CADERNO REIVINDICATIVO A cultura em crise Orçamento do Estado e prioridades para 2015

July 27, 2017 | Autor: Rui Matoso | Categoria: Cultural Politics, Patrimonio Cultural, Artes, Cultural policies, Políticas Culturais
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CADERNO REIVINDICATIVO A cultura em crise Orçamento do Estado e prioridades para 2015

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ÍNDICE 1.

Introdução

2.

Encontro “A Cultura em Crise”  Abertura por António Pinho Vargas (resumo)  Síntese das Reivindicações  Encerramento (Catarina Martins)  Propostas recebidas na sequência do encontro

3.

Propostas do Bloco de Esquerda | Cultura  Orçamento do Estado para 2015  Propostas prioritárias na presente sessão legislativa

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1. Introdução

Na última década o investimento público central na Cultura caiu 75%. No Orçamento do Estado para 2015 o investimento nesta área previsto pelo governo continua a não representar mais de 0,1% do PIB. É mais um não-orçamento para a cultura!

Se nada for feito, o financiamento aos serviços públicos de cultura, do património à criação artística, será mais uma vez marginalizado. Essa marginalização tem um duplo efeito negativo: penalização em termos de orçamento e autonomia da cultura no OE2015 e menor pertinência das propostas alternativas no debate em especialidade.

Para contrariar essa marginalização e contribuir para um debate informado, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda promoveu um painel de discussão sobre políticas públicas de cultura, realizado no dia 20 de outubro, no Palácio de S. Bento. Este debate pretendeu dar corpo a propostas concretas para o Orçamento do Estado de 2015 e elencar prioridades.

Convidámos organizações representativas do setor para lançar o debate, aberto à participação de todas as pessoas e organizações interessadas. Este encontro teve como objetivo recolher as recomendações, necessidades e anseios do sector cultural. Deste modo, elaboramos um Caderno Reivindicativo que enquadra a apresentação de propostas no âmbito do debate do Orçamento de Estado para 2015 e nas prioridades para a última sessão legislativa da atual legislatura e que se constitui como documento de reflexão e atuação, projetando propostas para lá do Orçamento do Estado e respondendo ao momento crítico que atravessamos no serviço público cultural.

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2. Encontro “A Cultura em Crise” 2.1. Abertura do encontro por António Pinho Vargas (resumo)

O compositor António Pinho Vargas abriu o encontro fazendo um enquadramento histórico do desenvolvimento das políticas públicas de cultura na Europa, após a 2ª guerra mundial, e no contexto das relações bipolares da “guerra fria”. Ao desfecho da 2ª guerra mundial, e da vitória dos aliados, sucedeu-se a implementação do Plano Marshall que viria a financiar grande parte da reconstrução europeia. Esta influência norteamericana em solo europeu estendeu-se com o período posterior da “guerra fria”, com o objetivo de conter, por um lado, a expansão da União Soviética, da ideologia comunista e da estética do realismo socialista; e, por outro, “desnazificar” a Alemanha, através da, por exemplo, proibição de realização do festival de Bayreuth. Neste contexto de pós-guerra, e sob domínio cultural americano, são criados alguns dos festivais europeus de música ainda hoje existentes. Transposta para o panorama português por volta de 1949, a polémica em torno do papel do realismo socialista na esfera artística portuguesa teve o seu lugar na revista Vértice, onde personalidades como Fernando Lopes Graça, Álvaro Cunhal ou António Saraiva discutiram as suas posições neste debate. A existência de um Congresso para as Liberdades Culturais, apoiado pela CIA, permitiu apoiar o desenvolvimento da música e a pintura abstrata em solo europeu, inclusive em Portugal, cativando intelectuais europeus a formarem uma atitude anticomunista. A partir da queda do muro de Berlim, do fim da guerra fria, e do início de um novo período político dominado pelo neoliberalismo, a emergência de uma poderosa indústria cultural anglosaxónica favoreceu a criação e expansão de novos mercados e do consumo cultural no contexto da globalização do capital. Deste modo a entrada da cultura nos acordos de comércio livre mundial foi sendo cada vez mais desejada pelas majors e multinacionais do entretenimento, sendo até agora apenas travada pela UNESCO1. A desregulação do sistema financeiro internacional a partir da década de 80, promovida pelo Washington Consensus2, em conjunto com a deriva mercadológica (entretenimento) dos 1

Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. http://www.gddc.pt/siii/im.asp?id=1927

2

http://en.wikipedia.org/wiki/Washington_Consensus 4

serviços públicos de informação o qual veio a tornar-se explicito no conceito de Tittytainment3, cuja operacionalidade se baseia na infantilização do consumidor/espectador promovida pela propaganda do capitalismo neoliberal, bastante visível na forma como existem diversos programas estupidificantes na televisão portuguesa. Os desenvolvimentos mais recentes da política cultural, na senda da mercantilização da cultura, já não se fundamentam na defesa da liberdade do artista condicionado pelos regimes fascistas e totalitaristas europeus, tal como propagandeado pelo CIA e pelo Congresso das Liberdades Culturais, mas centra-se agora, por um lado, na libertação face à designada “subsidiodependência” do artista perante o Estado, e por outro, na sujeição às regras do mercado que

ditam

o

apoio

à

criação

artístico

de

acordo

com

a

quantificação

de

consumidores/espectadores. Em Portugal esta retórica foi iniciada por Vasco Graça-Moura na sua controvérsia contra o apoio público aos filmes do cineasta Manuel de Oliveira. Contudo, com a eclosão da crise de 2008, acentuou-se o discurso ofensivo na opinião pública que refere os artistas como pedintes. Os cortes na cultura não são, no entanto, recentes. A asfixia da cultura teve início ainda durante o considerado período áureo do Ministério da Cultura de Manuel Maria Carrilho, pois já existiam diminuições dos orçamentos dos serviços públicos e cultura. O princípio da dupla comunidade, as comunidades dos cidadãos e as comunidades artísticas, deve favorecer o cosmopolitismo não provinciano, ou seja que não sobrevalorize por si só o facto de que o que se produz “lá fora” ser de melhor qualidade só porque é estrangeiro. Esta é ainda a postura da “elite” portuguesa (de má qualidade), nomeadamente de alguns programadores culturais, «infatigáveis compradores» de projetos artísticos durante as suas viagens pelo mundo, mas que são «totalmente incompetentes vendedores». Em termos de articulação democrática e territorial, a cultura está mal distribuída pelo território português, sendo por isso necessário criar mecanismos de circulação dos artistas em todas as áreas. Neste sentido, os critérios dos programadores culturais municipais não devem estar apenas sujeitos a critérios de gosto pessoal, este “micro-poder” dos programadores pode efetivamente prejudicar a difusão artística pelo território e o acesso à mesma pelos cidadãos.

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http://www.entetanimiento.com/ 5

2.2. Síntese das preocupações e reivindicações

PAINEL 1

Marta Martins – Direção da Arte em Rede A redução das receitas dos municípios, e a diminuição do seu financiamento à cultura, coloca em risco a capacidade de ação dos equipamentos culturais municipais. Os teatros municipais em particular funcionam neste momento sem orçamentos e com equipas muito reduzidas, quando existentes, provocando uma programação irregular e desequilibrada e baseada em espetáculos “à bilheteira”. Não é possível aos teatros municipais cumprir a sua missão de serviço público nestas condições. O retrocesso do acesso das populações aos bens culturais afeta desde logo as comunidades escolares e os cidadãos com menores rendimentos. A solução no imediato passa por uma estratégia concertada de alguns elementos já disponíveis: 1) é necessário apoiar os projetos em rede, que têm demonstrado ser uma mais-valia na obtenção e otimização de recursos, na troca de experiências e qualificação do discursos culturais e artísticos e das competências; 2) criar uma linha de financiamento para a formação especializada, que permita a evolução profissional dos técnicos da área da cultura; 3) é preciso garantir que próximo Quadro Comunitário de Apoio deverá ter uma linha de apoio direto a projetos culturais enquanto criadores de valor simbólico numa lógica de inovação social dos territórios. A cultura não deve ser tida apenas como instrumento para fins sociais, económicos, turísticos ou outros, mas também pelo seu valor intrínseco nomeadamente na esfera da criação artística.

João Neto – Presidente da Associação Portuguesa de Museologia A taxa de IVA aplicada na conservação e restauro do património continua a ser bastante elevada prejudicando as obras de conservação e restauro, deve exigir-se a sua redução de modo a favorecer a economia e as empresas deste sector que por sinal são praticamente todas portuguesas. As universidades e os cursos superiores nas áreas das humanidades não têm sabido promovido o seu valor enquanto produtores de saber e conteúdos, ao contrário dos cursos ligados à gestão e economia que se apresentam como imprescindíveis e de sucesso.O Estado é hoje totalmente alheio a campanhas de comunicação, de fruição e de acesso à cultura junto das populações. Logo não promove a sua missão de serviço público de preservação da memória, do património e da criação cultural. Os agentes culturais não têm sabido/conseguido valorizar o seu trabalho no atual modelo 6

económico. Não soubemos incutir o gosto pelo património cultural no seu sentido mais amplo, do cinema ao teatro, dos museus ao património religioso, nos estudantes portugueses. A APOM defende a criação de um “Banco de Imagens” com conteúdos museológicos que os professores possam utilizar enquanto recursos didáticos virtuais, adequados aos diferentes níveis de ensino e às diferentes disciplinas, para que deste modo as crianças percebam que os Museus fazem parte e contribuem para o seu desenvolvimento. A APOM defende a existência da disciplina de cidadania cultural, social e ambiental, numa lógica pedagógica integrada nas escolas. Na APOM existem muitas reclamações nos preços inacessíveis para famílias praticados pelos museus de Sintra – este modelo de gestão privada parece ser o que vai ser implementado na zona de Belém. Propõe um bilhete inter-museus com descontos que permita uma melhor articulação entre equipamentos e públicos (venda cruzada de bilhetes com descontos). Para além da preocupação com os seus próprios equipamentos o Estado tem de promover uma política de cultura abrangente a várias escalas e multissectorial.

João Ribeiro – Presidente do ICOM Portugal A maioria dos museus em Portugal, com especial destaque para os dependentes das finanças do Estado central ou local, são instituições pobres sem recursos para renovar as suas exposições, corpo técnico e campanhas de divulgação para a captação de novos públicos e promoção da própria instituição. O critério de avaliação da sua atividade está hoje sustentado numa visão redutora que favorece o número de visitantes mais do que pela qualidade das suas ações. Institucionalizou-se uma dicotomia insanável entre “museus bons” - os geradores de receita -, e os “museus maus” - os que pouca receita geram, logo incómodos para os decisores políticos. A atual resposta para este problema – a concessão progressiva do perímetro de museus lucrativos -, apenas irá agravar esta dicotomia. A Zona Belém/Ajuda é o exemplo que no imediato se impõe. Enormes dúvidas permanecem. Continuamos sem saber que modelo de gestão está pensado para esta zona, nomeadamente se se trata de uma unidade de direito privado, qual o grau de autonomia de cada unidade, se são mantidas as equipas técnicas? Os profissionais dos museus continuam agentes do Estado? Os museus do Estado Central deixaram de ter qualquer grau de autonomia, deixaram de ter mapas de pessoal e orçamentos próprios, deixaram até de possuir número de contribuinte, sendo7

lhes impossível a adjudicação direta de quaisquer serviços. Estranha situação para os museus do Estado quando obriga os museus municipais a seguir a Lei-Quadro de Museus Portugueses, aprovada por unanimidade na Assembleia da República, que impõem corpo técnico e serviços orgânicos funcionais.

Alexandra Lourenço – Presidente da BAD A Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas criticou o desinvestimento nas bibliotecas e arquivos públicos. A fusão da Direção-Geral de Arquivos e da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas numa única entidade, congregando missões distintas e reduzindo orçamentos, reforçou esse desinvestimento, estreitando o campo de intervenção para a concretização de políticas públicas nestas áreas. O Estado português investiu milhões no Programa da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP), com o objetivo de dotar todos os municípios portugueses de uma biblioteca pública. Este investimento permitiu que as bibliotecas públicas se tornassem um dos equipamentos de cultura com maior penetração no país e uma ferramenta essencial para o desenvolvimento da literacia e de competências de informação e cidadania. Atualmente, o desinvestimento central e local, a par da ausência de um sentido estratégico para a rede, não só conduziram à suspensão desta expansão, como se corre o risco de transformar os equipamentos deste financiamento público num conjunto de elefantes brancos levando a que se questione se valeu a pena o esforço para dotar o país de uma infraestrutura desta dimensão. Urge reposicionar esta atuação. Aguardam-se, portanto, com expectativa as notícias sobre a forma como o Governo poderá desenvolver linhas de investimento, no âmbito os domínios temáticos de intervenção do próximo Quadro Comunitário, de modo a que estas áreas possam vir a ser contempladas. Por seu lado, a única rúbrica do orçamento de estado para cultura em que se observa crescimento é o Fundo de Fomento Cultural, mais 7 milhões para uma área que não tem uma política pública assumida. As prioridades deste governo para o setor são incompreensíveis

Inês Fialho – fundadora do Acesso Cultura A Acesso Cultura levantou questões de fundo, que não encontra nos princípios orientadores do orçamento proposto para 2015 no que diz respeito aos museus e património e, num contexto alargado, a todas as tipologias de fruição cultural.

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São estas as questões da acessibilidade física, social e intelectual aos equipamentos e às ofertas culturais tutelados pelo Estado. A acessibilidade vai para além da eliminação de barreiras arquitetónicas, e deve ser vista como parte integrante na fase conceptual de qualquer projeto cultural, seja ele de estrutura física, ou de oferta programática. Trata-se por exemplo, de examinar a política de preços de admissão aos museus e monumentos nacionais, não só pelos critérios que definem as admissões reduzidas e gratuitas, mas também pela sua definição limitada dos conceitos de família e deficiência. A ausência da sensibilização para o acesso à cultura, nas suas vertentes físicas, sociais e intelectuais, no OE, designadamente através do financiamento ao levantamento de necessidades e à formação de técnicos é uma preocupação crescente da Acesso Cultura, sobretudo quando se observa a canalização do investimento público orientado para a programação de eventos e não para a resolução de questões de fundo que dizem respeito ao papel social, educativo e identitário dos museus, do património e, num contexto alargado à área de intervenção da Acesso Cultura, a todas as tipologias de fruição cultural.

DEBATE – propostas e intervenções do público

.A ostracização da equipa técnica da Biblioteca Municipal da Nazaré é paradigmática de uma tendência generalizada para retirar a estes equipamentos públicos as suas equipas e a sua capacidade de programação e atividade junto dos munícipes. Foi criada uma petição: «Pela manutenção da equipa técnica da biblioteca municipal da Nazaré».

.As parcerias entre entidades culturais e as escolas apenas foram desenvolvidas pelos agentes culturais com a total ausência do Estado central. Defende o 1% do OE para a cultura enquanto meta da luta política. A Direção Geral das Artes não recorre aos canais públicos da televisão para comunicar a produção e programação cultural no país.

PAINEL 2

Jorge Palinhos – Direção da Plateia A Plateia reuniu com o Secretário de Estado da Cultura para promover alterações aos apoios da Direção Geral das Artes mas sem qualquer sucesso. Tentou posteriormente reunir com o primeiro9

ministro mas foi remetida para a ministra das finanças. O trabalho barato é um problema muito grave na criação artística. A despesa per capita do Estado em cultura é muito reduzida comparativamente com outros países europeus. Com tão baixo investimento público na cultura, a criação artística em Portugal é alimentada pela precarização dos artistas/intérpretes, pelo parttime, semiprofissionalização, amadorismo e trabalho voluntário. Esta situação não é sustentável. Toda uma geração é desmobilizada da prática artística em Portugal.

Luís Cunha – Presidente do CENA Este governo tem a proeza de (sendo de direita) não defender como é usual uma política de defesa do património, e muito menos a criação artística. A dita sociedade do lazer e do tempo-livre que foi idealizada como consequência de uma hipotética redução do número de horas de trabalho dos trabalhadores, veio antes gerar uma maior massa de desempregados e precários, sem capacidade económica ou disponibilidade existencial para as práticas culturais. No sector do espetáculo, assistimos a uma transformação radical nos parâmetros de contratação, que trouxe uma enorme instabilidade e que tem produzido uma precariedade generalizada. A falta de fiscalização, o abuso por parte dos empregadores, ausência de leis específicas e o desencorajamento do recurso aos tribunais – com as custas de justiça agravadas pelo novo código penal -, são condições para que o mercado de trabalho se transforme numa selva. A Plataforma dos Intermitentes do Espetáculo em Portugal lançou uma petição por uma lei específica, resultando na lei 4/2008 e respetivas alterações na lei 28/2011. No entanto, ficou por implementar o registo dos artistas, previsto no seu artigo 3º, condição matricial para a definição do universo da sua própria aplicabilidade, como também falhou na definição do regime próprio de segurança social a aplicar a estes trabalhadores, deixando por regulamentar matérias essenciais como são os mecanismos de contagem dos prazos de garantia. A incapacidade de promover soluções por via legal que abram caminhos promissores ao justo enquadramento social e contratual dos profissionais do sector, aliada ao desânimo e fraca mobilização que revelam estes trabalhadores, levou o Sindicato a promover e apoiar uma instituição, a cooperativa Pro-Nobis. É necessário denunciar o chocante e dramático atraso no cumprimento dos prazos dos concursos deste ano da Direção Geral das Artes. Estamos no final do ano e os apoios ainda não foram contratualizados. A participação dos agentes culturais nos programas de apoio do programa europeu Europa Criativa depende de uma comparticipação própria de 40% que deveria ser assegurada por financiamento 10

público nacional, que, no caso de Portugal, não está previsto. Devíamos trabalhar uma proposta do tipo "Cheque Cultura" brasileiro, um incentivo direto ao "usufruto" e "prática" culturais, no campo dos direitos de cidadania.

Né Barros – Direção da REDE O caderno reivindicativo é uma boa ideia para suprir a ausência de poder reivindicativo das estruturas. A criação artística tem de ser vista como coletiva / comunidade artística, não se trata apenas de apoiar/financiar o criador/artista individualmente. Diminuição da democratização das artes: a pluralidade de opções e diferenças artísticas e culturais tem sido diminuída a nível europeu pelos financiamentos cujos fatores de majoração e critérios tendem a homogeneizar as estruturas. A homogeneização das estruturas resulta num menos diversificado e qualificado ambiente cultural, comparativamente a décadas anteriores. A aposta na Internacionalização acaba por ser prejudicada pela falta de circulação interna numa rede de teatros no país. Deviam ser reativadas as sinergias entre municípios para promover a itinerância na rede.

Cristina Andrade - GDA A situação do IVA relativo ao setor cultural tem sido de permanente incerteza. Critérios que se alteram ao longo do tempo e com tratamento diverso no território. Muitas questões forma sendo ultrapassadas, outras permanecem. Hoje temos cobrança de IVA nas bolsas concedidas pela GDA, com fundamentação incompreensível e que determina que os valores das bolsas tenham uma quebra acentuada.

DEBATE – propostas e intervenções do público

.A Fiscalidade é excessiva nos apoios culturais dados pela GDA. Passou a ser obrigatório passar recibo verde com IVA, o que não tem cobertura legal. Existe uma falta de coerência nas estratégias de programação a nível nacional, levando a que haja desequilíbrios entre datas de pagamentos de apoios e tempos de execução nos diversos locais. É necessário um estatuto do artista claro e aplicável.

.O encerramento de equipamentos culturais em Inglaterra esteve em relação direta com interesses privados para a sua exploração e o mesmo pode acontecer em Portugal. 11

As estatísticas das bibliotecas não medem a leitura feita localmente (livros lidos na biblioteca). As estatísticas da cultura atuais apenas medem variáveis quantitativas, nomeadamente os gastos e as receitas mas não medem os benefícios gerados pelo sector cultural para a sociedade

Encerramento (Catarina Martins)

Enfrentamos dois problemas grandes: desresponsabilização e desorçamentação. Esta tenaz provoca uma descaracterização dos serviços públicos e uma substituição do princípio da complementaridade pelo da competitividade, afunilando a oferta, privilegiando o evento, tanto sobre o acesso público permanente como sobre a investigação e promoção culturais, e atacando a liberdade da criação artística. Para Orçamento do Estado de 2015 o Bloco de Esquerda articula as suas propostas em 3 eixos fundamentais: 1.

Financiamento

75% de diminuição do orçamento da cultura nas últimas décadas é a asfixia lenta da cultura; é necessário fazer o caminho inverso e preparar, faseadamente mas determinadamente, o caminho dos 0,1% para 1% do PIB para a Cultura. Esse caminho exige o aumento da dotação orçamental, a rejeição das cativações e da proibição de contratações. 2.

Serviços e acesso públicos

É essencial a autonomia (nomeadamente financeira) dos equipamentos públicos de cultura, com capacidade de planificação plurianual. O acesso a equipamentos públicos não pode ser vedado por questões económicas; é necessário uma política de preços de bilhetes e entradas com valores controlados, incluindo bilhetes família e grupo, entrada livre para grupos prioritários e política de dias de entrada gratuita universal. Tarifas sociais de água e luz para associações sem fins lucrativos e de pequena dimensão, que garantem o acesso da população às práticas culturais e artísticas 3.

Fiscalidade que compreenda a centralidade e especificidade do setor cultural

Sendo a cultura um bem essencial deve estar incluída na taxa de IVA reduzida (bilhetes, obras de conservação e restauro, instrumentos musicais, etc.) Clarificação do regime de IVA de artistas, com isenção de pagamento em bolsas de criação e similares Planos de pagamento de dívidas à segurança social e fisco de profissionais intermitentes/precários devem respeitar essa condição, não exigindo o cumprimento de mensalidades nos meses em que esses trabalhadores não têm auferem qualquer rendimento 12

Propostas recebidas na sequência do encontro (contributos não apresentados na sessão e remetidos posteriormente)

1.

A extinção do Observatório das Atividades Culturais, entre outros efeitos negativos, teve

como consequência que Portugal não tenha o seu perfil cultural atualizado em 2013/2014 (ultimo é de 2011) no Compendium do Conselho da Europa. Urge resolver esta lacuna.

2.

Nas atuais sociedades hipermediáticas, os públicos da cultura tendem a acompanhar a

tendência imposta pela digitalização cultural, importa pois contrabalançar este movimento com o reforço das políticas e das práticas culturais de proximidade. Contudo, a inexistência de políticas culturais locais democráticas e participadas não pode continuar a ser norma, o Estado – tal como acontece noutros domínios: ordenamento do território, saúde, educação, etc. - não se pode alhear da dimensão cultural das políticas municipais, deve pois em articulação com os municípios fomentar a existência dessas políticas, propondo Contratos locais de parceria e uma Carta de Princípios de Políticas Culturais Municipais, bem como a obrigatoriedade de existência de Conselhos Municipais de Cultura. O Estado deve também fazer cumprir o Artº 13º da Convenção da UNESCO sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais que obriga a integrar a dimensão cultural nas políticas de desenvolvimento sustentável, o qual poderá ser efectivo através daagenda 21 da cultura4. Só com políticas culturais enraizadas localmente, que não sejam sinónimo de administração burocrática das atividades culturais mas antes de revitalização de todo o ecossistema cultural, se pode pretender contribuir para o desenvolvimento de práticas culturais emancipadas e do acesso democrático aos serviços e bens culturais públicos.

3.

Mecenato Cultural Local: A administração pública local deve favorecer a possibilidade de

criação de mecanismos locais de mecenato.

4.

Dotar os Teatros e Cineteatros municipais de equipas técnicas, diretor artístico, serviços

educativos e redigir uma carta de princípios de boas práticas de gestão e transparência democrática dos equipamentos culturais locais.

5.

Propor criação de um novo Ministério: Ministério da Comunicação e da Cultura , que

promova uma maior articulação entre sectores dos media e da cultura, entre produção, difusão e 4

www.agenda21culture.net/ 13

internacionalização.

6.

A reposição das entradas gratuitas todos os domingos nos museus, por uma questão de

democratização do acesso à Cultura, de acordo com o artigo 73º da Constituição da República Portuguesa.

7.

A redução dos preços dos bilhetes de entrada nos museus (pelo menos nos que

aumentaram de forma mais escandalosa, como o mosteiro dos Jerónimos onde se registou um aumento de mais de 40%; dizem que é uma forma de diminuir o número de visitantes visto estes estarem a degradar com a sua passagem a pedra do monumento - pois então que estabeleçam um número máximo de visitantes por dia, não concordo é que o critério de entrada seja económico, sobre pena de excluir pessoas e elitizar ou meramente turistificar a cultura).

8.

Inverter a atual suborçamentação dos museus.

9.

Defender o fim da política cultural mercantilista que está a ser aplicada na Cultura. É

baseada nessa visão exclusivamente economicista que se pretende vender a coleção Miró na posse do estado ou que se passaram a avaliar os museus pelo valor das suas receitas (de bilheteira, lojas, aluguer de espaços, etc.), dependendo disso os futuros orçamentos anuais de cada museu. A introdução recente deste critério de gestão do tipo empresarial no topo das prioridades das políticas museológicas, por se ter tornado num tão importante critério de avaliação, subverte totalmente a própria noção do que é um museu. Como argumentação recorde-se inclusive a definição do International Council of Museums (ICOM) do que é um museu: "uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e do seu entorno, para educação e deleite da sociedade".

10.

A um nível mais alargado a todo o setor cultural, é recomendável a reposição do Ministério

da Cultura (por motivos tanto simbólicos, como pragmáticos) e sobretudo que, de acordo com vários estudos internacionais e tendo em conta as recomendações da UNESCO para um desenvolvimento sustentável (a Cultura é apontada como o 4º pilar), se estabeleça o mínimo de 1% do orçamento de Estado para a Cultura (desejavelmente tal devia inclusive ficar estabelecido por lei e não ser um tema a reivindicar cada ano). 14

11.

Ao nível do cruzamento de políticas educativas e culturais das câmaras municipais com os

museus e as escolas, é fundamental que as autarquias continuem a proporcionar transporte (nomeadamente autocarros) para deslocações das escolas / infantários / grupos de séniores se deslocarem aos museus. Os cortes a esse nível têm contribuído para muitas escolas e grupos deixarem de poder fazer visitas de estudo aos museus.

12.

Mecanismos excecionais para a não exclusão dos concursos do ICA e Direção Geral das

Artes das entidades de produção e criação privadas que se encontram em situação de asfixia financeira provocada pelos cortes de financiamento e dívidas do Estado a essas mesmas entidades: a) Permitir candidatura de entidades com dívidas à segurança social e fisco, desde que com plano de pagamento aprovados; b) Descongelamento imediato das verbas em dívida do Estado a entidades com protocolo de financiamento que tenham dívidas à segurança social e fisco, desde que com planos de pagamento aprovados.

13.

Mecanismos de implementação da lei do cinema, com sanções do Estado às empresas que

não pagarem as obrigações previstas na lei e cumprimento das obrigações de investimento da RTP.

14.

Dotação orçamental para o Museu do Cinema e ANIM (arquivo e núcleo museológico da

Cinemateca).

15.

Alteração da lei 4/2008 com fim dos falsos contratos intermitentes, proteção das profissões

de desgaste rápido (nomeadamente, relativamente à reconversão profissional e acidentes de trabalho).

16.

Autonomia de programação e gestão dos serviços públicos de cultura, nomeadamente

Museus e Monumentos nacionais, Teatros Nacionais, Companhia Nacional de Bailado e Cinemateca.

15

3.

Propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda

Alterações ao Orçamento do Estado para 2015

A tradução deste debate em propostas concretas no OE2015 é um exercício de complexa concretização. A Lei do Orçamento de Estado, disponível aqui, nomeadamente para a área da cultura, é opaco e muitas vezes omisso. Não é possível alterar rúbricas internas da orgânica do Estado, como por exemplo os concursos da Direção Geral das Artes. Acresce uma maioria parlamentar que apoia o atual governo marcadamente avessa a propostas da oposição e, sobretudo, a iniciativas que afirmem políticas públicas de cultura no sentido clássico do termo. Deste modo, as propostas apresentadas têm um valor antes de tudo pedagógico a nível institucional, para obrigar o parlamento a discutir matérias do setor, e também um caráter de saúde do debate público: não podem os tempos de austeridade ditar o fim de qualquer ideia de futuro também na cultura.

O Bloco de Esquerda apresentou 11 propostas concretas: 1) a introdução de sanções às entidades incumpridoras no pagamento das taxas para o cinema; 2) a exigência de um patamar mínimo de investimento do orçamento de estado em Cultura nos 350 milhões de euros; 3) a alteração do IVA para espetáculos para a taxa reduzida; 4) a alteração do IVA para restauro de património e obras artísticas para a taxa reduzida; 5) a alteração do IVA para partituras e instrumentos musicais para a taxa reduzida; 6) a proibição de qualquer operação de alienação ou concessão de património cultural; 7) o reforço do financiamento da Cinemateca através do orçamento de estado e da distribuição das receitas das salas de cinema; 8) a exceção dos serviços públicos de cultura das cativações previstas no orçamento de estado; 9) a recuperação de autonomia para os serviços públicos de cultura face à tutela; 10) regime excecional de acesso aos concursos do ICA para entidades prejudicados pelos atrasos do Estado; 11) a suspensão do pagamento das prestações de dívidas à segurança social nos meses em que os trabalhadores das artes do espetáculo e do audiovisual não auferem rendimentos.

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Propostas prioritárias na presente sessão legislativa

Defesa do ensino artístico, incluindo financiamento, especificidade da relação pedagógica, carreira e vínculo de professores, bem como a reabilitação do edifício da Escola de Música do Conservatório Nacional.

Leis de Bases para os equipamentos públicos de cultura, enquadrando, nomeadamente, exigências técnicas e de acesso público para bibliotecas e teatros municipais

Programa de emergência para a preservação, promoção e acesso público do património cultural, garantindo, entre outros mecanismos, um programa específico de acesso aos fundos do quadro comunitário 2014-2020.

Estabilidade de financiamento com garantia de plurianualidade, tanto para os equipamentos públicos (museus, teatros nacionais, biblioteca e arquivo nacionais) como para as entidades privadas que contratualizam serviço público com o Estado (nomeadamente entidades de criação e produção das artes do espetáculo).

Alteração à legislação relativa aos trabalhadores do espetáculo e audiovisual para proteção laboral e social e estatuto do bailarino (incluindo desgaste rápido e reconversão profissional).

Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda | Assembleia da República - Palácio de S. Bento - 1249-068 Lisboa Telefone: 21 391 7592 - Fax: 21 391 7459 | Email: [email protected] | http://www.beparlamento.net

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