Bruno Wilhelm Speck: Banir totalmente as doações de empresas não é viável

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_>>> Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 24/11/2014 (20:10) - Página 14- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto

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Sábado, domingo e segunda-feira, 22, 23 e 24 de novembro de 2014

Política CLAUDIO BELLI/VALOR

Entrevista Especialista Bruno Speck, da USP, propõe mudanças graduais no financiamento de campanha

‘Banir totalmente as doações de empresas não é viável’ Cristian Klein De São Paulo A mistura explosiva das recentes revelações da Operação Lava-Jato e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que está prestes a declarar inconstitucionais as doações de empresas — a maioria na Corte já está formada, por 6 votos a 1 —, deverá implodir o sistema de financiamento de campanha eleitoral brasileiro. Nas palavras do cientista político Bruno Speck, da Universidade de São Paulo (USP), um dos maiores especialistas do país no assunto, o STF, numa medida radical, vai “chutar o balde”. Fará, numa das frentes mais importantes, parte da reforma política que há décadas é debatida e sempre morre pela falta de consenso. Os magistrados, no entanto, indicarão o rumo menos recomendável. “Banir totalmente as doações de empresas é arriscado. Não é viável”, alerta Speck. Melhor saída seria a introdução de mudanças graduais, como o estabelecimento, de um lado, de tetos nominais para o financiamento das empresas, e de outro, para os gastos dos partidos. Um controle sobre a oferta e a demanda. Como o STF derruba, veta, mas não tem a preocupação — ou atribuição — de pôr algo no lugar, será preciso redesenhar o novo financiamento. Speck sugere dois modelos. O primeiro é o canadense, pelo qual o cidadão faz pequenas doações aos partidos que são descontadas de seu imposto de renda. O segundo é o “matching funds”, praticado nas primárias americanas, num sistema de doação casada, pelo qual, para cada dólar desembolsado pelo cidadão, o Estado põe outro dólar, até um limite que estimule muitas doações porém de baixo valor. “Esses modelos dão poder de voz aos cidadãos, que decidem onde os recursos do financiamento público serão alocados”, afirma. Para o cientista político, estas opções não só podem ajudar a limpar a corrupção como são oportunidade de aproximar os eleitores dos seus representantes e fortalecer o sistema partidário. A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida ao Valor: Valor: A Operação Lava-Jato suspeita de que doações de campanha de empreiteiras têm servido a uma lavagem legal de dinheiro oriundo de esquemas de corrupção. Isso é uma demonstração de que o financiamento por pessoas jurídicas deveria ser proibido? Bruno Speck: Não creio que esse escândalo mostre mais do que outras suspeitas de que o financiamento privado de empresas deva ser proibido. Temos certa dificuldade de estabelecer a relação entre financiamento e favor. Não sabemos se o financiamento a partidos foi maior ou menor do que a parte do suborno. Não sabemos o que moveu o esquema. Se a demanda de recursos pelos partidos fez com que os representantes destas legendas em posições-chaves os fez exigir propina, e se grande parte dessa propina serviu ao partido e uma pequena foi para os agentes [do partido], ou se foi o contrário, uma pequena parte foi para o partido e uma grande para os agentes. É muito fácil usar qualquer argumento agora para dizer que financiamento de empresa está errado. Acho que ele está errado por outro motivo. Valor: Qual? Speck: É que ele sugere ao eleitor e ao público que há conluio. Você não precisa exatamente provar esse conluio. Basta que a credibilidade do sistema político brasileiro de representação sofra com a constante suspeita de que dinheiro compra favores. A ciência política já fez um grande esforço para tentar comprovar que há compra

de favores e até hoje tem evidências muito tênues. Isso é um problema acadêmico, mas para a realidade, para o debate político, basta a opinião pública, ou a mídia, ou as ONGs, até os próprios atores políticos, acharem que financiamento rende contratos. Valor: Mesmo que pesquisas mostrem que a influência do dinheiro é menor do que o imaginado? Speck: Sim, a suspeita é motivo suficiente para mudar as regras para restabelecer a legitimidade e a credibilidade do processo. Valor: Isso deveria ser feito na linha do que o Supremo Tribunal Federal está prestes a decidir, com o fim do financiamento de campanha por empresas?



O Supremo vai chutar o balde. Está pouco preocupado com o que ficará no lugar. O sistema entrará em colapso

Speck: Acho que deveria ser feito com intervenções graduais em pequenos passos. É muito arriscado, muito prejudicial, mudar o sistema atual radicalmente. Ninguém sabe o que vai dar. Uma série de mudanças graduais poderia começar, por exemplo, ao estabelecer tetos máximos para doações de empresas, para diminuir o poder dos grandes doadores. A segunda mudança seria estabelecer tetos para gastos, que é uma medida que torna os competidores um pouco mais iguais e diminui a demanda de recursos. Estabeleço que uma eleição para governador, em determinado Estado, não pode custar, sei lá, mais do que R$ 10 reais por voto. Tipicamente, você vincula isso ao número de eleitores. Isso diminui a demanda de recursos pelos partidos. E os tetos para doações diminuem a oferta. Isso pode ser feito gradualmente. Não precisa de nada muito radical no começo. Um teto de R$ 10 mil por pessoa física ou jurídica já seria uma revolução. Não creio que nesse momento um modelo banindo totalmente as doações de empresas seja recomendável ou viável. Valor: Por que pode aumentar o caixa dois? Speck: Pode acontecer mil coisas, mas a minha opinião é o que menos importa. O que vai acontecer é, primeiro, o Supremo, nas próximas semanas, vai banir o financiamento de empresas. Isso coloca uma nova situação que o Brasil não vivenciou. Até agora, a conversa sobre reforma política era sempre uma conversa póseleitoral, que florescia depois de uma campanha e morria antes do início de outra. Dessa vez, o julgamento do Supremo não vai permitir que isso aconteça. O Supremo basicamente vai chutar o balde e fazer com que o sistema de financiamento atual entre em colapso. Proíbe o financiamento e deixa o sistema meio manco. Tira praticamente todo o recurso de campanha sem colocar outro. O Supremo está pouco preocupado com isso, porque ele não é feito para desenhar um sistema institucional. Ele veta, proíbe, considera inconstitucional. Valor: Derruba mas não põe outro no lugar. Speck: Exatamente. O Congresso vai ter que remendar, fixar. E para o Congresso eu vejo duas alternativas, ambas muito doloridas. De um lado, a um alto custo perante a opinião pública, ele pode restabelecer o sistema, o status quo, emendar a Constituição. Valor: É o que o Congresso está tentando fazer agora.

Speck: Mas isso terá um custo muito alto, porque ficará a pecha no Congresso e nos partidos, e a maior culpa levará a situação, que tem a maioria. Como é que o governo que prega a mudança de financiamento vai permitir que o Congresso passe — com ampla maioria, uma mudança constitucional que exige maioria qualificada — a legalização do financiamento privado por empresas? A outra possibilidade é seguir o caminho da proposta de reforma de iniciativa popular [defendida por entidades da sociedade civil como a OAB] que além de introduzir financiamento público exclusivo também quer mexer no sistema eleitoral, com [adoção de] lista fechada ou votação [para deputados e vereadores] em dois turnos. Essa é a proposta mais viável porque precisamos ter em mente que teremos meio ano para mudar isso, já que, a partir de junho, julho do ano que vem, as [articulações para as] eleições [de 2016] já começam. O viável é entrar num bonde que já andou e está no meio do caminho, que é o projeto de iniciativa popular. Esse também terá um alto custo. Valor: Por quê? Speck: Porque terá que dizer que entre R$ 7 bilhões ou R$ 8 bilhões do Orçamento público seriam alocados aos partidos. A outra parte do espectro político, a conservadora, se revoltará com essa ideia do desperdício dos recursos públicos. Valor: Mas o Brasil já destina recursos públicos aos partidos. Speck: A meu ver, o modelo atual de distribuição de recursos não é o mais adequado, pois remunera os partidos em função do sucesso na eleição passada. Outros elementos, que deem mais voz ao cidadão, são muito propícios para fortalecer o sistema partidário brasileiro. Valor: Quais seriam? Speck: Há o modelo canadense que restitui aos cidadãos, pelo abatimento no imposto de renda, pequenas doações, por exemplo, de R$ 200, R$ 300, R$ 500. E há um segundo modelo, que é o sistema americano de “matching funds”, ou de doações casadas, previsto nas eleições primárias, no qual, para cada doação privada, de uma pessoa física, o Estado paga o mesmo valor aos partidos políticos, até um certo teto, um teto baixo, de R$ 200, R$ 300. Esses são dois exemplos de um modelo de mercado, no qual os partidos recebem incentivos para procurar o eleitor, no intervalo entre as eleições. Ele substitui a alocação proporcional e burocrática de recursos públicos [como a atual], baseada num determinado momento e numa determinada eleição, que é a de deputado federal. Isso congela a atual distribuição de poder e torna os partidos menos responsivos aos cidadãos. O modelo atual piora aquela situação que a gente detecta como um dos males do sistema partidário brasileiro: que os partidos teriam pouca ligação orgânica com a sociedade. Com o modelo atual de financiamento, os partidos continuam afastados ou se afastam ainda mais. Nos outros dois modelos, o cidadão é incluído como um agente de alocação de recursos. O montante disponibilizado pelo Estado tem um teto e por esta lógica se quer incentivar pequenas doações e não os grandes doadores — pois também há um teto individual para a restituição ou complementação do Estado. São modelos que servem não só para limpar o sistema de corrupção, mas para aproximar os cidadãos dos partidos. Valor: Esses modelos necessitariam de mudanças no sistema eleitoral, como a adoção de uma lista fechada, com voto só em partidos, ou as doações poderiam ser feitas

Speck: “Em metade dos países, doação de empresas é legal. O que você não tem tanto é esse grau de concentração”

para candidatos? Speck: Primeiro, acho que é improvável a introdução da lista fechada ou do sistema majoritário [com apenas um eleito por distrito, como nos Estados Unidos]. Mas a princípio os dois modelos servem tanto para sistemas proporcionais de lista aberta [praticado pelo Brasil] ou fechada, quanto para os majoritários. Qualquer modelo de financiamento público vai fortalecer as organizações partidárias, vai centralizar ainda mais os recursos. Valor: Os gastos deveriam ser limitados? Na Noruega, por exemplo, não existe propaganda eleitoral em rádio e TV, cuja produção no Brasil representa uma das maiores despesas de campanha. Speck: O horário eleitoral gratuito é a única coisa que deu certo e que é modelo de exportação, no sistema de financiamento de campanhas no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, 60% das despesas vão para a compra de espaço publicitário. No Brasil, essa espaço já é gratuito. Muita gente argumenta que o espaço precisa ser preenchido e então gera custo. Mas olhando para as prestações de contas a produção dos programas não é um valor tão alto e não é nem de perto o que se gasta em espaço publicitário nos Estados Unidos. Valor: Não há um gasto excessivo com a produção dos programas? Speck: As produções no Brasil são caras porque são relevantes, não por serem desperdício. É uma democracia grande e se você calcula quantos cargos são disputados com esses recursos você chega a valores bastante modestos. A eleição nacional custa uns R$ 5 bilhões e a municipal outros R$ 5 bilhões, o que dá R$ 10 bilhões, que divididos por sete cargos dá, em média, R$ 1,4 bilhão por cargo, que dividido por 140 milhões de eleitores é igual a R$ 10 reais por cidadão, por cargo. É bastante razoável já que com esse valor — o preço de dois guaranás — o cidadão se informa sobre as alternativas políticas de quem o governará no Congresso, no Senado etc. Muitos comentaristas tendem a entrar na onda de achar que as eleições no Brasil são escandalosamente caras. Eu acho que não, pelo tamanho da democracia e pelos cargos em disputa. O horário eleitoral gratuito é uma medida benéfica. Tudo que aumenta a competitividade e a possibilidade de os partidos se comunicarem com o cidadão — mesmo que isso seja ridicularizado e que todo mundo só pense no Tiririca — é bom, pela quantidade de informação que circula. Valor: O Brasil é um ponto fora da curva ou há outros países que exibem propagandas eleitorais gratuitas em grandes blocos?

Speck: O Brasil tem um bloco grande e foi um dos primeiros países a introduzir esse horário eleitoral gratuito e exclusivo, porque isso precisa ser dito também — ele não permite a compra de espaço adicional. Já temos, no horário eleitoral, uma espécie de financiamento público exclusivo. O Brasil era a exceção junto com o Chile. O interessante é que nos dois países esses modelos foram implementados ou aperfeiçoados, no seu pleno sentido, durante a ditadura militar. No Brasil, o início foi imediatamente antes da ditadura, mas foi ampliado durante o regime militar. O Brasil é um ponto fora da curva em relação à amplitude da concessão de espaço público e em relação à proibição paralela da compra de espaço privado. Agora, outros dois países adotaram: Argentina e México. A princípio o modelo está fazendo escola, mesmo que aqui tenha uma ridicularização desnecessária desse modelo. É um modelo que deu certo.



O financiamento canadense e americano tem um modelo de mercado. Os partidos são incentivados a buscar o eleitor

Valor: Para reduzir custos, o senhor seria favorável a programas mais simples, baseados em debates entre os candidatos? Speck: Tem que garantir a maior liberdade possível no uso desse espaço. Essa tendência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de tentar meter o dedo e prescrever qual seria a propaganda certa ou errada, é um equívoco. Os partidos políticos devem manejar esse espaço e os abusos serão corrigidos no resultado eleitoral. [Proibir a propaganda negativa] foi exagerado. Valor: Debates seriam mais vantajosos para o conhecimento das propostas em vez de superproduções conduzidas por marqueteiros? Speck: Não tinha pouco conteúdo nessa campanha. Acho que tinha muito. O horário eleitoral permitiu acompanhar o esforço do governo de fazer um balanço sobre os últimos anos, e o esforço da oposição de desmontar esse balanço. Não vejo que a campanha não tenha sido informativa ou que não tenha correspondido a um formato benéfico para a democracia. Valor: A concentração de um grande volume de doações feitas por poucas empresas é um traço peculiar do financiamento brasileiro?

Speck: Exatamente. Em metade dos países do mundo, o financiamento de empresas é legal e influencia fortemente, mas o que você tem em menos países é esse grau de concentração. Aqui, poucas empresas doam, elas doam valores muito altos e, terceiro ponto, poucos candidatos recebem recursos de poucos financiadores. O grau de dependência do candidato é muito grande em relação a seus principais financiadores. E não é o setor privado que doa, é uma minúscula fração. No Brasil há 20 milhões de empresas privadas registradas, de todos os tamanhos. Destas, somente 20 mil fazem doações. Ou seja, 0,1%. A segunda característica é que os valores doados alcançam cifras muito superiores às de outros países. Na Alemanha, a última grande doação que causou certa revolta na opinião pública foi de 690 mil euros (cerca de R$ 2,3 milhões), no ano passado, da família Quandt, que controla a BMW, para a CDU. No Brasil, esse valor seria uma grande doação, mas de longe, não seria a maior. Os maiores doadores doam R$ 100 milhões numa eleição. Valor: O financiamento nos Estados Unidos não é muito menos transparente que no Brasil, por permitir, por meio dos chamados superPACs, doações anônimas e ilimitadas de corporações? Speck: Sim, ele está rapidamente caminhando para o padrão de financiamento do Brasil. Esses superPACs não eram permitidos na década passada e são menos transparentes. Tem vários subterfúgios que não permitem a identificação dos doadores. Valor: É um cenário bem diferente do brasileiro, em que as doações ocultas, neste ano, foram proibidas. Não há outros avanços em curso, como o aumento de doações declaradas no caixa um? Speck: Os valores declarados, de eleição para eleição, têm dobrado, e a curva diminuiu um pouco recentemente. Mas realmente não sabemos se isso é resultado da inclusão de recursos de caixa dois no montante declarado, se é um aumento do custo de campanha ou se é, em parte, efeito da inflação. Provavelmente é uma mescla das três coisas. Valor: Algum país adota o financiamento público exclusivo? Speck: Não, ele existe de modo aproximado em Israel, pois depende do que você conta, mas seria em torno de 90% público. No Brasil, por exemplo, se você contabiliza o valor do horário eleitoral gratuito, você chega a um financiamento, não exclusivo, mas acima de 60% a 70% público, porque o valor de mercado do horário eleitoral é maior do que todas as doações feitas por empresas.

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