CAIU NA REDE, É CRÍTICO? (ENTREVISTA - PARTE 1)

July 24, 2017 | Autor: André Bomfim | Categoria: Cinema, Mídias Digitais, Critica de arte
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Caiu na rede, é crítico? Publicado em 19 de março de 2013 por CÍTRICA

Os dilemas e desafios da crítica cinematográfica em tempos de internet. “De médico e louco, todo mundo tem um pouco”. Não soaria tão estranho se acrescentássemos ao velho dito popular a figura do “crítico de cinema”. Mas assim mesmo entre aspas, que fique bem claro. Afinal, existe um grande vale que separa o crítico de mesa de bar, do qual todos nós temos um pouco, do crítico profissional. Com a democratização da palavra trazida pela internet, porém, essa fronteira ficou mais difusa e cabe ao leitor a tarefa de separar o joio do trigo na polifonia de vozes que compõem a crítica cinematográfica na web. Para debater, esclarecer e problematizar esse multifacetado painel, convidamos quem pesquisa e quem faz crítica on line na Bahia. De um lado, Regina Gomes, professora da UFBA e coordenadora do GRIM, Grupo de Pesquisa em Recepção e Crítica da Imagem. Do outro, três jovens críticos baianos, gestores de seus próprios blogs: Amanda Aouad (CinePipocaCult), João Paulo Barreto (Película Virtual) e Rafael Carvalho (Moviola Digital).

ANDRÉ BOMFIM – As facilidades de publicação trazidas pela internet geraram um processo de democratização da crítica cinematográfica, que agora se ramifica em blogs e até nas redes sociais. O que isso traz de positivo e negativo para quem produz e para quem consome crítica? REGINA GOMES – A ampliação do espaço para o exercício da crítica de cinema é inegável e vejo isso como extremamente salutar. Para quem produz as vantagens são enormes, desde maior espaço para a escrita, rompendo, desse modo, com a limitação dos caracteres imposta pelos meios impressos, até a liberdade de postura editorial já que, em tese, os críticos de internet estão menos sujeitos às agendas do impresso. A prevalência

do trabalho voluntário garante e reforça esta postura mais livre e independente (inclusive das pressões do mercado). Para o leitor, sem dúvidas, a maior vantagem está na possibilidade de interação com os críticos por meio de comentários, sugestões e até mesmo tensões acirradas. Jovens críticos têm criado ótimos espaços de discussão sobre filmes na internet, como a Contracampo, Cinética, Moviola Digital, Cinepipocacult, entre outros. No geral, vejo boas perspectivas, mas o problema está na multiplicação desses escritos que funde textos de qualidade com textos de baixa qualidade. Mas se a internet é um ambiente democrático por premissa, nada podemos fazer, a não ser selecionar os melhores espaços e textos. AMANDA AOUAD – Acredito que sejam os dois lados de uma mesma moeda. Com a democratização dos meios, qualquer um pode escrever críticas e divulgar suas ideias. Isso tem o lado bom de abrir espaço para pessoas que não teriam oportunidade em grandes veículos de mostrar os seus trabalhos. Muitos bons críticos, que estudam cinema, que escrevem bem, poderiam nunca ser lidos sem a internet. Por outro lado, ao ter essa ideia de que “qualquer um pode ser um crítico de cinema”, há uma tendência à desvalorização do próprio ofício e também a uma falta de critério, como se bastasse gostar de cinema para se autointitular um crítico. Dá uma sensação também de um grande “balaio de gatos” onde é preciso um trabalho mais árduo para peneirar os textos que valem a pena. JOÃO PAULO BARRETO – Obviamente, o ponto positivo para quem consome está no fácil acesso a textos de críticos conceituados. Nos anos 1990, em Salvador e antes da popularização da internet, era difícil conseguir ler críticas que não fossem as publicadas em veículos como a SET ou textos publicados em jornais como o A Tarde (José Augusto Berbert e João Carlos Sampaio) e a Tribuna da Bahia (André Setaro). A alternativa para quem quisesse se aprofundar mais na crítica de cinema como um objeto de estudo estava nos livros, como o de Pauline Kael, Criando Kane e Outros Ensaios, por exemplo. Hoje, com uma pesquisa rápida, podemos ler não somente os ótimos textos dos críticos citados acima como, também, nos aprofundar em trabalhos como os de Roger Ebert, Pablo Villaça, Francis Vogner, Rafael Carvalho, Kleber Mendonça, Luis Fernando Pereira, Rafael Saraiva, David Bordwell, Kristin Thompson, Merten, só para citar alguns ótimos profissionais. Trabalhos que dificilmente teríamos acesso sem a internet. Isso permitiu ao leitor criar um equilíbrio no que ele quer consumir, no que ele almeja se aprofundar ao ler uma crítica de cinema. Junto com esse fato veio o que você chamou de democratização da crítica. O que, por um lado, é algo ótimo já que o cinema precisa ser discutido sempre. É para isso que ele serve: para causar reflexão, para esquentar os ânimos. O problema está no fato de que muitos textos escritos por diletantes são encarados como críticas profissionais. Quando escrevo isso, não quero soar excludente ou vaidoso. A crítica de cinema não precisa ser escrita apenas com um caráter técnico, sem emoção, sem a empolgação do cinéfilo. Essa paixão pode (e deve) ser derramada no texto. O que não deve ser feito é confundir essa emoção com uma verdade irrefutável. A função da crítica, além de discorrer sobre os aspectos de uma obra que alguns podem não ter enxergado, é causar a discussão citada anteriormente. E, a partir disso, permitir tanto ao leitor que opina quanto ao crítico que escreve, aprender um com o outro. Cabe ao leitor buscar uma variedade de textos e não se contentar apenas com um.

RAFAEL CARVALHO – Acho que traz uma polifonia de opiniões que antes não havia à disposição do público. E com isso, surgem visões bastante distintas em relação aos filmes. Acho que agora o crítico perdeu aquele status de grande julgador das obras de arte, aqueles poucos que davam a última palavra sobre a validade da obra, e isso é bom porque descentraliza o discurso crítico. Ao mesmo tempo, agora qualquer pessoa menos apta pode escrever e tratar sobre cinema, o que não é um problema em si, mas somente quando ela passa a se considerar como um profissional da crítica. Como tudo na internet, sempre há conteúdos bons e outros nem tanto. Sem falar nessa variedade de conteúdos que muitas vezes a gente não consegue acompanhar. ANDRÉ BOMFIM – Parece que nem tantas pessoas se arvoram a expor ideias sobre teatro, livros ou artes visuais, por exemplo. Em sua opinião, por que a crítica cinematográfica ofereceu um campo tão fértil para a difusão de uma crítica mais democrática? REGINA GOMES – Difícil responder, mas arrisco dizer que este fenômeno está ligado à popularização do cinema que, entre as artes citadas, tem maior alcance e comunicação com o grande público. Todos nós carregamos certa dose de cinefilia, amamos os filmes e gostamos de falar sobre eles. Ainda vejo o cinema como uma arte popular, o que levaria, consequentemente, a uma maior produção de textos críticos sobre produtos cinematográficos. AMANDA AUOAD – É uma pergunta interessante, ainda mais se pensando que, segundo a última pesquisa do Ibope, apenas 19% da população brasileira frequenta os cinemas. Mas, acredito que, com as facilidades da tecnologia, ver um filme (mesmo que não no cinema) ficou mais fácil. Há uma popularização do produto e há todos os tipos de gêneros e gostos. Parece que o audiovisual é sempre um grande atrativo e como analisar séries ou telenovelas dá mais trabalho pelo volume do material, ver um filme e expor sua opinião sobre ele parece mais fácil do que ler um livro, ir ao teatro ou frequentar exposições. Mas tudo isso é apenas uma suposição, claro. JOÃO PAULO BARRETO – Sua pergunta me lembrou um texto da acadêmica Kristin Thompson, traduzido e publicado pelo crítico Pablo Villaça em seu blog pessoal. Nele, o crítico mineiro trouxe uma interessante discussão que a escritora propôs ao ser frequentemente arguida sobre qual seria o seu filme favorito. Essa pergunta sempre lhe era feita quando esta se identificava como uma teórica e estudiosa da sétima arte. De modo ligeiramente irônico, a escritora argumenta em seu texto se estudiosos de ópera ou poesia são questionados, na mesma frequência que ela sobre cinema, sobre qual seria sua ópera ou poema favoritos. A autora explica que é mais comum ser questionada sobre cinema, uma vez que as pessoas pensam entender mais sobre isso do que sobre óperas. Mas isso acontece apenas pelo fato de que o primeiro é mais amplamente consumido que o segundo, ela frisa. O fato é que o cinema é uma arte muito mais popular do que o teatro, a literatura ou as artes visuais. Com pouco mais de 100 anos, ele passou por transformações que o tornaram muito mais próximo e acessível ao público. Claro, a

literatura possui o mesmo grau de acesso, mas a diferença está no fato de que qualquer pessoa pode assistir a um filme. Letrados ou não letrados. Contanto que a obra seja dublada (o que me entristece profundamente, uma vez que mutila o trabalho de um artista), qualquer pessoa pode consumi-la. E a partir disso a opinião de muitos pode ser ouvida. O problema está na falta de embasamento para tais argumentos. É muito fácil dizer que gostou ou que não gostou de um filme. Difícil é criar argumentos que suportem tal decisão. E o cinema como arte tão popular e acessível acaba por se tornar um campo fértil para “achismos” sem fundamentos. Porém, deixando isso de lado, creio que a democratização da crítica é mais ampla no campo cinematográfico justamente pelo fato desta ser uma arte de maior identificação por parte do grande público. RAFAEL CARVALHO – Acho que tudo começa com a paixão pelo cinema que me parece uma coisa mais popular mesmo, mais abrangente à maioria das pessoas. Todo mundo gosta de ver filmes, em maior ou menor grau, e aqueles que se interessam pela escrita acabam se aventurando na crítica, primeiro como comentário rápido, e depois, talvez, de forma mais consistente. Acho que a crítica é mais democrática pelo interesse mesmo de muitas pessoas em exercê-la. + Veja a segunda parte da entrevista.

André Bomfim é especialista em Análise de Cinema e TV e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas - FACOM/UFBA. [email protected].

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