CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS DA PRECIPITAÇÃO, AEROSSOL E ÁGUA DE NASCENTES NOS AÇORES

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CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS DA PRECIPITAÇÃO, AEROSSOL E ÁGUA DE NASCENTES NOS AÇORES ANTÓNIO FÉLIX FLORES RODRIGUES* & MARIA ADELAIDE LOBO* Rodrigues, A. Félix & Lobo, M. Adelaide. Physical and chemical characteristics of the precipitation, aerosol and spring waters on the Azores– Arquipélago. Agrarian Science and Environment: 2:pp37-43 Angra do Heroísmo. 2004. The aim of this work is to analyze the relationships between ionic concentrations of Azorean rainwater and identify oceanic and continental influences. On the other hand, differences on rainwater are compared with the aerosol composition with oceanic and continental influence in order to understanding atmospheric contributes. The relative concentrations of sodium (Na+) and chloride (Cl-), in Corvo groundwater, Terceira rainwater and Terceira aerosol can be used to determine the oceanic influence. Dust carried on winds from North Africa seems to supplies calcium and sodium to Azorean rainwater. A high ratio Ca2+/Na+, on Azorean rainwater seems to be related with Saharan dust or a continental influence.

Key words: Precipitation, composition, islands, factors. Rodrigues, A. Félix & Lobo, M. Adelaide . Características físico-químicas da precipitação, do aerossol e água de nascentes nos Açores.– Arquipélago. Ciências Agrárias e do Ambiente: 2:pp 37-43 Angra do Heroísmo. 2004 Pretende-se com este trabalho determinar, a partir das relações observadas entre as várias espécies iónicas da água da chuva dos Açores, influências oceânicas e continentais. Os comportamentos observados na água da chuva foram comparados com os comportamentos das mesmas espécies no aerossol, com origens marinha e continental, de modo a identificar alguns contributos atmosféricos. A relação sodio(Na+)/cloro (Cl-), observada na água das nascentes do Corvo, na precipitação da Terceira e no aerossol da Terceira, pode ser usada para determinar a influência da fonte marinha. O transporte atmosférico de poeiras do Norte de África parece contribuir para um aumento da concentração da água da chuva e do aerossol em cálcio e sódio. Rácios Ca2+/Na+, elevados na água da chuva açoriana parecem associados a poeiras do Saara ou então a origens continentais.

Palavras chave: Precipitação, composição, ilhas, factores. António Félix F. Rodrigues e Maria Adelaide Lobo, Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, 9702 Angra do Heroísmo, Açores, Portugal.. email’s : [email protected] e [email protected] .

INTRODUÇÃO Os processos de incorporação de sais marinhos e terrestres pela água da chuva, poderão ter

especial importância nos ambientes insulares, como é o caso da Região Açores, dado que as relações existentes entre eles, podem constituir

bons traçadores de processos como a recarga ou a contaminação de aquíferos.

SINAIS OCEÂNICOS CHUVA

À medida que o vapor de água na atmosfera se movimenta e condensa formando a chuva, esta poderá adquirir ou perder vários tipos de iões, característicos do ambiente que precorre.

A reposição contínua de vapor de água na atmosfera, pela evaporação das águas do Atlântico, é sem dúvida a maior ligação entre a precipitação açoriana e o ambiente marinho. No entanto, só na ausência de transporte de aerossol e gases antropogénicos de origem continental, pelas massas de ar que atravessam o Atlântico, é que as partículas e gases constituintes dessa atmosfera, têm origem predominantemente marinha (RODRIGUES, 2001). Só através da conjunção destes dois factores se poderá esperar características exclusivamente marinhas na precipitação dos Açores.

Em qualquer ambiente onde a humidade relativa ultrapasse o nível de saturação, por arrefecimento adiabático, a formação de gotas de chuva resulta da condensação de vapor de água na superfície de partículas de aerossol em suspensão (WARNECK, 1988). O aerossol atmosférico higroscópico, além de contribuir para a supersaturação do vapor de água num dado local, poderá funcionar como núcleo de condensação de núvens. Esse aerossol contendo sais inorgânicos solúveis faz com que a precipitação nesse local tenha características específicas (WARNECK, 1988). Durante a formação de núvens, os hidrometeoros adquirem elementos químicos associados ao processo de remoção atmosférica, quer no interior das núvens quer na coluna de ar abaixo destas (SLINN, 1974). Em ambientes insulares e costeiros continentais pouco poluídos, a composição química da água da chuva corresponde a uma solução diluída da água do mar, cujas proporções entre os sais são idênticas (RODRIGUES, 2001). Nos ambientes continentais, à medida que avançamos da costa para o interior, os teores em sódio e cloretos na chuva, diminuiem drasticamente, enquanto que os teores em elementos litólicos aumentam (ASWATHANARAYANA, 2001). Nos ambientes insulares açorianos essa deplecção dos sais marinhos verifica-se em altitude (RODRIGUES, et al., 1999), com fraco teor em elementos litólicos da costa para o interior das ilhas (RODRIGUES, et al., 2002).

NA

ÁGUA

DA

Uma das muitas formas de observar a influência marinha na precipitação, é verificar o seu enriquecimento ou empobrecimento em alguns sais marinhos, constituintes característicos da água do mar. Como na água do mar, a razão [Cl-]/[Na+] é constante (WARNECK, 1988), um excesso de cloretos na precipitação dos Açores está inequivocamente relacionada com poluição. No caso de um empobrecimento nesta mesma espécie química, o efeito da poluição não é tão facilmente perceptível. Considerando o caso da ilha Terceira, pode observar-se no gráfico da figura 1, construído a partir dos dados de aerossol PM10 e composição da água da chuva obtido nesta ilha por RODRIGUES, (2001) e RODRIGUES, et al. (2002), respectivamente, que a composição da precipitação dessa ilha se apresenta geralmente deficitária em cloretos em relação ao ratio expectável para a água do mar , enquanto que o aerossol atmosférico, tem uma relação [Cl-] /[Na+] mais próxima da expectável para essa fonte. Nem num, nem noutro caso, os défices de cloretos são muito acentuados.

25 20 15



10 5 0 0

5

10

15

[ N a + ] ( mg / l ) o u ( µ g / m 3 ) Água da chuva

Água do mar

Aerossol PM 10

Figura 1- Relação [Cl-]/[Na+] observada na água da chuva e no aerossol PM10 da ilha Terceira. Figure 1 –Observed [Cl-]/[Na+] relation in the precipitation and PM10 aerosol of Terceira Island.

A deposição de “spray” marinho à superfície das ilhas açorianas, deverá ter um comportamento muito próximo da deposição superficial de cloretos pela água da chuva. O trabalho de RODRIGUES, et al. (1999) aponta para uma distribuição desse ião dependente da intensidade dos fenómenos meteorológicos, da distância mínima ao mar, da altitude, da direcção do vento e da orografia da superfície insular. A modelação da influência de tais variáveis permitiu obter a distribuição espacial de cloretos associada à precipitação na ilha Terceira que se observa na figura 2. O padrão de distribuição espacial de cloretos, ou a existência de uma dependência clara da concentração de sais marinhos na precipitação

Figura 2 – Distribuição superficial de cloretos na precipitação da Ilha Terceira (Adaptada de Rodrigues et al., 1999). Figure 2 – Superficial distribution of chloride contents of Terceira Island precipitation (Adapted from RODRIGUES et al., 1999).

com a altitude, ou com a distância ao mar, pode revelar-se uma ferramenta importante na identificação de zonas de recarga de nascentes nos Açores. O fraco tempo de residência da água no solo ou nalguns aquíferos (RODRIGUES, 2002), faz com que a variabilidade mensal de cloretos na água das nascentes, possa ser acentuada, pondo em causa a aplicação destes pressupostos.

Algumas nascentes da ilha do Corvo, sofrem incrementos significativos de caudal, após eventos de precipitação, ou por outro lado, ausência de água após períodos relativamente curtos sem chuva, revelando assim o seu caracter superficial. Esse caracter superficial também é observado pela coincidência do racio mássico cloreto/sódio das águas dessas nascentes com o ratio das mesmas espécies na água do mar.

Na ilha do Corvo, a mais pequena do Arquipélago dos Açores, observam-se diferenças significativas na relação [Cl-/Na+] de águas de consumo e águas de nascentes LOBO et al., (2002). Observa-se na figura 3 que as nascentes dessa ilha apresentam uma relação [Cl-]/[Na+] muito próxima da expectável para a água do mar, indiciando a ausência de fluídos hidrotermais e pouca influência do solo, nos teores observáveis de sódio ou na remoção de cloretos.

Crê-se que o défice de cloretos, ou por outro lado, o excesso de cloretos observados na água de consumo do Corvo, em relação ao expectável para a água do mar, se deve ao tratamento da água com hipoclorito de sódio, que ora contribui para o aparecimento de cloretos em excesso, muito dependente da reacção do hipoclorito de sódio com a matéria orgânica em suspensão, ou então originando um défice de cloretos que não está exclusivamente associado a volatilização.

180 160 Água do m ar

140

[Cl-] (mg/l)

120 100

Nascentes

80 60 40 20 0 0

20

40

60

80

100

+

[Na ] (m g/l)

Figura 3 – Relação cloretos-ião sódio nas águas captadas para consumo na ilha do Corvo (1986-2002). Figure 3 – Chloride-sodium relationship in water captation and human consume on Corvo Island (1986-2002).

Na tabela seguinte (tabela 1), apresenta-se a concentração usual, em cloretos, sódio, cálcio e sulfatos observada nas águas de nascentes de regiões remotas para diferentes tipos de substrato rochoso, incluindo os dados do Corvo aqui referidos e da precipitação da Terceira.

existência de uma tendência para chuvas básicas, ricas em cálcio, associadas a poeiras do Saara. Nos Açores, o transporte de poeiras do Saara, ocorre com alguma frequência, associado a fenómenos meteorológicos específicos especialmente no fim do Inverno e início da Primavera (RODRIGUES, 2001).

Tabela I - Concentração de alguns iões com possível origem marinha, associada à água de diferentes substratos, às águas das nascentes do Corvo e à precipitação da ilha Terceira, em mg/l. Table I – Levels of some ionic species with possible marine origin in different subtracts, spring of Corvo Island and precipitation of Terceira Island (mg/l). Tipo de substracto Granítico Vulcânico Rochas carbonatadas Corvo Precipitação da Terceira

[Na+] 88 80 34 40 4

[Cl-] 0 0 0 57 6

Como se pode verificar a partir dos dados dessa tabela, a proporção cloro/sódio observada na água da chuva na Terceira é praticamente idêntica à proporção das mesmas espécies, observada na água das nascentes e reservatório do Corvo. Esse comportamento acentua o facto, da água da chuva nos Açores e de algumas nascentes associadas a aquíferos superficiais, poder ser encarada como uma solução diluída de água do mar. SINAIS DE CONTINENTALIDADE NA ÁGUA DA CHUVA DOS AÇORES Se a água da chuva de ambientes marinhos, não é mais do que uma solução diluída de água do mar, no interior dos continentes, esta encontra-se enriquecida em elementos de origem terrestre. No interior da Índia, a precipitação apresenta elevadas concentrações da cálcio, provavelmente derivadas da calcite presente nas poeiras de solo em suspensão (ASWATHANARAYANA, 2001). No nordeste de Espanha, AVILA&PENUELAS, (1999) observaram a

[Ca2+] 39 60 2560 7 0,5

[SO42-] 31 56 85

Autor ASWATHANARAYANA, (2001) ASWATHANARAYANA, (2001) ASWATHANARAYANA, (2001)

8

LOBO et al., 2002

2

RODRIGUES et al., 2002

Os dados de aerossol PM10 de RODRIGUES, (2001), colhido na ilha Terceira, revelam um enriquecimento em cálcio das partículas em suspensão na atmosfera, em relação ao expectável para uma atmosfera marinha. O mesmo se passa com os dados de precipitação de RODRIGUES et al. (2002) para o mesmo período, também obtidos na ilha Terceira (ver figura 4). Durante as colheitas de amostras dos estudos anteriormente referidos, foram identificados dois transportes atmosféricos de poeiras originárias do Saara e que atingiram os Açores. Tanto no aerossol como na água da chuva observaram-se enriquecimentos em cálcio, em relação à água do mar, onde o factor de enriquecimento em relação à água do mar oscilou: no primeiro caso entre 9 e 16, e no segundo caso, entre 3 e 7. A existência de poeiras de solo local em suspensão na atmosfera dos Açores, é pouco comum. A existirem, aparecem nos períodos em que o solo está nu, para a rotação de culturas ou renovação da pastagem, e nunca corresponde a

grandes áreas da ilha, devido à divisão das parcelas agrícolas em cerrados, usualmente de diferentes proprietários. No trabalho de RODRIGUES, (2001), verifica-se que a contribuição das poeiras da ilha Terceira para o total de poeiras em suspensão observadas em Santa Bárbara junto à costa, também na ilha Terceira, é praticamente inexistente. Assim, o excesso de cálcio da precipitação e do aerossol da Terceira, em relação à água do mar, resulta essencialmente de fontes não marinhas, muito provavelmente associadas a uma origem continental.

CONCLUSÕES A precipitação dos Açores apresenta não só características vincadas de ambientes marinhos como também algumas características de ambientes continentais. As relações dos sais marinhos e de elementos litólicos na água da chuva e das nascentes, poderão, quando devidamente exploradas, fornecer dados importantes sobre as nascentes ou as suas zonas de recarga. Nalguns casos, os elementos presentes na

1,800

1,600

[Ca2+] (mg/l) ou µ g/m 3

1,400

1,200

1,000

P o e ira s do S a a ra 0,800

0,600

0,400

0,200

0,000 0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

[Na ] (m g/l) ou µ g/m +

Á gua da Chuva

25,00

30,00

3

A ero sso l

Figura 4 - Relação [Ca2+]/[Na+] observada na precipitação e no aerossol da ilha Terceira. Figure 4 – Ratio [Ca2+]/[Na+] on precipitation and aerosol of terceira Island.

Os teores de cálcio observados nas águas das nascentes do Corvo, à semelhança do observado no aerossol e água da chuva da Terceira, parecem resultar também eles de uma contribuição atmosférica associada ao transporte de longas distâncias (LOBO et al., 2002).

água da chuva dos Açores poderão ser utilizados como traçadores de processos físicoquímicos, fundamentais para uma gestão integrada da água.

BIBLIOGRAFIA ASWATHANARAYANA, V 2001. Water resources management and the environment. Swets & Zeitlinger Publishers. Netherlands. AVILA, A. & PENUELAS, J. 1999. Increasing frequency of Saharan rains over northeastern Spain and its ecological consequences. Science of the Total Environment. 228 (2-3): 153-156. LOBO, M.A., RODRIGUES, A. F. & RODRIGUES, F.C. 2002. Vulnerabilidad de los Acuiferos de una Isla Volcánica de Reducida Dimención: El Ejemplo de la Isla del Corvo en las Azores. Proceedings del III Congreso Ibérico sobre Gestión y Planificatión del Agua. DEL MORAL, L. (Editor): pp10. Sevilha. España. RODRIGUES, A.F.. 2001. Aerossóis atmosféricos com efeitos no clima: Níveis e processos de transformação no centro do Atlântico Norte (Região Açores). Tese de Doutoramento. Departamento de Ciências Agrárias. Universidade dos Açores. Angra do Heroísmo. RODRIGUES, F.C. 2002. Estudo Hidrogeológico da Ilha Terceira (Açores). Tese de Doutoramento. Departamento de Ciências Agrárias. Universidade dos Açores. Angra do Heroísmo. RODRIGUES, F.C., RODRIGUES, A.F. & AZEVEDO, E.M.V.B. 1999. Distribution of Chlorid Contents in Precipitation Over a Small Oceanic Island. Abstracts of the Congress on Soil Conservation on Volcanic Island. European Society for Soil Conservation. 30 de Setembro a 6 de Novembro, Angra do Heroísmo, Açores. Portugal. RODRIGUES, A.F., LOBO, M.A. & REGO, S. 2002. Acidez da Precipitação da Ilha Terceira – Açores: Possíveis Efeitos na Cryptomeria Japonica da Ilha. 6º Congresso da água. A água

é d’ouro – Ameaças, Segurança e Soluções. 18 a 22 de Março de 2002. Porto. Portugal. 10pp. SLINN, W.G.N..1974. Proposed terminology for precipitation scavenging. In “Precipitation Scavenging”. SEMONIN, R.G. & BEADLE,R.W. (Editors). ERDA Symposium. 813-818. Springfield. USA. WARNECK, P.. 1988. Chemistry of the Natural Atmosphere. International Geophysical Series. Vol 41. Academic Press. San Diego.

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