CARICATURA, HENFIL, VANGUARDA E A ARTE ENGAJADA

September 28, 2017 | Autor: Fabio Malikoski | Categoria: Historia del Arte, História da arte, Arte engajada
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO LATINO–AMERICANA–UNILA MESTRADO – INTEGRAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA AMÉRICA LATINA – ICAL ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: MESTRADO EM INTEGRAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA AMÉRICA LATINA – ICAL

FABIO RODRIGO MALIKOSKI DE SOUZA

CARICATURA, HENFIL, VANGUARDA E A ARTE ENGAJADA

Ensaio teórico apresentado à Profa. Dra. Clara Agustina Suárez Cruz, para avaliação na disciplina: Culturas e Sociedades na America Latina. Universidade Federal da Integração Latino–Americana – UNILA, junto ao Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da America latina (PPG-ICAL)–Stricto Sensu, nível de Mestrado – área de concentração em Integração Latino-Americana.

Linha de Pesquisa: Integração, Cultura e Sociedade.

Foz do Iguaçu – PR 2014 1

CARICATURA, HENFIL, VANGUARDA E A ARTE ENGAJADA “Pois o crítico deve tentar compreender plenamente, tornar-se responsável pelos passados nao ditos, não representados, que habitam o presente histórico.”

Homi Bhabha

Durante a história recente da America Latina e do Brasil, muitos artistas se destacaram na arte usando-a como suporte de discursos de resistência em questões sociais, como manifestação política partidária ou não, e em cenários totalmente variados. No mundo das artes e da literatura, podemos tomar muitas linguagens artísticas ou gêneros literários como exemplos da participação ativa na sociedade, desses pensadores que se expressam em linguagens não verbais, que sejam elas textuais ou pictóricas levam a reflexões profundas, de carga filosófica e políticas altamente complexas e algumas vezes acessíveis para todas as camadas da população, incluídos no debate político um estrato social ampliado, com em sua percepção da realidade, fossem para influenciar ou para instruir. Fazer análise de discurso não é uma tarefa para um ensaio, talvez para um artigo, ou dissertação. O que pode ser contemplado em poucas páginas é a relevância da arte no contexto social que discute as demandas das sociedades na America Latina e no Brasil, e que podem ser lidas e entendidas nos fenômenos plásticos que se tem em trabalhos de artistas que foram publicados nos periódicos e em galerias de arte por toda a América. Quero destacar no século XIX, aqui, na região platina os periódicos brasileiros e argentinos como El Mosquito, Don Quijote, Revista Ilustrada, O Besouro, e os Salões Caricaturais de Ângelo Agostini, por exemplo, são verdadeiros repositórios de pensadores, e que trazem ilustrações de conhecidos artistas acadêmicos (estilo ou escola corrente na Europa e que era reproduzido nas academias de belas artes por toda a América) que dedicam parte de seu tempo a crítica política e que trazem de forma bem divertida e ácida (em alguns casos) temas desconfortáveis aos senhores do poder nas assembléias e no senado, aos chefes de estado e ás oligarquias. No campo das artes plásticas é possível destacar outras linguagens pictóricas que levantam questões e bandeiras polícias e filosóficas e que são de interesse social, e que podem levar a uma reflexão do papel do artista na sociedade. Cito as 2

pinturas de cavalete ou parietal-mural, tem nomes de artistas fabulosos como David Álfaros Siqueiros, Diego Rivera, José Clemente Orozco no México, com trabalhos em vários países e discurso socialista de forte crítica aos estados nacionais que oprimem seu povo. Existe no século XIX e o inicio do século XX uma influência dos trabalhos de Karl Marx, Fiedrich Engels e Max Webber, que segundo (LARRAIN IBAÑEZ, 1996) causam um forte impacto nas vanguardas e nas utopias desses artistas na Europa e nas Américas. No Brasil temos vários artistas que podem exemplificar em seu pensamento vanguardista, a posição do artista como ser social e protagonista na construção de sociedade mais justa. (SILVA, R. 2014) apresenta a caricatura no século XIX como arte menor, segundo ela esta forma de arte, ligada ao cômico, ao humor satírico que revela em seus traços a fealdade, ou o lado menos belo, tirando o expectador do lugar comum, levando a um novo olhar e notando características antes não vistas. Ressalta ainda que nem toda a caricatura da imprensa ilustrada nessa época tem caráter revolucionário. Os salões ilustrados são espaços impressos que reúnem obras de caricaturas e ilustrações com forte caráter crítico. Esse gênero já eram publicados nos anos de 1840 em Paris, tendo seu auge nos anos de 1860. Em solo brasileiro temos o precursor ou pioneiro do tema a figura de Angelo Agostini que faz com maestria esse tipo de caricatura, e de maneira consciente ou não deixa um legado de vanguardismo nas artes visuais com cunho de crítica. (SILVA, R. 2009) A pesquisadora apresenta ainda Araujo de Porto Alegre, como nome de destaque na imprensa brasileira, a partir da década de 1880, com forte presença no imaginário artístico pré-modernista, e que tem em seus traços uma crítica forte a sociedade brasileira. Ainda no período pré-modernista, (Silva, L. F. P., 2012) nos apresenta a importância do periódico O Malho, que com suas caricaturas publicadas em no tempo que circulou (1902 a 1954), na cidade do Rio de Janeiro. Foi um periódico, que juntamente a outros de igual gênero e teor, representa neste período a evolução da “imprensa ilustrada” nas primeiras décadas do século XX. Esse periódico fica conhecido, e importante justamente por ter um forte caráter crítico, humorístico e satírico, com suas caricaturas políticas produzidas por nomes como Storni, Leônidas e Kalixto. Esses artistas fazem fortes críticas usando a figura de Rui Barbosa e da 3

Campanha civilista com vistas a posicionarem-se nos debates políticos travados naquele contexto. (Silva, L. F. P., 2012) Pesando que as vanguardas modernistas tem oposição estética e ideológica ao passado acadêmico, é fácil pensar no artista do fim de século sendo esquecido ou negado pelo movimento antropofágico das décadas de 1920 e 1930. Esses artistas buscam novas linguagens visuais e plásticas que ao seu modo de ver deveriam ser novas e criar um próprio diálogo entre a política e a arte. Podemos citar nas obras dos brasileiros Osvald de Andrade Tarsilla do Amaral a figura controvertida Monteiro Lobato, as pinturas de reflexão social de Candido Portinari que se inspiravam em muito no trabalho icônico do espanhol Pablo Picasso e que era forte e grandiloqüente discurso anti-fascista e de com apelo comunista tendendo as ideias de Marx e Engels. (MONTALDO, 1994),(GIUNTA, 2011). Neste início do século XX com um cenário político complexo, onde sociedades e repúblicas Latino Americanas estavam se construindo e se consolidando

como

estados

democráticos

após

apenas

um

século

de

independência, surgem movimentos sociais das mais diversas orientações. Grupos de militância político-artístico tanto na Argentina como no Brasil se organizam, como o Martín Fierro e os antropofagistas e mesmo os Tropicalistas na segunda metade do século XX. Na segunda metade do século XX temos um momento político que marcou a memória de gerações de artistas, e tornou esse fato divisor de água na produção intelectual brasileira. O golpe militar de 1964 abriu uma ferida no já tão oprimido e esfacelado tecido social, um golpe não apenas de tomada de poder de forma anti revolucionária, este golpe fez com que a evolução social, intelectual e artística tivesse uma verdadeira “idade das trevas”. Um apagão forçado com censuras e proibições de obras e artistas em todas as áreas e todo tipo de suporte, o que exigia da classe artista uma coragem e inteligência que pudesse usar de subterfúgios para levar suas mensagens de forma velada com textos nas entrelinhas, e usando de ambigüidades pueris que fossem interpretadas pela sociedade e atingisse seus objetivos de crítica e até subversão política como forma de resistência. Um guerrilheiro do cartum, assim Miguel Paiva definiu Henfil. É impossível ver a obra de Henfil e não abordar sua vertente política, sendo ele de uma geração que fica fortemente marcada pelo regime militar que faz o golpte de 1964 ser um vácuo 4

na vida e na história da democracia do país. (Malta, 2008). Segundo Malta, ainda determina uma interrupção nas discussões sociais, culturais e filosóficas que se construíam no Brasil. No contexto jornalístico da época que tinha dificuldade em seus editoriais de levar informações reais sobre a situação política brasileira, uma vez que em muitos casos agentes censores do governo, com suas fardas e armas faziam plantão nas redações, e liam as laudas antes dessas serem aprovadas pelos editores. Raras as vezes que um jornalista conseguia “furar” as barreiras impostas, e levar um por mais leve que fosse alento ao senso crítico do cidadão comum. A pessoa de Henrique de Souza Filho, o Henfil, tem grande relevância, pois em seus traços caricatos de simplicidade inenarrável, onde uma meia dúzia de riscos que segundo ele mesmo eram quase caligráficos, e que tinham preocupações menores dos que as de seu argumento crítico e incisivo. (Malta, 2008). Mesmo recebendo ameaças por telefone de grupos anônimos de caça aos comunistas, Henfil não desistiu de seu trabalho dentro do novo e heróico jornal que no ano de 1969 surge no Brasil, o jornal Pasquim. Essa publicação que é em seu tempo considerada “alternativa” foi de extrema importância para a continuidade da expressão de uma voz questionadora ao regime e seus desmandos e barbáries contra a liberdade coletiva. Em 1970 os colaboradores do jornal ou estavam presos ou impedidos de denunciar essa perseguição, pois claramente era censurada nessa tentativa. Então Henfil em outro importante escritor do periódico Millôr Fernandes, deram continuidade aos trabalhos do jornal imitando os estilos dos desenhos de seus colegas presos. Além de ter um apoio de voluntários que colaboraram com as edições, dentre eles o artista, compositor e escritor Chico Buarque. Com um ar infantil e insinuando uma ingenuidade de criança os desenhos críticos de Henfil eram impressos sem muita oposição do agente censor, e passavam pela peneira do regime, conforme afirma Luís Fernando Veríssimo. O traço caligráfico de Henfil se prestou ao trabalho de denúncias, criticas, as injustiças sociais, ao capitalismo, humanitário e dedicado a ajuda até financeira, ele era conhecido tanto em seu trabalho como artista, mas mesmo na vida particular como um homem solidário. (PIRES, 2008).

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Seus trabalhos em tiras ou quadrinhos eram povoados por personagens zoomorfizados ou antromorfizados, que conferiam um aspecto lúdico ao seu imaginário pictórico, e proporcionava um “ar mais leve” aos discursos fortemente combativos, fossem eles políticos, filosóficos, seja tratando dos temas dentro do universo futebolístico, clérico, ou da caatinga, pessoas comuns como operários, ou o “típico malandro carioca” ou mesmo quando os personagens fossem apenas mudos, sem expressão “oral”. Em seus textos todos os temas eram criticados, desde a inflação, a reforma agrária, abandono do nordeste frente ao desenvolvimentismo do “Sul Maravilha”, satirizava o machismo com suas personagens femininas que eram combativas, uma alusão as companheiras mulheres presas, (algumas de sua família inclusive), a educação burguesa, a concentração de renda, programas e propagandas do regime militar e ao desaparecimento de companheiros de luta política, o exílio de seu irmão o sociólogo Betinho de Souza por exemplo. Seu estilo teatral, onde os personagens por vezes interagiam com o leitor, era uma metalinguagem que foi marca de seu estilo. Sob a forte influência da obra do cineasta Glauber Rocha aborda o tema da caatinga e da reforma agrária. Usava técnicas de fotografia ao enquadrar os personagens em campos de aproximação, e planos vazios, o enquadramento dava uma carga dramática maior aos seus cenários. (MALTA, 2008). Toda sua obra (maior que 15 mil originais) não condiz com sua breve existência, morre muito jovem, aos 43 anos de idade, em 1988. Hemofílico, pois a doença era comum em sua família, como era obrigado a fazer transfusões de sangue, não somente ele, mas seus dois irmãos também contraem o vírus do HIV e morrem vitimados pela AIDS, comum naquela década o controle hospitalar falhou. Ironicamente ele criticava a qualidade dos serviços públicos no país, falando sobre isso um amigo seu diz sobre sua morte: “Henfil morreu de Brasil”. Um breve ensaio não dará conta de abordar a importância de artistas engajados em nossa América Latina. Tarefa que precisa de linguagem acadêmica, técnica e dedicação de tempo maior, e espaço que essas poucas linhas não favorecem. Tentei aqui ilustrar como tivemos em algumas décadas de America póscolonialismo, em nossa região artistas e pensadores conectados com nossas

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causas, nossos temas mais importantes, a justiça social, a liberdade de expressão e o direito a vida. Henfil foi a exemplo de outros artistas como Araujo de Porto Alegre, Ângelo Agostini, e Siqueiros, (respeitadas as proporcionalidades e genialidades no fazer de cada um a sua arte) um revolucionário, vanguardista em suas técnicas, e pensador do Brasil com uma sensibilidade que deixa claro o papel do artista na sociedade. Ser antes de tudo um ser social, pensante, e combativo, enfim, engajado no melhor sentido da palavra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JOSEF, Bella: “O lugar da América”. SENTIDOS DOS Lugares: trabalho apresentado no Congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada, ABRALIC 2005. GIUNTA, Andrea. Escribir las imágenes. Ensayos sobre arte argentino y latinoamericano. 1ª. Ed. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2011. MALTA, Marció. Henfil: o humor subversivo.-1ed.- São Paulo: Expressão Popular, 2008. MONTALDO, Graciela. Zonas ciegas. Populismos y experimentos culturales en Argentina. 1ª. Ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010. ___________.La sensibilidad amenazada. Fin de siglo y Modernismo. 1ª. Ed. Rosario: Beatriz Viterbo Editora, 1994. LARRAIN IBAÑEZ, Jorge.

Modernidad, razón e identidad en América Latina.

Santiago de Chile: Editorial Andrés Bello, 1996. PIRES, Maria da Conceição Francisca: Humor, Participação e Engajamento Político na Imprensa Alternativa. Publicação digital da UFRGS. 2008. Disponível em:. Acessado em 10 de Nov. de 2014. SILVA, Lívia Freitas Pinto: Rui Barbosa e a Campanha Civilista nas caricaturas da

revista

O

Malho.

Periódico

ANPUH.

2012.

Disponível

em:< 7

http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340747304_ARQUIVO _artigoanpuh11.pdf> acessado em 10 de out. de 2014. SILVA, Rosangela de Jesus: Crítica de arte na imprensa carioca do século xix: revista musical e de bellas artes-Um panorama crítico:III Encontro de História da Arte



IFCH

/

UNICAMP.

2007.

Disponível

em:acessado em 10 de out. de 2014. ______________________: A (DES)CONSTRUÇÃO Da América Latina: Imprensa Ilustrada Na Segunda Metade Do Século XIX (ARGENTINA E Brasil). Audição in loco, no 1° Colóquio Interdisciplinar da Universidade da Integração Latinoamericana -Unila. Foz do Iguaçu- 2014.

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