Brincar de Brigar: uma estratégia didática pacifista 1

June 9, 2017 | Autor: Gisela Wajskop | Categoria: Early Childhood Education, Play and Creativity in the Curriculum
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Brincar de Brigar: uma estratégia didática pacifista1 Gisela Wajskop2 Como se não bastasse a violência urbana e domiciliar, a agressividade tem invadido as salas de aula da grande maioria das escolas, desde o pré-escolar, revelando a dura realidade das crianças de vários grupos sociais e explicitando uma dificuldade de trabalho para os docentes. Esta tem sido uma grande e constante queixa de professores : o que fazer com a violência trazida pelas crianças, seja através do linguajar ou dos jogos de lutas, imitação de programas e desenhos televisivos? O que fazer com o conhecimento que as crianças trazem, velado e amedrontado, de situações que, ora lhe são familiares pela vivência doméstica, ora lhe são conhecidas através dos enredos simbólicos televisivos que buscam reproduzir e re-interpretar através das brincadeiras e jogos de guerra e lutas? Temas como: vida, morte, matar, morrer, aprisionar, violentar, raiva, ódio, drogas etc. têm feito parte do repertório, tanto lingüístico como corporal das crianças.

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Artigos publicado Texto do encarte “Brincar de brigar”. Ciência Hoje das Crianças. São Paulo: Abril, ano 12, no 96, out/99. 2 Gisela Wajskop é socióloga, Mestre e Doutora em Educação, tendo desenvolvido pesquisas na área de educação infantil. Foi Coordenadora do Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil, publicação do Ministério da Educação do Brasil, em 1998. e. Mail: [email protected] [email protected]

Que alternativas lhes podem ser dadas para que compreendam e vivenciem estas situações de forma simbólica, propiciando-lhes uma visão crítica e que supere o discurso puramente moral? Quais estratégias pedagógicas podem ser utilizadas pelos docentes de pré-escola e do ensino fundamental que os auxilie a encaminhar uma reflexão sobre as questões da violência, junto a seus

alunos,

de

maneira

significativa,

consciente

e

transformadora? Brincar com a temática, ao contrário do que se pensa, ajuda as crianças a experimentarem, através de situações imaginárias, os sentimentos de raiva, ódio e angústia advindos de cenas violentas. Esses sentimentos se transformam em elaborações simbólicas internalizadas e que passam a ser expressados e conscientizados através da linguagem. De outra parte, a brincadeira e jogos de guerra, quando permitidos, propiciam também às crianças a vivenciarem sentimentos de punição e justiça quanto aos atos violentos, quando podem experimentar, simultaneamente, papéis relativos ao bem e ao mal, ao bandido e ao mocinho, à polícia e ao ladrão. Expiando a agressividade na brincadeira, as crianças poderão entendê-la e transformá-la em linguagem simbólica. Seus sentimentos poderão ser expressos, gradativamente, através da linguagem e os atos agressivos tornar-se-ão assunto de “bebês” ou de “selvagens”. Para uma experiência, proceda da seguinte forma :

1. Sente-se em roda com seus alunos e sugira uma conversa sobre brigas, lutas, violência. Levante com eles tudo o que sabem sobre o assunto. Caso eles forem muito realistas, busque transformar o conhecimento apresentado em tipos que possam ser transformados em personagens, como por exemplo, o policial, o ladrão, o bêbado, etc. Caso o tema estiver orientado para um desenho animado ou um filme, proceda da mesma forma, buscando definir com as crianças os personagens e suas principais características. 2.Proponha que tudo o que foi conversado seja transformado

em

uma

brincadeira,

cujo

cenário

será

previamente construído pela classe, assim como os acessórios que permitirão às crianças fantasiarem-se e brincarem. Apenas o enredo da brincadeira será livre e criada pelos grupos, após a confecção do material necessário. 3. Defina cada personagem, registrando no quadro suas características e os acessórios necessários; por exemplo : para o policial, um quepe, uma arma, um cassetete, algemas, etc.; para o ladrão, um lenço como disfarce, outra arma, etc.; capas e espadas para heróis e bandidos; outros personagens surgirão e você poderá enumerá-los no quadro, ouvindo a opinião de todos. 4. Divida a classe em grupos de 4 crianças e forneça-lhes o material necessário : papel colorido, cola, tesoura,. fita crepe, canetas, tintas, pincéis, caibros de madeira, pregos, martelo, barbante e tudo o mais que for necessário. Forneça tempo necessário para a construção dos brinquedos e esteja consciente

que este é um momento de muita conversa e discussão, pois as imagens que cada um tem dos personagens estará sendo confrontada. 5. Delegue a um ou mais grupos a tarefa de construir o “Canto da brincadeira”, sugerindo que criem um cenário para a cadeia, ou para o castelo, a floresta ou ainda para situações de vida cotidiana tipo casinha, supermercado e tudo que surgir como idéia. 6. Quando estiver tudo pronto - e este processo pode durar até uma semana para ser concluído! - combine com as crianças um período de tempo, na vossa rotina escolar, durante algumas semanas até o interesse acabar, para brincar. Combine também algumas regras de segurança : não pode bater de verdade, não pode machucar, não pode puxar o cabelo, etc. 7. Deixe-os brincar à vontade, livres para definirem os papéis que cada um quer desempenhar. Pegue um lápis e uma folha de papel, observe-os e registre. Você, talvez, aprenderá com as crianças, que é tudo brincadeira... e que esta é bem mais pacifista do que parece!

BIBLIOGRAFIA BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo : Cortez, 1995 c. (Coleção questões de nossa época; v. 43). ________ . (1993) Jeu et Éducation - Le jeu dans la pédagogie prescolaire depuis le Romantisme. Thèse pour le Doctorat d'Etat ès Lettres et Sciences Humaines. Paris : Université Paris V - René Descartes, vol. 1 et 2, (mimeo). CAMPOS, M. M., GOMES, J. V. Brasilian Children: Images, Conceptions, Projects. Paper prepared for a Conference on “Images of chidhood”, Satra Bruk (Sweden), September 9-11, 1992 a (mimeo). VYGOTSKY. L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes ed., 1984. WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1995. (Coleção questões de nossa época; v. 48). ________ . Libre jeu à la crèche et à l’école maternelle à Paris et en banlieu : quelle place parmi les réprésentations des adultes?.Villetaneuse, Université Paris XIII, novembro de 1992, (relatório de pesquisa).

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