\"Camilo Castelo Branco e Machado de Assis: humor e afastamento crítico-paródico da herança romântica\"

June 2, 2017 | Autor: C. Martins | Categoria: Humor, Parody, Romantismo, Parodia
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Camilo Castelo Branco e Machado de Assis: humor e afastamento crítico-paródico da herança romântica1 José Cândido Oliveira Martins

RESUMO: Camilo Castelo Branco e Machado de Assis tiveram uma formação no contexto da cultura e da estética românticas. No entanto, os autores de Coração, Cabeça e estômago e de Memórias póstumas de Brás Cubas recorrem a um variado conjunto de procedimentos discursivos (do humor e da sátira à paródia), exorcizando o fantasma do romantismo, em particular alguns “malefícios” da degenerescência de estafados códigos tardo-românticos. Através de uma tensa estética da ironia, e situando-se ambígua e criticamente entre-dois mundos – a herança romântica e a renovação realista-naturalista –, é manifestamente redutora a classificação de “romântico” e de “realista” aplicada a cada um destes escritores.

1. É deveras desafiante a tarefa de ler hoje, comparativamente, dois grandes clássicos dos Oitocentos, autores absolutamente marcantes da evolução literária e do cânone da literatura de língua portuguesa de ambos os lados do Atlântico. Aliás, curiosamente ou não, revelam-se escassos os estudos que se debruçam sobre as relações literárias efectivas estabelecidas entre os dois autores coevos, atestadas em textos concretos de cada um.2 Porém, isso não impede a existência de muitos pontos de contacto que se podem explorar na extensa obra de Camilo e de Machado. Um dos aspectos que une os dois escritores reside na exploração do romance humorístico, aliás no âmbito de uma reivindicada e influente tradição europeia. A presença actuante do humor na obra dos dois autores tem sido realçada, naturalmente e desde muito cedo, pela crítica literária. Contudo, ao 1 Artigo desenvolvido no âmbito do PEst-OE/FIL/UI0683/2014, Projeto Estratégico do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos (CEFH) financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). 2 Entre outros exemplos de estudos sobre a recepção de Camilo no Brasil e de Machado em Portugal, ou mesmo acerca da confluência entre obras dos dois autores, merecem destaque os trabalhos críticos de Arnaldo Saraiva (2009) e de Paulo Franchetti (2011), bem como as teses académicas de Marcelo Sandmann (2004) e sobretudo de Geraldo da Aparecida Ferreira (2007).

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longo dos tempos, e para muitos leitores, parece ainda persistir um velho preconceito: face a uma clássica e interiorizada teoria hierárquica dos géneros e subgéneros, mesmo um dos mais refratários géneros modernos – como o romance, por excelência um “género sem lei” – mostra-se vítima de uma ideia generalizada. De facto, uma certa tradição literária privilegia mais os géneros “sérios” ou “elevados”, em detrimento dos “cómicos” ou “facetos”. E, no caso da literatura da primeira metade dos Oitocentos, sabemos bem como o sistema literário, regulado pelas condicionantes sociológico-culturais do mercado literário de então, explorou, tantas vezes até ao excesso, certa farmacopeia romântica, apostada na exploração do pathos emocional, para gáudio e fidelidade de grande massa de leitores. Nesta tendência marcante, a emergência do humor aligeirava a tensão dramática, esvaziava o patético, em suma, não seduzia os leitores educados em certo horizonte de expectativas. Entretanto, fomos assistindo a uma crescente revalorização das diversas manifestações do humor em literatura, através de uma positiva apreciação do seu lugar e funcionalidade. Nas suas variadas formulações estilísticas, discursivas e genológicas, o humor mostra-se um dos procedimentos que mais contribui para a vivacidade e para a originalidade das obras literárias, sendo em boa medida responsável pela sua actualidade e presença no cânone literário. No caso destes dois autores, entre outros aspectos dignos de apreço, a dimensão humorística é mesmo realçada por outros escritores actuais, como é o caso de Agustina Bessa-Luís, a autora de Breviário do Brasil: “O que eu mais gosto em Machado de Assis, o maior dos narradores brasileiros, é aquele humor sem concessões à respeitabilidade e sua indolência para fazer moral. Machado de Assis era um português sem reticências.” (Bessa-Luís, 2012, p. 205). Seguramente, outros elogios similares de Machado poderíamos encontrar em diversos autores portugueses. Do mesmo modo, também Camilo, num rapidíssimo exercício de recepção cruzada, merece de escritores brasileiros sentidos panegíricos. Mencione-se como exemplo Monteiro Lobato, para quem Camilo, além de mestre da língua portuguesa, era ainda modelo de graça, como se realça no estudo de Milena R. Martins (2013). Convenhamos que o humor, tomado em sentido estrito, não seja o traço mais realçado na recepção camiliana, na escrita de um autor que privilegia mais o regime satírico, por vezes com invulgar acutilância, mas incluindo também o cómico, o sarcasmo, 39

a chalaça ou a graça espirituosa (cf. ALMEIDA, 1997). No caso presente, tomamos o conceito de humor numa acepção bastante ampla, incluindo outras formas discursivas, da ironia e do grotesco até a sátira e a paródia. É neste propósito que nos propomos ler, muito brevemente, duas obras nucleares do percurso de Camilo e de Machado: Coração, cabeça e estômago (de 1862) e Memórias póstumas de Brás Cubas (de 1880; 1881 em livro). A recepção crítica dos dois autores tende a considerar que nestas décadas (1860 e 1880, respetivamente), os dois autores atingem a sua maturidade, introduzindo mesmo novidades consideráveis no processo da sua evolução romanesca e literária. É certo que, nestas circunstâncias, não há tempo para um detalhado exercício de close reading. Em todo caso, convém termos presente que os dois autores também foram objecto de múltiplas mistificações, preconceitos e simplificações, ou seja, de más leituras (misreading), pelo simples facto de não serem lidos como deviam. Razão tinha E. M. Forster, no seu clássico estudo Aspects of Novel, ao recomendar, humoristicamente, essa tarefa indispensável da leitura pessoal: Os livros têm que ser lidos (...); é a única maneira de descobrirmos o que têm dentro. Algumas tribos selvagens comem-nos, mas lê-los é o único método de assimilação que foi revelado ao mundo ocidental. O leitor tem de sentar-se sozinho e lutar com o escritor, mas isto é o que o pseudo-investigador não fará.3

Salvaguardando diferenças significativas entre os dois romances, salientemos de modo muito sucinto e quase enumerativo o que aproxima estes humorados e despropositados livros de ficção, Coração, cabeça e estômago e Memórias póstumas de Brás Cubas. Desde logo, os dois livros têm em comum o facto de adoptarem um dispositivo narrativo centrado numa diegese que se pretende verídica, ao centrar-se no relato sobre a vida de um protagonista já falecido – Silvestre da Silva e Brás Cubas, respectivamente. Ao mesmo tempo, em ambos os romances autobiográficos, apresenta-se e problematiza-se a figura autoral, aparecendo Camilo e Machado como meros editores de uma narrativa preexistente, numa recriação do manuscrito encontrado. 3 Na edição americana da obra: “Books have to be read (worse luck, for it takes a long time); it is the only way of discovering what they contain. A few savage tribes eat them, but reading is the only method of assimilation revealed to the west. The reader must sit down alone and struggle with the writer, and this the pseudoscholar will not do.” (Forster, 2002, p. 12).

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Subsistem, no entanto, algumas diferenças assinaláveis quanto à opção em matéria de disposição romanesca, com destaque para: i) o topos do manuscrito encontrado é mais visível no caso da opção compositiva de Camilo, desde logo na “Advertência ao leitor”); ii) o relato autobiográfico, em 1ª pessoa é enriquecido, no caso de Coração, cabeça e estômago, pelas incursões de um impulsivo autor-editor, sob a forma de extensas notas e de comentários de vária ordem, com variável dose de distanciamento irónico, face a leitores frequentemente invocados; iii) e mais relevante, a obra de Brás Cubas é colocada, de forma expressa e mais original, como relato post-mortem, ou seja, como narrativa in ultimas res de um assumido “defunto autor”. Enfim, a morte iguala todos os seres humanos, constituindo o momento livre e supremo para o balanço de uma existência, sob a forma de “memórias póstumas” de ambas as vozes narrativas.4 Correlacionadamente, Silvestre da Silva e Brás Cubas são-nos apresentados como verdadeiros anti-heróis, isto é, figuras cujo comportamento e linguagem os aproximam mais da “mediocridade”, do ridículo e até do grotesco, do que de certa ideia romântica e idealizada de herói. Em ambos os romances, apresentam-se relatos que seguem uma certa ordenação linear e cronológica, apesar de compreensíveis mudanças de ritmo ou de saltos elípticos. São narrativas que acompanham, em jeito de romance de formação, o evoluir dos protagonistas, desde as suas origens até a morte. Ou melhor, as narrativas iniciam-se, sobretudo no caso de Machado, após a morte, quando não há mais nada a acrescentar ao percurso biográfico. Similarmente, os dois anti-heróis pretendem imortalizar o seu nome, não tanto através do relato autobiográfico, mas sobretudo pelas suas criações: além dos “papéis” ou manuscritos autobiográficos, Silvestre da Silva lega-nos a sua escrita poética, apresentada de forma ridicularizadora pelo autor-editor na secção final (cf. BRANCO, 2003, p. 130-134 e 211-220); mas também legou uma invenção filantrópica, sob a forma de remédio ou “antídoto contra a melancolia”. 4 Contudo, a verdade do autojuízo sobre a existência finda contrasta – como salienta Abel B. Baptista (2013, p. 326-327) com a consciente opção de Brás Cubas pelo “critério literário”, uma vez que se mostra mais sedutor começar o autorrelato pela morte e não pelo nascimento, por um lado; por outro, subsiste uma interrogação para o ensaísta: não havendo auditório para a dissimulação da autobiografia, pode interrogar-se a pertinência ou utilidade de uma tal confissão. No fundo, Brás Cubas não procede a nenhuma inesperada confissão, nem o percurso da sua vida se propicia a tal. Afinal, como sugere o mesmo ensaísta, a condição de “finado” não se adequa, alegoricamente, à figuração do estatuto do próprio autor?

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Por sua vez, Brás Cubas deixa-nos a “ideia grandiosa e útil” do “emplastro Brás Cubas”, remédio anti-hipocondríaco “destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade”. Bem diferentes, as duas criações unem-se pela descrição humorística e faceta com que nos são descritas, por um lado, e por outro, sobretudo no caso de Brás Cubas, contribuem para a glória do nome próprio do seu criador, a “sede de nomeada” ou “amor da glória”, como o próprio confessa (cf. ASSIS, 2013, p. 22). Genericamente falando, as duas autobiografias romanescas surgem aos olhos dos leitores inteligentes como dois deliciosos epitáfios.5 Em ambos os casos, os leitores são convocados para aferir do mérito de tais criações e celebridade póstuma. De permeio, o percurso biográfico dos dois anti-heróis configura uma singular narrativa de formação (Bildunsroman): as sucessivas e frustradas relações amorosas de ambos de algum modo propiciam uma filosofia de vida, sob a forma de visão melancólica e pessimista da existência humana. No entanto, sob este pano de fundo que parece unir os dois protagonistas num percurso existencial de afinidades, sobretudo na etapa final anterior ao desfecho da existência, sobrevém, entre outras, uma diferença comportamental assinalável: enquanto o risível herói camiliano se adapta de modo interesseiro às circunstâncias da vida político-social, fruindo epicurística e instintivamente os prazeres elementares do estômago, o hipocondríaco herói machadiano se vai afundando num imenso tédio, estádio final da sua hipocondríaca doença da melancolia. De um lado, no caso camiliano, a figura do herói oportunista e desencantado, mas aproveitador das oportunidades, sem ética nem escrúpulos (incluindo o casamento de interesse) – numa palavra, “a felicidade pelo estômago”; do outro, na criação machadiana, o perfil do herói entediado, para quem nenhum projeto de vida se revela verdadeiramente mobilizador da vontade, incluindo o casamento, oscilando pendularmente entre o humor e a melancolia. Três observações a este respeito: primeira, o manuscrito autógrafo de Silvestre da Silva demarca claramente três fases evolutivas da sua existência errática e aborrecida; a ausência deste tipo de demarcação nítida em Brás Cubas não é sinónimo de falta de organização lógica no seu relato 5 Cf. a síntese autojustificativa do próprio Brás Cubas em “Filosofia dos Epitáfios” (ASSIS, 2013, p. 302) e a sugestão, a este respeito, de Abel B. Baptista (cf. 2013, p. 328-330), insistindo justificadamente no significado metafórico ou alegórico do “emplastro Brás Cubas”, sob a forma de “desejo póstumo de sobrevivência do nome”, justamente um nome que transcende do seu defunto e hipocondríaco detentor.

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autobiográfico; segunda, não deixa de ser curioso o facto de os dois heróis, em matéria de percurso afectivo ou sentimental, manterem duas relações com duas figuras femininas (Tomásia e Virgília) em cenários que remetem, cada um à sua maneira, para a ideia de um certo idílio bucólico e campestre; terceira, em Camilo, a felicidade alcançada pelo estômago e pelo casamento determina a interrupção das memórias autobiográficas de Silvestre, completadas pelo “editor”, por simpatia com o “defunto amigo”, ao contrário do relato de Cubas, construído integralmente post-mortem. Curiosamente, cada uma das relações sentimentais de Silvestre e de Cubas termina inesperadamente: pela morte, sem grande história, em Camilo – “morreu de uma indigestão de almôndegas”; pela interrupção do adultério, sem drama, em Machado. Em ambos, similar mediocridade existencial e sentimento de irremediável desengano, filosofia mais acentuada na personagem machadiana – e tudo dado em registo acentuadamente humorístico, sem lances dramáticos ou peripécias trágicas. Ao mesmo tempo, ambas são narrativas que, ironicamente, vão provocando o leitor, no sentido de o levar à interrogação sobre o significado do evoluir diegético: apesar das aparências, o elemento romanesco não está em ambas ao serviço de uma filosofia existencial; de forma mais simples, a fábula não é mero suporte da “moralidade” (cf. Baptista, 2013, p. 324). Ou não fosse esse um dos traços irónicos do estilo de ambos os escritores – dizer uma coisa para significar outra, dentro da ambiguidade congenial da ironia. Nos dois universos, mas talvez mais acentuadamente no caso de camiliano, estamos de facto perante uma “estética da ambiguidade” (cf. Martins, 2014). Curiosamente, sendo conhecida a ausência expressa de Camilo na obra romanesca de Machado (e vice-versa), é curiosa a presença das figuras de Faustino Xavier de Novais (cunhado de Machado) e de José Feliciano de Castilho logo no “Preâmbulo” deste Camilo, texto aliás seguido desta anotação: “Este prólogo foi escrito designadamente para ser impresso no Rio de Janeiro”. Estas figuras eram apreciadas no Brasil da época, a par do popular Camilo, que não poderia deixar de ser conhecido de Machado. Opostamente, o erudito e atento Camilo também não podia ignorar o nome e a obra de Machado. Em ambos os casos, mas sobretudo no de Machado, pode aplicar-se a conhecida teoria da angústia da influência proposta por Harold Bloom, como sugerido por P. Franchetti (2011). 43

2. Concretizando um curioso diálogo cruzado sobre o Atlântico, os dois organizadores das edições aqui usadas de Camilo e de Machado – o brasileiro Paulo Franchetti para Coração, cabeça e estômago e o português Abel Barros Baptista para Memórias póstumas de Brás Cubas, aliás dois notáveis ensaístas –, enriquecem as respectivas edições com excelentes textos críticos que, entre outras considerações pertinentes, não deixam de focar este tópico. Com efeito, como sugerido, cada um dos autores editados, em datas e contextos diferenciados, é certo, constrói a sua narrativa servindo-se de variadas técnicas que potenciam a emergência do humor na escrita literária. Em todo o caso, os dois críticos não deixam de nos alertar para os perigos de algumas leituras apressadas: por um lado, Paulo Franchetti (2003, p. xxxv), no contexto de uma revisão da crítica camiliana, salientando a novidade do estilo camiliano e os “efeitos cómicos” da narrativa humorística ou satírica, que conhece em Coração, cabeça e estômago um dos seus maiores exemplos. Por outro, Abel B. Baptista (2013, p. 320), a sublinhar o modo como o original e desconcertante romance de Machado, entrelaçando humor e reflexão existencial, radica numa conhecida tradição do “romance humorístico europeu”. Uma coisa é certa, esta opção pela narrativa humorística, implementada com alguns dispositivos composicionais semelhantes, em Camilo e Machado, manifesta-se através de uma ampla gramática humorística. Por esta expressão pretendemos designar um conjunto de processos quer estilísticos, quer narrativos, que envolvem a ironia, a sátira, a paródia, o grotesco etc.; mas ainda a digressão, a metaficção, a intertextualidade.6 Ainda que de forma breve, é oportuno ilustrarmos o modo como cada um dos autores se serve destes e de outros processos, sobretudo ao nível da enunciação e, correlacionadamente, da constituição da figura autoral de cada um dos universos narrativos. Com esse caminho crítico, superam-se as tradicionais e condenáveis leituras biografistas e também se enriquecem as conhecidas interpretações narratológicas dos dois autores. 6 É hoje abundantíssima a bibliografia teórico-crítica sobre a temática do humor em literatura (incluindo as inter-relações entre a ironia, a sátira, a paródia etc.), sobretudo desde há cerca de um século, com o decisivo contributo da teoria literária de M. Bakhtine. Para uma visão sintética, cf. Martins (1995, p. 29-69) sobre a “Teoria literária da paródia”; Denise Jardon (1988) estudando as várias manifestações do “cómico literário”; Christian Moncelet (2006) sobre o vocabulário do cómico e do humor; ou ainda Jean-Marc Moura (2010) sobre uma visão abrangente do fenómeno literário do humor.

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Desde logo, o discurso narrativo dos narradores de Camilo e de Machado é enriquecido por referências intertextuais a outros autores, com uma particularidade óbvia: esses autores (como Cervantes, Molière, Diderot, Sterne, Xavier de Maistre, entre outros, pertencem a uma tradição humorística do romance europeu, com excepção de Molière). Estamos, assim, perante um intertexto jocoso e, sobretudo, claramente motivado, porque surge em detrimento de um cânone literário mais “sério” ou “elevado” ou estritamente filiado na tradição romântica, ainda que com diferenças entre os dois autores. Com isso, também se está a caucionar uma renovada modalidade de construção romanesca. Correlacionadamente, os dois autores-editores utilizam de forma hábil os paratextos dos seus romances para também formular considerações de natureza humorística ou mesmo cómica. Assim, os prólogos, as dedicatórias, as notas etc. não são naturalmente inocentes. Uma das funcionalidades é justamente a de proporcionar um divertido jogo autoral entre o autor-editor e o narrador, envolvendo desde logo o leitor e construindo humoradamente um peculiar e cativante pacto narrativo com este; ao mesmo tempo que frustram certo horizonte de expectativas numa trama romanesca densa e com ênfase passional. Simultaneamente, dentro desse espírito de uma fecunda poética romanesca do humor, as duas vozes narrativas de Camilo e de Machado demonstram uma certa tendência (talvez mais acentuada na prosa de Camilo) para o dito humorístico e para a facécia, para a frase de efeito ou dito espirituoso, para a exploração da situação anedótica e cómica. Aliás, um outro procedimento que constitui fonte habitual de humor em ambas as obras é a técnica da digressão, mais ou menos reflexiva, ao mesmo tempo que concorre para o efeito de dissolução ou de certa fragmentação do enredo, destacando-se as reflexões jocosas sobre os tópicos mais diversos, incluindo, metaliterariamente, o estilo e a técnica das próprias narrativas. A par desses e de outros procedimentos, criando mesmo uma ambiência jocosa e crítica sobre o relato de uma vida, as obras de Camilo e de Machado contêm algumas farpas antirromânticas mais expressas, afastando-se assim, irónica e parodicamente, dos excessos emocionais ao nível da psicologia, ou dos clichés de certa linguagem ultrarromântica, e ainda dos retratos estereotipados e gastos de certos tipos (como o da mulher angelical ou da mulher fatal), facto ainda mais saliente na obra camiliana. 45

Interligadamente, nesses romances urdidos com vozes de alémtúmulo, Camilo e Machado mostram uma clara preferência pela acentuação da mediocridade dos anti-heróis protagonistas dos seus próprios relatos. Com este procedimento, desconstroem, de forma humorística e cómica, as expectativas dos consumidores grávidos de leituras românticas. Isso é particularmente visível em juízos eivados de ironia, quer dos narradores-editores, quer das vozes narrativas, em formulações que chegam a raiar o ridículo e o sarcasmo, tonalidade mais intensificada na reconhecida vis satírica de Camilo. Como sugerido, os dois narradores invocam e provocam repetidamente o leitor, em acenos manifestamente cúmplices e irónicos, nos mais diversos contextos e registos. Chegam ao ponto de, jocosamente, desaconselhar a continuação da própria leitura do relato. Também aqui subsistem algumas diferenças, pois, no caso de Camilo, as invocações ao leitor vêm sobretudo do narrador-editor. O mais importante realçar é que essa técnica discursiva adquire particular relevância no constante jogo irónico (e às vezes paródico) com as expectativas do leitor: se o leitor estava à espera de um romance com forte entrecho passional, com rapidez dramática na sucessão das peripécias, com personagens eticamente exemplares, os narradores divertem-se a frustrar esses desejos típicos de um certo gosto dominante numa cultura ainda de fundo romântico. Como se deixou sugerido, estamos igualmente perante duas narrativas com forte pendor metaliterário e metaficcional, o que demonstra uma modernidade assinalável, mas também se proporciona para certas considerações mais ou menos humorísticas. Estamos perante duas vozes narrativas que reflectem e justificam quer o estilo adoptado, quer as opções em matéria de organização narrativa. Reitere-se que presenciamos um dispositivo romanesco em que as vozes narrativas pertencem a dois defuntos, por um lado; e, por outro, explora-se, também com alguns efeitos cómico-humorísticos, a distância irónica entre os pontos de vista das personagens protagonistas e das personagens narradas, isto é, entre o acto da narração e a acção narrada, pois quem conta enuncia a diegese já com distância e sabedoria permitidas pela passagem do tempo.7 7 Como sugerido por R. Schwarz (cr. 2000, p. 30-31), no caso de Machado, é muito notória a permanente oscilação opinativa ou “volubilidade” do narrador machadiano se afirma mesmo como “princípio formal do livro”.

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Nas duas obras, ao nível do estilo, é ainda possível encontrar certas construções estilísticas repletas de ironia e de graça, bem como de novidade no campo da escrita romanesca da época. Sirva de exemplo, entre muitos outros, a adopção da dupla determinação em que se associa, inesperada e ironicamente, o abstracto e o concreto, como realçado por Paulo Franchetti (2003): Camilo escreve – a “patrulha chegando com a Moral e a baioneta”; sobre um magistrado com dificuldades de expressão, observa: “(...) como lhe faltasse a respiração e a gramática”; sobre umas bonitas donzelas portuenses, caracteriza: “eram as cinco jóias do Porto em delicadeza de espírito e de cintura”. Por fim, uma das situações de cómico mais explorada por Camilo e por Machado é preenchida pelos discursos pronunciados pelas personagens, com efeitos ora hilariantes, ora até paródicos. Com variantes, os dois autores ridicularizam certo tipo de discurso empoladamente retórico e declamatório, também de ascendência mais ou menos romântica. Mais uma vez, em Camilo esta situação ganha frequentes contornos de caricatura burlesca, que não encontramos tão facilmente o texto de Machado.

3. Consabidamente, a narrativa humorística de Camilo e de Machado causou alguma estranheza, chegando mesmo a desorientar a crítica, a começar pela recepção coeva. Sobretudo porque obras como estas afastavam-se de certos códigos temáticos e compositivos do romance, por um lado; e, por outro, pareciam apresentar uma faceta dos seus autores, aliás, ambos numa fase madura e amplamente reconhecida das suas obras. Além disso, é fácil reconhecer que em Lisboa ou no Porto da década de 1860, bem como no Rio da década de 1880, os hábitos de leitura eram ainda profundamente marcados pela herança romântica das décadas precedentes, por influência de certo mercado literário instituído. Ora, na obra de Camilo e de Machado – e nestes dois romances em particular –, mostra-se que os dois escritores tinham perfeita percepção desse facto sociológico-cultural; e, conscientemente, entre outros objectivos possíveis, se serviram das diversas armas do humor como forma de corrosão do sistema romântico, ao mesmo tempo em que também se mostravam distantes dos excessos positivistas do naturalismo. Para além do sugerido, a referida desorientação da crítica, et pour cause dos leitores em geral, deve-se a vários factores, mas sobretudo porque 47

envolve a interrogação sobre a ampla funcionalidade da narrativa humorística ou dos lances paródicos. De facto, a perplexidade causada pela presença multifacetada do humor frustrava expectativas, desencadeava reflexões várias e até levava certos críticos (como no caso de Capristano de Abreu sobre a obra de Machado) a interrogar-se se o livro em questão era “um romance” (ASSIS, 2013, p. 15). Também aqui, mais do que uma linguagem supérflua ou extravagante, visando o mero entretenimento ou a transmissão de uma “moralidade”, o humor provoca e desconcerta, surpreende e desorienta, mas sobretudo faz pensar desencadeando o espírito crítico. Nesta sequência e em jeito conclusivo, é oportuno que nos interroguemos sobre a funcionalidade do humor nas duas narrativas exemplares de Camilo e de Machado, em mais duas notas brevíssimas: apontámos alguns aspectos que aproximam os dois romances de Camilo e de Machado no capítulo do humor. Contudo, nunca é demais atentar a especificidade de cada autor também neste domínio. Sobressai também aqui a notável ambiguidade de um Machado de Assis “enigmático e bifronte, olhando para o passado e para o futuro”, nas palavras de Antonio Candido (2004, p. 67, 70), não apenas o “ironista ameno”, autor de uma obra norteada por uma “visão humorística e filosofante”, como insistia certa crítica, que não avaliava convenientemente o alcance da mundividência de uma figura que se exprimia “com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. A escrita de ambos os escritores é marcada pela distância em relação a ditames estéticos e a “modas dominantes”, numa postura aparentemente arcaica, mas na essência moderna e até vanguardista, entre outros procedimentos através do uso da “emoção pela ironia” e pela arte da sugestão (Candido, 2004, p. 72, 73).8 No caso de Memórias póstumas, tematiza-se, em última análise, o relativismo de tudo – realidade/ficção, normal/anormal, justo/injusto bem/mal etc. –, e tudo a partir do ponto de vista de um defunto que narra a sua história (cf. Candido, 2004, p. 77-78). Ao mesmo tempo, deve inferir-se uma outra conclusão: a capacidade de inovação e de genialidade de Camilo e Machado, manifestadas em romances como Coração, cabeça e estômago e Memórias póstumas de Brás 8 Em Breviário do Brasil, a citada Agustina Bessa-Luís (2012, p. 159) anota sobre esta característica maior do escritor: “Machado de Assis tem a arte de sugerir o amor sem lhe dar importância”. Em outra passagem, a escritora comenta elogiosamente o estilo e mundividência de Machado, a partir do texto de uma crónica deste autor sobre “as excelências do xarope de Cambará”, citando-o: “Não são os homens que levam à melancolia, mas os remédios que os curam. Porque é que os remédios morrem?”, acrescentando Agustina: “Excelente filosofia, mas não menor realidade prática.” (ibid., p. 223).

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Cubas, não permite a estéril e injustificada repetição de etiquetas classificativas, como as de colar atributos de “romântico” ou de “realista”. Os grandes criadores não se confinam nem reduzem a chavões vazios como estes, antes se mantêm criticamente equidistantes de escolas, de modelos e de ditames estéticos. No fundo, escritores da dimensão de Camilo e de Machado criam o seu estilo, ditam regras, marcam tendências. Além disso, Camilo e Machado não podiam ficar indiferentes aos excessos epigonais do romantismo, que se manifestavam no mercado literário da época e em múltiplos aspectos da criação romanesca de então. Sobretudo a partir dos jocosos elementos paratextuais que emolduram os romances de Camilo e de Machado, decorre que o narrador de Coração, cabeça e estômago elabora o seu relato na etapa final e mais experiente da sua existência, com os seus papéis autobiográficos a serem revistos pelo autor-editor, anote-se. Diferentemente, o narrador de Memórias póstumas constrói sozinho a sua autobiografia, com a pretensa liberdade e sabedoria que advém de estar morto. Em ambos os casos, de Silvestre e de Cubas, o final da existência ou a situação de defunto proporcionariam, pretensamente de modo menos ingénuo e mais experiente, os estádios adequados para a autocrítica, em tonalidades que vão da ironia ao sarcasmo. O mesmo é dizer, como sugere P. Franchetti (2003, p. xxxvi) a propósito do herói camiliano, que as duas figuras julgam perfazer um itinerário que os conduziu desde um “romantismo postiço” e ingénuo até uma sabedoria amadurecida e melancólica, passando pelo longo de intervalo de momentos sentimentalmente imaturos e ridículos. Uma coisa é certa, a leitura destes dois romances permite-nos sustentar que o humor, nas suas várias manifestações, está ao serviço da crítica do lugar-comum, da convenção já gasta ou do estafado estereótipo. Em outras obras (Eusébio Macário, A corja ou O senhor ministro), Camilo parodiou expressamente e de modo extremamente jocoso a pretense novidade realista-naturalista. A terminar, relembre-se que Coração, cabeça e estômago é do mesmo ano do Amor de perdição, demonstrando assim que a poética ficcional camiliana não se subsume na exemplaridade da novela passional, como pretendido por certa crítica apressada, reduzindo assim drasticamente o cânone camiliano (cf. Franchetti, 2003), crítico que chama a atenção para os perigos da repetida e extremada polarização da crítica em torno da narrativa passional, tendo o Amor de perdição como paradigma narrativo. 49

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camilo castelo branco e machado de assis em diálogo: para além do romantismo e do realismo

Paulo Motta Oliveira Luciene Marie Pavanelo (Org.)

Camilo Castelo Branco e Machado de Assis em diálogo: para além do romantismo e do realismo

Apoio:

processo n. 2014/06172-0

© 2016 Paulo Motta Oliveira e Luciene Marie Pavanelo Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009. Coordenação editorial Isadora Travassos Produção editorial Eduardo Süssekind Rodrigo Fontoura Victoria Rabello

Sumário

Revisão Rita Cyntrão Conselho editorial Prof. Dr. Paulo Motta Oliveira (USP) Profª Dra. Luciene Marie Pavanelo (UNESP) Prof. Dr. Sérgio Guimarães de Sousa (Universidade do Minho) Prof. Dr. João Carlos Pereira (Université Lumière – Lyon II) Prof. Dr. Pedro Schacht Pereira (The Ohio State University)

cip-brasil. catalogação na publicação sindicato nacional dos editores de livros, rj C19 v. 1 Camilo Castelo Branco e Machado de Assis em diálogo: para além do romantismo e do realismo / organização Paulo Motta Oliveira, Luciene Marie Pavanelo. – 1. ed. – Rio de Janeiro: 7Letras, 2016.

isbn 978-85-421-0391-5 1. Castelo Branco, Camilo, 1825-1890 – Crítica e interpretação. 2. Assis, Machado de, 1839-1908 – Crítica e interpretação. I. Oliveira, Paulo Motta. II. Pavanelo, Luciene Marie. 15-27282 cdd: 869.3 cdu: 821.134.3-3

2016 Viveiros de Castro Editora Ltda. Rua Visconde de Pirajá, 580/ sl. 320 – Ipanema Rio de Janeiro – rj – cep 22410-902 Tel. (21) 2540-0076 [email protected] – www.7letras.com.br

Prefácio Paulo Motta Oliveira Luciene Marie Pavanelo7

camilo e machado para além do romantismo e do realismo De penumbras e sombras: Camilo Castelo Branco e As três irmãs Paulo Motta Oliveira

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Camilo Castelo Branco e Machado de Assis: por uma geografia do romance realista Monica Figueiredo

27

Camilo Castelo Branco e Machado de Assis: humor e afastamento crítico-paródico da herança romântica José Cândido Oliveira Martins

38

a construção do herói camiliano e machadiano Digressões de Machado de Assis sobre Amor de perdição Cilaine Alves Cunha55 Equívocos da masculinidade oitocentista: para uma crítica feminista de A neta do arcediago e Ressurreição Henrique Marques Samyn

71

As (im)prováveis semelhanças entre Brás Cubas e Simão Botelho: imagens do herói do romance oitocentista no Brasil e em Portugal Moizeis Sobreira de Sousa

83

Prefácio

camilo e machado em diálogo com outros autores Camilo e Machado, memorialistas de além-túmulo Maria Cristina Pais Simon

95

Dom Quixote em A queda dum anjo e Quincas Borba Eduino José de Macedo Orione

112

a crítica e a polêmica camiliana e machadiana Camilo, Machado e Merquior polemistas Adriano Lima Drumond

129

Camilo e Machado críticos d’ O primo Basílio: um caso de pudor? Madalena Vaz Pinto

144

Teófilo Braga e José Veríssimo: historiadores da prosa de ficção do século XIX Ricardo Souza de Carvalho

155

Sobre os autores

163

Realizado entre os dias 19 e 21 de agosto de 2014, em São Paulo, pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa e pelo Centro de Estudos das Literaturas e Culturas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, o Congresso Internacional Camilo Castelo Branco e Machado de Assis: diálogos lusófonos reuniu professores, críticos e pesquisadores das literaturas e culturas de língua portuguesa que refletem de forma constante e sistemática acerca dessas literaturas e culturas em suas cátedras e pesquisas. O congresso, organizado em parceria pela Universidade de São Paulo, Universidade do Minho, Université Lumière – Lyon II e The Ohio State University, foi pensado com o intuito de fomentar não só o aprofundamento dos laços entre as instituições envolvidas, como também de promover a reflexão sobre os diálogos entre Camilo, Machado e outros autores lusófonos. É a este desafio que o congresso, composto por mesas de pesquisadores de universidades brasileiras, europeias e americanas procurou responder. Aproveitando a comemoração dos 150 anos de lançamento do primeiro livro de poemas de Machado de Assis – Crisálidas, de 1864 –, foram realizados eventos em Portugal, na França e nos Estados Unidos, além do Brasil, para refletir sobre as relações entre o escritor brasileiro e Camilo Castelo Branco, já então um autor consagrado em nosso país e com um livro publicado em primeira edição no Rio de Janeiro no ano anterior – Agulha em palheiro. Além disso, durante os dois anos anteriores, Camilo e Machado publicaram em O Futuro – periódico de Faustino Xavier de Novais, editado em terras brasileiras. Apesar de alguns críticos como Jacinto do Prado Coelho, Lélia Parreira Duarte, Marta de Senna, Agripino Grieco e Paulo Franchetti já terem defendido a aproximação entre as obras destes dois autores de 7

grande ascendência nas literaturas de expressão de língua portuguesa, sobretudo pelo uso da ironia e da interlocução com o leitor, são ainda escassas as pesquisas que tratam de forma mais aprofundada não somente das relações entre os dois autores, como também dos diálogos entre eles e outros escritores e produções culturais dos países de expressão em língua portuguesa. Nesse sentido, os eventos tencionaram alargar o horizonte de compreensão das relações entre as obras de Camilo e Machado e de outros escritores lusófonos, trabalhando com diversos aspectos que pudessem ser levantados a partir do diálogo entre eles. Realizar este congresso no Brasil, nação que sempre manteve intensas relações com autores portugueses, sobretudo Camilo Castelo Branco, que muitas vezes escrevia tendo em vista o público de além-mar, pareceu-nos extremamente importante, por reafirmar seja a importância do diálogo entre Camilo, Machado e outros autores lusófonos para a cultura de nosso país, seja o papel que temos cada vez mais assumido de cuidar do patrimônio comum que nos une aos outros países de língua portuguesa e disseminá-lo. Os trabalhos apresentados na etapa brasileira do Congresso Internacional Camilo Castelo Branco e Machado de Assis: diálogos lusófonos foram reunidos em dois volumes: este, que trata do diálogo entre os dois autores, superando a visão cristalizada de suas obras como românticas ou realistas, e um outro, intitulado Diálogos Possíveis: Camilo Castelo Branco, Machado de Assis e a literatura do século XIX. O presente volume é dividido em quatro partes. O livro se inicia com os textos de Paulo Motta Oliveira, Monica Figueiredo e José Cândido Oliveira Martins, que propõem uma leitura das produções camiliana e/ ou machadiana para além dos rótulos do romantismo e do realismo. Na segunda parte, os artigos de Cilaine Alves Cunha, Henrique Marques Samyn e Moizeis Sobreira de Sousa analisam a construção da figura do herói nas obras dos dois escritores, aproximando-as. Em seguida, temos os estudos de Maria Cristina Pais Simon e Eduino José de Macedo Orione, que apresentam Camilo e Machado em diálogo não apenas entre si, como também em diálogo com outros autores. Por fim, reunimos os trabalhos que abordam a crítica e a polêmica: os de Adriano Lima Drumond e de Madalena Vaz Pinto, que focam as ideias veiculadas por esses escritores em artigos polêmicos, e o de Ricardo Souza de Carvalho, que trata da crítica sobre Camilo e Machado. 8

Finalmente, é necessário agradecer à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo apoio financeiro concedido, bem como ao Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo e à Casa de Portugal, por nos terem cedido o espaço para a realização do Congresso. Paulo Motta Oliveira Luciene Marie Pavanelo

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