Campos de que experiências? Uma breve reflexão sobre a proposta de Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil

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Ana Helena Rizzi Cintra (Nº USP 2960072)

Campos de que experiências? Uma breve reflexão sobre a proposta de Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil

Texto para avaliação de participação na disciplina de pós-graduação oferecida como curso de extensão "Políticas Públicas para a Pequena Infância: aspectos instigantes em três realidades distintas Brasil, Suécia e Itália" ministrada na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Profª Drª Ana Lúcia Goulart de Faria Profª Drª Lisete Regina Gomes Arelaro

São Paulo 2015

Introdução A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), proposta pelo MEC para a Educação Infantil e demais níveis da Educação Básica, é um documento ainda não vigente e em construção com suposta participação da sociedade. Sem entrar no mérito da pertinência de haver uma base curricular comum a todo o país e suas possíveis implicações políticas, sociais, econômicas e pedagógicas, este texto procura apresentar uma reflexão inicial acerca de um elemento central da proposta para a Educação Infantil: os Campos de Experiências. Durante o curso, tivemos a oportunidade de assistir a uma palestra do Professor Boaventura de Sousa Santos, na qual ele afirmou que vivemos o autoritarismo da ausência de utopia, ou a ditadura do status quo. Uma das características dessa ditadura é a polarização dos conhecimentos prioritários versus não prioritários, ou seja, conhecimentos com ou sem valor de mercado e a Educação Infantil não está poupada dessa lógica. Estando desacreditado o pensamento que cria alternativas e novas formas de construção do conhecimento, o exercício do debate da BNCC para a Educação Infantil parece ser uma oportunidade de reabrir discussões abafadas pela prática habitual das escolas, ou por imposições de órgãos mais ou menos elevados na hierarquia governamental, mas quase sempre a serviço desse mesmo status quo, cujo objetivo tem sido priorizar os conhecimentos com valor de mercado. Um currículo que propõe Campos de Experiência não é a priori produtivo do ponto de vista da economia capitalista, ou seja, não responde às demandas do capital, portanto não possui intrínseco valor de mercado. Vejamos a seguir a que poderá servir então. Campos de que experiências? Uma das consequências do debate atual poderá ser a difusão de uma concepção de experiência com a qual a Arte Educação tem bastante familiaridade, mas a Pedagogia parece ter estado alheia, talvez por julgar que

as reflexões de John Dewey acerca da estética não tivessem relação tão direta com seu pensamento sobre a educação. Dewey descreve a experiência como "atos sucessivos perpassados por um sentimento de significado crescente, que é conservado e se acumula em direção a um fim vivido como a confirmação de um processo" (Dewey, 2010) Sem a aproximação com essa concepção chave, as desejadas experiências que se buscam nos tais campos podem ser confundidas com convivência socializante; exploração sensorial; experimentação espontânea ou qualquer outro elemento que as compõem, mas que fora do conjunto se tornam arbitrários ou aleatórios.Uma "mera sucessão de excitações" (Dewey, 2010 p. 140). Experiências temos muitas, mas no fluxo geral algumas são mais totais, consistentes, completas, emblemáticas. São unidades coesas de significado. Ter o que Dewey chamou

uma "experiência singular" ou an experience

(Dewey, 2010), é viver um processo que culmina em uma conclusão que se torna consciente por meio da percepção e da imaginação. Uma experiência desejável se consuma - não apenas cessa no tempo. Ela marca a linha entre o que havia antes e o que veio depois dela. Já as experiências comuns, que não produzem em nós significados, não permitem transformações, não são as que devemos buscar para integrar os Campos de Experiências: "(...)[A experiência singular] é uma aventura no desconhecido, porque, ao assemelhar o presente ao passado, acarreta uma certa reconstrução desse passado. Quando o passado e o presente se encaixam com precisão, quando há apenas recorrência, uniformidade completa, a experiência resultante é rotineira e mecânica, não chega à consciência na percepção". (Dewey, 2010 p. 470) Ilustremos com um exemplo: Uma professora, que não teve contato com a

concepção deweyana,

pretende planejar atividades

no campo de

experiências "corpo, gestos e movimentos". Ela procura na internet atividades com as palavras chave "movimento, criança, 4 anos", e encontra num site de abordagem psicopedagógica uma sequencia de atividades para desenvolver o equilíbrio. Decide que as segundas-feiras são o dia da semana dedicado ao campo em questão e propõe uma atividade a cada semana, a mesma para as trinta e quatro crianças. Essa professora está proporcionando possibilidades de experiências às crianças porém, a probabilidade de que sejam rotineiras e mecânicas é grande. Decorre daí a importância do Brincar. "Brincar (...) se transforma em trabalho pelo fato de essa atividade estar subordinada à produção de um resultado objetivo. (...) Ninguém jamais observou uma criança absorta em sua brincadeira sem se conscientizar da completa fusão do brincar com a seriedade. (...) A atitude brincalhona transforma-se em interesse pela transformação do material a serviço do propósito de uma experiência em desenvolvimento" (Dewey, 2010 p.480) Fochi, que recorre a Dewey, afirma que os Campos de Experiências colocam no centro do projeto educativo o fazer e o agir das crianças a partir dos princípios da ludicidade, continuidade e significatividade. De acordo com esse autor, é importante ainda considerar que "a escola não é preparação para a vida, é um pedaço de vida" (Fochi, 2015). Sendo assim, a professora do exemplo dado anteriormente pode estar desconsiderando todos os princípios do tipo de experiência que os Campos de Experiências propõem. A que poderá servir o currículo por Campos de Experiência? A proposta da BNCC para a Educação Infantil consegue, de fato, sistematizar muitos dos anseios da área em relação à necessidade de se atualizar e manifestar a sua complexidade epistemológica, mas é necessário entender suas bases teóricas.

Podemos vislumbrar uma experiência significativa, portanto não colonizadora, a partir dos Campos de Experiência se entendemos de forma mais profunda qual é a experiência que se busca, conforme exposto pelo pensamento de Dewey e destacado por Fochi. Podemos entender que os Campos de Experiência servem mais a um olhar adulto tentando se aproximar do mundo infantil que, como vida que é, escapa a toda abordagem pedagógica, do que às crianças de fato. "Algumas vezes o professor encanta-se tanto pelos conhecimentos sistematizados, organizados, disciplinares, hierarquizados, ocidentais e racionais que seu olhar acaba se voltando apenas para eles, abandonando o olhar para as crianças, para o grupo, para o fluxo de vida que transcorre". (Barbosa & Richter, 2015 p.194) Importa então o diálogo constante com as crianças, incluindo os bebês nas creches com suas múltiplas linguagens, para que as práticas não se cristalizem ou sejam autoritárias quando queriam ser emancipadoras. Conclusão Sendo a experiência algo singular (seja ela individual ou coletiva); possuidora de dimensões afetivas, intelectuais e práticas que se unem em um todo perceptível àquele que a vivenciou; de onde provêm o significado e o conhecimento, ela não pode ser imposta a um sujeito ou grupo. Portanto, a genuína experiência não acontece de fora para dentro como ocorre com os processos colonizadores.

Referências Bibliográficas BARBOSA, M.C.S.; RICHTER, S.R.S. Campos de Experiência: uma possibilidade para interrogar o currículo. In Campos de experiências na escola da infância (p.221). Barbosa, M.C; Faria, A. L. G; Finco, D. (orgs.). Edições Leitura Crítica. Campinas, 2015. BRASIL. MEC. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2015. DEWEY, J. Arte como Experiência (p.109). Martins Fontes. São Paulo, 2010. FOCHI, P.S. Ludicidade, continuidade e significatividade nos campos de experiência. In Campos de experiências na escola da infância (p.221). Barbosa, M.C; Faria, A. L. G; Finco, D. (orgs.). Edições Leitura Crítica. Campinas, 2015.

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