CAPITÃO AMÉRICA E O DISPOSITIVO: ESCRITURA E ADAPTAÇÕES NO REPUBLIC SERIAL E EM THE MARVEL SUPER HEROES

May 28, 2017 | Autor: R. Venancio | Categoria: Film Studies, Animation, Comics and Graphic Novels
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CAPITÃO AMÉRICA E O DISPOSITIVO: ESCRITURA E ADAPTAÇÕES NO REPUBLIC SERIAL E EM THE MARVEL SUPER HEROES Article · March 2011

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Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo - 23 a 26 de agosto de 2011

Eixo Temático Quadrinhos e Cinema

CAPITÃO AMÉRICA E O DISPOSITIVO: ESCRITURA E ADAPTAÇÕES NO REPUBLIC SERIAL E EM THE MARVEL SUPER HEROES Rafael Duarte Oliveira Venancio1 1

Doutorando, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Professor, Centro Universitário SENAC, São Paulo, SP E-mail: [email protected]

Resumo O presente artigo, inserido no eixo temático acerca da relação Quadrinhos e cinema, tem como objetivo analisar as primeiras adaptações do Capitão América para o cinema (Republic film serial, 1944) e televisão (segmento de segunda-feira do desenho animado The Marvel Super Heroes, 1966) considerando não só as implicações sócio-comunicacionais dessas realizações, mas também os traços de escritura midiática das três práticas envolvidas. Tendo esse arcabouço teórico, a análise operará na busca de manutenções e modificações feitas no traço da história em quadrinhos do Capitão América nessas duas adaptações audiovisuais. Assim, notaremos que, enquanto o film serial busca apenas aproveitar a fama dos comics para manter a sua fórmula tradicional, o desenho animado busca (re)apresentar a escritura da história em quadrinhos dentro da Silver Age. Palavras-Chave: Capitão América; Cinema; Desenho Animado; Dispositivo; Escritura . Abstract This paper, as inserted in the scope of the relationship comics and cinema, aims to analyze the first adaptations of Captain America to the cinema (Republic film serial, 1944) and television (a Monday’s segment of The Marvel Super Heroes cartoon, 1966), considering not only the broader socio-communication scope of these achievements, but also the traces of the three media writing (écriture) practices involved. Having this theoretical framework, the analysis operate in the search of maintenance and modifications made in the trace of the history of Captain America's comic book adaptations in those two audiovisual media. Thus, we note that while the film serial search only enjoy the fame of the comics to maintain its traditional formula, the cartoon search to (re)present the écriture of comics in the Silver Age.

Keywords: Capitan America; Cinema; Cartoon; Device (Dispositif); Writing (Écriture).

1 Introdução Em tempos do lançamento de Captain America: The First Avenger (2011), mais um filme dentro do chamado Marvel Cinematic Universe, o Capitão América ganha novo destaque dentro da cena midiática dos superheróis. Com isso, mais uma vez, serão debatidas as questões da adaptação dos em quadrinhos para os meios audiovisuais, bem como relembrar as primeiras adaptações

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feitas do Capitão América com tal fim. Operando a análise através das ideias da Estética desconstrucionista de Jacques Derrida, o presente trabalho possui, tendo em vista contribuir com esse debate, a articulação de três conceitos: dispositivo, fórmula e escritura. Ora, a noção de dispositivo foi cunhada por Baudry (1975). Levando em conta as reflexões de Habermas (2001), o conceito de dispositivo mimetiza a própria sociedade em si, mostrando a relação intrínseca entre as três racionalidades (estética, comunicativa e instrumental). Tal como as três partes de um nó borromeano, Sistema, Mundo da Vida e Estética estão inter-relacionadas e cada um desses elos sustenta os demais. Sem um deles, não há nada, não há mais o nó, não há mais a sociedade. Qualquer produção audiovisual acaba priorizando um desses três campos para tentar se fixar enquanto prática midiática relevante no todo social. Ora, sabemos que ele se fixa através do mecanismo linguístico que denominamos fórmula (syuzhet) do desenho animado, aquilo que Bordwell (1997) chamou de arquitetônica da narrativa, mas não só de uma narrativa, mas sim de um grupo de produções que seguem essa receita. Assim, identificar a eterna relação entre fórmula e dispositivo no Audiovisual é um dos passos cruciais da Crítica. É ir às profundezas da escritura dessa linguagem, o B’ que Derrida teoriza ao mostrar que a linguagem opera muito antes do par de oposição entre criação e inscrição. Tendo esse arcabouço teórico, a análise operará na busca de manutenções e modificações feitas no traço da história em quadrinhos do Capitão América em suas duas primeiras adaptações audiovisuais em meios diferentes: a primeira adaptação do Capitão América para o cinema, o film serial da Republic em 1944, e a primeira adaptação para a televisão, o segmento de segunda-feira do desenho animado The Marvel Super Heroes em 1966. Com isso, notaremos que, enquanto o Republic film serial do Capitão América busca apenas aproveitar a fama dos comics para manter a mesma fórmula do film serial com cliffhangers, o desenho animado The Marvel Super Heroes busca (re)apresentar a escritura da história em quadrinhos, focando na

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fase de retorno do super-herói junto com Os Vingadores. Com isso, há, na cena sócio-midiática, um constante jogo linguístico entre as escrituras de cada meio que busca cooptar o Capitão América. Assim, não basta identificar esses movimentos, mas também entender a fundante noção hegeliana de que o jogo social da Estética não é uma calística, um jogo de belos, mas sim de percepções e sensações.

2 Revisão de Literatura Em suma, o dispositivo, por Baudry, é a visão do cinema enquanto “um sistema constituído de três níveis articulados: 1) a tecnologia de produção e exibição (câmera-projetor-tela); 2) o efeito psíquico de projeção-identificação e o ilusionismo; 3) o complexo da Indústria Cultural como instituição social produtora de um certo imaginário” (apud AUMONT, 2004, p. 46). Mas como isso se relaciona à fórmula do desenho animado, o mecanismo linguístico próprio de cada realização do campo? Ora, antes de partir para a resposta dessa questão central, seria interessante esmiuçar, usando um processo de inter-relação teórica, os três pontos do dispositivo. O primeiro deles são as questões de concretização da prática midiática audiovisual: câmera-projetor-tela. Aqui, o que está em jogo são questões da Arte e da Estética, o do como fazer e de que forma apresentar. Já o segundo, o efeito psíquico de projeção-identificação e o ilusionismo, já significa as questões de interação e recepção com o público. São questões da Cultura, do privado, do interpessoal, da constituição individual e social da psique. Por fim, o terceiro ponto, da Indústria Cultural, está nas questões que chamamos sistêmicas. É a relação do produto audiovisual não só com a Economia, com a Política do seu tempo, mas também com as ideologias. Interessante notar que o 2º e o 3º ponto se relacionam com a constituição dual das formas de agir no mundo – suas racionalidades, seus movimentos de Aufklarung – para Habermas. É o jogo entre a ação comunicativa (par do 2º ponto) e ação instrumental (par do 3º ponto). Essa racionalidade dupla, onde

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uma legitima/modifica a outra, parte da distinção habermasiana, dos conceitos hegelianos do período de Iena, entre trabalho (racionalidade/ação instrumental) e interação (racionalidade/ação comunicativa). A ação instrumental é a racionalidade regida por regras técnicas apoiadas no saber empírico. Isso implica numa teleologia, ou seja, em previsões sobre o mundo que implicam na escolha de estratégias. São essas estratégias analíticas que montam toda a gramática social na qual vivemos. A Política, o Estado a Economia, as ideologias do mundo estão neste campo, pois elas possibilitam a reprodução material da sociedade. À parcela do mundo regida pela ação instrumental, Habermas dá o nome de Sistema. Já a ação comunicativa está calcada na interação simbolicamente mediada, em poucas palavras, no cotidiano social. É o campo da tradição, da cultura, da fofoca, da família e do socialmente compartilhado. A validade de qualquer coisa neste campo depende do acordo mútuo proporcionado pela intersubjetividade

envolvendo

intenções

e

reconhecimento

geral

das

obrigações. É o espaço do chamado Mundo da Vida, do vívido cotidiano. As duas racionalidades – a ação instrumental e a ação comunicativa –, em

interação,

vão

desenhando

a

realidade

das

relações

sociais

contemporâneas. No entanto, há algo cuja racionalidade normalmente foge do Sistema e do Mundo da Vida. Isso, para os críticos de Habermas, é o campo da Arte e suas regras próprias. Essa racionalidade artística é o ponto-chave do 1º ponto do dispositivo, utilizando uma lógica bem próxima daquela atribuída à palavra estética desde a Escola de Wolf e consolidada por Hegel. Com isso, ao destrinchar o conceito de dispositivo, ampliando-o, nos deparamos com a seguinte situação onde, dividindo o dispositivo em longos três ramos, vemos que cada ponto-chave de sua definição se relaciona com uma

racionalidade

e

seu

campo

de

ação:

Câmera-projetor-tela/Arte-

Estética/Outras obras de arte; Interação psíquica/Mundo da Vida/Cultura e Cotidiano; e Indústria Cultural/Sistema/Política e Economia. Dessa forma, o conceito de dispositivo mimetiza a própria sociedade em si, mostrando a relação intrínseca entre as três racionalidades. Tal como as

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três partes de um nó borromeano, Sistema, Mundo da Vida e Estética estão inter-relacionadas e cada um desses elos sustenta os demais. Sem um deles, não há nada, não há mais o nó, não há mais a sociedade. Assim, qualquer desenho animado acaba priorizando um desses três campos para tentar se fixar enquanto prática midiática relevante no todo social. Ora, sabemos que ele se fixa através do mecanismo linguístico que denominamos fórmula (syuzhet) do desenho animado. Syuzhet define, normalmente, aquilo que chamamos de trama (plot), ou seja, o arranjo narrativo, o movimento sintagmático da apresentação e da história a ser contada. Isso faz Bordwell (1997, p. 50) chamá-la de arquitetônica da narrativa. No entanto, a tradução “trama” para syuzhet reduz muito a capacidade metalinguística do termo. O syuzhet não é apenas uma trama qualquer, ou mesmo, uma trama única de um dado filme ou produto audiovisual. Ele, principalmente se pensarmos em produções seriadas ou em práticas com amplo campo intertextual (ambas presentes no desenho animado), ganha o status de receita. Tal como uma receita de bolo, o syuzhet precisa de uma ordem definida de componentes que, em si, podem ser trocados por outros similares. É como em uma receita de bolo. Não podemos colocar o fermento depois que a massa foi ao forno, mas podemos trocar o chocolate por laranja para mudar seu sabor. É através dessa receita, a fórmula, que o desenho animado age no dispositivo, priorizando um campo de ação, uma racionalidade. Entramos assim no campo da Crítica. Assim, identificar a eterna relação entre fórmula e dispositivo nos desenhos animados é um dos passos cruciais da Crítica. É ir às profundezas da escritura dessa linguagem. Tomando como base o par de oposição entre ideia (a ideia de um desenho animado por um realizador; chamaremos ela de A) e inscrição (a realização do desenho animado; chamaremos ela de B), não podemos achar que a linguagem do desenho animado é o resultado da progressão de A para B, ou seja, A-B. Antes desse A, tal como a Desconstrução por Jacques Derrida teoriza,

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há a escritura, um B’ que transforma a relação de linguagem em B’-A-B, onde há primazia do B’, mas não uma indissociação dele ao B. Dessa forma, não devemos

ver

apenas

a

escritura

como

articulação,

mas

como

suplementariedade. Sendo a suplementariedade um processo indefinido, a escritura é, dessa forma, o “suplemento por excelência, pois ela marca o ponto onde o suplemento se dá como suplemento de suplemento, signo de signo, tendo o lugar de uma fala já significante: ela desloca o lugar próprio da frase, a vez única da frase pronunciada hic et nunc por um sujeito insubstituível, e retrorretira o nervo da voz. Ela marca o lugar da reduplicação inicial” (DERRIDA, 2008, p. 343). Reduplicação também do parergon de cada prática de linguagem (DERRIDA, 1987), onde o meta-syuzhet é um de seus componentes. Assim, a ação da fórmula na Estética (fórmula estética), Mundo da Vida (fórmula mundana) e Sistema (fórmula sistêmica) nunca é original e nunca está apenas no campo da inscrição, mas sim um processo de escritura que, apesar dos seus ares inéditos, demonstra uma necessidade posta por pelo menos uma das três racionalidades. Tendo isso em vista, é necessário voltar nossos olhos para o objeto de estudo em questão do presente trabalho, ou seja, as adaptações audiovisuais feitas do Capitão América em sua primeira inserção nessas práticas midiáticas.

3 Materiais e Métodos É sabido que histórias em quadrinhos e as práticas midiáticas audiovisuais possuem uma relação transmidiática desde o início do século XX. No entanto, nem sempre isso representou um sucesso igual de uma personagem nos dois meios. Até os anos 1940, Gato Félix (originado nos desenhos animados) e Popeye (originado nos quadrinhos) foram os que conseguiram melhor sucesso no campo. Os demais não gozaram de boa sorte e não tinham prestígio igual nas duas práticas midiáticas. Isso levava, inclusive, a fazê-los circular em meios

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diegéticos diferentes, não tendo uma relação completa entre quadrinhos e desenhos animados. No entanto, surgiria nos quadrinhos o tipo de personagem ideal para o desenho animado: o superherói. A primeira dessas personagens a reunir os seus três existenciais básicos – a saber: identidade secreta, poderes superhumanos (ou características além-humanas, tal como um incansável combate ao crime) e um costume (uma fantasia colorida que o identifica – foi o Superman, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster em 1938 na Action Comics nº 1. Curiosamente, o Superman também foi o primeiro superherói a se tornar desenho animado cinematográfico. Em 1941 e 1942, o Fleischer Studios, na figura de Dave Fleischer aceitou a empreitada. No entanto, pouco antes disso, os superheróis viraram temática do cinema live action através dos film serials, série cinematográfica, normalmente composta entre 12 a 15 curtas entre 20 e 30 minutos, baseada no modelo vigente de rádionovela. A Republic, estúdio famoso pelos film serials do Dick Tracy, impossibilitada de lançar um serial do Superman, por causa do acordo da DC (então National) com a Fleischer Studios, lança Mysterious Doctor Satan em 1940. No ano seguinte, conseguindo licenciar o Captain Marvel lança o seu mais famoso film serial intitulado com o nome do superherói. Em 1944, lança o serial do Capitão América, considerado o último do gênero nos serials. Para o final dos anos 1940 e para a totalidade dos anos 1950, o cinema, seja de animação seja live action, não parecia o campo ideal para essas personagens. Foi então que a televisão se mostrou enquanto locus ideal, concentrando-se no ano-chave de 1966. O mundo dos quadrinhos já era outro. Não havia mais a famosa Golden Age (1938 até primeira metade dos anos 1950) e o público se diversificava através das revistas da chamada Silver Age (segunda metade dos anos 1950 até começo dos anos 1970) com quadrinhos mais dinâmicos, superheróis mais próximos e uma narrativa que combinava o cíclico com o não-linear. Enquanto na Golden Age, a DC Comics, publisher do Superman, vivia

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em estado de “monopólio”, na Silver Age – “iniciada” por ela através do redesenho do Flash e a introdução da Terra Dois, permitindo a coexistência dos “velhos” e novos superheróis – enfrenta concorrência da Marvel Comics. As duas casas editoriais levavam tão a sério que, em patentes que valem até os dias atuais, registraram a palavra super hero e superhero enquanto marca. Assim, voltando a 1966, não foi à toa que as duas lançaram no mesmo momento as suas séries animadas de televisão. A DC, contratando a recémcriada Filmation, lançou o primeiro episódio do novo Superman animado em 10 de setembro de 1966. O programa, chamado The New Adventures of Superman, durava 30 minutos, com dois segmentos do Superman sendo divididos por um segmento da The Adventures of Superboy. Era transmitido pela CBS nos EUA. Apenas nove dias antes, passando em syndication nacional multirrede (sem horário fixo), a Marvel, com a Grantray-Lawrence Animation, lançou em 1º de setembro, o The Marvel Super Heroes. Ao invés de ser um único programa, tal como o do Superman, ele seguia um esquema diário particular. Assim, o programa de meia hora (três segmentos de sete minutos mais intervalo comercial) apresentava o Capitão América às segundas, o Incrível Hulk às terças, o Homem de Ferro às quartas, Thor às quintas e Príncipe Namor às sextas. Permanecendo no ar com programas inéditos por três meses, o programa utilizava uma interessante ideia: usando animação limitada, os desenhos animados televisivos eram apenas adaptações xerocadas dos quadrinhos da Marvel. A fórmula sistêmica aqui é simples. Sendo as mesmas histórias, o fã da Marvel poderia seguir o seu superherói na mesma diegese, seja nas revistas, seja na TV. Sendo essas duas práticas midiáticas consideradas meios frios segundo Marshall McLuhan – contando, assim, com muito do trabalho do público para completar suas histórias – o trabalho do fã seria o mesmo, podendo intercambiar o consumo; ora lia a revista, ora via o desenho animado. Tendo isso em vista no presente artigo e se focando na personagem do Capitão América, serão analisadas duas produções: a primeira adaptação do

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Capitão América para o cinema, o film serial da Republic em 1944, e a primeira adaptação para a televisão, o segmento de segunda-feira do desenho animado The Marvel Super Heroes em 1966. Com isso, operaremos na tripla interseção entre história em quadrinhos, cinema e desenho animado. Antes de prosseguir para a análise, vale a pena falarmos um pouco mais acerca da personagem do Capitão América. Criado por Joe Simon e Jack Kirby para o lançamento em março de 1941 da revista Captain America Comics #1, da Timely Comics, predecessora da Marvel, o Capitão América era um herói enraizado, em sua diegese, na Segunda Guerra Mundial. Seu alter-ego, Steve Rogers, era um rapaz normal de New York que tinha sido rejeitado pelo exército norte-americano, recém-entrado na guerra, por causa de sua má condição física. Assim, ele foi aceito em um experimento para tomar o Soro do Super Soldado, combinado com os Vita-Rays, que transformou aquele rapaz normal no máximo da potencialidade humana. Depois, seu escudo original, que era apenas à prova de balas, se transforma em um disco de alta tecnologia. Um dos fatos curiosos é que o arqui-inimigo do Capitão América, o Red Skull, era um representante legítimo dos nazistas. Tal situação faz que a personagem, no fim da Segunda Guerra Mundial, tenha seus comics reduzidos e sendo estrelados por cópias fajutas do Capitão América lutando contra o comunismo já que Steve Rogers estava congelado nas águas do Atlântico Norte. No mundo das revistinhas, de 1954 a 1964, o Capitão América viveu um hiato, sem aparecer significativamente. Com o surgimento dos Vingadores, já sob o registro da briga Marvel-DC e da Silver Age, a personagem é reintroduzida ao contar a história de como Steve Rogers foi encontrado e reavivado pelo novo supertime. Nos quadrinhos da Silver Age, encontramos um Steve Rogers reclamão e inseguro acerca de seu papel na nova ordem diegética. Por causa de sua eterna busca de reconhecimento, especialmente de Nick Fury e da S.H.I.E.L.D, e sua vergonha de viver às custas de Tony Stark (Homem de Ferro), as

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histórias em quadrinhos dos Vingadores, especialmente dos Novos Vingadores composto por Mercúrio, Feiticeira Escarlate e Gavião Arqueiro, apresenta um motif básico: Capitão América, deprimido, cai em alguma armadilha que o ilusiona na busca de reconhecimento e precisa da ajuda dos três vingadores jovens para sair do perigo. Assim, enquanto o film serial da Republic tem o registro do Capitão América da Golden Age, os desenhos animados do The Marvel Super Heroes estão com essa nova faceta de Steve Rogers enquanto membro de um supertime, mas sempre buscando o seu lugar na diegese dos superheróis da Marvel.

4 Análise O film serial pode ser facilmente considerado enquanto pai das atuais séries de televisão. Tal afirmação não é à toa, muito menos a coincidência de que as primeiras séries de televisão possuem uma ligação forte com personagens e gêneros usados pela Republic tal como a questão do crime (Dick Tracy) e do western (Lone Ranger), bem como o protagonismo do Zorro. Uma situação clara da narrativa – e da diegese – televisiva é sua estrutura tradicionalmente cíclica. Ora, a narrativa cíclica era uma característica da maioria dos curtas cinematográficos dos anos 1940, seja os de animação (Warner, MGM e Famous Studios), seja os film serials. Exemplo disso é Casper (Gasparzinho), carro-chefe da Famous. Ora, todo curta dele era uma espécie de reescrita do primeiro curta de 1945, o de estreia: Casper está triste porque vive entre fantasmas – Casper quer fazer amigos – Casper sai de casa – Casper não consegue amigos porque os assusta – Ele vira um pária social – Casper encontra outro “abandonado” – Casper fica amigo do abandonado, que não o rejeita – Casper ajuda o abandonado – Ajudando o abandonado Casper ajuda a sociedade – Todos terminam felizes. Isso também é possível de ser visto no Captain America (1944) da Republic. No entanto, curiosamente, os produtores e roteiristas resolveram não utilizar o arsenal cíclico que os comics proporcionavam. Aliás, o Capitão

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América da Republic é totalmente diferente do Capitão América dos quadrinhos da Marvel. Primeiramente, esse Capitão América não é o Super Soldado Steve Rogers que luta contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Ele é o promotor Grant Gardner que se veste de Capitão América enquanto justiceiro da justiça. Nada de Red Skull ou outro nazista, o vilão é um cientista que elimina seus parceiros e concorrentes sob o codinome The Scarab. Além disso, o sidekick Bucky vira a secretária Gail Richards e o escudo se torna um revólver. Analisando os 15 episódios, de 15 minutos cada exceto o primeiro que tinha 25 minutos, a estrutura se mantém internamente: apresentação (ou reapresentação do fim do episódio anterior) – mistério (com morte e/ou destruição) – investigação – luta – salvamento – mistério (cliffhanger). A importância do cliffhanger reside na necessidade de não dar um fim para história retratada e, principalmente, chamar o público para a próxima sessão de cinema do film serial. Ora, relacionando essa estrutura narrativa cíclica com a caracterização do Capitão América pela Republic, percebemos que não há nenhuma diferença entre Captain America e um serial do Dick Tracy, transformando o superherói em um detetive ou, no limite, em um justiceiro mascarado tal como o Zorro. Os motivos que levaram a Republic a aproveitar apenas o nome e a fantasia do Capitão América dos comics ainda são motivos de dúvida. No entanto, uma coisa é clara. Tanto para reduzir custos e manter roteiristas enquanto funcionários fixos (fórmula sistêmica) como para manter uma tradição de público (fórmula mundana), grande parte dos serials da Republic possuem essa interestruturalidade diegética (fórmula estética), fator determinante de sua escritura. Assim, a Republic, quando fez Captain America, queria que as pessoas assistissem a mais de seus serials, invocando o seu fandom, sem se importar com o fandom do comics. Esse não foi o caso do The Marvel Super Heroes. Os 13 episódios produzidos do Capitão América foram feitos utilizando

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as revistas Marvel enquanto storyboard ou, através das técnicas de xerox para acetato de animação elaboradas por Ub Iwerks, enquanto ilustração a ser animada no cartoon televisivo. As principais revistas da Marvel utilizadas para esse fim foram as Tales of Suspense e a The Avengers dos anos de 1965 e 1966. Com o uso da mesma diegese, bem como sua simultaneidade em produção, a Marvel podia fazer sua audiência alternar entre meios proporcionando a mesma interação. O público podia tanto comprar a revistinha na banca como ligar a televisão à noite que encontraria uma coerência em seu superherói. Só que isso causa um problema. Aproveitando tanta coisa do comics, o desenho animado da Marvel se torna, em sua fórmula estética, pobre. Diálogos com amplas explicações e a animação limitada indicavam uma versão pobre do estigma que da televisão enquanto “rádio ilustrado”. Assim, há apenas escritura do comics sendo (re)presentada. Enquanto o film serial equalizava o Capitão América dentro da sua fórmula tradicional, no desenho animado da televisão não havia nada nem de televisão nem de animação, apenas o traço e a diegese construída por artistas do comics tal como Jack Kirby, Don Heck e Stan Lee. Isso é tão patente que essa série pode ser até considerada antecessora direta da prática midiática híbrida do motion comics.

5 Considerações Finais Tal como mencionamos anteriormente, o jogo social da Estética não é uma calística, um jogo de belos, mas sim de percepções e sensações. A escritura é a chave que nos permite constatar tal situação. E nesse jogo, o importante são suas regras, tal como ressalta Lyotard (1984, p. 9-11), pois são jogos de linguagem que irão articular os saberes de uma sociedade. No caso da cena das práticas midiáticas e sua escritura, isso fica mais evidente, especialmente aquilo que Lyotard chama de agonismo da linguagem. Não só as regras dos múltiplos jogos de linguagem se colocam em seus locus,

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mas também competem pela legitimidade em sua mimesis de mundo, sua (re)presentação. Assim, quando a questão é a adaptação de uma prática em outra, não podemos acreditar em um consenso entre elas, mas sim em uma assimetria de traço. É isso que observamos nas duas adaptações estudadas do Capitão América. Enquanto uma mantém a escritura da produção-fim (film serial), a outra mantém a escritura da produção-origem (desenho animado). É prudente dizer, especialmente neste século XXI onde remakes e adaptações de personagens de quadrinhos lideram as grandes produções audiovisuais seja no campo do cinema como no campo da televisão, que não devemos esperar uma equalização de escrituras. O hibridismo pode ser apenas posto em questão pela adaptação, mas não em prática. Práticas midiáticas híbridas, cada vez mais comuns nestes tempos de convergência e transmídia, são um campo novo a se explorar e teorizar. Esse é o caso do motion comics, cada vez mais comuns e talvez devam se consolidar fora do campo dos quadrinhos e da animação para conquistar sua legitimidade. Essa é a beleza do jogo estético das práticas midiáticas, vivenciado por nós no amplo campo da Comunicação Social. É através dele que vemos as inúmeras operações simbólicas e recortes possíveis do mundo em nosso entorno. É vendo que há a possibilidades de múltiplas mise-em-scènes, via dispositivo, para o Capitão América que verificamos quanto nosso estar-nomundo é dependente da linguagem.

6 Referências AUMONT, J. O olho interminável. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. BAUDRY, J-L. “Le dispositif: approches métapsychologiques de l’impression de réalité”. Communications. nº 23. Paris, 1975. BORDWELL, D. Narration in the Fiction Film. London: Routledge, 1997. CAPTAIN AMERICA. Direção: Elmer Clifton e John English. Produção: William J O’Sullivan. Estados Unidos: Republic, 1944. 15 curtas (243 min no total), P&B. CAPTAIN AMERICA: THE FIRST AVENGER. Direção: Joe Johnston. Produção: Kelvin Feige. Estados Unidos: Marvel, 2011. Longa, cor.

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DERRIDA, J. The Truth in Painting. Chicago: University of Chicago Press, 1987. DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2008. HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Ed. 70, 2001. LEE, S., KIRBY, J. & HECK, D. The Avengers nºs 11-20 (Biblioteca Histórica Marvel: Os Vingadores – volume 2). São Paulo: Panini Comics, 2009. LYOTARD, J-L. The Post-Modern Condition. Minneapolis: UMP, 1984. THE MARVEL SUPER HEROES. Direção: Grant Simmons e Doug Wildey. Desenho animado de TV. Estados Unidos: Grantray-Lawrence, 1966. 65 episódios de 13-20 min., cor.

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