Carlos Olavo, um deputado nas trincheiras: reflexões sobre a Grande Guerra e a República

June 15, 2017 | Autor: João Paulo Nogueira | Categoria: Portuguese History, Republicanism, First World War
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Carlos Olavo, um deputado nas trincheiras: Reflexões sobre a Grande Guerra e a República  João Paulo Nogueira Encontrando-nos num período que tem abarcado, e abarcará, comemorações de várias efemérides centenárias – como a implantação da República, o início da Grande Guerra ou a participação portuguesa no teatro de guerra europeu –, penso que valerá a pena o exercício de uma análise ao Jornal d’um prisioneiro de guerra na Alemanha, obra escrita por Carlos Olavo durante o seu cativeiro na Alemanha, em 1918, e editada em 19191.

À esquerda: retrato de Carlos Olavo À direita: Frontispício da obra em análise

E quem é o seu autor? À data da sua escrita, Carlos Olavo era alferes miliciano com o n.º 155, integrado na 4.ª bataria do 2.º Grupo de Baterias de Artilharia, do Regimento de Obuses de Campanha, pertencente ao Corpo Expedicionário Português. Trata-se de um livro de memórias parciais durante o seu período de mobilização no CEP, pois os escritos elaborados antes de 9 de Abril de 1918 ficaram perdidos num refúgio aquando da sua captura pelas forças alemãs, conforme uma nota prévia do autor.



O presente estudo encontra-se publicado in Portugal, 1914-1916. Da Paz à Guerra. Actas do XXIII Colóquio de História Militar, Lisboa, Comissão Portuguesa de História Militar, 2015, pp. 595-611.  Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A frequentar o Mestrado em História Militar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 1 Carlos Olavo, Jornal d’um prisioneiro de guerra na Alemanha (1918), 2.ª edição, Lisboa, Guimarães & C.ª Editores, 1919.

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Um factor de interesse consiste na ocupação de Carlos Olavo no momento da sua mobilização, em 11 de Maio de 1917. De facto, aquando da sua mobilização, Carlos Olavo era deputado da República, sendo que a sua participação política iniciara com a eleição, pelo círculo do Funchal, para a Assembleia Constituinte, reunida em 1911.2

Informação biográfica de Carlos Olavo constante no CEP

Como suporte para este estudo, foi efectuada pesquisa em dois arquivos. No Arquivo Histórico Militar foi recolhida informação sobre o percurso militar de Carlos Olavo, dividida entre o processo individual e o processo do CEP. De referir que, em relação ao arquivo pessoal, se encontram arroladas duas caixas, sendo que à data a primeira caixa ainda se encontra extraviada, pelo que apenas se tem informação do período referente ao seu regresso a Portugal, em 1919. Em relação ao seu percurso político, recorreu-se à Biblioteca Nacional para pesquisa das sessões parlamentares em que Carlos Olavo tenha efectuado alguma intervenção referente ao tema em análise. De facto, em sessão de 15 de Maio de 1917, Carlos Olavo fez a seguinte comunicação à Câmara dos Deputados: Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. – Declaro a V. Exa. que nos termos do § 2.º do artigo 20.º da Constituição aceitei a minha nomeação para 2

Eduardo Rodrigues Cardoso de Lemos, As constituintes de 1911 e os seus deputados, Lisboa, Livraria Ferreira, 1911, p. 114.

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fazer parte, como subalterno, duma das batarias de obuses de campanha, integrados no corpo expedicionário português. Peço portanto a V. Exa. o favor de comunicar este facto à Câmara dos Deputados a que tenho a honra de pertencer, apresentando ao mesmo tempo a todos os meus colegas as minhas despedidas. – O Deputado, Carlos Olavo.3 Quero fazer notar o uso da expressão “aceitei a minha nomeação”, pois trata-se de um pormenor que causou alguma celeuma junto dos deputados e que remonta à entrada de Portugal no Estado de Guerra contra a Alemanha. Este atrito resultou da interpretação dada ao artigo invocado por Carlos Olavo, e outros deputados que foram mobilizados para o CEP, o que veio a reacender os antagonismos entre as facções republicanas representadas no Congresso. Esta situação veio pela primeira vez à discussão na sessão n.º 89, de 15 de Maio de 1916, quando o Sr. Deputado António de Almeida Garrett envia uma carta à Câmara dos Deputados a justificar a sua ausência com a mobilização, como alferes médico miliciano, no quartel de infantaria n.º 12, na Guarda.4 A leitura da sua justificação leva a uma troca de palavras entre o Sr. Deputado Brito Camacho e o Ministro das Finanças, Afonso Costa, em relação à disparidade de interpretação desse artigo 20.º da Constituição, com Brito Camacho a relevar a opção de escolha de mobilização por parte dos deputados, sendo que Afonso Costa alvitra a possibilidade de o Ministério da Guerra, liderado pelo General Norton de Matos, considerar todos os deputados militares mobilizáveis para o esforço de guerra.5 Este assunto é retomado na sessão de 19 de Maio, quatro dias depois, quando, aproveitando a presença do General Norton de Matos na Câmara, Carlos Olavo faz um pedido de interpelação urgente ao Ministro da Guerra para se debater esta mesma questão, dos deputados militares para efeitos de mobilização, ao que é aceite pelo General, a ser marcada em data posterior.6 Depois de se ter verificado durante as pesquisas que, até ao fim de 1916, tal interpelação não ocorreu, este assunto retornou à Câmara em 13 de Fevereiro de 1917, novamente pelo Sr. Deputado Brito Camacho, por uma situação análoga à anterior, chamando a atenção da

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Câmara dos Deputados, Diário da Câmara do Deputados, Lisboa, 1917, 15 de Maio, p. 10. Câmara dos Deputados, idem, 1916, 15 de Maio, p. 3. 5 Câmara dos Deputados, idem, 1917, 13 de Fevereiro, p. 5. 6 Câmara dos Deputados, idem, 1916, 19 de Fevereiro, p. 16.

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Câmara que o pedido de interpelação solicitado por Carlos Olavo, que reputa de máxima importância e relevância, nunca foi respondido pelo Ministro da Guerra. Nesta nova discussão tomou também a palavra o Sr. Deputado Álvaro Poppe, em vésperas de mobilização, a referir que, como membro da comissão de infracções e faltas desde a sua instituição, nunca foi feita outra interpretação que não fosse a faculdade de escolha de mobilização por parte de qualquer deputado militar do Congresso. Com base nesta informação, Brito Camacho, “deseja que a Câmara se pronuncie sobre se, em face da Constituição, há o direito de se lhe meter na mão uma guia de marcha, passando-se por cima das imunidades parlamentares dos representantes da nação.”7 Em todo o seu discurso denota-se a oposição unionista ao guerrismo “democrático”, ao que é assistido por uma suposição polémica levantada por Álvaro Poppe, citando: “É claro que, tendo sido esta sempre a maneira de ver da comissão, eu jamais poderia tolerar que na mão do Poder Executivo ficasse uma arma com que pudesse afastar dos trabalhos parlamentares o Deputado que porventura o incomodasse.” 8 Por seu lado, por ter sido mencionado, Carlos Olavo partilha da opinião de Álvaro Poppe, no sentido que os parlamentares não seriam obrigatoriamente mobilizáveis, rejeitando no entanto qualquer ideia de utilização insidiosa de uma interpretação ambígua do artigo constitucional da polémica. Para Carlos Olavo, no entanto, tal questão não se punha, pois afirma durante esta discussão ter sido apoiante da participação portuguesa na guerra, desde o eclodir do conflito, pelo que se alistou voluntariamente no exército, esperando ansiosamente a mobilização e o momento de se bater pela Pátria. Três meses depois, Carlos Olavo fez a ansiada comunicação à Câmara dos Deputados. Mesmo mobilizado, manteve-se como deputado da República durante a sua comissão no front, como se pode ver pela ficha do CEP, onde se confirmava uma deslocação a Lisboa, a 27 de Novembro de 1917, para participar na sessão de abertura da Câmara de Deputados.

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Câmara dos Deputados, idem, 1917, 13 de Fevereiro, p. 5. Câmara dos Deputados, idem, 1917, 13 de Fevereiro, p. 5.

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Seguiu em 27/11/1917 em diligência a Lisboa a fim de assistir à abertura das camaras dos deputados de que faz parte

No entanto, pesquisando o Diário da Câmara de Deputados, não foi registada a sua presença, quer na sessão inaugural da legislatura, em 2 de Dezembro de 1917, quer nas restantes, até ao golpe sidonista, ficando assim em aberto o destino de Carlos Olavo durante a licença concedida. Centrando-nos no militar e voltando às suas memórias, Carlos Olavo inicia-as com um relato pungente do impacto sofrido pela ofensiva alemã, que se desenrola ao longo de cinco páginas, das quais apresento uns excertos: 8 de Abril – Às quatro da manhã do dia 9 acordei, subitamente, pelo rebentamento de granadas que me pareceram de 77, da bateria alemã que nós chamávamos da «competência». Mas a pouco e pouco foi-se intensificando o bombardeamento sem que contudo, ao meu espírito viesse a ideia d’uma ofensiva. – É a represália do nosso bombardeamento d’ontem, pensei eu. […] Nesta altura o bombardeamento era intenso, e ouvia-se rebentar granadas de todos os calibres, inclusivamente de gazes. Há minha ordem os homens dirigiram-se, sem uma palavra mas sem uma hesitação, para os obuses e começou o fogo. […] Enquanto houve uma granada os meus obuses fizeram fogo com a velocidade que o meu comandante de bateria indicava ao telefone. Quando as munições estavam a acabar pedi o remuniciamento e foi-me respondido que já tinha sido ordenado. […] Mas o tempo ia passando e o relógio marcava já 8 horas da manhã. Há 4

horas que isto dura, o fogo alemão não diminui de violência e eu não tenho uma granada, nem uma indicação, nem uma ordem. […] São 10 da manhã. Só uma peça de 75, atrás da minha posição, prossegue o fogo […]. São 11 horas da 5

manhã. As munições não chegaram e o bombardeamento continua com uma fúria inexorável. Não me resta dúvida que se trata d’uma preparação d’artilharia para um momento ofensivo. […] Reuni os homens dos obuses, que estavam na posição, no abrigo dos telefonistas. Ali juntos esperaremos a morte. Eu disse-lhes: – Nós vamos morrer aqui, mas eu não retiro sem uma ordem. Não sei o que se passa lá fora e o meu dever é ficar no meu posto até ao fim. Todos responderam: – Nós ficamos com o nosso alferes. […] Meio-dia. 8 horas de bombardeamento ininterrupto, devastador. […] Estamos prostrados de fadiga, meio sufocado de gazes, com os nervos lassos das inquietações […]. Meio-dia e meia hora. Um soldado que tinha saído veio-me dizer que há alemães no Pont du Hem, quer dizer, na rectaguarda da nossa posição, vindos dos lados de Laventie. Estamos perdidos, cercados, prisioneiros!9 Com esta descrição temos uma noção da devastação sofrida pelas forças portuguesas, tendo ainda em consideração que a posição de Carlos Olavo se situava a cerca de 3000 metros da terra de ninguém.

Sector português a 9 de Abril de 1917 destacando os pontos referidos por Carlos Olavo

Outro pormenor interessante neste relato é a zona indicada por Carlos Olavo, Laventie, situada na fronteira que separa o sector do CEP do sector da FEB, como o local por onde foram cercados pelas forças alemãs. Este dado pode ajudar a recuperar um pouco a imagem 9

Carlos Olavo, op. cit., pp. 14-18.

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do CEP, pois permite a repartição das responsabilidades entre portugueses e ingleses pelo colapso deste sector da Flandres. O facto de num número total de baixas de cerca de 7000 se destacarem 6585 prisioneiros, pode reforçar a hipótese da profundidade da manobra de envolvimento que foi assinalada por Carlos Olavo.10 Por seu lado, no relatório datado de 29/06/1918, o comandante de bateria, capitão Roquete, faz a descrição das acções de Carlos Olavo no dia 9 de Abril de 1918, razão pela qual recebeu um louvor.

Relatório datado de 29/06/1918, relatando os actos em batalha de Carlos Olavo, em La Lys

Assistindo a este nível de destruição, bem como aos meios utilizados, o pensamento de Carlos Olavo incide sobre dois aspectos operacionais. Primeiro, em duas notas separadas, dissertava sobre a incapacidade do comando aliado de apurar a quantidade de forças utilizadas pelas forças alemãs, bem como de analisar os dados recebidos da utilização recente de meios aéreos. 12 de Abril …até que alguns dias antes do dia 9 de Abril os aviadores ingleses trouxeram a informação de que havia grande movimento na rectaguarda das linhas inimigas. Um sorriso de fria incredulidade descerrou quasi hirtos de fleuma, do alto comando inglês – Ofensiva?! Não pode ser! Com que forças, com 10

Luís Alves Fraga, “La Lys, a batalha portuguesa”, in Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, Portugal e a Grande Guerra. 1914.1918, 2.ª edição, Vila do Conde, Verso da História, 2013, p. 418.

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que recursos, se tudo está sendo subvertido e queimado nos campos devastados, arrepiados de desespero, das proximidades do Somme?! Era então voz corrente que os alemães tinham retirado quase toda a artilharia da nossa frente para satisfazer as necessidades da sua ofensiva. […] E neste mesmo dia [8 de Abril] à noite foi-me comunicado pelo meu comandante de bateria que uma rendição de forças nossas se fazia no dia seguinte […] que essa rendição obedecia ao plano de concentração de todas as forças portuguesas do lado de Fouquissart. Não houve tempo de executar essa ordem porque o ataque alemão se pronunciou na madrugada do dia 9 […] Soube depois, já do lado de cá, que a artilharia inimiga se compunha de 1600 canhões de todos os calibres.[…] [9 de Junho] Trouxeram-nos os oficiais franceses feitos prisioneiros no Chemin des Dames, na última ofensiva alemã. […] Eles foram-nos contando como tinham sido presos, cercados por surpresa e aturdidos sob uma verdadeira avalanche de fogo. Não esperavam uma ofensiva daquele lado e as forças que lá estavam, eram forças retiradas do Somme para descansar. Exactamente o que nos aconteceu a nós.11 A sua segunda reflexão incide sobre a capacidade alemã de continuar a fazer a guerra, perante o empenhamento massivo de meios materiais e humanos para forçar uma ruptura na frente ocidental e criar uma dinâmica que possa levar à vitória alemã. [9 de Junho] De resto, a terrível ofensiva que eles consideravam como o derradeiro golpe, estacou a alguns quilómetros de Chateau-Thierry e eu pergunto se valeria a pena a consumição de tantas vidas, o dispêndio de tão pesados sacrifícios para, afinal, ficarem a muito menos de meio caminho do objectivo sonhado desde os primeiros dias de Agosto de 1914. Não sei até onde podem ir ainda os recursos da Alemanha. Mas sei que, por maiores que sejam, gastos com tanta prodigalidade, não podem ir muito longe. O moral da França é óptimo, os recursos dos aliados são imensos. Podem sofrer por isso os mais rudes golpes, que a força material continuará surgindo ininterruptamente dos confins da América e a sua força moral continuará irradiando das fontes inesgotáveis do mundo inteiro!12 11 12

Carlos Olavo, op. cit., pp. 28-29 e 74-75. Carlos Olavo, op. cit., p. 76.

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Estas notas de Carlos Olavo remetem para a estratégia alemã após a vitória na frente leste, a declaração de guerra norte-americana e o cada vez mais iminente esgotamento dos recursos face ao bloqueio naval britânico.13 O Estado-Maior alemão tinha consciência de que precisava de dar um golpe decisivo antes da entrada efectiva das tropas norte-americanas na frente ocidental. Esse reconhecimento levou ao lançamento de uma ofensiva massiva anteriormente relatada, conseguida com o deslocamento de mais de 50 divisões da Rússia para ocidente, as últimas reservas para o esforço de guerra alemão.14 No entanto, Carlos Olavo já deixava entrever que a Alemanha já não tinha capacidade para quebrar a dinâmica crescente das forças da Entente, o que veio a acontecer após o falhanço da ofensiva alemã da Primavera de 1918. Após algumas notas como as que acabámos de analisar, Carlos Olavo parece despir o fardamento militar para dar corpo ao seu pensamento republicano. E é nestas suas notas de índole política e ideológica que se verifica a proximidade de pensamento de Carlos Olavo para com a visão francesa de República, sendo que, já na sua intervenção parlamentar referida anteriormente, dá o exemplo de deputados franceses que optaram por combater no front, considerando ser aí o local onde prestar o seu dever à Pátria. 22 de Abril […] Os nossos camaradas franceses tomaram a iniciativa duma série de palestras sobre assuntos variados segundo a escolha do conferente […] a 6.ª sobre Portugal e foi feita hoje por meu irmão, o capitão Américo Olavo. Eu estava inscrito a seguir com uma pequena conferência que, era uma verdadeira homenagem aos franceses, subordinada ao tema da “Influência da França sobre Portugal”. […] A conferência sobre Portugal feita em francês, bem entendido foi um verdadeiro sucesso. No fim cantou-se a “Portuguesa” e a “Marselhesa”. […] Chegámos aqui, portugueses, ingleses e franceses. Os nossos aliados d’além Mancha, reservados e frios mantiveram-se sempre de lado. Os portugueses e os franceses correram uns para os outros, apertaram-se as mãos, participaram das mesmas distracções. […] Vejam os senhores: temos aqui os nossos aliados seculares e os nossos aliados de momento, os ingleses e os franceses. Pois é com 13

Martin Gilbert, A Primeira Guerra Mundial, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2007, pp. 458-459; e David Martelo, “Estados Unidos da América, da neutralidade à intervenção”, in op. cit., p. 295. 14 David Martelo, “A Revolução Russa, reflexos na guerra”, in op. cit., pp. 342-344; vide também do mesmo autor, “Frente ocidental 1918, algo de novo”, in op. cit., pp. 397-403.

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estes que afirma a nossa solidariedade e a nossa estima, por intermédio duma língua que nós conhecemos admiravelmente e que tem a mesma origem que a nossa, pela força de caracteres que se harmonizam, pela influência de aspirações que se encontram através da História e que se materializam em formas políticas semelhantes. 15 Nesta passagem nota-se, de facto, a sua simpatia pela causa francesa verificando existir uma ligação mais fraternal entre portugueses e franceses do que com os ingleses. Nota-se também a presença de um homem de cultura. De facto, informação biográfica disponível on-line apresenta-nos Carlos Olavo, nascido no Funchal a 7 de Julho de 1881, como proveniente de uma família aristocrática da Madeira, garantindo assim os recursos para uma educação apurada. Em Lisboa ingressou na Escola Politécnica, tendo em 1900 fundado a Liga Académica Republicana, colaborando também desde esta data em jornais republicanos como A Liberdade, ou Marselhesa. Ingressando em Direito na Universidade de Coimbra, é neste período integrado no Partido Republicano por um professor seu, Afonso Costa. As suas actividades republicanas levam-no a participar na revolta académica de 1907, acabando por ser expulso por dois anos. No entanto, será amnistiado, conseguindo ainda concluir os seus estudos superiores no ano lectivo 1907/1908.16 Esta actividade republicana tem o devido reconhecimento quando, no pós 5 de Outubro de 1910, foi eleito Deputado à Assembleia Constituinte pelo círculo do Funchal. 17

Dois pormenores da sessão inaugural da Assembleia Nacional Constituinte de 1911

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Carlos Olavo, op. cit., p. 40. Eduardo Rodrigues Cardoso de Lemos, op. cit., p. 114. 17 Actas da Assembleia Nacional Constituinte de 1911 (de 15 de Junho a 25 de Agosto), Lisboa, Assembleia da República, 1986, p. 646. 16

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A pesquisa nas Actas da Assembleia Nacional Constituinte de 1911 permite-nos reconstituir o trajecto do autor neste órgão estruturante do regime republicano. Logo na sessão de verificação de poderes, reunida a 15 de Junho de 1911 e presidida por Anselmo Braancamp Freire, nas votações para as três comissões de verificação de poderes, apesar de não ter sido eleito para nenhuma, recebe votos para a 2.ª e 3.ª comissão. Constata-se também que na sessão em que se procedeu à eleição dos Deputados à Câmara do Senado, apesar de também não ter sido eleito, recebeu um voto.18 Mantendo uma presença discreta ao longo dos trabalhos da Assembleia, verifica-se no entanto uma intervenção contundente, na 22.ª sessão de 17 de Julho de 1911, visto considerar que os objectivos primordiais da construção republicana estariam a sofrer desvios ao longo das sessões precedentes. Nesse sentido apresentou a seguinte moção, que passo a citar: – Sr. Presidente, começo por mandar para a mesa a minha Moção: A Assembleia Nacional Constituinte, considerando que o que convém às condições actuais do povo português é uma República Parlamentar que represente mesmo uma sequência lógica na evolução do seu direito, devendo sobre esta base essencial ser modificado o projecto em discussão, continua na ordem do dia.19 Após esta Moção, Carlos Olavo tomava a palavra fazendo a defesa da sua iniciativa, onde se poderá extrair uma noção clara do seu pensamento político e dos desafios da construção da República. O seu discurso assentava na escolha de opções de caminho, Parlamentarismo vs. Presidencialismo; ou o unicamaralismo vs. bicamaralismo. No primeiro tópico do discurso, Carlos Olavo referia um princípio primacial que apenas pode ser respeitado mediante um regime parlamentar, a inviolabilidade da soberania popular, a fonte única e legítima do poder. Para tal, argumenta que seria a transição natural, sem perigos nem reacções, entre o direito constitucional monárquico e o direito constitucional que surgia na sua nova forma republicana, harmonizando-se, com a cultura, com a educação cívica e com a tradição jurídica da sociedade portuguesa.

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Idem, pp. 12-13 e 532. Idem, p. 136.

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Perante uma interrupção de José de Barbosa afirmando ser a tradição do direito o despotismo monárquico, Carlos Olavo responde que, tanto na Constituição de 1822 como na de 1838, o princípio do poder assentava na soberania popular, visto que o rei apenas dispunha de um poder de veto suspensivo, o que conferia soberania ao órgão representativo dessa mesma soberania popular, o Parlamento. Afirma ainda que mesmo na Carta Constitucional de 1826, com reforço do poder do rei, o princípio de soberania popular lá se encontrava consagrado. Referindo que o direito “Não é uma criação de filósofos ou de ideólogos mas uma resultante das condições, dos costumes, das aspirações dominantes no meio social”.20 Reflecte ainda que foi esta ruptura entre a realidade e a visão dos revolucionários de 1789 que levou à instabilidade constitucional em França entre 1791 e 1875, o rompimento brusco e violento com todas as tradições. Assim, alerta os deputados ser indispensável que a transformação jurídica decorrente da Constituição em discussão seja, para além de uma nova fase, uma evolução natural do direito nacional. Por esta razão, o regime não pode ser presidencialista, segundo a tendência latente nas discussões ao longo das sessões anteriores, que poderia potenciar um poder discricionário do presidente e independente do parlamento. Segundo Carlos Olavo, o Parlamento deve ser a sede de emanação do poder legitimada pela soberania popular, dando mais uma vez o exemplo da França, sua grande influência, citando: Os Ministérios nascem do Parlamento, mantêm-se pelo apoio do Parlamento e caem quando o Parlamento lhes retira confiança. E apesar das paixões, das ambições, dos ódios, das lutas de princípios e interesses que agitam e tumultuam no Parlamento francês, em poucos do mundo se tem feito a obra social, política e económica que, para a honra e prosperidade da sua Pátria, do Parlamento francês tem saído no período que vem de 1870 até aos nossos dias. 21 Em relação ao último tópico, Carlos Olavo defende o bicamaralismo, conferindo ao Senado um papel moderador, ponderador, que tempere o ardor da Câmara dos Deputados.

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Idem, p. 136. Idem, p. 137.

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Para Carlos Olavo, a existência do Senado teria um papel de exigência para com a Câmara de Deputados, que obrigasse a um amplo debate antes da apresentação das suas deliberações ao Senado. Para tal, refere que mesmo democracias mais modernas e avançadas, como a Suíça, onde os seus cidadãos se encontram noutro nível de civismo, ou educação, não dispensam o funcionamento de duas Câmaras.

À esquerda: Frontispício das Actas… onde se pode encontrar uma intervenção de Carlos Olavo À direita: Frontispício da Constituição Política, saída da Assembleia Nacional Constituinte.

Esta intervenção de Carlos Olavo teve como consequência a apresentação de um requerimento, por parte de Abílio Barreto, para ser decidido a passagem à discussão e votação da Constituição na especialidade, podendo assim existir um debate mais aprofundado sobre cada aspecto deste projecto primordial para a República 22, tendo o texto final sido proclamado em 25 de Agosto de 1911.

22

Idem, p. 137.

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À esquerda: Major Sidónio Pais, O Presidente-Rei À direita: Major Sidónio Pais à frente da revolução de Dezembro de 1917

Esta sua visão toma forma quando, primeiramente demonstra a sua incompreensão pelo sucesso do golpe sidonista e evolução subsequente. De facto, a análise de Carlos Olavo é bastante precisa, apesar da sua distância para Portugal: 5 de Maio – […] Pela tarde, um oficial doutra barraca veio comunicar a notícia, lida não sei onde, do resultado das eleições portuguesas e que é, em resumo, o seguinte: Sidónio Pais eleito por 500.000 votos, presidente da República e a Câmara dos deputados constituída por 118 sidonistas, 38 monárquicos, 4 católicos e alguns outros sem feição partidária. […] Há uma coisa que não compreendo e que, em circunstância alguma, aprovaria: a abstenção dos partidos republicanos. Prova a história do grande Partido Republicano que a abstenção eleitoral de 1894 lhe foi simplesmente prejudicial. E só o triunfo do Porto de 1899 arrancou do túmulo de silêncio e de inação em que jazia e o galvanizou para uma nova vida de luta e de vitórias sucessivas.23 Esta sua incompreensão é acentuada quando tenta celebrar mais um aniversário do 14 de Maio de 1915, onde releva o esforço popular que, pela força das armas, restabeleceu a ordem constitucional, ao derrubar a ditadura de Pimenta de Castro. Carlos Olavo reforça a demonstração de legalismo de soberania popular e afirmação de uma consciência colectiva do seu direito.

23

Carlos Olavo, op. cit., pp. 51-52.

14

Para Carlos Olavo, esta memória foi traída pelo golpe sidonista, mostrando-se incapaz de explicar aos camaradas franceses estes acontecimentos que acabaram por se repercutir nos termos da participação portuguesa na Guerra. Para Carlos Olavo a responsabilidade da retirada das forças militares portuguesas coube a Sidónio Pais, cujo lema era “Nem mais um soldado!”, desconhecendo, no entanto que desde (Setembro) finais de 1917 a Inglaterra já tinha retirado os navios adjudicados ao transporte das tropas portuguesas, para reforçar o contingente naval responsável pelo transporte das forças militares americanas para a Europa. Também desde 1918 que existiam negociações forçadas pela Inglaterra, com o governo de Afonso Costa, para se reduzir a zona de acção do CEP. Ora, com o golpe de Sidónio Pais, e a sua visão da participação portuguesa na guerra, este recebeu o apoio imediato por parte da Inglaterra, bem como o reconhecimento internacional da nova situação, acelerando assim o processo de retirada das tropas e a sua reorganização sob alçada directa do Estado-maior inglês. 24 Conclusão Com estes dois exemplos do pensamento procurei mostrar a visão prática do pensamento deste soldado-deputado que incorporou o espírito da nação em armas, ao oferecer-se como voluntário para combater num conflito cuja participação portuguesa era desejada desde o primeiro momento pelo Partido Democrático. Para finalizar, levanto uma questão para a qual ainda não encontrei resposta: Se pelo regulamento militar, o louvor dado pelo seu comandante de bateria pela sua acção valorosa em combate lhe conferia a Cruz de Guerra de 2.ª Classe, por que razão apenas a recebeu mediante um requerimento seu apresentado perante o Quartel-General do CEP? Obrigado.

24

Luís Alves Fraga, “Revolta sidonista, a grande mudança”, in op. cit., pp. 371-373; vide também António José Telo, “Sidónio Pais e a guerra”, in op. cit., pp. 376-381.

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Fontes •

OLAVO, Carlos, Jornal d’um prisioneiro de guerra na Alemanha (1918), 2.ª edição, Lisboa, Guimarães & C.ª Editores, 1919. [Cota BNP: H.G. 7271 V.]



LEMOS, Eduardo Rodrigues Cardoso de, As constituintes de 1911 e os seus deputados, Lisboa, Livraria Ferreira, 1911. [Cota BNP: S.C. 88130 V.]



Actas da Assembleia Nacional Constituinte de 1911 (de 15 de Junho a 25 de Agosto), Lisboa, Assembleia da República, 1986 [Cota BNP: S.C. 61340 V.]



Diário da Câmara do Deputados, Lisboa, Câmara dos Deputados, 1914-1917. [Cota BNP: J. 1293 P.]



MILITAR,

Arquivo

Histórico,

PT/AHM/DIV/1/35A/1/06/1700,

in

http://arqhist.exercito.pt/details?id=126765. Bibliografia De referência •

MEDINA, João, História de Portugal, vol. XV, Lisboa, Ediclube, 2004. Específica



AFONSO, Aniceto e GOMES, Carlos de Matos, Portugal e a Grande Guerra. 1914.1918, 2.ª edição, Vila do Conde, Verso da História, 2013. Geral



Martin Gilbert, A Primeira Guerra Mundial, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2007.

Nota: Todas as fotografias utilizadas encontram-se em domínio público e com acesso online.

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