declínio (Rivoli, 2005: 81-82). É um facto que ramo têxtil e vestuário tiveram um papel de destaque no arranque e emergência de muitas economias, particularmente por ser um tipo de produção industrial muito associada à utilização de mão-de-obra, maioritariamente feminina, com poucas necessidades de recursos tecnológicos. Naturalmente que muitos destes países – Inglaterra, Estados Unidos evoluindo para um tipo de economia baseada em sectores tecnologicamente mais avançados. Assim, após o apogeu industrial inglês, foram-se seguindo processos alternados de novas emergências, com origem nos sectores tradicionais. Em 1930 já o Japão tinha 40% das exportações de mercadorias de algodão do mundo, o que canas e europeia (Rivoli, 2005: 82-83). Após o processo de crescimento japonês, seguiu-se o êxito dos “quatro dragões asiáticos”, isto é, a Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong, acompanhados algum tempo depois pelos “novos tigres”, que são, a Malásia e as Filipinas. Hoje, são a China e a Índia que se destacam no plano de crescimento internacional como as economias mais proeminentes entre os novos atores emergentes. Todos estes “milagres económicos” conheceram uma da mão-de-obra e do aumento das exportações, tendo resultado, em média, taxas de crescimento a dois dígitos (Allemand e Borbalan, 2002: 76). Os componentes

intensas simplicidades”. Estas economias usam o mesmo modelo, simples, que foi

INTRODUÇÃO

| 33

seguido durante séculos, com as mesmas virtudes e defeitos. Por exemplo, os trabalhadores nas empresas têxteis no sul dos Estados Unidos, em 1900, tinham condições de trabalho muito semelhantes às existentes na Inglaterra um século antes. Da mesma forma que muitos trabalhadores na Ásia dos dias de hoje têm condições parecidas com as que existiram na indústria europeia durante décadas. Dois ingredientes parecem fundamentais na fórmula do crescimento económico destes países: os recursos humanos e os recursos energéticos. Desde a antiguidade clássica que assim acontece: os antigos gregos procuravam madeira na Macedónia e milho no Egipto; a Inglaterra e a Espanha enquanto construíam colónias no Novo Mundo, recolhiam ouro, prata, madeira e peles; as potências procurando recursos para as suas economias, em grande competição entre si, e o Japão procurou controlar o acesso a recursos no Sudeste Asiático. Não se trata, portanto, de um fenómeno apenas dos dias de hoje. Apesar de atualmente se abordar com insistência a procura incessante de recursos naturais por parte da China nos mercados internacionais, as importações japonesas de petróleo entre 1965-73 representavam uma fatia do mercado mundial superior ao que representa hoje a China (Economy e Levi, 2014: 1-5). Acontece com frequência a diabolização do modelo de atuação de um determinado país, por estar a “prejudicar” a atuação dos outros, quando na verdade, todos seguem ou seguiram uma matriz relativamente parecida ao longo dos anos. O princípio dos anos de 1970 foi um período, aliás, de enorme debate sobre a escassez de recursos energéticos, Limits of Growth (Meadows et al, 1972). Ironicamente, no ano seguinte, o aumento do preço do barril de crude pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), criada no início da década de 1960, provocaria uma crise à escala global. O segundo ingrediente fundamental no arranque do crescimento económico de muitos atores internacionais é a disponibilidade de mão-de-obra abundante e barata. Não admira que sejam os sectores tradicionais habitualmente a funcionar como alavanca neste tipo de economias, particularmente os têxteis, como temos vindo a salientar. A facilidade de emprego deste recurso e a simplicidade dos processos de fabrico facilitam os negócios. Repare-se o papel da mão-de-obra no arranque da Revolução Industrial em Inglaterra, nas emergências americana, japonesa e chinesa. Sabemos como durante anos a escravatura nos EUA serviu como “política pública” para proteger os cultivadores de algodão dos perigos de operar num mercado competitivo e aberto. Desta forma, em parte, com a criação de um sistema patriarcal de mão-de-obra gratuita, os americanos superiorizaram-se no tura, pelo contrário, representou um aumento do custo daquele recurso, deixando

34 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

preocupados os proprietários agrícolas e industriais do país e a obrigar a uma rápida modernização da mecanização nas unidades de produção industrial (Aiken, 2003: 109-113). Este contexto provocou até histeria no patronato da altura, tentando este encontrar alternativas desesperadas e utópicas de solucionar o problema. Conhecem-se casos em que os plantadores importaram macacos do Brasil para ensiná-los a apanhar algodão, o que se tornou completamente inútil porque os animais não cooperavam (Rivoli, 2005: 23). Chegaram-se a estudar e desenvolver protótipos de adaptação de animais a máquinas para aplicar ao sector têxtil. No (1882: 758-759), um protótipo criado por M. Richard, que visava aproveitar a energia

FIG UR A 2

Protótipo de máquina de costura movida a força canina

FONTE: Gaston Tissandier (1882: 758)

A abolição da escravatura teve ainda implicações estruturantes nos impérios britânico (1833) e francês (1848), obrigando-se os colonizadores a contratar chineses e indianos – conhecidos por coolies6 - para trabalharem em África, em que, ontem como hoje, quando a mão-de-obra deixa de estar disponível nos 6.

Julga-seque a palavra tem origem no termo hindi/urdu

INTRODUÇÃO

| 35

mercados mais próximos, procura-se alternativas noutras paragens. Este foi um dos caminhos que conduziu à expansão da diáspora chinesa e indiana no continente africano (Picquart, 2004: 27-30). Os americanos utilizaram também este tipo de mão-de-obra para a abertura das suas linhas de caminho-de-ferro no Oeste do país, o que na altura despoletou sentimentos xenófobos. Já na década de 1940, nos EUA, no mesmo sentido, o programa Bracero, aprovado pelo Congresso, permitia que trabalhadores mexicanos entrassem nos EUA por um determinado período para trabalharem nas plantações agrícolas (Rivoli, 2005: 31). Todos estes exemplos revelam a relação estreita entre emergências e a disponibilidade de mão-de-obra barata, embora nem sempre os resultados sejam positivos. Tanto na China de hoje, no Bangladesh, na Índia ou no Brasil, esta oferta é um elemento fundamental, uma das faces da economia do nosso tempo. A verdade é que, normalmente, a abertura, o crescimento e expansão económica de determinados países e das suas populações choca com os interesses instalados de outros, o que favorece o aparecimento de sentimentos de resistência, incluindo xenofobia. Um novo contexto internacional surge no início do século XXI, fruto de um conjunto de fatores de aceleração e transformação, alterando a lógica de poderes pré-estabelecida. O contexto da globalização moderna, herdada do conceito de Teodore Levitt (1983: 92-102)7, foi o fator impulsionador e contextual para esta transformação. Nesta fase, a Europa procurava ainda sarar as feridas dos desgasfronteiras eram esbatidas pelo processo de construção europeia, desenvolviam-se novas zonas económicas integradas, abriam-se políticas ao exterior, nasciam novos acordos de comércio internacional; reformava-se a economia chinesa com o 18 Congresso do PCC (Partido Comunista Chinês), Margaret Thatcher e Mikhail Gorbachev chegava ao poder na União Soviética; caía o Muro de Berlim; adensava-se a competição empresarial e as empresas multinacionais procuravam novos mercados; apareciam inovações no domínio da comunicação e informação, reduzia-se a dimensão do espaço e do tempo com a modernização dos transportes, 7.

Ao que parece, a primeira vez que surge a expressão “global” foi em 1892, na revista Magazine, e em 1961 o termo “globalização” [ ] é incluído no , em oposição ao termo francófono “mundialização” [mondialisation]. Em 1962, Marshall McLuhan no seu livro comenta a crescente interdependência imposta pela eletrónica, a qual recria o mundo à imagem de uma “aldeia global” (McLuahn, 1962: Rodrigues e Devezas, 2007: 22-23). Mas a expressão globalização só ganhou popularidade e extrapolou todas as dimensões a partir do artigo Teodore Levitt na , “The Globalization of Markets” (1983: 92-102). Este autor referia-se ao processo crescente de homogeneização e estandardização da produção industrial, tornando o mundo num mercado com hábitos de consumo e uso de bens e produtos relativamente idênticos.

36 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

uniformizavam-se as transações com contentorização das mercadorias e estandardizava-se a produção industrial (Alpert, 2013: 7-20; Lemaire, 1997: 33-66; Levinson, 2009: 13-28). É neste contexto de transformação política, económica e social, muito por impulso do “espírito capitalista” neoliberal, que vão (re)surgir as denominadas “novas” potências emergentes e contribuir para a construção de uma nova ordem internacional. EN QUAD R AMEN TO CON CEP TUAL E A INSTIT UCION A LI Z AÇ ÃO DOS BRIC S Apesar da história económica da humanidade ser muito longa, marcada por ascensões, decadências e reemergências, o conceito de “país”, “economia” ou “mercado emergente” é relativamente recente. O termo “emergente” foi criado e introduzido

que os fundos aplicados no “Terceiro Mundo”, tal como se denominavam os países em desenvolvimento, eram pouco atrativos, e prejudicados por uma imagem e soava a estagnação, enquanto a nova denominação de “mercados emergentes” sugeria progresso, um novo despertar e dinamismo económico (Agtamel, 2007: 4-6). O conceito propagou-se e, de um modo geral, hoje entende-se que este género de mercados corresponde a todos aqueles países, não todos os do “Terceiro Mundo”, que após passarem por um processo de reformas económicas internas, um reforço e pujança da sua economia, alcançam níveis de crescimento do PIB e do PIB per capita exponenciais. São países cujos mercados internos ganham enorme importância como parceiros comerciais, captam muito investimento estrangeiro, melhoram o nível tecnológico industrial das suas empresas, reduzem o risco de investimento, e passam a desempenhar um papel mais ativo nas instituições transnacionais e na economia global. Além disso, as infraestruturas mais débeis são melhoradas, a pobreza extrema reduzida e o crescimento populacional é orientado (Cavusgil, Ghauri e Agarwal, 2002: 4-15; Pelle, 2007: 15-20). Importa salientar que “crescimento”, “desenvolvimento” e “progresso” são conceptualmente diferentes do ponto de vista económico, embora apareçam frequentemente como sinónimos no discurso mais coloquial (Cameron, 2000: volvimento, se, por exemplo, não forem melhoradas as condições de vida dos

económica. O crescimento é apenas um aumento sustentado de bens e serviços

INTRODUÇÃO

| 37

produzidos por um país, comunidade ou sociedade, medida pelo Produto Nacional Bruto (PNB). O desenvolvimento vai para além do crescimento, implica uma mudança estrutural ou organizacionais substanciais na economia. Podemos falar, por exemplo, da transformação de uma economia de subsistência local numa nova economia de mercado. Finalmente, o progresso económico, assenta numa base de avaliação qualitativa e ética. Se apesar do crescimento e desenvolvimento de uma determinada sociedade não corresponder uma melhoria do bem-estar humano não podemos falar de progresso. O reforço da produção industrial baseada, por exemplo, no fabrico de armamento biológico, armas químicas, estupefacientes são exemplos claros (Cameron, 2000: 26-28). Neste sentido, devemos concluir que

alguma medida, fortes impulsionadores de progresso. Outro fenómeno interessante foi que após a criação da nova terminologia critérios de seleção para este tipo de economias ou mercados. Por exemplo, o Departamento de Comércio dos Estados Unidos escolheu as 10 Biggest Emerging Markets, o The Economist salientou os Emerging Markets Indicators e a Goldman Sachs os BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China, denominação seguida neste livro. Em 2001, num artigo Jim O’Neill para a Goldman Sachs ao estabelecer uma relação entre as economias que dominavam a economia mundial (G7) e algumas econoa partir das letras inicias dos referidos países, cresciam mais rapidamente do que as primeiras. Ao analisar-se o PIB destes quatro países, O´Neill notou que os respetivos mercados representavam 8% do total mundial e que esta seria uma tendência para os anos seguintes. Assinalou também que, por exemplo, um país como a Itália, membro do G7, na realidade tinha um PIB inferior ao da China (O´Neill, 2001; O´Neill, 2013). Em 2003, a Goldman Sachs, através do trabalho de Dominic Wilson e Roopa Purushothaman, reforçava a ideia anterior e, mais ousados ainda, apontavam que aqueles quatro países dominariam a economia sentarão um universo de 3,14 mil milhões de habitantes (40% da população) e, simultaneamente, o domínio económico do globo. Segundo o Council, em 2025, todo o sistema internacional construído após a Segunda Guerra Mundial terá sido totalmente alterado.

38 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

GR Á FICO 1

Projeção da Goldman Sachs para as maiores economias mundiais em 2050 (PIB em mil milhões de dólares, preços correntes)

FONTE: Goldman Sachs (2003: 4) e Stefano Pelle (2007: 23).

Desde a criação do acrónimo por Jim O´Neill (2001) que os BRICS se tornaram uma marca representativa das economias emergentes e tal como refere Tett Gillian (2010), trata-se de “um termo quase ubíquo que tem servido para uma geração de O conceito BRIC ganhou impacto e projeção nas esferas académicas e políticas e, em muito sentidos, criou um efeito de quase “BRICmania” na comunicação social. O curioso foi que, aos poucos, por iniciativa dos governos das quatro potências emergentes iniciais, o grupo ganhou uma dimensão política e institucional. Em setembro de 2006, à margem da 61ª. Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em Nova Iorque, os líderes dos BRIC, decidiram reforçar ou efetivamente criar o grupo, que apenas existia no plano teórico. Neste sentido, em 2009, na cidade russa de Yekaterinburg, concretizou-se o desiderato com a realização da primeira conferência governamental dos referidos países, estando no centro dos diálogos

INTRODUÇÃO

| 39

QUA DRO 1

Cimeiras dos BRICS

CIMEIRAS

ORGANIZADOR/ CIDADE

LÍDERES PARTICIPANTES

PRINCIPAIS RESULTADOS/ OBJETIVOS TRAÇADOS Os BRIC defendem uma maior representatividade nas instituições

1º ENCONTRO (2009)

Rússia (Ecaterimburg)

Lula da Silva Dmitri Medvedev Manmohan Singh Hu Jintao

incluindo uma maior clareza nos processos de seleção para cargos; pedem aumento da cooperação para a reforma do sistema da crise de 2008.

2º ENCONTRO (2010)

3º ENCONTRO (2011)

Brasil (Brasília)

China (Sanya)

Lula da Silva Dmitri Medvedev Manmohan Singh Hu Jintao

Dilma Rousseff Dmitri Medvedev Manmohan Singh Hu Jintao Jacob Zuma

O grupo debate novas oportunidades de negócios em domínios como a energia, particularmente a energia nuclear, as novas tecnologias e a construção de infraestruturas. Neste último caso, prometeuse estudar novas formas de concessão de créditos entre os parceiros. Por proposta da China, defendeu-se uma maior partilha de informação para melhorar a segurança alimentar. Nesta cimeira a África do Sul integrou o grupo pela primeira vez, passando este a denominarse BRICS. Os líderes reiteraram a necessidade de reformar o sistema monetário internacional, dando maior apoio ao G20. Além disso, pretendem um maior preço das commodities, o combate às mudanças climatéricas e a defesa de um desenvolvimento sustentado entre as economias emergentes.

40 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

4º ENCONTRO (2012)

5º ENCONTRO (2013)

Índia (Nova Delhi)

África do Sul (Durban)

Dilma Rousseff Dmitri Medvedev Manmohan Singh Hu Jintao Jacob Zuma

Dilma Rousseff Vladimir Putin, Manmohan Singh Xi Jinping Jacob Zuma

Nesta cimeira iniciou-se o debate efetivo sobre a criação de um banco de desenvolvimento conjunto, ideia muito apoiada pela Índia. Manteve-se a defesa de uma maior representação dos membros dos BRICS nas grandes organizações internacionais, tais como o FMI e o BM. Defendeu-se também um reforço da diplomacia conjunta no Conselho de Segurança da ONU, e assinaramse acordos para a facilitação no acesso ao crédito entre os membros. A cimeira centrou-se no debate do desenvolvimento inclusivo e sustentável, na continuada pretensão na reforma na representação nas grandes organizações económicas internacionais. Defendeu-se um contributo assertivo na construção da paz e segurança no sistema internacional. Por se ter realizado na África do Sul, este encontro sobre as novas oportunidades de cooperação entre os BRICS e o continente africano.

6º ENCONTRO (2014)

7º ENCONTRO (2015)

Brasil (Fortaleza)

Dilma Rousseff Vladimir Putin, Narendra Modi Xi Jinping Jacob Zuma

Continuação do debate sobre agenda do crescimento económico inclusivo e do desenvolvimento sustentável. Foi criado o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) em Xangai, com um capital inicial de 100 mil milhões de dólares, e também o Arranjo Contingente de Reservas (ACR), para apoiar membros em eventuais

Rússia (Ufa)

FONTE: elaborado peom base em dados do The Economist (2014c: 62-63)

INTRODUÇÃO

| 41

ceiro, os BRICS têm vindo a adquirir um protagonismo redobrado na política internacional. Tal como refere Paulo Roberto de Almeida (2010: 132), “o exercício intelectual de um economista de um banco privado converteu-se em um quadro diplomático para a criação de um bloco de quatro países emergentes, aparentemente dotados de vocação, sobretudo económica, para propor alternativas ao mundo”. Assim, os quatro “mercados emergentes” agregados ganham a dimensão de “potências emergentes”. Na sua essência, são um grupo de interesse ou pressão, de natureza informal, por lhe faltar ainda uma carta constitutiva e uma estrutura organizacional, formado por estados membros, que estão a usar a riqueza, estatuto político, e a utilizar a capacidade cooperativa e diplomática para a ordem internacional. Analisar os BRICS obriga, por um lado, a uma abordagem não só do todo, como a sua relação com o grupo; por outro, ter em atenção que o papel dos BRICS e dos seus componentes incidem num período e ciclo económico que pode ser alterado a qualquer momento, fruto de fatores conjunturais de natureza diversa. Aliás, a análise previsional inicial da Goldman Sachs, que apontava 2050 como o ano que a China ocuparia a primeira posição na economia mundial, já foi antecipada para 2020. É por este motivo que Ruchir Sharma (2012: viii) alerta que os BRICS como grupo marcam apenas um momento histórico. Além disso, considera que não devem ser interpretados como um bloco de países, mas vistos individualmente, uma vez que têm realidades políticas e económicas diferenciadas. Chama inclusivamente a atenção para o facto de haver novas “estrelas” emergentes na cena internacional, para além dos BRICS, capazes de sustentar um crescimento rápido. de crescimento que conseguiu nos primeiros anos da viragem do último século. Conclui-se, portanto, que há um contexto de enorme volatilidade muito forte nas análises baseadas em projeções. Repare-se, por exemplo, como no início do século XX a Argentina era apontada como um dos grandes países do futuro, pelo facto de esta economia crescer na altura mais rápido do que a dos EUA. Este ator da América do Sul tinha um PIB per-capita superior ao da Alemanha, França ou Itália, uma agricultura fértil, um clima favorável, um regime democrático (desde 1912) e país revelar-nos-ia um percurso totalmente contraditório com as previsões iniciais. Neste sentido, a maior certeza que podemos retirar da análise do comportamento dos emergentes é a sua natureza relativamente imprevisível. Por outras palavras, quando falamos de economia internacional, só temos a certeza do incerto.

42 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

Neste sentido, dois aspetos parecem fundamentais de salientar na análise das economias emergentes. Em primeiro lugar, uma esperada alternância de ciclos de caram à explicação, sistematização e conceptualização deste fenómeno. Joseph Shumpeter (1939) é um desses exemplos, o qual a partir do trabalho prévio de Nikolai Kondratieff sobre “ondas cíclicas” de ascendências e descendências8, considerou que as inovações tecnológicas, organizativas e espaciais (resultantes das vantagens comparativas e da dimensão do mercado) eram fundamentais para o crescimento económico (Nunes e Valério, 2000: 98-101; Shumpeter, 1939). Outro autor, mais recente, George Modelski, considerou o desenvolvimento do sistema mundial como um produto de um conjunto de processos evolutivos nos domínios económico, político, social e cultural, numa visão assente nos princípios básicos da evolução biológica (Modelski e Thompson, 1996; Rodrigues e Devezas, 2007: 36-37). Em segundo lugar, a constatação que o homem como cientista social tem

realidade9. Sabemos como uma aprendizagem baseada apenas em observações revela a fragilidade do conhecimento humano. Um pequeno facto pode constituir uma armadilha ao alterar toda uma lógica construída e dada anteriormente como certa. Nassim Nicholas Taleb explica no seu livro 10 , que antes da descoberta da eram brancos. Bastou aparecer um simples exemplar negro daquela espécie para desconstruir uma convicção enraizada e generalizada com séculos de duração. Não faltam exemplos para demonstrar que não somos capazes de fazer previsões e lidar com a incerteza. Agimos como se pudéssemos prever contextos e acontecimentos históricos ou, inclusivamente, conseguíssemos alterar o rumo da história. A eclosão da I Guerra Mundial, a ascensão de Hitler, a queda do Muro de Berlim, o fundamentalismo islâmico, as primaveras árabes e a crise das dívidas soberanas dos países do sul da Europa são alguns exemplos que demostram esta fragilidade.

8.

Cf. Nikolai Kondratieff (2004), Moscovo: International Kondratieff Foundation. 9. Cfr. Francis Fukuyama (1999), 10. Cf. Nassim Nicholas Taleb (2011), Cadernos do Saber.

. . Lisboa: Gradiva. . Lisboa:

INTRODUÇÃO

| 43

Nassim Taleb (2008: 20-34) sugere que cada um de nós faça o seguinte exercício: contabilize as alterações tecnológicas e as invenções que surgiram nas nossas vidas desde que nascemos e comparemos com aquilo que era expectável antes do seu surgimento. O resultado é que vamos encontrar muitos “cisnes negros” na nossa vida e na economia global. Desde logo, importa não esquecer, que estamos perante um prisma de análise do âmbito das ciências sociais e não das ciências exatas, com fenómenos que ocorrem tanto ao nível macro como microeconómico. Neste sentido, cada vez mais a interpretação dos fenómenos globais tem de ser feita por um prisma mais orgânico e menos mecânico, com mundos económicos e sociais vivos e em constante transformação. Paul Ormerod (2000) chamou a este fenómeno social a “Economia Borboleta”, demonstrando que as tendências e escolhas humanas nem sempre vão pelo caminho mais racional. Acontece frequentemente que a tecnologia dada como inferior ou ultrapassada resistir à pessoas têm o poder e a opção de escolher a escolher. Por exemplo, o formato do teclado QWERTY, cuja disposição das letras tinha a vantagem de nas antigas máquinas de escrever do século XIX evitar o efeito de travamento, porque alternava as mais usadas – vogais “a”, “e” –“i” – com as menos usadas, permaneceu espantosamente assim até aos dias de hoje, mesmo que a sua disposição não seja a mais prática e lógica (Ormerod, 2000: 30-49; Utterback, 1999: 5-6). A S NOVA S FRONT EIR A S DA ECONOMIA INTERN ACION AL Entre os anos de 2003-2008, as economias emergentes, particularmente os BRICS, já com a inclusão do “S” da África do Sul ( ), viveram a denominada

internacional, da universalização dos princípios do liberalismo comercial e das dinâmicas do comércio e investimento internacional. A verdade é que este grupo, depois de ter sentido os efeitos da pressão externa, ganhou também uma capacilogo, importa ter em conta que no conjunto dos seus territórios vive metade da população mundial, cujos mercados alcançam valores de crescimento acima dos 6% por ano desde a década de 1980 e o comércio representa cerca de 30% do total

44 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

GR Á FICO 2

Potências expressas em produto interno bruto (PIB) (com PPP, 2012)

Fonte: China Daily (2013: 3). GR Á FICO 3

Quota de percentagem do PIB global (com PPP, 2012).

Fonte: China Daily (2013: 3).

As economias emergentes ao crescerem mais rapidamente do que o resto do mundo, e ao ofereceram novas condições ao investimento estrangeiro, têm um efeito considerável na competitividade das empresas, no comércio internacional e no modo de vida das pessoas das economias tradicionalmente mais fortes. Em grande medida, há um “choque” entre os países ditos do “norte” com o “sul”, desenvolvido e o mundo em desenvolvimento. Este embate tem implícitas questões sensíveis como queda da produtividade na Europa face aos encargos sociais,

INTRODUÇÃO

| 45

sociais e ambientais pouco protegidos do “sul”. Talvez no topo das discussões e preocupação esteja o assalto às conquistas sociais na Europa e nos EUA, a transferência de tecnologia e saber-fazer para os países do “sul” devido ao desenvolvimento de projetos conjuntos ( ) e a procura de empresas de Jeremy Rifkin, argumentava que o novo período histórico que se estava a travessar iria levar a um gradual declínio e inevitável destruição dos empregos. Para este autor, as mudanças eram rápidas e dramáticas, num mundo polarizado e irreconciliável: de um lado, uma elite de informação e conhecimento que controla e gere a economia global de alta tecnologia; por outro, uma massa crescente de trabalhadores, que têm poucas expectativas de vida num mundo tecnologicamente cada vez mais complexo. O efeito de “desocidentalização” é visível na alteração da e na pressão no mercado das matérias-primas. É inquestionável como a abertura ao exterior dos mercados BRICS ofereceu novas oportunidades de negócio aos investidores internacionais, grande parte originárias dos países mais desenvolvidos. Em grande medida, o fenómeno da emergência económica é, na verdade, um processo de criação de riqueza do motor produtivo do mundo ocidental aplicado em contextos alternativos e apetecíveis, aproveitando a gradual diminuição do risco em o fazer. Não se estranha que grandes marcas globais como a Coca-Cola, Caterpillar, Nike, Carrefour e a Ericsson escolham a Ásia para instalar os seus negócios. Na mesma linha está a abertura de lojas Carrefour no Brasil, do grupo Citibank no México, da Suzuki Motor a fabricar e a vender automóveis na Índia (Farrell. 2007: 71). Estas marcas ou organizações tentam captar novos mercados e novos clientes para expandir os seus negócios e aumentar o volume de vendas. A competitividade internacional é cada vez maior e estas organizações mais não procuram do que a sua própria sobrevivência. Aliás, foi muito pelo lóbi de grandes empresas multinacionais americanas, entre as quais a Boeing, a General Electric ou a Microsoft, que o Congresso de maioria republicana aprovaria a entrada da China na OMC. A efetivação desta pretensão, em 2001, levou à destruição de milhares de postos de trabalho nos EUA e à importação massiva de produtos chineses. As razões das deslocalizações das organizações variam, embora muitas justiclusters industriais e de redução dos custos de produção, particularmente utilizando mão-de-obra mais barata. Para as empresas multinacionais importa localizarem as suas unidades industriais perto dos centros de consumo, pois reduzem substancialmente os custos de transporte, distribuição e logística. A entrada nos mercados dos países desenvolvidos de

46 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

produtos mais baratos produzidos nos BRICS e outros mercados emergentes são uma consequência deste novo contexto económico internacional. Em dez anos, a produção industrial mundial correspondente aos países desenvolvidos passou de 60% para 46%, ao passo que o Brasil, Rússia, India e a China passaram de 11% para 27% (Carroué, 2012: 44). Foi este o trajeto seguido também por muitas empresas japonesas ou taiwanesas que se viram obrigadas ou motivadas a deslocalizarem as suas unidades de produção para o mercado chinês, sendo este um fenómeno nesa de componentes de bicicletas, Lee Chi Enterprises, mudou-se para a China continental, procurando aproveitar a mão-de-obra muito mais barata e, ao mesmo tempo, poder vender no mercado interno chinês. Esta medida de gestão levou várias centenas de taiwaneses a perderem os seus postos de trabalho, enquanto na China continental foram contratados cerca de 2000 operários e a produção aumentou (Berger, 2007: 117-118). FIG UR A 3

FONTE: Le Monde Diplomatique (2011: 46).

INTRODUÇÃO

| 47

A deslocalização de empresas para os mercados emergentes tem a particular vantagem de reduzir também os custos na aquisição para os consumidores locais. Por exemplo, o preço dos automóveis baixou na China cerca de 30% desde que entrou no país a Ford Company, a General Motors e a Honda, o mesmo aconteceu no sector do ar-condicionado, televisores e máquinas de lavar na Índia, com uma redução de sensivelmente 10%. Por outro lado, a competitividade interna entre empresas na aquisição de quotas de mercado, particularmente na China e na contribuído o aparecimento de novas classes médias, burguesas e consumidoras, com crescente poder aquisitivo. Surgem exponencialmente centenas de novos milionários e bilionários brasileiros, chineses, indianos, russos e sul-africanos todos os anos, com claros sinais de prodigalidade. Todos estes fenómenos sociode produtos industriais, incluindo automóveis, que por sua vez exerce pressão (Lopes, 2005: 34). Na China, por exemplo, desenvolveu-se um fascínio pela aquisição de viatura própria. O automóvel, para além de se tornar um importante meio de transporte, tornou-se também um símbolo de estatuto social. Andar de bicicleta na China passou a ser mal visto, enquanto andar de automóvel se tornou a expressão do próprio desenvolvimento. Empresas como a General Motors, a Crysler, a Mercedez-Benz, a Peugeot, a Citroen, a Mazda, a Nissan e o grupo sul-coreano Daewoo não tardaram a estabelecer acordos de produção com os chineses, mas também com os indianos, indonésios e tailandeses (Martin e Schumann, 1999: 38). No seu conjunto, o mercado asiático tem vinte milhões de carros novos todos os anos; o Brasil também duplicou na década de 1990 e o mesmo aconteceu na Rússia. crescimento de 70%, o consumo de aço atinge 25% do total mundial; o minério de ferro, ¼ de todo o mundo e 40% de toda a produção mundial de cimento. Este país é atualmente o segundo maior consumidor de petróleo do mundo, tendo ultrapassado o Japão em 2003, atingindo 9,3% do consumo mundial, com cerca de sete milhões de barris por dia. Sabe-se que em 2030, ao ritmo do crescimento atual, a China estará a consumir o mesmo que o Japão e os Estados Unidos em conjunto dos dias de hoje. De uma forma geral, todos os BRICS têm entrado no desenvolvimento de projetos megalómanos, que incluem a construção de infraestruturas, incluindo pontes, túneis, autoestradas com seis faixas de rodagem, barragens gigantescas, um programa espacial, e grandes eventos como os Jogos Olímpicos de Pequim (China), em 2008, os Jogos Olímpicos de Inverno em Sóchi (Rússia), os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (Brasil), em 2016; a Exposição

48 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

Mundial de Xangai (China), em 2010, Campeonato do Mundo de Futebol na África do Sul (2010) no Brasil, em 2014, na Rússia, em 2018. Ao mesmo tempo, a fragmentação da produção industrial, em parcelas que vão da aquisição das matérias-primas, passando pelo fabrico e embalagem até à distribuição, permitem às organizações gerirem as suas atividades em mercados diferenciados. A possibilidade das Empresas Multinacionais (EMN) dispersar das práticas de gestão mais generalizada é o recurso ao outsourcing, isto é, à contratação de serviços externos na execução de funções ou operações internas da organização, o que permite a manutenção de determinados negócios no interior das fronteiras políticas. No caso de estas atividades serem executadas a partir do estrangeiro, denomina-se por offshoring. Trata-se de um fenómeno decorrente das políticas liberais do GATT/OMC, que desde a década de 1980 têm lutado pela abertura aos movimentos do IDE e do comércio de bens e serviços. Neste sentido, muitas empresas através destas práticas de gestão deslocaram-se para a China e para Índia no sentido de desenvolverem as suas atividades. Aproveitaram para consolidar as operações de negócio globais em mercados laborais pouco por exemplo, subcontrata 100% da produção de mercadorias a 75 000 trabalhadores distribuídos pela China, Coreia do Sul, Malásia, Taiwan e Tailândia. As redes de produção transnacional aumentam o poder do capitalismo global fazendo com que seja mais fácil às organizações contornar os sindicatos e as leis laborais (Steger, 2006: 55). As empresas americanas ou europeias podem facilmente contratar uma variedade de técnicos especializados ou engenheiros dos países dos BRICS, por um preço substancialmente inferior ao praticado no Ocidente. É neste contexto que radiologistas indianos elaboram relatórios de raios-X para hospitais americanos em excelentes condições contratuais; o centro de I&D em Pequim cria projetos para empresas ocidentais e as complexas operações de capitais como as foundries de semicondutores passaram a desenvolver-se na China (Berger, 2007: 144). e fracos – é percecionada de maneira diferenciada pelos investidores internacionais, tal como adverte Ruchir Sharma. De forma simplista e simbólica, diz-se que o Brasil funciona como um celeiro, a Rússia um posto de combustível, a Índia um fornecedor de cérebros, a China como fábrica do mundo e a África do sul uma mina. São países que oferecem diferentes oportunidades de negócio e condições para o investimento internacional. Da China ressalta a sua capacidade de produzir, oferecendo uma mão-de-obra abundante. As fábricas deste país produzem 70% dos brinquedos do mundo, 60% das bicicletas, metade dos sapatos, metade dos

INTRODUÇÃO

| 49

fornos micro-ondas, um terço dos televisores, aparelhos de ar-condicionado e das malas de viagem. É quase impossível encontrar uma loja que não tenha, pelo menos, um artigo made in China (Shenkar, 2005: 20-21). Torna-se paradigmático o caso militar, em que alguns equipamentos, tais como caças ou navios de guerra, não são possíveis de fabricar autonomamente no Ocidente sem receberem componentes chineses. Há o caso famoso de uma família americana que experimentou viver um ano sem produtos fabricados na China, e a tarefa foi tudo menos fácil. produtos a oferta era exclusivamente de origem chinesa (Bongiorni, 2007). O recurso ao offshoring, isto é, a uma espécie de deslocalização de empregos para o universo emergente, é um fenómeno em crescimento desde a década de 1980, mas não recente, como já vimos anteriormente. Embora hoje já não vigore o histórico o programa Bracero nos EUA devido às fortes restrições de imigração, há milhares de mexicanos a trabalhar nas maquiladoras junto à fronteira americana. Estas empresas de montagem em massa de equipamentos eletrónicos e outros produtos exportam posteriormente a sua produção para o mercado dos Estados Unidos (Farrel, 2006, 73). A decisão de recorrer ao offshoring tem o objetivo de reduzir o valor do pagamento de salários, aproveitar as infraestruturas, tecnologias de informação e redes de distribuição locais, a bons preços e condições, e um enquadramento jurídico mais favorável, entre outros fatores. Todo este contexto é fundamental tanto para o lado da “procura” como da “oferta”. Representa uma oportunidade para as empresas multinacionais criarem maior valor acrescentado ao mais baixo custo, servindo como um impulso na produtividade (Farrell, 2006: 2-3). Visto numa dimensão macroeconómica, o offshoring resulta no aumento da riqueza mundial e na criação de emprego, embora o trabalho nos países desenvolvidos se torne mais inseguro. No fundo, adensam-se as complexidades e as incertezas num mundo em perfeita transformação. Um fator importante de atração das economias emergentes que impulsionam o fenómeno do offshoring, é a oferta de recursos humanos cada vez mais qualinovos diplomados no mundo do trabalho e a produção de conhecimento cientíChina e a Índia produzirão 40% do total dos talentos graduados do mundo e, em cinco anos, 40% de todos os estudantes do mundo serão originários destes dois país do mundo na elaboração de artigos académicos, a seguir aos Estados Unidos e à frente do Reino Unido, sendo a Índia o 10º, a Rússia o 12º, o Brasil o 15º e a África do Sul o 35º (SJR, 2014). A verdade é que apesar da quantidade de publicações, particularmente chinesas e indianas, à medida que aumenta a produção

50 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

duplicação em torno de um sistema de investigação que se está gradualmente a instalar. (The Nature, 2010: 167). Por exemplo, segundo um relatório governamental, a fraude na investigação chinesa foi assumida por um terço de mais de 6000 investigadores, associados às mais importantes instituições de ensino do país (The Economist, 2013: 39-40). Neste sentido, a emergência exponencial confundida com qualidade. dos estudantes universitários optarem pelo estudo da engenharia, comparando com a 20% da Alemanha e 4% da Índia, os chineses denotam pouca experiência prática em projetos de equipa (Farrel, 2007:45). A adequação dos candidatos a empregos em EMN ou outras organizações variam de país para país. Por exemplo, enquanto na Polónia ou na Hungria, 50% dos engenheiros estão aptos para trabalhar nas empresas multinacionais, só 10% a 25% é que cumprem estas condições na China e na Índia. Ao olharmos para os outros BRICS ao nível educativo, verirelativamente poucos estudantes do país chegam à universidade. Este é um fator que atrasa o Brasil em relação à maior parte dos outros BRICS. Grande parte do seu crescimento dos últimos anos deve-se à procura de recursos naturais e da atividade comercial com outros países, particularmente com a China. Os jovens candidatos da Rússia, por sua vez, são bem formados, mas não lhes são dados muitos conhecimentos práticos, ao passo que na Índia a qualidade do sistema educacional – para além das universidades de excelência – tem falhas graves de Inglês, um fator a favor dos trabalhadores indianos (Farrell, 2007: 14-15). Na China, os alunos graduados estão dispersos pelo território, muitas vezes fora dos meios

grandes centros industriais, como em Bangalore, Delhi, Hiderabad ou Mumbai, o que também explica que as principais dinâmicas de offshoring tenham funcionado neste país. O fenómeno de “desocidentalização” da produção, empresas e capital, proporcionou aos BRICS a oportunidade de se autonomizarem e eles próprios criarem as suas próprias marcas globais. Neste momento a Índia é o segundo exportador mundial de serviços informáticos e software do mundo (22% do total), graças ao desenvolvimento de empresas como a Tata Consultancy Services, Wipro ou a Infosys, incluindo um centro tecnológico de elevado de excelência em Bangalore

INTRODUÇÃO

| 51

automóvel do “norte” para o “sul”, permitiu que os emergentes ganhassem mais 46% de quota de mercado entre 2002 e 2012, e os países desenvolvidos passassem de 88% para 48% do total mundial. As marcas indianas Tata Motores, a Mahindra, AvtoVAZ russa ou a Geely chinesa são exemplos de sucesso no sector automóvel. Este fabricante chinês, para além de possuir marca própria, em 2010 adquiriu a sueca Volvo, reforçando o seu poder no mercado global. A Rússia, por sua vez, tornou-se importante no escoamento da produção de automóveis, fenómeno que contrasta com a União Europeia que assistiu a um decréscimo acentuado na procura. A fabricante russa AvtoVAZ anunciou que pretende alargar os seus mercados de exportação do seu modelo Sedan de classe económica, o Lada Granta, para países europeus como a Alemanha, a França, a Sérvia, a Bulgária, entre outros. Também o Brasil tem algumas empresas de dimensão global, tais como a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), o maior produtor mundial de ferro, a AmBev, uma potência da indústria cervejeira, a Embraer, fabricante de aviões ou a Petrobras, a grandiosa petrolífera estatal. Para além das marcas já referenciadas, no quadro geral dos BRICS, podemos ainda destacar a poderosa empresa brasileira Gerdau no setor da metalurgia, a chinesa Lenovo segunda fabricante a russa Gazprom, na produção de gás. Em toda a sua dimensão, o surgimento das empresas multinacionais e das marcas globais dos BRICS é um dos fenómenos mais marcantes da economia global deste novo século. Mais do que nunca as fronteiras da economia mundial surgem dirimidas, e os atores que nela triunfam deixaram de ser apenas a expressão precisa de uma só parte, para se tornarem os vencedores de um todo expectável. BRIC S NU M A ORDEM INTERN ACION AL RENOVA DA os Estados Unidos entraram numa fase de expansão política e económica com tendências claramente hegemónicas (Boniface, 2009: 8-11). Esta postura manifestou-se na tentativa de imposição da vontade unilateral de Washington nas plataformas de discussão internacional, ignorando em alguns casos, claramente, as regras inscritas nos tratados internacionais. Esta disposição de poder no espaço internacional acabaria por sofrer enorme pressão com as alterações da economia internacional, que vão proporcionar as condições necessárias para o aparecimento fronteiriças, fomentadas pelos negócios das empresas multinacionais e pelas dinâmicas diplomáticas das organizações internacionais, foram determinantes neste fenómeno. Criam-se complexos sistemas de “interdependência complexa”,

52 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

serviços (Brown e Ainley, 2012; Keohane e Nye, 2001: 3-19). Todos os competidores desta nova economia global passaram a ter oportunidades idênticas, pelo que Thomas Friedman não deixa de olhar para o mundo como sendo “plano”. As barreiras que limitavam a ascensão de uns em relação aos outros têm vindo a ser acompanhar. Com elas chega também o reforço de uma nova visão do mundo no sistema internacional, com claras tendências em alterar a ordem imposta anteriormente. Neste plano, os BRICS são particularmente importantes, porque, antes de mais, são grandes, populosos, ricos e dinâmicos. São estes países que mais podem contribuir para a alteração das regras do jogo, divididos entre a necessidade de

crescente da Europa e dos Estados Unidos em conseguirem manter a ascendência que tiveram no passado. Um sinal evidente desta fraqueza foi testemunhado no lizar a posição russa e conseguir defender ou impor a sua própria visão estratégica (Stuenkel, 2014). Por outro lado, na zona euro, a crise da dívida soberana veio colocar em causa o projeto de integração política e económica, assim como o próprio contrato social europeu. Este facto fez aumentar as clivagens políticas na a União Europeia são abrangidos por planos de proteção social muito avançados, organizações obrigam-se cada vez mais a modernizar-se, através da introdução de robotização, reforçando a destruição progressiva de postos de trabalho. O desemprego tornou-se galopante e a austeridade incomportável para os países como Portugal, Irlanda, Espanha ou Grécia. Um sinal do paradoxo dos novos tempos, é o facto de políticos e responsáveis não utilizarem boas práticas de governação económica, pressionando-os a aceitar as regras do mercado livre e o modelo político ocidental, serem obrigados a pedir democracia ocidental como receita de melhor modelo de autocorreção face, por exemplo, ao sistema de “mandarinato meritocrático” do sistema governativo por revelar as debilidades de modelos dados como infalíveis. A democracia eleitoral baseada na lógica “uma pessoa, um voto”, com campanhas manipuladas por parece também caminhar para a decadência (Berggruen e Gardels, 2012: 40-43).

INTRODUÇÃO

| 53

Parece que a relação norte-sul passa por uma divisão de mentalidades e modelos políticos antagónicos que tendem a colidir, em parte prognosticada por Samuel Huntington A forma encontrada pelo Ocidente para fazerem frente ao poder crescente dos emergentes, tem sido o travão no acesso daqueles a lugares de destaque em organizações internacionais ou ainda a aplicação de medidas protecionistas. Neste último caso destacam-se subvenções agrícolas e industriais que visam anular as importações dos mercados emergentes. A imposição de sanções pelo senado americano aos países com moedas subvalorizadas, tal como o chinês, é mais um exemplo desta tentativa de bloqueio (Beausang, 2012: 1). Outra solução tem passado pelo estabelecimento de alianças e processos de cooperação entre países do “norte”, face ao mesmo objetivo entre países do “sul”, de que os BRICS são uma das expressões deste objetivo. A nova ordem pela maior ou menor capacidade de estabelecer alianças, criar grupos e integrar espaços integrados, marcará o futuro das relações internacionais. Destacam-se, por exemplo, os laços económicos transatlânticos, particularmente a ideia de criação de um espaço de comércio livre entre a Europa e os Estados Unidos, o Transatlantic Free Trade Area (TAFTA), também conhecido por Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP). Individualmente a Europa tem desinvestido num setor marítimo, estruturante no estabelecimento nestas redes de cooperação, embora permaneça interessada em liderar o controlo das águas contra a pirataria no Golfo de Aden ou no Mar Vermelho. A verdade é que a , uma das grandes potências do mar, tem atualmente uma capacidade inferior à Marinha Francesa, o que acontece pela primeira vez desde a Batalha de Trafalgar, em 1805. Por outro lado, a China investe fortemente na sua marinha, introduzindo vários submarinos convencionais e nucleares, com misseis teleguiados, um novo porta-aviões – Liaoning - e outras modernizações, para operar na região porta-aviões russo desativado para restaurar e incluir nas suas forças navais e melhorar a sua frota de águas profundas (Yoshihara e Holmes, 2010: 1-13). O reforço da cooperação dos Estados Unidos e da Europa poderá tentar contrariar a tendência de um “norte” assumidamente em crise, fazendo face ao ímpeto das economias emergentes e ao seu dinamismo naval. O Brasil, no Atlântico sul, tivas áreas marítimas circundantes. A União Europeia e os Estados Unidos em conjunto somam 47% do PIB Mundial, enquanto os BRICS representam 21%, mas 3). Neste sentido, o Atlântico norte pode constituir uma base importante para Washington utilizar como “mar interior”, e a partir daqui projetar o seu poder para

54 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

decadências que vão assolando as saturadas sociedades consumistas e os vícios de governação do Ocidente. Não se trata de uma análise valorativa, colocando em confrontação modelos melhores ou piores, mas a constatação de que formas de governação e estilos de vida podem entrar em crise face à emergência de outros. Ao mesmo tempo, muitas práticas governativas funcionais deixam de o ser. Os interesses individuais passam a superar os interesses coletivos, tornando-se social estagna e a desigualdade cresce. (Berggruen e Gardelss, 2013: 42-43). Estes têm sido os fatores cruciais na fase de decadência que tem assolado, em maior ou menor grau, a Europa, o Japão e os Estados Unidos. Os países emergentes, por sua vez, para além de se tornarem o novo centro gravitacional da economia global para o século XXI, tem vindo a assumir um papel cada vez mais interventivo no espaço internacional, incluindo uma maior cooperação entre parceiros “sul-sul”, uma herança que vem desde os tempos da e altivez etnocêntrica ocidental, que assentou num certo determinismo cultural desde, pelo menos, o dealbar da Revolução Industrial europeia (Golub, 2006: 8). uma alteração da supremacia dos primeiros – norte- pelos segundos – sul - antes uma ordem que pode passar por um mundo mais multipolar. Charles A. Kupchan (2012), prefere caracteriza-la por um mundo G-zero, isto é, sem nenhuma potência verdadeiramente ascendente e Amitav Acharya, um mundo multifacetado, com níveis intensos de interdependência (Acharya, 2014: 1-11). A verdade é que assistimos a uma demonstração clara de decadência de um mundo unipolar liderado por Washington e o nascimento de um novo um mundo estamos a caminhar para um dinamismo moderno de crescentes interligações regionais – regionalismo - e descentralizadas, de que a construção do grupo dos BRICS constitui um bom exemplo. A sugestão vai para que economias dos países do sul se articulem com as dos países do norte, preocupação, aliás, prevista nos objetivos centrais do G20. Ainda que a ONU deva desempenhar o papel central fundamental na procura de dinâmicas de cooperação económica internacional. O G20 foi precisamente criado com a intenção de se constituir uma alternativa políticas para o desenvolvimento. Resultou de um pedido do antigo primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, em resposta à alteração às lógicas de poder

INTRODUÇÃO

| 55

globais em curso com a ascensão dos países emergentes (Berggruen e Gardels, 2012: 215). Jim O’Neill (2001) também já tinha advertido para as alterações que o G7 deveria implementar no sentido de incorporar os representantes dos BRIC no grupo das economias mais ricas. Independentemente do facto de os BRICS, ou particularmente a China, não pretender impor uma nova ordem internacional do sul, a verdade é que têm contribuído para pressionar a ordem estabelecida. Os BRICS têm funcionado como um grupo reativo à dominação política estabelecida. Ao mesmo tempo, o crescimento económico dos países emergentes – expansivo e intensivo – trouxe uma nova distribuição de poder político e económico para o espaço internacional, o que lhes permitiu o assumir de um papel mais ativo e independente na diplomacia global. Logo no primeiro encontro dos BRICS, em é, independente do dólar americano (Euronews, 2009). Parece clara a intenção de se criar um sistema internacional mais “multipolar, equilibrado e democrático da ordem internacional”, ideias que seriam salientadas encontro do ano seguinte em Brasília (Brasil) (Panda, 2013: 20). Em 2013, no encontro de Durban, na África do Sul, os BRICS propuseram a criação de uma agência de rating própria, iniciativa muito defendida pela Rússia, o que revela a preocupação deste grupo em criar A criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) dos BRICS, formalmente apresentado no encontro de 2014, em Fortaleza, foi outro passo importante no estabelecimento deste tipo de autonomia. O novo banco dos BRICS será dotado de um capital inicial de 50 mil milhões de dólares (mais de 36 mil milhões de euros), para ajuda na construção de infraestruturas e projetos de desenvolvimento sustentado, estando cada estado fundador obrigado a contribuir com cerca ceira ocasionais em qualquer um dos cinco membros, rondará os 100 mil milhões de dólares (mais de 73 mil milhões), dos quais 41 mil milhões pertencem à China, 18 mil milhões à Rússia, Índia e Brasil, e cinco milhões à África do Sul (Brito, 2014; Escobar, 2013, Reuters, 2014). Embora a iniciativa pareça essencialmente dades, tem uma forte dimensão política. Trata-se de uma alternativa institucional a organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mundial (BM), explorando novas abordagens de cooperação e as dinâmicas regionais do eixo sino-russo, particularmente a relação de interdependência militar-energética.

56 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

FIG UR A 4

O Novo Banco de desenvolvimento dos BRICS Brasil $10

18

Rússia

Índia

China

10

10

10

$50*

18

18

Capital Inicial

New Development Bank projetos de construção de infraestruturas em países em desenvolvimento

África do Sul 41

10

5

$100

Contingency current pool Contigente de reservas que visa apoiar necessidades imediatas de liquidez

FONTE: adaptado de Governo do Brasil e Reuters (2014).

parte dos países do “sul”, e uma crescente manifestação de força face à dominação ocidental. Há muito que os países emergentes reclamam políticas mais democráticas nestas organizações internacionais, dispondo-se a empreender uma autêntica “revolução da inclusividade” (Berggruen e Gardels, 2013: 45). Esta pretensão resulta da falta de espaço que os países em desenvolvimento dispõem naquelas organizações, para poderem expor os seus pontos de vista e defender os seus interesses. Não está ainda no horizonte a possibilidade de a China assumir uma voz de primeiro plano no FMI, o Brasil ter um assento permanente na ONU ou o Banco Mundial ser dirigido por um russo ou indiano (BBC Brasil, 2009). Assim, não só os BRIC como outros grupos e e organismos, com a mesma natureza – BASIC, IBAS, VISTA11, RIC, etc. parecem querer servir de “contrapoder” ao funcionamento de um sistema baseado nos princípios ocidentais/americanos. Várias são as decisões concertadas no espaço internacional pelos membros do grupo dos BRICS. Por exemplo, quatro dos cinco países, à exceção da África do Sul, abstiveram-se na 11. BASIC – Brasil, África do Sul, Índia e China; IBSA – India, Brasil e Africa do Sul; VISTA – Vietname,

INTRODUÇÃO

| 57

votação da ONU na intenção desta criar uma zona de interdição aérea de forma a se poderem fazer intervenções militares na Líbia para proteger civis durante as “primaveras árabes” (ONU, 2011). Estes países resistem não só à adoção de políticas Por outro lado, os BRICS têm lutado contra a volatilidade preços no mercado global de matérias-primas, e defendido interesses comuns no domínio da energia, segurança alimentar, ambiente e nos investimentos para o sector agrícola. A espeindiretamente relacionado com outros ativos, é também uma preocupação, crescimento da procura e falta de transparência nas economias em desenvolvimento. Na difícil procura de consensos entre os países ditos emergentes e os países mais industrializados, para além das negociações comerciais e da agricultura, as questões ambientais estão entre os assuntos mais complicados na procura de consensos. Os BRICS têm resistido ao esforço americano e de outras nações desenvolvidas de relacionar o comércio com trabalho e ambiente, o que colocaria os emergentes em desvantagem negocial e bloquearia o caminho do desenvolvimento económico (Pant, 2013: 95). Os países emergentes procuram que sejam os países desenvolvidos a liberalizar o comércio de produtos agrícolas e um abrandamento das regras das medidas anti-dumping. Aliás, as questões agrícolas têm dominado as difíceis discussões entre o norte e o sul nas rodadas da OMC. Washington, pelo contrário, defende que não faz sentido existirem políticas diferenciadas quando os mercados emergentes estão prestes a superar o mundo desenvolvido. A verdade é que, mais do que os BRICS, são particularmente a China e os Estados Unidos, os dois maiores poluidores mundiais, através das relações bilaterais, que serão fundamentais no alcance de uma solução para este domínio. O debate reside muito na de emissões previstas no protocolo de Quioto sejam concedidas mediante a respepretendem, pelo menos, a manutenção do status quo equalizar condições num mundo que está em patamares de desenvolvimento diferenciados e em que os “emergentes” reclamam melhores condições para crescer. Do ponto de vista militar e da defesa discute-se se os BRICS podem constituir um contrapoder aos países da NATO e aos EUA. Trata-se, aliás, do mesmo exercício em relação à capacidade da conhecida Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Duas situações parecem claras: por um lado, a capacidade militar dos parceiros ocidentais ainda é manifestamente superior; por outro, os BRIC não parecem querer funcionar como uma plataforma conjunta e articulada neste domínio, pese o facto de existirem diálogos recorrentes sobre as questões de segurança. Por exemplo, o encontro entre os líderes dos BRIC é normalmente acompanhado por

58 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

diálogos entre os altos representantes do campo da defesa ( Advisors), discutindo-se os casos do Irão, Síria, Líbia ou do Mali, entre outros. Entre os membros do grupo há uma convergência nas preocupações sobre as ameaças do terrorismo motivadas por fundamentalismo étnico e religioso. Estes atores têm expressado preocupação sobre a forma como os Estados Unidos têm intervindo em determinados cenários, nomeadamente no Iraque. Considerando esta como uma das ingerências graves nos assuntos internos dos estados. Ao mesmo tempo, resistem à tendência das doutrinas do intervencionismo ocidental da “responsabilidade de proteger” (Pant, 2013: 94). A ideia passa por conciliar políticas da agenda internacional, em alguns casos procurando servir de mediador. No entanto, as políticas de defesa nacional dos diversos parceiros serão centrais. Tanto a Rússia como a China, por exemplo, estão sobretudo interessadas na resolução dos seus problemas da periferia, incluindo questões de soberania e segurança de recursos energéticos. Não parece ser particularmente importante o papel dos BRICS no jogo de poderes que se estabelece nos “mares da China”, onde haverá outras organizações como a OCX, e individualmente a diplomacia chinesa, com um papel mais ativo. O recurso aos fóruns internacionais faz-se quando o papel individual dos matérias de interesse geral, mas parece que nas questões essenciais da defesa e do ambiente, serão prevalecentes as diplomacias bilaterais. A ideia que os BRICS estão a contribuir para a construção de uma nova ordem internacional – exequível – não nos deve retirar a capacidade de reconhecer as

que passa por fenómenos migratórios internos, desequilíbrios sociais, desemprego, segurança. Estes atores estão também separados por diferenças estruturais muito 5). Assim, enquanto o Brasil tem uma população predominantemente urbana, a Índia ainda é essencialmente rural. A China domina a produção industrial mundial, a Índia especializou-se em serviços; a Rússia e a China têm uma população envelhecida, enquanto a Índia é relativamente jovem; Rússia e a China possuem regimes autoritários e praticam modelos económicos de capitalismo de Estado, enquanto a Índia é uma democracia, embora especial; a China e a Índia mantêm disputas transfronteiriças; a China e a Rússia, umas vezes aparecem alinhadas em questões de diplomacia global, noutras competem por interesses de ordem geopolítica, num tipo de relação que Bobo Lo apelidou de “eixo de conveniência” (2008). A Rússia, que tem uma forte presença nas organizações internacionais e nos grupos informais, ao alinhar-se com a China nos BRICS pode perder fulgor

INTRODUÇÃO

| 59

diplomático. Não pode ser ignorado que há interesses contraditórios no grupo. A vontade do Brasil, Índia e África do Sul de restruturação da redistribuição do poder no seio da ONU, pode vir a chocar mais intensamente com os interesses da Rússia e da China, potências já instaladas. FIG UR A 5

Quadro comparativo de desempenho económico e estabilidade política nos BRICS Maus desempenhos económicos e riscos políticos superiores à média -+

Estabilidade política

Bons desempenhos económicos e riscos políticos superiores à média ++

Brasil África do Sul Rússia Instabilidade macroeconómica

Estabilidade macroeconómica Índia China

Maus desempenhos económicos e riscos políticos inferiores à média --

Instabilidade política

Bons desempenhos económicos e riscos políticos inferiores à média +-

FONTE: adaptado e atualizado de “dossier Risques” apud Jean-Paul Lemaire (1997: 368).

Os BRICS, ao partilharem o mesmo tipo de vantagens comparativas, acabam por competir pelos mesmos mercados de exportação, um fator que cria desconpara China e a deslocalização de uma fábrica de Embraer para o território chinês, associado à respetiva transferência de know-how, criou apreensões num mercado cada vez mais competitivo neste setor (Exame, 2011). Neste sentido, não só a lógica de confrontação de poderes entre atores, como os seus contextos internos, serão decisivos para o sucesso deste grupo. Por outro lado, cada um destes atores tem diferentes expetativas em relação ao grupo. O Brasil, por exemplo, tem no estreitamento das relações com a China a intenção de receber o apoio à entrada do país como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU. Esta pretensão é igualmente partilhada pela África do Sul. Além disso, o Brasil tem na China o mercado de escoamento crescente e preferencial para os seus recursos

60 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

naturais, enquanto a China, por sua vez, procura a integração da África do Sul no grupo para reforçar a sua presença em África; a Rússia, logo no início, ao entrar nos BRICS procurou receber o apoio da China aceder à Organização Mundial de Comércio (OMC) e, por outro lado, reforçar a visão conjunta de um mundo multipolar sem a hegemonia norte-americana. Não deixa de ser uma realidade o facto de alguns dos países dos BRICS, particularmente a China, estarem a passar por algum abrandamento, fruto prinantecipar a decadência da predominância destes atores, apontando a emergência de novas potências emergentes, tais como a Indonésia ou o Vietname. O próprio Jim O´Neill está a direcionar a sua atenção para a “onda” do MIST – México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia, os novos campeões de atração do investimento internacional (Martin, 2012). No continente africano, vaticina-se que a própria África do Sul seja superada pela Nigéria. De facto, o Brasil, a Rússia e a África do Sul, são países fortemente dependentes das exportações de matérias-primas, (Sharma, 2013: 12-13). O risco de investimento na China tem vindo a crescer, e a Índia como exemplo de vitalidade e esforço reformista no domínio económico está a desvanecer-se. A Rússia passa por alguma instabilidade política interna fruto das intervenções combate hediondo à corrupção e ao combate às desigualdades sociais que pode estalar as estruturas políticas do partido; a África do Sul e o Brasil, combatem o descontentamento popular face a casos de abusos de poder. Aliás, os elevados níveis de corrupção é transversal a todos os BRICS, o mesmo acontece com as desigualdades sociais, a degradação ambiental e o risco de desaceleração económica. A rupia indiana, por exemplo, tem tido um trajeto dececionante entre os mercados emergentes (Pant, 2013: 97). A criação do grupo dos BRICS, neste prisma, pode servir como forma de atenuar as debilidades internas, projetando o poder no seu conjunto. Como diz o ditado popular, “ a união faz a força”. Aliás, um dos grandes

internacional. OBJE TIVOS E ORG ANIZ AÇ ÃO DO VOLU ME Este livro surge na sequência de um trabalho de discussão dirigida no âmbito do Curso de Auditores de Defesa Nacional (2013/2014), ministrado pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN). O grupo de investigação inicial, que tinha como tema central “Novas Potências Emergentes: os BRIC”, era composto pelo autor desta

INTRODUÇÃO

| 61

obra, juntamente com Andreia Pinto de Meneses, Eduardo Araújo, José Marques e Tinoco Ferreira, e foi orientado por Alexandre Carriço. Nos trabalhos de pesquisa Portugal, apesar de existirem vários livros publicados no Brasil e noutros países. O tema central da obra corresponde também a uma linha de investigação seguida pelo coordenador deste trabalho, ao nível da docência da unidade curricular de “Economias Emergentes” e no desenvolvimento de um grupo de investigação no Observatório de Comércio e Relações Internacionais (OCRI), centrada na papel das novos mercados em ascensão e os seus efeitos na economia europeia, envolvendo docentes e discentes do ISCIA. A partir da ideia inicial, procurou-se aprofundar o tema e elaborar um compêndio detalhado sobre os BRICS, e as dinâmicas que os envolvem, para apresentar a toda a comunidade académica. Foi particularmente a pensar nos estudantes de Gestão Internacional do ISCIA e de Relações Internacionais e de Ciência Política da Universidade do Minho que esta obra foi elaborada. Em termos de estrutura, o manual contém uma análise individualizada das particularidades de cada um dos atores, como a interligação e as dinâmicas conjuntas de operacionalidade do grupo. Neste sentido, após uma análise introdutória generalista sobre o contexto geral que marca as relações do “norte” e do “sul”, o livro reparte-se por cinco capítulos, cada um correspondendo por ordem a cada um dos países que compõem o acrónimo. Os diversos textos foram preparados por investigadores e professores especializados na realidade económica, política e social de cada um dos BRICS. e humana do país, os acontecimentos históricos mais marcantes, a avaliação do contexto geopolítico, economia e o sistema político interno, a política externa, quadro de segurança e o envolvimento de cada país com o grupo dos BRICS. Apesar disso, foi dada relativa liberdade aos autores para fazerem apreciações críticas de alguns aspetos analíticos dos respetivos estados, e foram mantidos os estilos de escrita originais, incluindo o português de Portugal e do Brasil nos casos em que foram usados. O primeiro capítulo desta obra, preparado por Paulo Roberto de Almeida, é dedicado ao Brasil, iniciando por uma abordagem aos principais traços da geoedo Sul, representando quase metade da sua extensão. O autor salienta o papel do Brasil como um dos países do mundo mais importantes na oferta de produtos alimentares, não deixando de aludir às fragilidades internas ao nível politico que prejudicam as suas verdadeiras potencialidades. Por outro lado, aponta a presidência de Inácio Lula da Silva, na sequência do trabalho diplomático de Fernando Henrique Cardoso, como o início de num “ciclo virtuoso de elevação contínua”

62 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

de estatuto no plano internacional, em que se inclui a aproximação do país aos outros parceiros emergentes. Para o autor, a participação do Brasil nos BRICS tem um cunho político do Partido do Trabalhadores (PT), servindo de alavanca na sua O segundo capítulo, escrito por Sandra Fernandes, faz uma análise à Federação Russa, o maior país do mundo, extremamente complexo e, em muitos sentidos, destaca a Rússia como potência energética, uma fator que a torna dependente dos recursos naturais e marca a sua diplomacia. O artigo centra-se na contextualização política e económica da Federação Russa da atualidade, articulando os efeitos históricos na construção da visão geopolítica moderna do país. É neste quadro que se estabelece também a relação de Moscovo com o grupo dos BRICS, muito especialmente na exploração do eixo sino-russo e do binómio de interesses armamento-recursos. A autora salienta a necessidade da Rússia aproveitar os polar, embora possa ser, em muitos sentidos, “um colosso com pés de barro”. O terceiro capítulo foi elaborado por Eugénio Viassa Monteiro, centrado na análise da Índia como potência emergente. O autor, para além dos aspetos tunidade e de sucesso da economia indiana. São particularmente importantes as tecnologias de informação e da gestão, onde a Índia fornece ao mundo quadros de excelência. Este domínio tecnológico é, aliás, apontado pelo autor como um contributo importante a aproveitar pelos outros países dos BRICS. De toda a obra este é o capítulo que faz a análise mais anatómica aos setores de oportunidade e enormes debilidades estruturais, algumas herdadas do colonialismo inglês. É por mente ao nível do desenvolvimento humano, da educação, da saúde e bem-estar, salientados como fundamentais para o delinear do seu futuro. O quarto texto, escrito pelo coordenador desta obra, centra-se na análise da China. À semelhança dos artigos contíguos, o autor segue por uma apreciação particularidades históricas e culturas, do contexto político e da participação de Pequim (Beijing) no quadro das suas relações externas. O autor destaca a nova projeção de poder na China no espaço regional, envolvendo casos de segurança como a questão de Taiwan ou das ilhas do mar da China, e a participação de moderna têm no capítulo uma atenção especial, particularmente as necessidades

INTRODUÇÃO

| 63

de sustentabilidade económica e o combate aos desequilíbrios sociais. A China assume-se como o país liderante do grupo dos BRICS, aquela que porventura mais dividendos poderá retirar desta iniciativa de integração. As redes e o reforço da lógica coletiva entre os aspirantes a um mundo mais equitativo reforçarão a posição de Pequim no palco internacional, não deixando de aproveitar a oportunidade de se poder tornar a grande potência do seculo XXI. Finalmente, o quinto e último capítulo, escrito por Philippe Tshimanga Kabutakapua e Aninho Mucundramo Irachande, foi entregue à análise da África do Sul, o mais novo dos membros dos BRICS. Duas notas ressaltam imediatamente na análise introdutória do artigo: a imensa variedade étnica e cultural do país e o peso da ocupação estrangeira, consubstanciado no regime segregacionista do Apartheid país no caminho da prosperidade. A participação da Africa do Sul no grupo dos BRICS, uma inclusão motivada por razões estratégicas, é particularmente importante para a China, por estar “interessada em atender à demanda cada vez maior continente. Os autores não deixam de mostrar que, apesar de tudo, este país tem seguido a ritmos diferenciados. Por um lado, revela uma economia industrializada ao nível das mais avançadas do mundo; por outro, uma frágil economia informal carecida das mais básicas infraestruturas. Os fantasmas do segregacionismo parecem não ter desaparecido do país, hoje não tanto centrados no fundamento racial, mas na exploração de um novo proletariado carenciado.

64 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

REFERÊNCIA S BIBLIOG R ÁFIC A S ACHARYA, Amitav (2014), The End of the Amer. London: Polity Press. AGTMAEL, Antoine van (2007), The Emerging

. London: Free Press. AIKEN, Charles S. (2003) The Cotton Planta. Baltimore: The John Hopkins University Press. ALLEMAND, Sylvian; Borbalan, Jean-Claude Ruano (2002), A Mundialização. Mem Martins: Editorial Inquérito. ALMEIDA, Paulo Roberto de (2010), “O Bric e a Substituição de Hegemonias: um Exercício Analítico (perspectiva histórico-diplomática sobre a emergência de um novo cenário global)”. In Baumann, Renato (ed.) O Brasil e os Demais BRICs – Comércio e Política. Brasília: CEPAL/IPEA. ALPERT, Daniel (2013), – Overcoming the Greatest Challenge to the . London: Portfolio/Penguin. BBC BRASIL (2009), “Década de 2020 Deve Consolidar Poder dos BRICs”, 30 de março, http://www.bbc.co.uk/portuguese/ noticias/2009/03/090330_bricsabertura_ ss.shtml [Consultado em 28 de Dezembro de 2013]. BEAUSANG, Francesca (2012), . London: Palgrave Macmillan. BERGER, Suzanne (2007), A Competitividade . Lisboa: Editorial Presença. BERGGRUEN, Nicolas; GARDELS, Nathan (2013), Oriente. Carnaxide: Objectiva. BLISS, Katherine (2010), “Key Players in Global Health – How Brasil, Russia, India, Game”, Center, November. BONGIORNI, Sara (2007),

. New Jersey: John Wiley & Sons. BONIFACE, Pascal (2009), “Que Ordem Internacional?”, in Boniface, Pascal, ed., Atlas . Lisboa: Plátano Editora. BRITO, Ana (2014), “Banco de Desenvolvimento dos BRICS arranca com 50 mil milhões de dólares”, , http:// w w w. publico. pt /economia /noticia / b an co- de - d ese n volvim en t o - d os-b ri c s-arranca-com-50-mil-milhoes-de-dolares-1662172?utm_source=feedburner&utm_ medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+Pu blicoRSS+%28Publico.pt%29 [consultado em 11 de julho de 2014]. CAMERON, Rondo (2000), do Mundo – De uma Forma Concisa, de há 30 000 Anos até ao Presente. Mem Martins: Publicações Europa-América. BROWN, Chris; AINLEY, Kirsten (2012), . Lisboa: Gradiva. CARROUÉ, Laurent (2012), “Dans l´industrie, Les Derniers Seront les Premiers”, Monde Diplomatique: Mondes Émergents, Le Monde Diplomatique, 44-45. CAVUSGIL, S. Tamer; Ghauri, Pervez N.; Agarwal, Milind R. (2002), Doing Business . London: Sage Publications. CONCHIGLIA, Augusta (2012), “Cette Afrique Monde Diplomatique: Mondes Émergents, Le Monde Diplomatique, 112. ESCOBAR, Pepe (2011), “BRICS Go Over the Wall”, Asia Times Online, http://www.atimes. com/atimes/ World/ WOR-01-260313.html [consultado em 24 de julho de 2014]. EURONEWS (2009), “BRIC wants euronews.com / 20 09/ 06/ 16/ bric-want sdezembro de 2013]. EXAME (2008), “Avanço tecnológico dos

INTRODUÇÃO

chineses assusta Embraer”, http://exame. abril.com.br/negocios/noticias/avanco-tecnologico-dos-chineses-assusta-embraer [consultado em 28 de dezembro de 2013]. ECONOMY, Elizabeth C.; LEVI, Michael (2014), . New York: Oxford University Press. FARRELL, Diana (2006), Offshoring – Under. Boston: Harvard Business School Press. FRIEDMAN, Thomas (2005), . New York: Farrar, Straus and Giroux. GOLDMAN SACHS (2003), “Dreaming with BRICs: The Path to 2050”, , 1-24. GOLUB, Philip S. (2006) “Quand la Chine et L`Inde Dominaient le Monde”, Le Monde diplomatique: , 85, fevereiro, 8. HEARDEN, Patrick J. (1986), Independence and , 1865-1901. DeKalb:: Northern Illinois University Press. HESLOP, Lynne (2014), “Understanding India: The future of higher education and the opportunities for international co-operation”, The British Council, http://www.britishcouncil. org/sites/britishcouncil.uk2/files/understanding_india_report.pdf [consultado em 25 de junho de 2014]. KEOHANE, Robert; NYE, Joseph (2001), Power and Interdependence. New York: Longman. KUPCHAN, Charles A. (2012), . New York: Oxford University Press. LANDES, David S. (2002), . Lisboa: Gradiva. LE MONDE DIPLOMATIQUE (2011), Monde Diplomatique: Mondes Émergents. Paris: Le Monde Diplomatique. LEMAIRE, Jean-Paul (1997), Desenvolvimento Internacional da Empresa – Estratégias de Internacionalização. Lisboa: Instituto Piaget. LEVINSON, Marc (2009), A Caixa – Como os Contentores Tornaram o Mundo Mais Pequeno e Desenvolveram a Economia Mundial. Lisboa:

| 65

Actual Editora. LEVITT, Theodore (1983), “The Globalization of Markets”, , MaioJunho, 92-102. LO, Bobo (2008), Axis of Convenience – . London: Chatham House. LOPES, Bruno Faria (2005), “Quatro Letras Que Vão Mudar o Mundo BRIC”, Dia D, 17 de Outubro, 31-37. MADDISON, Angus (2001), A Millennial Perspective. Paris: Organisation de Coopération et de Développement (OCDE). MARTIN, Eric (2012), “Move Over, BRICs. Here Come the MISTs”, , www. businessweek.com/ar ticles/2012-08-09/ move-over-brics-dot-here-come-the-mists [consultado em 13 de agosto de 2014]. MARTIN, Hans-Peter; Schumann, Harald (1999), . Lisboa: Terramar. MARX, Karl (1853), “Revolution in China and in Europe”, 14 de junho, https://www.marxists.org/archive/ marx/works/1853/06/14.htm.[consultado em 21 de junho de 2014]. McLUHAN, Marshall (1962), . Toronto: University of Toronto Press. MEADOWS, Donella, et al (1972), Limits of . New York: Universe Book. MELO, Henrique Gouveia e (2014), “O Despertar do Atlântico”, , nº 1, 9-26. MODELSKI, George; Thompson, William R. (1995), Columbia: University of South Carolina. MORI, Takeshi (2010), “Promising Post-BRIC Emerging Markets”, nº 155, June 1, 1-15. MURTEIRA, Mário (1995), Economia Mundial . Lisboa: Difusão Cultural.

66 |

BRICS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL (2012), “Global Trends 2030: Alternative Worlds”, http://www.dni.gov/index.php/ about/organization/national-intelligence-council-global-trends [consultado em 23 de abril de 2014]. NUNES, Ana Bela; Valério, Nuno (2000), “Ciclos e Crescimento – O Legado do Segundo Milénio” Economia Pura, 98-101. O´NEILL, Jim (2011), . O’NEILL, Jim (2001), “Building Better Global Economic BRICs”, , paper nº 66, http://www.goldmansachs.com/ our-thinking /archive/archive-pdfs/buildbetter-brics.pdf (consultado em 17 de dezembro de 2013). ONU: Organização das Nações Unidas (2011), “Security Council Approves «No-Fly Zone» Over Libya, Authorizing «All Necessary Measures» to Protect Civilians, By Vote of 10 in Favour with 5 Abstentions”, “http://www. un.org/News/Press/docs/2011/sc10200.doc. htm#Resolution [consultado em 23 de junho de 2013]. ORMEROD, Paul (2000) . Mem Martins: Publicações Europa América. PANDA, Jagannath P. (2013), Making? New Delhi: Institute for Defence Studies and Analyses. PANT, Harsh V. (2013), “The BRICS Fallacy”, , Summer, 91-105. PELLE, Stefano (2007), Understanding Brick. London: Response Books. PICQUART, Pierre (2004), L`Empire Chinois – . Paris: Favre. POMERANZ, Kenneth (2000), The Great Diver. New Jersey: Princeton University Press. REUTERS (2014) “BRICS’ development bank – graphic of the day”, http://blog.

t h om s o nr e u t er s .com / in de x . p h p/ br ic sde velopmen t-bank- graphic-o f-t he-day/ [consultado em 11 de agosto de 2014]. RIFKIN, Jeremy (1995), Dawn of the Post-market Era. New York: G.P. Putnam’s Sons. RIVOLI, Pietra (2005), The Trade RODRIGUES, Jorge Nascimento; Devezas, Tessaleno (2007), Portugal – O Pioneiro da . Lisboa: Centro Atlântico. ROSTOW, Walt Whitman (1960), Cambridge: Cambridge University Press. SAUVY, Alfred (1952), “Trois mondes, une planète”, , nº 118, 14 de Agosto, 14. SCHUMPETER, Joseph A. (1939), Business . London. McGraw-Hill. SHAMBAUGH, David (2013), – The Partial Power. New York: Oxford. SHARMA, Ruchir (2012), . London: W. W. Norton. SHARMA, Ruchir (2013), “Entrevista: Ruchir Sharma”, , 6 de dezembro, 12-13. SHENKAR, Oded (2005),

. São Paulo: Bookman. SJR (2004), “Country Rankings – 2002/2012”, http://www.scimagojr.com/countryrank.php [consultado em 25 de junho de 2014]. STUENKEL, Oliver (2014), “The New Decentralized World Order”, The Diplomat, http:// thediplomat.com/2014/07/the-new-decentralized-world-order/ [consultado em 13 de julho de 2014]. TALEB, Nassim Nicholas (2007), The Black New York: Random House.

INTRODUÇÃO

TALEB, Nassim Nicholas (2008), “Simplesmente… Não Conseguimos Prever”, ExecutiveDigest, nº 31, outubro, 20-34. TETT, Gillian (2010), “The Story of Brics”, Financial Times, http://www.ft.com/intl/ c m s / s / 0 / 1 1 2 c a 9 3 2- 0 0 a b -1 1 d f - a e 8 d 0 014 4f ea b d c 0 . h t m l #a x z z37ie y 4 B59 [consultado em 17 de julho de 2014]. THE ECONOMIST (2012), “Mis-charting economic history - More 2,000 years in a single graphic”, http://www.economist.com/ blogs/graphicdetail/2012/06/mis-chartingeconomic-history [consultado em 19 de junho de 2014]. THE ECONOMIST (2013), “Looks Good on Paper”, 28 de setembro, 39-40. THE ECONOMIST (2014a), “A Century of Decline”, 15 de fevereiro, 17-19. THE ECONOMIST (2014b), “A Bad Boom”, 15 de março, 20-22. THE ECONOMIST (2014c), “An Acronym with Capital”, 19 de julho, 62-63. THE NATURE (2010), “Journals step up plagiarism policing”, nº 466, 167. TISSANDIER, Gaston (1882), Recreation. London: Ward, Lock & Warwick House. UTTERBACK, James M. (1999), Mastering the . Boston: Harvard Business Press. WILSON, Dominic; Roopa, Purushothaman (2003), “Dreaming With BRICs: The Path to 2050”, , paper nº 99, http://blogs.univ-poitiers.fr/o-bouba-olga/ em 17 de dezembro de 2013]. YOHIHARA, Toshi; HOLMES, James R. (2010), . Maryland: Naval Institute Press.

| 67

68 |

| 69

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.