Buscando indicadores do desempenho das universidades na construção das sociedades sustentáveis

August 1, 2017 | Autor: Marcelo Bizerril | Categoria: Higher Education Management, Administração e Gestão Educativa
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GT 74 Desafios do ensino superior nos países lusófonos – contributos para o desenvolvimento Buscando indicadores do desempenho das universidades na construção das sociedades sustentáveis¹ Marcelo Ximenes A. Bizerril²

Resumo: Diversos autores e acordos internacionais têm remetido à universidade o compromisso com a sustentabilidade do planeta. Nesse debate são citadas diversas ações possíveis no âmbito das atribuições das universidades, no entanto as iniciativas em orientar e acompanhar o desempenho das universidades nesse setor ainda carecem de discussão. No presente trabalho é apresentado um conjunto de indicadores que podem auxiliar a universidade a auto avaliar seu desempenho no campo da sustentabilidade, agrupados em quatro categorias: (a) A sustentabilidade na gestão da instituição; (b) Ações formativas de sustentabilidade voltadas aos estudantes; (c) Ações de sustentabilidade com impacto na sociedade; (d) Sustentabilidade nos documentos norteadores da instituição. É apresentado também um exercício de aplicação dos indicadores no campus da Universidade de Brasília na cidade de Planaltina, Distrito Federal, Brasil. Palavras-chave: sustentabilidade global; educação ambiental; 3a missão da universidade; qualidade na educação superior; instrumentos de avaliação.

1. Introdução Especialmente a partir da década de 1970, movimentos sociais e políticos ganham força movidos pela degradação ambiental e a percepção de que o desenvolvimento tecnológico e científico não havia trazido os benefícios esperados em termos de redução das desigualdades sociais e aumento da qualidade de vida de todos. Desde então, a questão ambiental foi se estabelecendo na agenda das lideranças mundiais, sobretudo da Organização das Nações Unidas (ONU). Ainda que pouco tenha se concretizado em termos de mudanças concretas no modelo econômico mundial, muitas conferências e acordos foram realizados, de modo que a temática da sustentabilidade é hoje um dos principais temas de interesse em nossa sociedade. Dentre as diversas formas de compreensão da problemática ambiental, a busca por sociedades sustentáveis é a que mais se aproxima de uma abordagem complexa da questão, e que busca mudanças radicais em termos éticos e de valores para a humanidade. O ‘Tratado da Educação Ambiental para as Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global’ é um documento elaborado por educadores ambientais de oito regiões do mundo, que foi publicado em 1992 e se tornou referência para a Educação ambiental, sobretudo na América Latina. Dividido em diversos princípios e propostas de ações, o tratado defende que a educação deva atuar na mudança do modelo de civilização vigente e que, para isso acontecer, a participação individual é fundamental: 1. Citação do artigo: Bizerril, M.X.A. Buscando indicadores do desempenho das universidades na construção das sociedades sustentáveis. In: Livro de Atas do 1.o Congresso da Associação Internacional das Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa, Universidade Nova de Lisboa, pp. 8032-8041, 2015. Disponível em http://www.omeuevento.pt/Ficheiros/Livros_de_Actas_CONLAB_2015.pdf 2. O autor possui graduação em Ciências Biológicas, mestrado e doutorado em Ecologia. Trabalha com formação de educadores no ensino superior desde 1996 e é professor da Universidade de Brasília desde 2006. Tem experiência nas áreas de: Gestão do Ensino Superior, Educação Ambiental, Ensino de Ciências, Comunicação Comunitária, Ecologia. Atua no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e no Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural. Sua produção acadêmica em ecologia e educação distribui-se em artigos em periódicos nacionais e internacionais. Foi diretor do campus da Universidade de Brasília em Planaltina-DF (Faculdade UnB Planaltina) de 2007 a 2012.

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Consideramos que são inerentes à crise a erosão dos valores básicos e a alienação e a não-participação da quase totalidade dos indivíduos na construção de seu futuro. É fundamental que as comunidades planejem e implementem sua próprias alternativas às políticas vigentes. Dentre essas alternativas está a necessidade de abolição dos programas de desenvolvimento, ajustes e reformas econômicas que mantêm o atual modelo de crescimento, com seus terríveis efeitos sobre o ambiente e a diversidade de espécies, incluindo a humana. Considerando a forte demanda para que as universidades se envolvam mais aprofundadamente com as questões sociais, diversos documentos e autores destacam a necessária contribuição que a universidade deve dar à construção das sociedades sustentáveis (Toledo, 2000; Tauchen e Brandli, 2006; Sorrentino e Nascimento, 2010). Dentre esses, podemos citar documentos no âmbito brasileiro como as Deliberações das Conferências Nacionais do Meio Ambiente, o Programa Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P) do Ministério do Meio Ambiente, e a Política Nacional de Educação Ambiental, que incumbe às instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem. No entanto, a demanda é também de caráter internacional, como visto na Declaração de Talloires e na Carta Universitária para o Desenvolvimento Sustentável, que contém recomendações sobre as responsabilidades para um campus universitário sustentável, elaborados e endossados por grande número de universidades. A ‘Declaração de Talloires para um Futuro Sustentável’ foi assinada em 1990, por reitores e líderes de 22 universidades representativas de todos os continentes, e propõe 10 ações para a promoção da sustentabilidade que incluem educar para a sustentabilidade e cidadania, estabelecer uma cultura institucional e práticas de sustentabilidade nas universidades e atuar fortemente para um futuro sustentável junto a sociedade, ao ensino básico e às demais universidades. Em 2010, 421 universidades em 52 países haviam assinado a declaração. Segundo Sáenz (2014), desde 1986 se realizam fóruns nacionais e subregionais a respeito da relação universidade e ambiente nos países da América Latina.Em 2007 foi constituída a Aliança de Redes Iberoamericanas de Universidades pela Sustentabilidade e o Ambiente (ARIUSA), com a missão de promover e apoiar a cooperação acadêmica, científica e a coordenação de ações no campo ambiental entre as universidades ibéricas, latinoamericanas e caribenhas. Em 2012 foi lançada a Aliança Mundial de Universidades sobre Ambiente e Sustentabilidade (GUPES, em inglês), uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) com o objetivo de promover a integração dos aspectos ambientais e da sustentabilidade no ensino, na pesquisa, na participação comunitária e na gestão das universidades, assim como aumentar e melhorar a participação dos estudantes em atividades voltadas ao desenvolvimento sustentável dentro e fora das universidades. Uma boa visão do estado da arte e dos desafios para a ambientalização das universidades Iberoamericanas pode ser encontrada no livro “Visões e Experiências Iberoamericanas de Sustentabilidade nas Universidades”, publicado em decorrência do 3 Seminário Internacional de Sustentabilidade na Universidade, realizado em 2011. Em outro estudo, Tauchen e Brandli (2006) analisaram 42 universidades localizadas no Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Portugal, Alemanha, Espanha, França e Nova Zelândia, além de quatro estudos de caso no Brasil, a respeito das suas práticas de gestão ambiental. As ações sustentáveis que mais apareceram foram o controle do consumo e reuso da água e o programa de reciclagem-gestão de resíduos (22%), seguidos do treinamento e sensibilização dos alunos (19%), a auditoria ambiental (16%) e o diagnóstico dos impactos significativos para o ambiente (16%). Um dos exemplos europeus destacados pelos autores é o projeto Ecocampus³, que é um sistema de gerenciamento ambiental direcionado às IES, que permite que faculdades e universidades sejam reconhecidas por suas práticas de sustentabilidade ambiental. Alguns dos exemplos-chave da sustentabilidade, considerados pelo projeto, são: contribuir para o desenvolvimento da ética sustentável; controlar os transportes dentro do campus; primar pelo bem estar, saúde e segurança; reduzir os desperdícios; aprimorar as atividades ambientais curriculares; monitorar o consumo de água e energia; e motivar a o

3. Site do Projeto ligado à Universidad Autonoma de Madrid: http://www.uam.es/servicios/ecocampus/especifica/

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participação da comunidade local e regional (Tauchen e Brandli, 2006). Outros exemplos pontuais de ações que tem sido desenvolvidas em termos da ambientalização da instituição são as edificações sustentáveis (como é o caso, por exemplo, da Tongji University, na China 4) e a gestão de resíduos (por exemplo o programa USP Recicla, da Universidade de São Paulo5). Mas um importante desafio ainda é a inclusão da sustentabilidade como eixo transversal nos cursos de graduação (Layrargues e Dourado, 2011) e nas ações da gestão das universidades, sobretudo nas dimensões da democracia, participação e diálogo interdisciplinar (Toledo, 2000). Nesse sentido, ao pensar o papel das universidades na viabilização da sustentabilidade, Sorrentino e Nascimento (2010) sugerem ações em termos de ensino, pesquisa, extensão e gestão, com destaque para o papel formador da instituição: Nesses processos de formação, permanentes e continuados, a Educação Ambiental nas Instituições de Ensino Superior pode cumprir dois papéis: o de educar a própria instituição, para ela incorporar a questão ambiental no seu cotidiano – a ambientalização da Instituição, presente em todas as suas atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão; e o de contribuir para educar ambientalmente a sociedade – um projeto ambientalista de país e as ações educadoras com ele comprometidas (p.25). Um reforço a esse ponto de vista é a já citada “Declaração de Taillores sobre os Papeis Cívicos e Responsabilidade Social do Ensino Superior”, que reconhece e defende aspectos essenciais a cidadania planetária como: As universidades têm a responsabilidade de promover entre seu corpo docente, alunos e funcionários o senso de responsabilidade social e um compromisso com o bem social, o qual, acreditamos, é a base para o sucesso de uma sociedade democrática e justa. (...) A universidade deve usar o processo de educação e pesquisa para responder às, servir e fortalecer suas comunidades para a cidadania local e global. A universidade tem a responsabilidade de participar efetivamente do processo democrático e dar voz aos menos privilegiados. No presente trabalho é apresentado um conjunto de indicadores que visam auxiliar a universidade a auto avaliar seu desempenho no campo da sustentabilidade. É apresentado também um exercício de aplicação dos indicadores no campus da Universidade de Brasília na cidade de Planaltina, Distrito Federal, Brasil.

2. Proposta de indicadores para a sustentabilidade na universidade A partir de um conceito amplo de sustentabilidade (que inclui aspectos econômicos, sociais, ecológicos, culturais e políticos), foram elaborados 39 indicadores distribuídos em quatro aspectos: a. A sustentabilidade na gestão da instituição; b. Ações formativas de sustentabilidade voltadas aos estudantes; c. Ações de sustentabilidade com impacto na sociedade; d. Sustentabilidade nos documentos norteadores da instituição. Com o objetivo de promover a reflexão dos papéis das universidades e das ações realizadas e potenciais em termos de sustentabilidade, o questionário parte da percepção dos gestores a respeito do desempenho institucional nos diversos itens propostos. Para cada subitem foi solicitado que os gestores assinalassem a intensidade com a qual o tema é tratado em sua instituição: fraca, média, forte. Ao final de cada aspecto havia espaço para considerações diversas que explicassem as opções assinaladas. 4. A Universidade se apresenta como um “campus verde” - http://www.tongji.edu.cn/english/ 5. O programa é coordenado pela Superintendência de Gestão Ambiental da USP, e atua em 6 campi da USP - http://www.sga.usp.br/

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O primeiro grupo de indicadores foi composto por 12 itens associados a ideia de sustentabilidade na gestão, o que incluiu investimentos tecnológicos e de infraestrutura adequados ao uso racional dos recursos naturais, como também aspectos da organização da universidade como uma comunidade democrática em que se pressupõe a participação e a realização humana no trabalho. Os indicadores foram os seguintes: a. A sustentabilidade na gestão da instituição a.1. Uso sustentável de energia a.2. Uso sustentável de água a.3. Compras sustentáveis a.4. Edificações sustentáveis a.5. Tratamento de resíduos a.6. Conservação da biodiversidade no campus a.7. Democracia na tomada de decisões a.8. Estímulo à participação a.9. Fortalecimento do senso de pertencimento a uma comunidade a.10. Qualidade de vida no trabalho a.11. Condições de trabalho a.12. Satisfação dos trabalhadores O segundo grupo de indicadores também foi composto por 12 itens, todos associados a ideia de sustentabilidade nos processos de formação dos discentes, tanto por meio do acesso à temática sustentabilidade no currículo e na participação em projetos, quanto por meio da vivência de experiências promotoras do fortalecimento da cidadania plena. Os indicadores foram os seguintes: b. Ações formativas de sustentabilidade voltadas aos estudantes b.1. Presença da temática sustentabilidade nos cursos b.2. Presença da temática sustentabilidade nas disciplinas b.3. Qualidade de vida do estudante b.4. Acesso a participação em projetos ambientais b.5. Estímulo à participação na gestão universitária b.6. Estímulo à autonomia b.7. Estímulo à responsabilidade b.8. Prática da interdisciplinaridade b.9. Prática do diálogo da ciência com outros saberes b.10. Tratamento da realidade local b.11. Tratamento da realidade regional b.12. Tratamento da realidade global O terceiro grupo de indicadores também foi composto por 12 itens associados a ideia de sustentabilidade com impacto na sociedade, considerando as relações que a universidade estabelece com diversos setores da sociedade, como também o esforço na execução de projetos e publicações que aproximem a sociedade da universidade. Os indicadores foram os seguintes: c. Ações de sustentabilidade com impacto na sociedade c.1. Projetos ambientais de pesquisa e extensão no âmbito local c.2. Projetos ambientais de pesquisa e extensão no âmbito regional c.3. Organização/participação em atividades comunitárias c.4. Relação com escolas c.5. Relação com produtores rurais c.6. Relação com movimentos sociais c.7. Relação com empresas c.8. Relação com populações tradicionais

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c.9. Relação com governo c.10. Relação com ONGs c.11. Relação com instituições públicas c.12. Produção de publicações de acesso ao público leigo O quarto e último grupo de indicadores foi composto por apenas 3 itens associados a ideia da presença da sustentabilidade como tema orgânico da instituição. Foram consideradas a presença do tema nos documentos que orientam a filosofia de trabalho do campus como também as condições da estrutura administrativa para viabilizar ações de sustentabilidade. Os indicadores foram os seguintes: d. Sustentabilidade nos documentos norteadores da instituição. d.1. Presença da sustentabilidade no Projeto Político Pedagógico Institucional ou Estatuto d.2. Destaque dado à sustentabilidade dentre as missões da instituição d.3.Existência de estruturas administrativas voltadas à sustentabilidade no organograma A proposta da pesquisa foi apresentada aos gestores da Faculdade UnB Planaltina, diretor e vice-diretora, e o formulário foi entregue para que fosse respondido em um período de 10 dias. Diretor e vice-diretora responderam o formulário separadamente. No momento da devolução do formulário foi realizada uma entrevista de avaliação do processo na qual foram discutidos aspectos do instrumento de auto avaliação proposto e da opinião dos gestores a respeito do papel da atividade em promover a reflexão sobre a sustentabilidade na instituição.

3. Aplicação do instrumento e o caso da Faculdade UnB Planaltina A Universidade de Brasília (UnB) foi fundada em 1961, associada ao processo de construção de Brasília, a nova capital do país. Em 2005 foi publicada uma proposta preliminar de expansão da universidade em três novos campi, a serem construídos em um raio de cerca de 50 km do campus central. O campus da UnB na cidade de Planaltina se chama Faculdade UnB Planaltina (FUP) e teve seus trabalhos iniciados em 2006, com apenas dez professores contratados e dois cursos de graduação em funcionamento. Atualmente abriga 100 professores, cerca de 100 funcionários, e atende a mais de 1400 estudantes, ocupando uma área construída aproximada de 11.500 m² em meio à vegetação savânica de cerrado. A FUP apresenta uma organização matricial, onde todos os professores e servidores técnico-administrativos são vinculados à faculdade, não havendo departamentos. Os professores são agrupados em cinco áreas de conhecimento (Ciências Exatas, Ciências da Vida e da Terra, Educação e Linguagens, Ciências Sociais e Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Tecnologia), cada uma expressa por um fórum, e podem atuar livremente em mais de um dos quatro cursos oferecidos pela unidade, todos de caráter interdisciplinar: Licenciatura em Ciências Naturais (diurno e noturno), Licenciatura em Educação do Campo, Bacharelado em Gestão Ambiental e Bacharelado em Gestão do Agronegócio. O processo de instalação do campus e da sua estrutura administrativa e pedagógica é descrito em mais detalhes por Bizerril e Le Guerroué (2012) e Bizerril (2013, 2014). As respostas ao questionário revelaram uma percepção positiva de atuação da FUP no campo da sustentabilidade por parte de seus gestores, com 54% (n=78) de indicações de “forte” para a atuação da instituição (fig. 1). As indicações de atuação fraca foram citadas em 13% dos casos, associados aos temas gestão, relações com a sociedade e documentos institucionais (fig. 2). As opiniões dos gestores variaram em relação aos quesitos, mas de modo pouco discrepante. Em 36% dos itens os gestores fizeram marcações idênticas, e diferenças extremas, ou seja, quando um considerou a atuação forte e o outro, fraca no mesmo item, ocorreram apenas em três ocasiões (7%).

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fraco

forte

médio

Fig. 1. Totalização da percepção dos gestores em relação aos 39 indicadores de sustentabilidade em sua instituição.

30 25 20 15 10 5 0

Forte Média Fraca

Fig. 2. Totalização da percepção dos gestores em relação aos indicadores de sustentabilidade em sua instituição, em cada um dos quatro grupos temáticos.

Os gestores compreendem que o campus apresenta condições favoráveis para a sustentabilidade em decorrência da sua estrutura de cursos e do perfil da equipe de profissionais existente. No entanto, reconhecem a necessidade de melhorar a articulação entre as ações existentes, sobretudo no que diz respeito à formação dos estudantes e as relações com a sociedade. Fortalecer a já existente coordenação ambiental é uma ação destacada. A estrutura básica do instrumento foi aprovada pelos gestores, com sugestões específicas para o aprimoramento, especialmente no que diz respeito à inclusão de explicações mais detalhadas no conceito de sustentabilidade que orienta o questionário. Ambos concordam que o questionário foi eficiente em provocar a reflexão sobre os rumos do campus nos diversos setores relacionados à sustentabilidade. Um aspecto destacado foi a constatação da necessidade de fortalecer a perspectiva interdisciplinar e de autonomia aos trabalhos dos servidores técnico-administrativos. Outro ponto recorrente na fala dos gestores é a discussão sobre as condições de trabalho e os entraves da gestão pública na universidade como, por exemplo, a falta de autonomia: “A sustentabilidade requer compromisso e o compromisso requer condições que superem os entraves na forma como a gestão pública é hoje. Há uma carga muito grande sobre os acadêmicos que estão na gestão, sem estrutura adequada de apoio.” Na perspectiva dos gestores, uma parte significativa do tempo é dedicada à gestão do cotidiano e ao enfrentamento da burocracia, restando menos tempo que o desejado para discussões estratégicas sobre o papel da universidade e a inovação na gestão.

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4. Considerações O ensino superior está, na atualidade, diante de grandes desafios, marcadamente o de redefinição de suas missões e o de organizar o repentino processo de expansão, sem precedentes na história, decorrentes da necessidade de todos os países em se inserirem na “sociedade do conhecimento” (Bernheim e Chauí, 2008; Mello, 2011). Como é destacado por Sobrinho & Goergen (2006, apud Mello, 2011): a formação profissional [em nível superior] não pode limitarse a uma simples capacitação técnica, nem ser um meio de progresso individual de propriedade privada, nem tampouco uma adesão acrítica das urgências do mercado ou um instrumento de ‘economização’ da sociedade, [mas deve conter] um valor público como parte da formação integral das pessoas e, por isso, tem de orientar-se à construção e realização da vontade e dos objetivos centrais de uma sociedade democrática (p. 127-28). Do quadro de expansão e aumento da complexidade da educação superior no contexto mundial emerge a discussão a respeito da qualidade e das formas de sua aferição e controle.Há diversas formas de estabelecer critérios de avaliação de qualidade. No caso das universidades, os rankings, por exemplo, despertam tanto interesse quanto controvérsia ao servirem de maneiras de classificar as instituições de ensino superior. Os críticos desses rankings contestam as diferenças nos pesos dados a determinadas funções das universidades (por exemplo, publicações em periódicos internacionais) em detrimento de outras (por exemplo, o impacto social das universidades). Na América Latina, os métodos de acreditação são também criticados pela sua conotação política e de imposição de ideologias, por representarem, na maioria dos casos, um viés norteamericano e eurocêntrico.Verifica-se que ainda que haja algum consenso em torno da necessidade de haver um processo de assegurar a qualidade nas universidades, há diversas controvérsias a respeito dos modos de estabelecer essa avaliação, a ponto de alguns documentos afirmarem “a impossibilidade de se chegar a um único conjunto de critérios padronizados de ‘qualidade’ aplicável a todos os países e localidades” (Mello, 2011, p.139). Para muitos, o resultado prático mais contundente dos rankings é o fortalecimento de uma cultura de competição, onde as instituições passam a ter como meta o aumento na pontuação em detrimento da discussão sobre quais as metas e ações que a instituição e a comunidade acadêmica desejam ver estabelecidas. Assim, a instituição passa a almejar (e comemorar) um posto mais destacado no ranking, aceitando passivamente os critérios impostos. A ausência dessa crítica faz com que a universidade invista mais tempo buscando adequar as ações da instituição para o atendimento aos rankings, do que provocando reflexões internas que visem transformações para a melhoria do atendimento da universidade às suas próprias missões. Essa análise encontra fundamentação na discussão que Lima (2005) estabelece a respeito do processo de subordinação que a educação se encontra em relação à economia, no modelo neoliberal: A educação passa a integrar-se numa indústria de serviços, num mercado de fornecedores em competição. Espera-se, que em termos de resultados e de processos de gestão a educação possa, finalmente, adaptar-se cabalmente à “economia do conhecimento” e enfrentar com sucesso os requisitos da competitividade internacional. Para esse efeito é necessário que ensine a competir, o que só será possível se, ela mesmo, aprender a competir através da prática da competição. A emulação e a rivalidade são os valores centrais, a partir de uma base individual e psicológica que é transferida e generalizada para as organizações, os países e as instituições internacionais (Lima, 2005, p.81).

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Há duas contradições em estabelecer indicadores mensuráveis de sustentabilidade para universidades. O primeiro diz respeito aos argumentos apresentados nos parágrafos anteriores, pois a sustentabilidade seria vista como mais um item a promover a competição entre as universidades, e a inibi-las a exercer sua liberdade acadêmica e autonomia institucional, características essenciais à manutenção da importância das universidades nas sociedades. Darcy Ribeiro, fundador da Universidade de Brasília, sugere o papel almejado para a universidade pública brasileira a partir de diversas expressões que utiliza no livro “Universidade para que?” quando se refere à universidade tais como: “Casa da Consciência Crítica”, “Casa dos Saberes”, “Centro de Cultura”, “Casa em que a nação se pensa a si mesma como problema e como projeto”, “instituição que possa ousar pensar diferente que os governos”, e até mesmo,“repensar outra vez tudo (...) como só uma universidade pode fazer.” (Ribeiro, 1986). Da extensa análise feita por Mello (2011) a respeito do papel das universidades na sociedade contemporânea, pode ser destacado o trecho em que defende que: Não seria exagerado afirmar que o principal desafio universitário, na atualidade, será aquele de encontrar pontos de equilíbrio entre as demandas do setor produtivo e da economia e as demais oriundas de outros setores da sociedade, sem abdicar, em quaisquer dos casos, da autonomia relativa que, como corporação (no sentido constitutivo de sua especificidade), deve manter diante de seus legítimos interlocutores (Mello, 2011, p. 151). Nesse sentido, Pedrosa (2014) entende a autonomia como a capacidade de decidir livremente sobre uma missão específica e organizar a universidade adequadamente para atendê-la. Assim, as estratégias, estruturas, interrelações e processos que melhor apoiem determinada missão institucional devem ser escolhidos e ajustados pela própria estrutura de governança das universidades, com o apoio e participação da comunidade acadêmica e da sociedade. Enfim, a opção da universidade pela sustentabilidade deve figurar dentre as formas de exercer sua autonomia como resposta às demandas sociais da atualidade, e não no simples atendimento de regras pré-estabelecidas por agências reguladoras da qualidade do ensino superior. A segunda contradição diz respeito ao próprio significado da sustentabilidade no mundo contemporâneo. A construção dos significados atribuídos a ideia de sustentabilidade vem sendo feita sobretudo fundada na ideia de reestruturação ou ruptura com o modelo vigente, pautado na competição, no individualismo, na busca por vantagens, na falta de envolvimento com os projetos coletivos, na desigualdade, modelo este que nos levou a atual situação de calamidade socioambiental. De outro lado, busca-se na sustentabilidade outro modelo em que a participação, o envolvimento, o diálogo e o sentido de pertencimento comunitário e responsabilidade global sejam preponderantes nas decisões sobre um futuro comum a todos (Sorrentino et al., 2014). Nesse contexto, a universidade precisaria optar pela sustentabilidade como forma de ser agente da transformação que se deseja para o planeta. Agindo assim, a universidade promoveria, nos sujeitos que dela participam, o sentimento e as condições para, como aponta Freire (2002), compreender o mundo e suas contradições para poder transformá-lo, e não apenas constatá-lo. Qualquer uma das duas análises nos leva à conclusão que a sustentabilidade na universidade precisa ser estimulada, pensada e realizada a partir das condições e características de cada instituição, e não meramente aferida ou quantificada para fins de avaliação. Nesse trabalho a opção por autoavaliar é consciente e sustentada pelos diversos argumentos associados às contradições impostas pelos sistemas de aferição de qualidade na educação superior e às contradições entre a ideia de aferição e a prática da sustentabilidade. A diversidade de indicadores serve para promover a reflexão sobre a complexidade do tema, mas também oferecer possibilidades de ação para as universidades com as condições que dispõem. Essas ações incluem tanto as imediatas quanto as que devem ser planejadas a médio e longo prazos. Outrossim, é reconhecido que o tema requer reflexão e que a proposta apresentada no presente estudo constitui-se em um ponto de partida ainda carecendo de amadurecimento para sua aplicação em escala mais ampla.

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