Capitalismo e Estagnação Profunda

July 22, 2017 | Autor: Florian Pantazi | Categoria: Economic History, History of Economic Thought
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Capitalismo e Estagnação Profunda A cooperação íntima entre a Igreja Católica e os neoliberais ao longo dos últimos 30 anos dá credibilidade à ideia de J.A. Schumpeter, segundo a qual o “capitalismo pode ser definido como fase final do feudalismo decadente”. No fórum anual de Davos, apareceu alguém com a luminosa ideia de incluir nas discussões a questão da desigualdade, preocupação crescente em todo o ocidente. Evidentemente, a ideia não prosperou, dado que os participantes declararam-se preocupados exclusivamente com o espectro da incerteza e com a estagnação da economia (Time). As questões da desigualdade e as dificuldades que o sistema capitalista enfrenta em todo o mundo ocidental foram tema da revista The Economist (13/10/2012, Reportagem Especial). A conclusão nesse caso foi que a desigualdade, medida pelo coeficiente de Gini, não aumentou de modo a causar alarme ao longo dos últimos 30 anos, mas qualquer adiamento nas medidas para fazer reverter a desigualdade porá sob risco o desempenho e a estabilidade de países ocidentais nas décadas vindouras. As políticas recomendadas – melhor educação para os pobres, garantindo melhor alocação de recursos para assegurar o bem-estar social, acompanhamento para os que recebem esses recursos, correção e moralização nas práticas do capitalismo ‘de compradres’, reservado só aos amigos do Estado [orig. crony capitalism] – são marcos de qualquer política que se pretenda progressista. No mesmo mês, em Florença, economistas da Espanha, Itália e França fundaram a Rede Europeia de Economistas Progressistas [orig. European Progressive Economists’ Network (E-PEN)]. A nova associação é aberta a economistas de todos os países da União Europeia e trabalha para pôr fim a todas as medidas chamadas “de austeridade” que hoje devastam o velho continente; pela generalização da “Taxa Tobin”[2]; e pela urgente adoção de políticas orientadas para promover e estimular o crescimento econômico. Alguns economistas progressistas exigem a reintrodução de taxação progressiva – a faixa de renda mais alta da população pagaria 80% de sua renda, em impostos. Verdade é que o clima social e econômico deteriora-se nos últimos cinco anos, e já atingiu níveis jamais vistos desde a Grande Depressão. Depois de 30 anos de neoliberalismo, muitos países ocidentais, entre os quais os EUA, converteram-se em lixões industriais, veem persistir altos níveis de desemprego, o crescimento é anêmico e a renda dos trabalhadores e da classe média despenca, tanto uma quanto a outra. Enquanto os cofres de muitas grandes empresas estão a ponto de explodir de tanta liquidez, muitos investimentos de mais longo prazo, para o desenvolvimento de produtos novos são redirecionados exclusivamente para inventar ‘sistemas’ que só servem para aumentar a produção, destruindo empregos – o que só faz agravar o desemprego. Resultado disso, a reputação do capitalismo como sistema econômico alcança índices mais baixos do que jamais antes na história das pesquisas. Em pesquisa IFOP, em dezembro de 2010, apenas 15% dos franceses, 25% dos italianos, 40% dos alemães e 45% dos britânicos declararam-se apoiadores do sistema capitalista. Apenas vinte anos depois do colapso da URSS comunista, o próprio capitalismo já está exposto como sistema obsoleto e, para alta proporção das populações, como sistema daninho, se se consideram as possibilidades de curto e de longo prazo, de algum tipo de desenvolvimento. O declínio do capitalismo tornou-se evidente já nos anos 1970s. Hoje, já é fato consumado e irreversível. Claro que, nos anos 1980s, começou a ‘revolução’ conservadora – que produziu privatização em massa de patrimônio público, desregulação, exportação de postos de trabalho, redução no ‘tamanho’ das empresas –, a qual, por algum tempo, pareceu boa coisa no papel e aumentou exponencialmente os ganhos do 1% global, embora à custa de todos os demais habitantes do planeta. Para defender essas políticas em escala global, David Rockefeller fundou, nos anos 1970s, a Comissão Trilateral, uma espécie de Opus Dei do sistema capitalista. Mas, com a história se autoacelerando, assim como o Catolicismo precisou de alguns poucos séculos depois da Reforma para perder o poder político que tivera, bastaram algumas poucas décadas para consumar a decadência do capitalismo. O fato de que ainda haja quem fale em “fim da história” ou de “única alternativa possível”, para designar esse processo de decadência, tem muito a ver com não-querer/não-saber ver, com pensamento inercial, com medo ante o desconhecido e com a preguiça típica que afeta as elites políticas e intelectuais do mundo do capital. Por outro lado, as classes trabalhadoras interalizaram, há muito tempo, uma visão deformada do que seja o capitalismo. Na visão dos marxistas-leninistas, cada dono de botequim, cada proprietário de pequena lasca de terra,

cada costureira dona de sua pequena loja de costura ou cozinheira dona de pequeno restaurante seriam necessariamente capitalistas. Não são. De fato, nada são além de atores menores da economia da troca. Essa confusão é responsável pelas tragédias de massa que acompanharam a implantação de teorias marxianas no mundo comunista – quadro que só se alterou bem recentemente, depois do advento do experimento comunista em curso na China. Como Fernand Braudel demonstra em sua obra máxima, os três volumes de história do capitalismo, a economia da troca já existia antes do capitalismo. Para Braudel, só um pequeno número de atores de mercado podem ser definidos como capitalistas ou têm algum poder real sobre o sistema econômico. Braudel também demonstra que os estados modernos, com poucas exceções, não passam de meros instrumentos nas mãos dos ricos. Mais que isso, a história prova que há uma relação de amor-e-ódio entre os estados e os mais ricos, a qual, a partir dos anos 1980s converteu-se em ódio aberto e declarado – os mais ricos odeiam e guerreiam contra governos e administrações do Estado, por causa da capacidade para tributar e cobrar impostos que os governos e Estados conservam. (Muito estranhamente, esse ódio ao Estado é sentimento partilhado por capitalistas e comunistas; como se sabe, muitos dos pensadores fundadores do comunismo também pregaram a abolição total de qualquer Estado...) O trabalho de Braudel interessa também por outros motivos, um dos quais é que ali se demonstra implicitamente que o capitalismo não é sistema em evolução (mas em eterna repetição). A especulação com ações, que fez a fama de Goldman Sachs; ou operadores que apostam ao mesmo tempo a favor e contra as mesmas ações; ou recorrentes crises financeiras nada têm de novidade e aconteceram, exatamente como tais, nos séculos 17 e 18 na Bolsa de Valores de Amsterdam. A indústria da sonegação de impostos, ela também, é marca registrado do sistema capitalista desde os primeiros dias. E também é marca do sistema capitalista desde os primeiros dias arrochar a cobrança de impostos dos mais pobres – o que sempre foi feito mediante impostos sobre o consumo. Se as desigualdades diminuíram entre os Estados nas últimas décadas, ela aumentaram dramaticamente dentro de cada Estado, sobretudo em praticamente todos os grandes países ocidentais. Por isso mesmo é preciso adotar políticas capazes de conter e reverter essas tendências – medidas que têm de avançar muito além de simples medidas ‘band-aid’, que visam, exclusivamente, a tentar dar alguma sobrevida ao sistema capitalista.

© Florian Pantazi Paris, 9 February 2013 links : http://www.institutojoaogoulart.org.br/noticia.php?id=8304 http://florianpantazi.blogactiv.eu/2013/02/capitalism-and-the-great-stagnation/

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