Bundesliga: 50 anos de história

June 28, 2017 | Autor: W. Camargo | Categoria: Football (soccer), Sports History, Futbol
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Bundesliga: 50 anos de história Por Wagner Xavier de Camargo Agosto de 2013 foi mês de festa futebolística na Alemanha. Afinal, o Campeonato Alemão de Futebol (a conhecida Bundesliga) completava 50 anos de história, numa jovem trajetória que vem consolidando o futebol germânico como um dos mais organizados e bem sucedidos de todo o continente europeu. Porém, não foi sempre assim. Desde a criação da Federação Alemã de Futebol (a Deutscher Fuβball-Bund – DFB) nos idos de 1900, a modalidade esportiva demorou a se organizar institucionalmente se comparada às realidades de outros países como a da Inglaterra e a França, que mesmo antes da I Guerra já tinham estruturas de competição. Não apenas o período de guerras em que o país se envolveu contribuiu para essa lacuna organizativa, mas a própria história da unificação tardia das províncias germânicas, o predomínio da cultura atlética ligada à ginástica desde os tempos dos Kaisers (imperadores) e a falta de uma estética própria no futebol, além de um preconceito arraigado contra sua origem inglesa. Vale lembrar que na passagem entre séculos as rivalidades nacionais europeias eram viscerais e o momento geopolítico era tenso. Já nos anos 1930, constata-se que o governo de Adolf Hitler postulava uma combinação de capacidade produtiva (economia nacional) com valores estéticos da Antiguidade Clássica sobre “corpos arianos” e que o esporte era transformado em veículo de propaganda nacionalsocialista (nazista) — o foco centrava-se em modalidades individuais, como atletismo, lutas e esgrima. O ápice desse processo foi visualizado, particular e espetacularmente, nas Olimpíadas de Berlim, em 1936. Apesar de o futebol já estar em processo de popularização naquele período, ainda se encontrava subsumido aos outros esportes (a seleção alemã de futebol, por exemplo, fora eliminada nas semifinais olímpicas pelo time da Noruega). No tocante à Bundesliga, após uma série de conversações e conchavos políticos nos anos de 1950, o formato do campeonato se materializa em julho de 1962 e o fato histórico desencadeador para o presidente da DFB à época (Hermann Gösmann) foi a derrota de 1 x 0 da Alemanha para a então Yugoslávia, nas quartas de final, na Copa do Mundo do Chile. No verão seguinte (1963), oito partidas dão origem e prosseguimento às ideias de Gösmann: criava-se, oficialmente, um combate entre equipes alemãs.

Matheus Laboissière (2013) detalha, em seu blog, a primeira rodada de confrontos e os principais times à época, como o Werder Bremen e o Borussia Dortmund. Ele destaca que a única equipe alemã a participar dos campeonatos europeus era o Eintracht Frankfurt, que chegou a ser humilhada numa derrota histórica de 3 x 7 para o Real Madrid, na temporada de 1959/1960. Tal fato se explica, para este comentarista, pois “(...) o futebol alemão era semiprofissional, ao passo que os países mais importantes já pagavam salários a seus jogadores. Os germânicos sequer tinham liga nacional, apenas torneios regionais desmembrados, o que resultava na perda de jogadores para os vizinhos e baixa organização”. Importante dizer que o panorama esportivo futebolístico no continente europeu do período pós-guerra estava centrado na realização da Liga dos Campeões (criada na temporada 1955-56 e desde 1992-93 no atual formato) e que os destaques eram os times espanhóis (principalmente o Real Madrid), italianos (Milan e Inter) e portugueses (Benfica). A Alemanha, por uma série de questões e por falta de arregimentação oficial de clubes, deixava a desejar. Contudo, a história vai mudar a favor dos alemães nas décadas seguintes. Dos muitos livros atuais produzidos sobre os 50 anos da Bundesliga e vasculhados por mim numa das maiores livrarias de Berlim (a Dussmann) em recente passagem pela capital alemã, Samstags um halb 4: die Geschichte des Fuβballbundesliga (“Sábados, às três e meia: a História do Campeonato Alemão de Futebol”, em tradução livre para o português) se destaca pelo preciosismo nas minucias do processo de estruturação, desenvolvimento e apogeu da famosa liga futebolística alemã. Havemann é um historiador econômico e o livro sintetiza três anos de pesquisa apoiados pela fundação Fritz-Thyssen por meio de uma bolsa de pesquisa. O autor explica como o futebol e a organização da Busdesliga caminharam pari passu à recuperação das Alemanhas na segunda metade do século XX. Com base em fontes inéditas (de arquivos de clubes de futebol, de cidades e de instituições de pesquisa), ele trouxe novas perspectivas à história da Bundesliga, fornecendo detalhes sobre escândalos de corrupção que a envolveram nos anos 1970/71 e descrevendo porque até nesses anos ela operou, muitas vezes, via uma “economia paralela” (Schattenwirtschaft) – tolerada ou mesmo incentivada pela política nacional. O livro impressiona nas suas quase setecentas páginas pela qualidade da escrita e pelo colossal detalhamento da formação da liga alemã de futebol (os estratagemas políticos, negociações clubísticas, os lobbys, etc.). Além disso, tópicos de destaques são os que discutem o “futebol como religião”, a inserção das mulheres alemãs como “novas protagonistas” nesse esporte em

fins dos anos 1970 e a inserção dos estrangeiros no então rico futebol alemão dos anos 1980-90 (com o inevitável desencadeamento de ondas de racismo por parte de torcedores). Em que pese todos os elogios à publicação, Havemann “se esquece” ou não dá importância às polêmicas sobre orientações sexuais de jogadores do selecionado nacional, que vêm ocorrendo (e se avolumando) desde meados de 2006. Em um workshop intitulado Queer and Straight Alliances: who has the right and the duty to combat homophobia in sports? (Aliança entre ‘Queers’ e ‘Straights’: quem tem o direito e a obrigação de combater a homofobia nos esportes?), desenvolvido no programa da II Conferência Internacional dos Direitos Humanos LGBT em 2009, em Copenhagen, considerouse que a homofobia (entendida simplificadamente como aversão a homossexuais no esporte) é um fenômeno muito mais complexo e de responsabilidade das instituições sociais e da sociedade civil. Bas Koppers (representando a Homosports, da Holanda), Havard Ovregard (da Noruega), Jennifer Birch-Jones (do Canadá) e Tanja Walther-Ahrens (da Alemanha) falaram em momentos distintos e conduziram à discussão focando as experiências de seus países no tocante a tal problemática. Esse fato histórico é importante de ser destacado para mostrar como a DFB não está alheia a esta importante tematização. Tanja é uma ex-jogadora de futebol, que tem se engajado em campanhas oficiais para lutar contra a homofobia nos esportes. À época, recém-nominada por um prêmio de “Tolerância no Esporte” (em 2008), ela falou sobre a preocupação da federação nacional de futebol. Distribuiu o folder “Fuβball ist nicht nur Schwarz und Weiβ”, apoiado massivamente pela DFB:

Figura 1: folder “Futebol não é só branco e preto”

Tanjia resumiu o trabalho de intervenção que vinha desenvolvendo junto ao futebol, como também destacou o então pioneiro suporte da DFB ao “Queer Football Funclubs”, uma espécie de torcida organizada de futebol composta de sujeitos queer ou LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros/as). Considerou fundamental o apoio contra a homofobia dado por esta federação em seu país e disse que isso ajudava muito no trabalho de sensibilização de outros esportes e de outras federações para ações similares. Pois assim se completam os 50 anos de uma liga de futebol que se estruturou nos escombros do pós-guerra, que passou por temas e problemas financeiros e sociais, que se reinventou e se tornou uma referência continental. Saber um pouco mais dessa história enriquece nossas referências futebolísticas como aguça nosso espírito crítico!

Referências HAVEMANN, Nils. Samstags um halb 4: die Geschichte der Fussballbundesliga. München: Siedler Verlag, 2013. LABOISSIÈRE, Matheus C. “Bundesliga completa exatos 50 anos em grande forma”. Blog do Trivela. Disponível em: , acesso em 02.11.2013.

Publicado na Revista Pontos de Vista (USP), em janeiro de 2014

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