Cabeço do Outeiro (Lousada, Portugal). Um Núcleo Rural da Idade Moderna

August 11, 2017 | Autor: Joana Leite | Categoria: Historia Local, Idade Moderna
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Descrição do Produto

VELHOS E NOVOS MUNDOS

ESTUDOS DE ARQUEOLOGIA MODERNA

OLD AND NEW WORLDS

STUDIES ON EARLY MODERN ARCHAEOLOGY

ARQUEOARTE

Estudos de Arqueologia Moderna

VELHOS E NOVOS MUNDOS

ESTUDOS DE ARQUEOLOGIA MODERNA

OLD AND NEW WORLDS

STUDIES ON EARLY MODERN ARCHAEOLOGY VOLUME 1

3

Velhos e Novos Mundos

TÍTULO / TITLE Velhos e Novos Mundos. Estudos de Arqueologia Moderna Old and New Worlds. Studies on Early Modern Archaeology Volume 1 COORDENADORES / COORDINATORS André Teixeira, José António Bettencourt ORGANIZADORES / ORGANIZERS André Teixeira, Élvio Sousa, Inês Pinto Coelho, Isabel Cristina Fernandes, José António Bettencourt, Patrícia Carvalho, Paulo Dórdio Gomes, Severino Rodrigues EDIÇÃO / EDITION Centro de História de Além-Mar Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa Universidade dos Açores Av. de Berna, 26C, 1069 - 061 Lisboa www.cham.fcsh.unl.pt / [email protected] TIRAGEM / COPIES 500 COLECÇÃO / COLLECTION ArqueoArte, n.º 1 DEPÓSITO LEGAL 353251/12 ISBN 978-989-8492-18-0 GRAFISMO E PAGINAÇÃO / GRAPHIC DESIGN Canto Redondo www.cantoredondo.eu / [email protected] IMPRESSÃO / PRINT Europress DATA DE EDIÇÃO / FIRST PUBLISHED IN Dezembro de 2012 / December 2012

ORGANIZAÇÃO

APOIOS

Os artigos são da exclusiva responsabilidade dos autores. Os textos e imagens desta publicação não podem ser reproduzidos por qualquer processo digital, mecânico ou fotográfico. © CHAM e Autores

4

Estudos de Arqueologia Moderna

ÍNDICE

163

Fragmentos do quotidiano urbano de Torres Vedras, entre os séculos XV e XVIII: um olhar através dos objectos do poço dos Paços do Concelho Guilherme Cardoso e Isabel Luna

173

A modernidade em Leiria: imagens da vida pública e privada na antiga judiaria. O caso do Centro Cívico de Leiria Iola Filipe e Marina Pinto

VOLUME 1 9

INTRODUÇÃO

11

CONFERÊNCIAS

13

From español to criollo: an archaeological perspective on spanish-american cultural transformation, 1493-1600 Kathleen Deagan

181

Bahia: aportes para uma Arqueologia das relações transatlânticas no período colonial Carlos Etchevarne

Arqueologia das cidades de Beja: onde a cidade se encontra com a sua construção Maria da Conceição Lopes

189

Fragmentos de vida e morte da Idade Moderna no centro histórico de Elvas Teresa Ramos Costa, Cristina Cruz, Gonçalo Lopes e Ana Braz

201

A intimidade palaciana no século XVII: objectos provenientes de um esgoto do Paço dos Lobos da Gama (Évora) Gonçalo Lopes e Conceição Roque

209

Evidências de época moderna no castelo de Castelo Branco (Portugal) Carlos Boavida

219

Crise e identidade urbana: o Jardim Arcádico de Braga de 1625 Gustavo Portocarrero

23

37

Of sundry colours and moulds: imports of early modern pottery along the atlantic seaboard Alejandra Gutierrez

51

Velhos e novos mundos em uma perspectiva arqueológica Marcos Albuquerque

69

CIDADES: URBANISMO, ARQUITECTURA E QUOTIDIANOS

71

Largo do Chafariz de Dentro: Alfama em época moderna Rodrigo Banha da Silva, Pedro Miranda, Vasco Noronha Vieira, António Moreira Vicente, Gonçalo C. Lopes e Cristina Nozes

223 85

Os novos espaços da cidade moderna: uma aproximação à Ribeira de Lisboa através de uma intervenção no Largo do Terreiro do Trigo Cristina Gonzalez

Ao som da bigorna: os ferreiros no quotidiano urbano de Arrifana/Penafiel no século XVIII Teresa Soeiro

233

O mobiliário do Palácio Marialva (Lisboa): discursos socioeconómicos Andreia Torres

A paisagem de Arrifana de Sousa descrita pelo Arruamento de 1762 Maria Helena Parrão Bernardo

245

Uma taça de porcelana branca e uma asa de grés na “Arca de Mijavellas”: História e estórias reveladas pela construção da Estação do Campo 24 de Agosto do Metro do Porto Iva Teles Botelho

255

O aqueduto da Mãe d’Água: Vila Franca do Campo N’zinga Oliveira e Joana Rodrigues

261

La ocupación moderna del Teatro Romano de Cádiz (España): nuevos datos a luz de las recientes intervenciones arqueológicas J. M. Gutiérrez, M. Bustamante, V. Sánchez, D. Bernal e A. Arévalo

273

El acueducto de la Matriz de Gijón: investigación documental y arqueológica Cristina Heredia Alonso

277

Processo de contato e primórdios da colonização na baixa bacia do Amazonas: séculos XVI-XVIII Rui Gomes Coelho e Fernando Marques

285

Crise e rebelião colonial: uma perspectiva urbana (Minas Gerais / Brasil – século XVIII) Carlos Magno Guimarães, Mariana Gonçalves Moreira, Gabriela Pereira Veloso, Anna Luiza Ladeia e Thaís Monteiro de Castro Costa

95

111

Um celeiro da Mitra no Teatro Romano de Lisboa: inércias e mutações de um espaço do século XVI à actualidade Lídia Fernandes e Rita Fragoso de Almeida

123

Rua do Benformoso 168/186 (Lisboa – Mouraria / Intendente): entre a nova e a velha cidade, aspectos da sua evolução urbanística António Marques, Eva Leitão e Paulo Botelho

135

Espólio vítreo de um poço do Hospital Real de Todos-os-Santos (Lisboa, Portugal) Carlos Boavida

141

Quarteirão dos Lagares: contributo para a história económica da Mouraria Tiago Nunes e Iola Filipe

151

Vestígios modernos de uma intervenção de emergência na Rua Rafael Andrade (Lisboa) Sara Brito e Regis Barbosa

157

Alterações urbanísticas na Santarém pós-medieval: a diacronia do abandono de uma rua no planalto de Marvila Helena Santos, Marco Liberato e Ricardo Próspero

5

Velhos e Novos Mundos

293

Arqueologia e arquitecturas daqui e d’além-mar Maria de Magalhães Ramalho

303

ESPAÇO RURAL: PAISAGENS E MEIOS DE PRODUÇÃO

305

A paisagem como fonte histórica David Ferreira, Paulo Dordio e Alexandra Cerveira Lima

315

Cabeço do Outeiro (Lousada, Portugal): um núcleo rural da Idade Moderna Manuel Nunes, Joana Leite e Paulo Lemos

323

O ciclo do linho no concelho de Penafiel Ana Dolores Leal Anileiro

333

As pontes de Pretarouca (Lamego): registo arqueográfico no âmbito de processos de avaliação de impactes ambientais Carla Alves Fernandes e Cristóvão Pimentel Fonseca

339

Engenho de açúcar da alcaidaria de Silves Rosa Varela Gomes

351

Imagens, memórias, ruínas nos tempos do lugar: a biografia de uma paisagem urbana Silvio Luiz Cordeiro

357

365

O café, a escravidão e a degradação ambiental: Minas Gerais /Rio de Janeiro – Brasil – século XIX e XX Carlos Magno Guimarães, Mariana Gonçalves Moreira, Gabriela Pereira Veloso, Elisângela de Morais Silva e Camila Fernandes Morais

373

FORTIFICAÇÕES, ESPAÇOS DE GUERRA E ARMAMENTO

375

Excavaciones arqueológicas en la muralla real de Ceuta: persistencias y rupturas (1415-1668) Fernando Villada Paredes

385

La coracha de Tanger Abdelatif El-Boudjay

393

Villalonso: un castillo medieval en la transición hacia la modernidad Angel L. Palomino, Manuel Moratinos, José M. Gonzalo, José E. Santamaría e Inés M. Centeno

407

Pólvora y cal: evidencias arqueológicas de las fortificaciones costeras de época moderna en Luarca (Asturias-España) Valentín Álvarez Martínez, Patricia Suárez Manjón e Jesús Ignacio Jiménez Chaparro

419

6

Da aldeia guarani à cidade colonial: o processo de urbanização e as missões jesuíticas platinas nas frentes de colonização ibérica Arno Alvarez Kern

Museu de Macau e o território da Companhia de Jesus: resultados e integração dos vestígios arqueológicos Clementino Amaro e Armando Sabrosa

431

Do papel da Arqueologia para o conhecimento da expansão portuguesa: notas a partir de algumas estruturas fortificadas no Oriente João Lizardo

445

O papel do Forte do Guincho na estratégia de defesa da costa de Cascais Soraya Rocha e Guilherme Sarmento

449

EDIFÍCIOS RELIGIOSOS E PRÁTICAS FUNERÁRIAS

451

Sé da Cidade Velha, República de Cabo Verde: resultados da 1.ª fase de campanhas arqueológicas Clementino Amaro

465

Divindade, governante ou guerreiro? O personagem Kukulcán nas crônicas do século XVI e o registro arqueológico de Chichén Itzá, México Alexandre Guida Navarro

469

Andrés de Madariaga’s mausoleum-church: former Jesuit College in Bergara (Gipuzkoa, Basque Country, Spain) Jesús-Manuel Pérez Centeno e Xabier Alberdi Lonbide

475

Os Passos da Paixão de Cristo (Setúbal) João Ferreira Santos, Daniela dos Santos Silva e José Luís Neto

483

O lugar da Torre dos Sinos (Convento Velho de S. Domingos), Coimbra: notas para o estudo da formação dos terrenos de aluvião, em época moderna Sara Almeida, Ricardo Costeira da Silva, Vítor Dias e João Perpétuo

489

Cerca de Santo Agostinho, Coimbra: estudo preliminar das fases evolutivas e linhas para a sua recuperação Sara Almeida, Susana Temudo, Joana Mendes, Sofia Ramos e António Cunha

497

Convento de São Francisco da Ponte: novas perspectivas arquitectónicas Mónica Ginja e António Ginja

505

O último convento da Ordem de Santiago em Palmela: dados arqueológicos da intervenção no pátio fronteiro à igreja Isabel Cristina Ferreira Fernandes

517

Convento quinhentista do Bom Jesus de Peniche: primeira intervenção arqueológica Claudia Cunha, Carlos Vilela, Sónia Simões, Tiago Tomé, João Moreira, Mónica Ginja e Gerardo Gonçalves

527

Cerâmica dos séculos XV a XVIII do Convento de Santana de Leiria: História e vivências em torno da cultura material Ana Rita Trindade

539

Mosteiro de São Francisco de Lisboa: fragmentos e documentos na reconstrução de quotidianos Joana Torres

551

Os painéis de azulejo do adro da Igreja de São Simão (Azeitão) Mariana Almeida e Edgar Fernandes

Estudos de Arqueologia Moderna

561

Para as mulheres pobres, mas honradas: os recolhimentos em Setúbal José Luís Neto e Nathalie Antunes Ferreira

683

Projecto de carta arqueológica subaquática do concelho de Lagos Tiago Miguel Fraga

569

Contributo para o conhecimento da população na época moderna na Madeira: abordagem antropológica aos casos de Santa Cruz Rafael Fabricio Nunes

689

Conservação das estruturas em madeira de um navio do século XV escavado na Ria de Aveiro: resultados preliminares João Coelho, Pedro Gonçalves e Francisco Alves

579

O registo arqueológico de uma superstição: o signo-Salomão no Alentejo – séculos XV-XVIII Andrea Martins, Gonçalo Lopes, Helena Santos, Manuela Pereira, Marco Liberato e Pedro Carpetudo

697

CERÂMICAS: PRODUÇÃO, COMÉRCIO E CONSUMO

699

A olaria renascentista de Santo António da Charneca, Barreiro: a louça doméstica Luís Barros, Luísa Batalha, Guilherme Cardoso e António Gonzalez

PAISAGENS MARÍTIMAS, NAVIOS E VIDA A BORDO

711

O navio como Fait Social Total: para uma epistemologia da arqueologia em contexto náutico Jean Yves Blot

As formas de pão-de-açúcar da Mata da Machada, Barreiro Filipa Galito da Silva

719

Projecto N-utopia: tratados, nomenclaturas náuticas e construções navais europeias Tiago Miguel Fraga, Brígida Baptista, António Teixeira e Adolfo Silveira Martins

A cerâmica moderna do Castelo de S. Jorge: produção local de cerâmica comum, pintada a branco, moldada e vidrada e de faiança Alexandra Gaspar e Ana Gomes

733

De Aveiro para as margens do Atlântico: a carga do navio Ria de Aveiro A e a circulação de cêramica na Época Moderna Patrícia Carvalho e José Bettencourt

747

Portuguese coarseware in Newfoundland, Canada Sarah Newstead

757

Muito mais do que lixo: a cerâmica do sítio arqueológico subaquático Ria de Aveiro B-C Inês Pinto Coelho

VOLUME 2 593 595

601

605

Paisagens culturais marítimas: uma primeira aproximação ao litoral de Cascais Jorge Freire e António Fialho

613

Do Terreiro do Paço à Praça do Comércio (Lisboa): identificação de vestígios arqueológicos de natureza portuária num subsolo urbano César Augusto Neves, Andrea Martins, Gonçalo Lopes e Maria Luísa Blot

627

Ribeira das Naus hoje: a perene relação de Lisboa com o Tejo. Dos estaleiros navais do Renascimento ao antigo Arsenal da Marinha. Subsídios da arqueologia Rui Nascimento

771

A cerâmica do açúcar de Aveiro: recentes achados na área do antigo bairro das olarias Paulo Jorge Morgado, Ricardo Costeira da Silva e Sónia Jesus Filipe

633

Angra, uma cidade portuária no Atlântico do século XVII: uma abordagem geomorfológica Ana Catarina Garcia

783

Portugal and Terra Nova: ceramic perspectives on the early-modern Atlantic Peter E. Pope

645

Caractérisations et typologie du Cimetière des Ancres: vers une interprétation des conditions de mouillage et de la fréquentation de la Baie d’Angra do Heroísmo, du XVI au XIX siècle. Île de Terceira, Açores Christelle Chouzenoux

789

Considerações acerca da cerâmica pedrada e respetivo comércio Olinda Sardinha

797

A importação de cerâmica europeia para os arquipélagos da Madeira e dos Açores no século XVI Élvio Sousa

813

Pottery in Cidade Velha (Cabo Verde) Marie Loiuse Sorensen, Chris Evens e Tânia Casimiro

655

La Rucha: deconstruyendo el origen de la  piratería de costa en el Cabo Peñas (Gozón-Asturias-España) Nicolás Alonso Rodríguez, Valentín Álvarez Martínez e José Antonio Longo Marina

665

Santo António de Tanná: uma fragata do período moderno Tiago Miguel Fraga

821

A cerâmica no quotidiano colonial português: o caso de Salvador da Bahia Carlos Etchevarne e João Pedro Gomes

671

Cada botão sua casaca: indumentária recuperada nas escavações arqueológicas da fragata Santo António de Taná, naufragada em Mombaça em 1697 André Teixeira e Luís Serrão Gil

829

Modern Age Portuguese pottery find in the Bay of Cadiz, Spain José-Antonio Ruiz Gil

7

Velhos e Novos Mundos

837

La mayólica del convento de Santo Domingo (siglos XVI-XVII), Lima (Perú): la evidencia arqueométrica Javier G. Iñañez, Juan Guillermo Martín, Antonio Coello

847

Majólicas italianas do Terreiro do Trigo (Lisboa) Cristina Gonzalez

855

Produções sevilhanas – azul sobre branco e azul sobre azul: no contexto das relações económicas e comerciais entre o litoral algarvio e a Andaluzia (século XVI-XVII) Paulo Botelho

865

As cerâmicas da Idade Moderna da Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, Cascais J. A. Severino Rodrigues, Catarina Bolila, Vanessa Filipe, José Pedro Henriques, Inês Alves Ribeiro e Sara Teixeira Simões Primeira abordagem a um depósito moderno no antigo Paço Episcopal de Coimbra (Museu Nacional de Machado de Castro): a cerâmica desde meados do século XV à consolidação da Renascença Ricardo Costeira da Silva

877

Vestígios de um centro produtor de faiança dos séculos XVII e XVIII: dados de uma intervenção arqueológica na Rua de Buenos Aires, n.º 10, Lisboa Luísa Batalha, Andreia Campôa, Guilherme Cardoso, Nuno Neto, Paulo Rebelo e Raquel Santos

963

Elementos para a caracterização da faiança portuguesa do século XVII: a tipologia de Pendery aplicada à realidade da Casa do Infante (Porto) Anabela P. de Sá

975

As produções de louça preta em Trás-os-Montes: caracterização etnográfica e química, seu interesse para o estudo das cerâmicas arqueológicas Isabel Maria Fernandes e Fernando Castro

983

Fábrica de Cerâmica de Santo António de Vale da Piedade (Vila Nova de Gaia): estruturas construídas e espaços de laboração no século XVIII Laura Cristina Peixoto de Sousa

995

GESTÃO E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO

997

Mosteiro de Santa Clara-a-Velha: da luz dos archotes aos momentos da contemporaneidade. Projeto e fruição Artur Côrte-Real

1005

Preservação arqueológica nas missões jesuítico-guaranis Tobias Vilhena de Moraes

Os potes “martabã”: um conceito em discussão Sara Teixeira Simões

1011

Do Oriente para Ocidente: contributo para o conhecimento da porcelana chinesa nos quotidianos de época moderna. Estudo de três contextos arqueológicos de Lisboa José Pedro Vintém Henriques

Monumentos restaurados e historias em ruínas: o programa Monumenta e a problemática da intervenção arqueológica na restauração arquitetônica no Brasil Ton Ferreira

1019

Porcelana chinesa em Salvador da Bahia (séculos XVI a XVIII) Carlos Etchevarne e João Pedro Gomes

Património cultural subaquático: uma questão de visibilidade Margarida Génio

1023

ABSTRACTS

891

Aldeia da Torre dos Frades (Torre de Almofala) através da cerâmica em época moderna Elisa Albuquerque

897

Um gosto decorativo: louça preta e vermelha polvilhada de branco (mica) Isabel Maria Fernandes

909 919

933

937

8

951

Faiança portuguesa: centros produtores, matérias, técnicas de fabrico e critérios de distinção Luís Sebastian

ESPAÇO RURAL: PAISAGENS E MEIOS DE PRODUÇÃO

Estudos de Arqueologia Moderna

CABEÇO DO OUTEIRO (LOUSADA, PORTUGAL) UM NÚCLEO RURAL DA IDADE MODERNA MANUEL NUNES Arqueólogo. [email protected] JOANA LEITE Arqueóloga. [email protected] PAULO LEMOS Arqueólogo. [email protected] RESUMO Em 2005, na sequência da realização de uma sondagem arqueológica no Cabeço do Outeiro, freguesia de Nespereira (concelho de Lousada – Portugal) foi possível determinar um nível de ocupação que expôs um habitat rural dos séculos XVII e XVIII. O espólio exumado permitiu determinar com mais exatidão o contexto cronológico, revelando o poder económico associado a essa ocupação. Apesar da reduzida expressão das estruturas detetadas, a escavação mostrou tratar-se de um espaço repartido entre três áreas: alimentar, de circulação e uma área exterior onde assentaria um provável alpendre. O cruzamento das fontes históricas do arquivo particular da Casa do Cáscere, onde está incluída a propriedade em questão veio, precisamente, corroborar a perceção arqueológica para o local.

PALAVRAS-CHAVE Lousada, Idade Moderna, séculos XVII e XVIII, habitat rural

1. INTRODUÇÃO A descoberta fortuita, em 2005, do Sítio Arqueológico referenciado como Cabeço do Outeiro (UTM 559032,4 29T 4567307,56) ficou a dever-se à abertura de um caminho rural na freguesia de Nespereira, concelho de Lousada, distrito do Porto, (I.G.E. 1:25.000, folha n.º 112). Os vestígios ocupacionais revelaram-se nos cortes artificiais escavados pelas máquinas, especialmente no corte exposto a Sul onde se tornou evidente um piso de tijolos a uma profundidade de 2,55 m, relativamente ao nível original do terreno, e através de achados dispersos de fragmentos cerâmicos nas imediações.

1. Localização administrativa com pormenor do sítio no início dos trabalhos arqueológicos.

A sondagem arqueológica realizou-se no alinhamento do piso detetado no corte, tendo sido delimitada uma área de 12 m2. Os resultados da análise da sequência das unidades estratigráficas permitiram esclarecer, por um lado, que as unidades relativas à época Contemporânea sugerem níveis sucessivos de aterro, praticamente estéreis em termos de espólio e, por outro, que a ocupação mais antiga (séculos XVII e XVIII), se revela mais expressiva nos seus níveis mais profundos, a partir da UE 26. Relativamente à unidade estratigráfica, que pela análise do espólio, marca a transição da Época Contemporânea para a Época Moderna, refira-se a curiosa disposição que a unidade 012 assume, caracterizando-se por terras saibrosas, estéreis, depositadas propositadamente sob a forma de 11 valas sucessivas, orientadas no sentido Noroeste/Sudeste. À falta de realidades análogas já publicadas, aventou-se a possibilidade destas valas, paralelas entre si e plenas em raízes, refletirem um nível de exploração agrícola1, conjetura reforçada pelas características do espólio encontrado na unidade estratigráfica 011 composto por escassa cerâmica de uso doméstico e pela lâmina de uma navalha, possivelmente enquadrável na lida agrícola. Durante a fase plena de ocupação do sítio, correspondente à 2.ª metade do século XVII, podem distinguir-se, genericamente, três áreas funcionais. 1. Lembre-se, a este propósito, que o cultivo do cebolo exige, em determinadas localidades, a disposição de terras arenosas de preparação para o plantio. 315

Velhos e Novos Mundos

2. Diacronia ocupacional do Cabeço Outeiro (CBO).

A área 1, determinada por uma espessa unidade (029) de carvões, cinzas e abundante espólio (o mais diverso e numeroso de toda a sondagem2), bem delimitada no 2. Composto por 244 fragmentos cerâmicos, entre os quais 16 fragmentos de faiança com motivos de tradicional associação cronológica à segunda metade do século XVII, frequente espólio metálico, de que se destaca meia ferradura, dois fragmentos de vidro e lítico (um movente de moinho manual).

3. Plano com representação de um piso em tijolo e pedras (século XVII). 316

conjunto da área intervencionada sugere tratar-se de uma área específica reservada à combustão doméstica (lareira, área de preparação de alimentos, depósito de cinzas, etc.), uma vez que de entre os fragmentos de cerâmica aí encontrados predominam umas panelinhas de louça preta, destinadas ao lume direto com fuligem em ambas as faces.

Estudos de Arqueologia Moderna

A área 2 revela a única estrutura arqueológica de toda a sondagem. Trata-se da unidade 035 composta por um piso de oito dezenas de tijolos e algumas pedras, cujo sentido organizativo se perdeu com a abertura da via que o interrompe. A área 3 coincide com um espaço marcado por uma significativa profusão de cravos pregos e alguns buracos de poste, paralelamente a uns entalhes sub-circulares que se compreendem como base de assentamento de uma estrutura perecível (hipoteticamente de madeira). Esta hipótese ajuda em parte a compreender o silêncio material ao nível das estruturas para o sítio. 2. ESPÓLIO EXUMADO 2.1 Cerâmica 2.1.1 Cerâmica preta Na sondagem em estudo apurou-se a totalidade de 57 fragmentos de louça preta, conquanto variáveis na tonalidade apresentada (do preto ao cinza claro), com especial incidência nas unidades estratigráficas 029, 030 e 032 onde se recolheram 80% dos fragmentos. Genericamente, estas produções caracterizam-se por serem muito porosas, friáveis e enegrecidas pelo fumo (Real et al., 1995, p. 181). Facilmente identificáveis pelos abundantes restos de cinzas e marcas de fogo nas paredes exteriores, em resultado de uma prolongada utilização na preparação dos alimentos ao lume, reconhecemos vários fragmentos de panelas na sondagem, sobretudo ao nível da unidade estratigráfica 029, pelas formas fechadas, paredes que se adivinham altas e de perfil convexo estreitando para o fundo e para a boca, facilitando a cobertura com um testo. É uma forma adaptada às cozeduras demoradas que não necessitam de uma visualização permanente do andamento de cocção dos alimentos em grande quantidade de meio líquido, como os caldos. O aparecimento desta tipologia cerâmica está, desta forma, associado à área 1. Como centro produtor desta cerâmica, aventa-se a hipótese do pólo disseminado pelo vale do Douro, que ganha importância a partir do século XVII. Em particular a produção de Gondar3 (Amarante), por ser a mais próxima de Nespereira/Lousada (c. 30 km) e por já estarem confirmados dois dos seus concelhos de comercialização – Penafiel e Felgueiras – ambos fronteiros a Lousada (Fernandes, 1997b, p. 30). A principal característica da olaria de Gondar é a sua superior resistência ao calor propiciando às peças a capacidade de uma exposição direta ao fogo, o que

3. Este núcleo de produção ainda se mantém ativo no fabrico de louça negra.

direcionou as suas formas para utensílios culinários com especial destaque para a panela. Não se pode, no entanto, negligenciar o centro produtor do Prado4 como hipotético local de proveniência destes fragmentos, uma vez que a sua presença se evidencia em outros elementos cerâmicos encontrados nesta sondagem, sobretudo na cerâmica vermelha. De facto, a superior qualidade de fabrico, quer na pasta, quer na decoração, que a louça preta do Prado revelava nos séculos XVI e XVII impulsionou este centro numa rede de abastecimentos a longas distâncias que deixou marcas um pouco por todo o Entre-Douro-e-Minho (Fernandes, 1997b, p. 43). Diretamente relacionável com o centro de produção do Prado, foram identificados dois fragmentos cerâmicos, um dos quais materializado num pequeno fragmento de pasta dura e depurada, de fina espessura, com toque metálico, de cor cinzenta escura (em ambas as faces), com um cerne de tonalidade mais clara e de decoração impressa em pequenos círculos preenchidos a moscovite (mica branca).

4. Fragmento cerâmico com aplicações de moscovite (século XVII).

Trata-se de uma peça singular, recolhida na unidade estratigráfica 027, que raramente se vê representada em contextos arqueológicos e só se manifesta em casos excecionais que exijam mesmo algum requinte no seu manuseamento As pastas mais duras e depuradas do centro do Prado, com cerne cinzento ou castanho, conhecem, em casos raros, a par dos acabamentos alisados, a referida decoração com aplicação de palhetas de moscovite. Trata-se de louça preta mais fina, vocacionada para se destacar num serviço de mesa mais requintado, ou simplesmente como elemento isolado de natureza 4. O centro produtor do Prado afigura-se como um importante centro produtor de louça (preta, vermelha e vidrada) e telha desde o século XIII. 317

Velhos e Novos Mundos

decorativa. As formas mais representadas para estes casos são a bilha e a caçoila e geralmente são reconhecidas como pertencentes ao 3º quartel do século XVII (Real et al., 1995, p. 89). 2.1.2 Cerâmica vermelha Entre a cerâmica vermelha, que se assume largamente preponderante no conjunto do espólio cerâmico da intervenção, podemos encontrar tigelas de cor viva e muito resistentes, de tipologia e características análogas às do centro de produção Aveiro-Ovar, que na passagem do século XVI para o XVII assume a liderança de produção de louça vermelha relativamente ao centro do Prado. Não é estranho considerarmos este centro como fonte de proveniência de alguma da cerâmica encontrada nesta escavação uma vez que o Porto, um dos destinos mais conhecidos desta produção, absorvia cerca de um terço das peças e reenviava os excedentes para outras regiões nortenhas. Estas transações, arqueologicamente confirmadas para o século XVII com as escavações na Casa do Infante (Porto), faziam circular tigelas calculadas em milheiros5. Apesar de se apontar um decréscimo na produção deste centro a partir da década de 70 do século XVIII (Amorim, 1998, p. 78), foi sempre verificada uma constância na presença desta cerâmica na sondagem em análise, até à segunda metade do século XIX. Trata-se de peças “de barro formado em louça encarnada, tão dura quase tão durável como pedra”, como nos descreve o P.e António Carvalho da Costa (cit. por Amorim, 1998, p. 73) em que a tigela se assume como a principal forma deste conjunto artefactual. De facto, a morfologia dominante, sem grandes oscilações de tamanho, é a tigela, que apresenta sempre paredes espessas e de tendência carenada. Quanto ao centro do Prado encontra-se novamente representado, por inúmeros fragmentos que apresentam um tratamento cuidado da sua superfície (brunida ou polida) e por algumas asas de cântaro com uma gramática decorativa rica pela perfuração intensa de toda a sua superfície. Estas asas, de cerne cinzento e tão características deste centro, pertenceriam certamente a um cântaro de dupla asa em que a segunda (mais pequena) teria apenas uma função de apoio na orientação dos líquidos. Crê-se que o fabrico destas peças se reporte a meados do século XVII. Curioso é notar que o fabrico destas asas em particular não dotaria a peça de grande resistência, uma vez que a sua aplicação, posterior à moldagem do cântaro, como se verifica pela análise do encaixe da asa, revestiria a peça de alguma fragilidade.

5. Unidade de medida referente a mil peças. 318

5. Bordo/asa perfurado do centro de produção do Prado.

2.1.3 Faiança Paralelamente à presença maioritária da cerâmica vermelha e preta, verifica-se a presença de outro grupo cerâmico no conjunto considerado, designadamente as faianças, cujo aparecimento no registo arqueológico da sondagem coincide com o período áureo da difusão da faiança portuguesa (séculos XVII e XVIII). A faiança, que começa progressivamente a substituir a louça comum pelas características intrínsecas relacionadas com a sua impermeabilidade e limpeza, sobretudo ao longo do século XVIII, em contextos domésticos que assumam alguma preponderância social, revela, na sondagem, alguma expressividade de representação. Sendo a cerâmica um dos indicadores preciosos do nível de evolução tecnológica de uma sociedade, do seu grau de riqueza e do gosto que a caracteriza, a presença significativa de faiança na sondagem intervencionada (cerca de 9%) suscita alguma reflexão relativamente a aspetos sócio-económicos inerentes ao habitat rural que procuramos compreender. Como salienta Isabel Maria Fernandes (1999, p. 12), para este período histórico, a utensilagem cerâmica das classes menos favorecidas era bem diferente da utilizada pelas classes detentoras de riqueza, quer em qualidade, quer em quantidade das peças. As classes rurais e citadinas, de parcos recursos económicos recorriam às singelas peças de louça preta ou vermelha fosca e vidrada para suprirem as necessidades elementares, enquanto que a nobreza ou a burguesia utilizavam para satisfação das necessidades uma panóplia mais dilatada de utensílios. A faiança, sobretudo a partir do século XVIII, caracterizada pelo seu vidrado estanífero (com ou sem pinturas) e pastas claras, era a imagem de marca dos seus detentores. Fosse de produção mais grosseira ou mais fina, o que é certo é que o seu fabrico exigia uma técnica apurada e matérias-primas mais caras do que as da loiça vermelha e preta – era uma produção para

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as elites endinheiradas (Fernandes, 2001, p. 30). A tendência a que se assiste ao longo do século XVII e especialmente com o advento do século XVIII é à progressiva diminuição da louça comum (preta ou vermelha) em detrimento da louça de faiança (Dordio, 1999, p. 47), sobretudo para contextos domésticos que revelem alguma preponderância social. Relativamente ao espólio proveniente desta intervenção, optou-se pela sua divisão em grupos de estudo, atendendo, nomeadamente, a aspetos de índole decorativo. Assim, considerou-se um primeiro grupo constituído por louça grosseira, de esmalte bege/amarelado, muito fino, decorado de forma simples com filetes azuis no fundo ou junto dos bordos, reportando-se sobretudo a duas formas tipológicas: tigelas e pratos. Este grupo, de inspiração reconhecidamente europeia (sobretudo italiana e espanhola), começa a aparecer no registo arqueológico a partir do primeiro quartel do século XVII (Dordio et al, 2001, p. 140), e prolonga-se no tempo, sendo que, no conjunto estilístico em estudo, se considera adequado enquadra-lo em meados de Seiscentos. O segundo grupo, mais representativo, alude a uma louça igualmente de tradição europeia, mas mais fina, com motivos e figurações pintados em azul que mostra preferência por representações geométricas ou figurativos vegetalistas. Uma forma de organização decorativa muito frequente para este género de representações são as conhecidas rendas e contas que preenchem com bandas duplas ou simples as abas dos pratos, remetendo, com alguma segurança, para datas posteriores ao segundo quartel do século XVII (Dordio et al, 2001, p. 142) doze dos fragmentos cerâmicos encontrados na sondagem. Correspondendo ao último grupo de faianças, para o qual se registaram apenas dois fragmentos, destacamos um tipo de louça fina, igualmente com figurações, porém pintada a azul e vinoso, alternando as duas cores.

6. Fragmentos de faiança (“rendas”).

Numa das peças constatou-se um motivo já conhecido – contas – que se salienta dos demais fragmentos pela superior qualidade, visível quer pela consistente espessura e regularização do esmalte quer pelo cuidado aprimoramento da gramática decorativa pintada na sua face interna, marcada pela presença de três fiadas de contas azuis, descentradas entre si e separadas por finas bandas em tom vinoso que serpenteiam entre as contas.

7. Fragmento de faiança (“contas” a policromado).

Para o outro fragmento, de cronologia mais tardia, encontramos um tipo de representação muito padronizada que evidencia duas linhas concêntricas em azul com um ou dois espaços e, entre elas, um preenchimento com rabiscos alongados em vinoso. Esta louça, em contraste com tendências decorativas do mesmo período, que denotam acentuada sobriedade, procura uma espécie de caricatura da tradição decorativa barroca anterior (Barreira et al, 1998, p. 158). Nas escavações realizadas na Casa do Infante este terceiro grupo surge apenas num depósito do 3º quartel do século XVII, marcando para essa altura o início da sua utilização nesse local (Barreira et al, 1998, p. 154), o que se adequa plenamente ao horizonte temporal da unidade 026 (finais do século XVII, inícios do XVIII), onde apareceu o fragmento do tipo Brioso6 (Barreira et al, 1998, p. 155). A faiança encontrada na sondagem do Cabeço do Outeiro ao distribuir-se sobretudo pelas unidades 029, 030 e 033 mostra-se contemporânea ao período áureo da difusão da faiança portuguesa – séculos XVII7 e XVIII. Correspondendo, sobretudo, a duas formas abertas

6. Estilo de louça muito característico de Coimbra com forte personalidade decorativa nas pinturas a azul e vinoso. 7. Foi o início de uma “moda” propagada por todas as nações europeias que em experiências e tentativas durou, sem interrupção até ao princípio do século XIX (cit. por Calado, 2001, p. 17). 319

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principais – tigelas e pratos – as peças recolhidas no decorrer da escavação destinar-se-iam, certamente, ao serviço de mesa. 2.2 Metais Apesar da reduzida expressão de outros materiais no contexto do espólio exumado, merecem destaque algumas peças metálicas, em particular, pela sua singularidade, uma medalha em cobre, provavelmente parte constituinte de um terço, hipótese consubstanciada pelo aparecimento, nas imediações, de uma conta em azeviche. Apesar da corrosão do cobre impedir uma perceção clara da iconografia impressa nas faces ovais da medalha, afiguram-se algumas leituras. Na face principal da medalha encontra-se uma representação de Nossa Senhora coberta por uma longa veste repleta de pregas, com o menino Jesus ao colo, do seu lado esquerdo. Aos pés de Nossa Senhora pode observar-se a cabeça de um querubim enquanto no topo da medalha, suspensas no ar, se observam duas pombas viradas uma para a outra. A componente particular desta representação prende-se com a alusão material a um edifício religioso confirmado pelas cruzes suspensas em cada um dos pináculos nas extremidades do telhado desse mesmo edifício que na sua parede visível se retalha em subdivisões quadrangulares e retangulares, sugerindo janelas de um mosteiro, dispondo-se como imagem de fundo por trás de Nossa Senhora. Esta combinação da vertente terrena com a espiritual não é muito habitual neste tipo de figurações e permite equacionar a hipótese de se tratar de uma representação de Nossa Senhora de alguma forma relacionada a uma entidade monástica. No verso, encontramos a habitual representação de Cristo crucificado e ainda a inclusão de dois anjos virados para Si na parte inferior da medalha, sugerindo uma postura de genuflexão. A grande dúvida que subsiste prende-se com a tentativa de identificação da representação da Nossa Senhora. Como explica Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1979, p. 10-13), o aumento da devoção à Virgem através da multiplicação das capelas e da estimulação do imaginário com a arte gótica, a partir de finais da Idade Média, motivou a multiplicação dos seus nomes. Uma das consequências é a mudança do nome de Santa Maria, com que ainda se designava habitualmente a Virgem no século XVI, para o de Nossa Senhora. Afirmam-se, por isso, em época Moderna, as devoções à Virgem do Rosário, do Carmo e da Boa-Morte, contribuindo para este fervor o intensificar do culto às almas do Purgatório que se impõe como uma das mais fortes práticas religiosas deste período no Norte de Portugal. 320

A medalha em questão perpassa este horizonte religioso, por se enquadrar temporalmente na segunda metade do século XVII, e encarnaria, possivelmente, muitos dos anseios e preocupações desta época. Ainda no que respeita aos metais, salienta-se uma lâmina de navalha em ferro, de finais do século XVIII, que apareceu juntamente com um colchete e um compasso de pedreiro/marceneiro e ainda parte de uma ferradura, datada da segunda metade do século XVII. 3. CONTRIBUTO DAS FONTES HISTÓRICAS No caso da intervenção arqueológica em evidência há ainda que considerar o apoio das fontes históricas disponíveis que, de certa forma, corroboram a versão arqueológica da dinâmica ocupacional do sítio. Assim, o arquivo particular da Casa do Cáscere8 reforça a importância do espaço geográfico considerado, ao indicar que a linhagem da casa para o século XVII e XVIII aparece engrandecida por quatro personalidades ligadas a cargos superiores do exército (entre eles o capitão e o sargento mor de Lousada). Isto, porque apesar de toda a propriedade rústica ou urbana de Lousada se encontrar nas mãos de igrejas, mosteiros e ordens militares (neste caso concreto do Mosteiro de Vilela do Concelho de Paredes) a partir do século XIV era a administração indireta que supria as dificuldades dessa gestão central e eram esses lavradores a quem Eugeneo Freitas (cit. por Magalhães 2006, p. 90) se refere não só como homens plebeus mas sobretudo como famílias nobres de onde se afirmava a nobreza de Lousada. O poder local agitava-se, portanto, ao sabor da vida económica das comunidades rurais que por sua vez dependiam da agricultura, o que fazia com que a posse de terra fosse a condição por excelência para o reconhecimento do prestígio social. É sobre este pano de fundo de relações de dominação/ preponderância sócio económica da Casa do Cáscere que se deve ponderar a vivência concreta do Cabeço do Outeiro para os séculos XVII e XVIII e enriquecer as reflexões arqueológicas já tecidas sobre o sítio, tanto mais que reforçando as evidências materiais referentes à sondagem, há que considerar a apegação para o prazo de 1706 (Magalhães, 2007, p. 152-153) que nos fornece pistas relativas à organização do espaço deste casal para a época que a escavação identifica. Assim, as fontes descrevem a existência, neste local, de um núcleo familiar (praticamente imutável de 1555 a 1706) onde se destacam diversos espaços: uma casa 8. A Casa do Cáscere controlou, desde a Idade Média, uma extensa parte do território da freguesia de Nespereira, nomeadamente o espaço intervencionado.

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sobradada telhada que depois passa a ser colmada e a ostentar um pátio de pedra/tijolo à sua entrada; uma cozinha anexa; uma adega com alpendre e lagar que depois se transforma numa cozinha colmada; cortes de gado com um alpendre para a eira; um palheiro; uma eira e mais duas casas colmadas. Considerando que a área escavada foi manifestamente restrita para a compreensão de toda esta dinâmica exposta pela apegação pode, no entanto, confirmar-se para o casal do outeiro a existência de um espaço cujas características se demonstram similares às postas em evidência pela escavação: sobretudo a da área reservada à cozinha.

8. Medalha em cobre (século XVII).

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FERNANDES, I. M. (1997b) – Os centros produtores. Sua geografia - Locais de produção. In A louça preta em Portugal: olhares cruzados. Porto: CRAT, p. 28-33. FERNANDES, I. M. (1999) – Do uso das peças: diversa utilização da louça de barro. In Atas do IV Encontro de Olaria Tradicional de Matosinhos. Matosinhos: Câmara Municipal de Matosinhos, p. 12-39. FERNANDES, I. M. (2001) – Formas e funções da Faiança Portuense Oitocentista. In Itinerário da Faiança do Porto e Gaia. Lisboa: Museu Nacional Soares dos Reis, p. 29-51. MAGALHÃES, P. J. (2006) – A Casa do Cáscere. In OPPIDUM (1). Lousada: Câmara Municipal de Lousada, p. 149-161. MAGALHÃES, P. J. (2007) – O Casal do Outeiro - Nespereira. In OPPIDUM (2). Lousada: Câmara Municipal de Lousada, p. 89-104.

DORDIO, P.; TEIXEIRA, R. e SÁ, A. (2001) – Faianças do Porto e Gaia: O recente contributo da arqueologia. In Itinerário da Faiança do Porto e Gaia. Lisboa: Museu Nacional Soares dos Reis, p. 119-164. 321

O presente volume reúne os textos redigidos pela grande maioria dos participantes no “Velhos e Novos Mundos. Congresso Internacional de Arqueologia Moderna”, que decorreu de 6 a 9 de Abril de 2011 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. O evento pretendeu reunir arqueólogos consagrados e jovens, com trabalhos provenientes de contextos académicos ou de salvamento, pertinentes para a discussão em torno de diversas temáticas balizadas nos séculos XV a XVIII, tanto em contexto europeu, como em espaços colonizados. –”‡‘•ƒ••—–‘•ƒ„‘”†ƒ†‘•†‡•–ƒ“—‡Ǧ•‡ƒ˜‹†ƒ—”„ƒƒǡƒ•’ƒ‹•ƒ‰‡•‡‡•’ƒ­‘•”—”ƒ‹•ǡƒ•ˆ‘”–‹Ƥcações e a guerra, a vida religiosa e as práticas funerárias, as paisagens marítimas, os navios e a vida ƒ„‘”†‘‡ƒ’”‘†—­ ‘ǡ…‘±”…‹‘‡…‘•—‘†‡…‡”Ÿ‹…ƒǡ„‡…‘‘—ƒ”‡ƪ‡š ‘•‘„”‡‰‡•– ‘‡ valorização do património arqueológico. Além de se pretender dar um impulso ao desenvolvimento da arqueologia moderna, procurou-se lançar pontes de contacto entre comunidades arqueológicas espalhadas em diversas partes do mundo, nomeadamente aquelas que centram a sua investigação em torno dos reinos ibéricos e da sua expansão mundial.

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