Bruno Wilhelm Speck: Fragmentação subsidiada

Share Embed


Descrição do Produto

04/02/2015

Fragmentação subsidiada Por Bruno Wilhelm Speck Com os deputados e senadores eleitos empossados e a definição da presidência das duas Casas a nova relação entre governo e Legislativo ganhará perfil. Para qualquer projeto de reforma política uma questão decisiva será se ele cabe na agenda dos dois Poderes. Uma proposta encaminhada pelo governo sem ou contra o apoio nas duas Casas do Legislativo será condenada ao fracasso, da mesma forma que propostas oriundas de uma das duas casas, por mais consensuais, conciliatórias ou inovadoras que sejam, se perderão nos corredores e nas comissões se não contarem com a propulsão do apoio do governo, para acelerar o processo de debate e aprovação. Será que o governo arrumará tempo e energia para pensar em questões de longo prazo, por exemplo, na questão da reforma do financiamento da competição política? Ninguém se surpreenderia se no contexto do turbilhão no cenário econômico a reforma política fica em segundo plano. Apenas para lembrar: se ela não for aprovada no primeiro semestre do ano pós-eleitoral as condições para chegar a um desfecho pioram. A partir do segundo semestre o calendário político começará a ser ocupado pelas eleições municipais de 2016. Uma aposta era que o voto do STF sobre a ADI 4650 da OAB a respeito da inconstitucionalidade do financiamento empresarial forçasse uma decisão do Congresso. Mas a morosidade do STF nesta decisão, produzida por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, sem prazo de conclusão, impede que a mais alta corte do país produza o que se espera dela: segurança jurídica a respeito da legalidade do arcabouço institucional do país. Enquanto a influência (negativa) do recurso privado sobre a disputa eleitoral atrai a atenção no debate político, a alocação dos recursos públicos aos partidos no Brasil é menos debatida. Os partidos recebem dois tipos diferentes de subsídios do Estado para apoiá-los no seu papel fundamental para a democracia. Para manter as organizações partidárias os partidos recebem recursos do Fundo Partidário e tempo gratuito para a propaganda política, durante e fora da campanha eleitoral. O Fundo Partidário é alimentado com recursos do orçamento federal (mais ou menos R$ 2 por eleitor registrado, somando aproximadamente R$ 300 milhões por ano). O horário gratuito de propaganda em rádio e TV soma quase duas horas por dia, na fase mais quente da disputa eleitoral. É difícil precificar o valor deste tempo gratuito em rádio e TV, mas cálculos baseados nos preços pagos por anunciantes para veicular alguns segundos de propaganda na mídia eletrônica chegam à conclusão que o horário gratuito é tão importante economicamente para os partidos quanto o financiamento privado das campanhas.

Quanto maior o partido, maior a penalidade O Brasil está na mesma trilha de outras democracias que apoiam as organizações partidárias com recursos diretos e indiretos. Nas palavras da cientista política Ingrid van Bietzen os partidos se tornaram uma utilidade pública que merece ser subsidiada com recursos públicos. É um apoio necessário e não pretendo questionar a sua legitimidade, nem os valores alocados. A questão aqui é como estes recursos são distribuídos. Quem recebe quanto baseado em quais critérios? Grosso modo, os partidos recebem dinheiro e tempo do Estado em função de uma mescla entre dois critérios. Há diferenças de grau entre a alocação do Fundo Partidária e do horário eleitoral gratuito, mas o principio básico por trás é o mesmo. Grande parte do dinheiro e do tempo é distribuída em função do sucesso dos partidos na última eleição para a Câmara dos Deputados. Uma parte menor é alocada igualmente entre todos os partidos. Somando estes dois valores partidos pequenos recebem mais recursos que lhes corresponderia, usando o critério estritamente proporcional. Por outro lado, os partidos grandes recebem menos recursos e tempo, levando em conta o seu sucesso eleitoral na última eleição. Por exemplo, o PMDB obteve 13% dos votos na eleição para a Câmara dos Deputados em 2010 e obteve 15% das cadeiras da Casa, mas participou com somente 12% no fundo partidário e com 9% no horário eleitoral. Esta questão do impacto dos critérios de distribuição dos recursos públicos sobre o sistema partidário é pouco discutida no debate sobre o financiamento. Há duas décadas surgiu na ciência política a tese sobre a cartelização do sistema partidário a partir dos recursos públicos. Nas democracias na Europa Ocidental, onde partidos recebem mais subsídios públicos, estes levariam a uma distorção da competição, afastando novos competidores e fortalecendo a posição dos partidos estabelecidos. O exemplo acima mostra que o sistema de alocação de recursos do Fundo Partidário e do horário gratuito no Brasil tem o efeito contrário. Ele penaliza partidos grandes e cria incentivos para os pequenos. Um partido com 10% dos votos recebe menos dinheiro e tempo do que quatro partidos com 2,5% dos votos. O sistema de subsídios públicos a partidos em vigor no Brasil cria um teto para o crescimento dos maiores partidos. Quanto maior o partido, maior a penalidade. Diante das dificuldades de avançar na reforma sobre o financiamento privado seria interessante que os legisladores reavaliassem este sistema de incentivos por eles criados, que contribui para a fragmentação do sistema partidário brasileiro. Mas o tema também tem importância para uma eventual reforma que proibiria o financiamento empresarial, compensando estas perdas com um aumento substancial do financiamento público. A questão não se encerra com este financiamento compensatório. É necessário avaliar cuidadosamente qual o impacto da fórmula de distribuição dos recursos sobre os partidos existentes. Mesmo entre os menos preocupados em relação à questão da fragmentação partidária no Brasil deve haver consenso que as regras de financiamento público não deveriam promover um aumento do número de partidos no Congresso. Bruno Wilhelm Speck é professor de ciência política na Universidade de São Paulo (USP) e colunista convidado do "Valor ". Rosângela Bittar volta a escrever na próxima semana E-mail: [email protected]

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.