CARTA A EMÍLIO ou como fiz uma tese sobre ‘Shakespeare’

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CARTA A EMÍLIO ou como fiz uma tese sobre ‘Shakespeare’ Alexander Martins Vianna – Ensaio-missiva exclusivamente para Academia.edu

CARTA A EMÍLIO (*) ou como fiz uma tese sobre ‘Shakespeare’

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Caro Emílio, Saudações cordiais! Depois de ser arrebatado pelas páginas iniciais de seus combates criativos borgeanos em “Virgílio Varzea: Os olhos de paisagem do cineasta do Parnaso”, com sua crítica aos macaqueamentos modescos e supressores do experimento artísticocientífico no ambiente de pós-graduação em Letras e seus padrões de crítica literária [ambiente de onde a sua dissertação valentemente (in)surgiu], fiquei com uma vontade imensa de fazer um ensaio-missiva para você, mais amplo, a respeito dos processos criativos e regulativos contidos em minha tese de doutorado, defendida em 2008. Ao pensá-la, hoje, parece que há um sujeito que se dissocia do outro de sete anos atrás, embora tenhamos ainda alguns pontos em comum. *** Durante o doutorado, o meu esforço crítico foi no sentido de localizar historicamente legibilidades possíveis contidas num gênero ou forma editorial de “obras teatrais” dos séculos XVI e XVII, hoje consideradas cânones literários. Interessaram-me as peças ‘shakespearianas’ enquanto eventos flutuantes multiplamente materializados em página, o que sinalizaria para padrões de legibilidades e valores epocais que se manifestavam em seus suportes. Tais padrões foram entendidos como marcas ou indícios arqueológicos de múltiplos presentes de sentidos, então referidos a configurações sociais historicamente específicas. Eis o sentido que teve para minha pesquisa a noção de “materialidade textual”: enquanto atos localizados em contextos comunicativos institucionais-sociais, interessaram-me os sentidos imobilizados como sombras ou marcas nos suportes impressos das peças nas edições entre 1594 e 1637, pois interferiam e localizavam

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legibilidades epocais irrepetíveis (e regulações de poder e gosto implicadas nelas). Tratou-se de uma variante de problemática, em parte, afiliada à História do Texto e da Leitura da História Cultural francesa enquanto crítica ao tipo de História das Mentalidades que se praticou no campo acadêmico interferido por Annales (ESC) entre as décadas de 1960 e 1980. Mas anunciar isso, como você bem sabe em seu “Varzea”, já é reduzir o que efetivamente foi feito para contê-lo numa regulação de comunicação (com seus códigos de avaliação e percepção) dos campos acadêmicos de pós-graduação no Brasil – e suas subdesenvolvedoras fomes de citações autorizadas (pelos macaqueadores), tanto mais se forem referências distantes da América Latina. Metodologicamente, a minha pesquisa apontava para um jogo referencial difícil: a reconstituição de padrões de legibilidades referidos a hábitos, decoros e valores da Inglaterra elisabetana e jacobita por meio do jogo intra, extra e intertextual de referencialidade indiciável nos in-quartos das peças teatrais associadas ao nome ‘Shakespeare’. Por isso, a pesquisa ficou sujeita a muita incompreensão tanto em ‘História’ quanto em ‘Literatura’, talvez por ser um estudo liminar envolvendo questões de dois campos que mutuamente se ignoram e se simplificam no Brasil. Os supostos debates sobre “História e Literatura” no Brasil continuam retidos em questões simplistas sobre os “limites do ficcional e do não-ficcional em História”, que são extremamente inférteis e repetitivas; questões que a “hermenêutica-poéticaoralista-narrador” de Aberto Lins Caldas já superaram há algum tempo. Interessavam-me, portanto, as marcas arqueológicas de sentidos encarnados nos in-quartos das peças teatrais associadas ao nome ‘Shakespeare’ da Inglaterra elisabetana e jacobita, ou seja, como se davam a ler/ouvir/perceber a mim e, por meio de suas singularidades epocais, provocavam-me estranhamento diatópico (e, portanto, consciência comparativo-contrastativa-perspectivadora) em relação às regulações de leitura da tradição crítica e editorial da instituição literária romântica sobre as peças shakespearianas, cuja tendência foi apagar, em novas materialidades, desde finais do século XVIII, as marcas de flutuações textuais das edições dos séculos XVI e XVII, em nome da sua noção contemporânea individualista-monumentalizante de “mão/mente” do “gênio original”. Em função desta mesma operação individualista-monumentalizante de fabricação de ‘Shakespeare’ como “gênio original” pela instituição literária romântica, houve a tendência de criar “textos arquetípicos” (portanto, invisibilizadores do ethos da flutuação textual no Antigo Regime) por meio da fusão de versos de edições dos séculos XVI e XVII – tendência editorial somente pontualmente abandonada em finais da década de 1980 em algumas edições críticas de obras completas. Por conseguinte, as leituras não-românticas que fiz das peças (i.e., anti-função-autor do século XIX e antiarquétipos textuais pós-século XVIII) não significaram cair na chave vulgar de hipertextualização aleatória do leitor tão em voga atualmente, ou seja, aquela que, em nome de um “fluir” supostamente livre, sucumbe ao “fruir” autorreferido, consumista

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e presentista de “leitor do livre mercado”, que é incapaz de se formular autocriticamente por meio de uma efetiva diatopia histórica. *** Em termos de trajetória acadêmica, a pesquisa do doutorado representou um movimento de sair das “fontes administrativas” do mestrado (Conselho Ultramarino da Coroa Portuguesa, entre 1643 e 1713) para transmigrar para as “fontes literárias” do teatro elisabetano-jacobita e, assim, enfrentar padrões distintos de ficcionalidade, que implicariam em lidar com outras tradições expressivas, assim como, com a autocrítica diferenciada sobre os processos objetificadores contidos na minha pesquisa, que, como tais, tendem a diluir singularidades em categorias explicativas estruturais/estruturantes de sentido histórico-sociológico, cultural, político ou estético. Contudo, o ponto de partida motivador da tese não foi ‘literário’, mas histórico-sociológico: nos seus primeiros passos, ainda pouco seminais (ou pouco inseminantes), a primeira ideia de projeto de doutorado reduzia-se à ingênua expectativa de dar uma resposta crítica à abordagem sobre Estado Moderno contida num ensaio de Ricardo Benzaquém e Viveiros de Castro: “‘Romeu e Julieta’ e o nascimento do Estado Moderno”(1978). Diferentemente dos então estudantes de doutorado Ricardo Benzaquém e Viveiros de Castro, que não escreveram “‘Romeu e Julieta’ e o nascimento do Estado Moderno”(1978) para questões ou contextos acadêmicos interessados em dialogar com o campo literário de finais da década de 1970 no Brasil, a minha tese, 30 anos depois do ensaio deles, não poderia ignorar o percurso crítico da produção literária sobre Shakespeare, as transformações na Teoria da História e a revisão crítica da historiografia europeia sobre o tema da Formação do Estado Moderno, todos convergindo em novos efeitos de objetos para a subárea de História Moderna desde a década de 1980. Então, as minhas perguntas objetificadoras foram na seguinte direção: Como seria ler ‘Shakespeare’ fora de uma teleologia de modernidade weberiana associada ao tema do nascimento do Estado Moderno e fora da noção individualista romântica de “gênio original”? Como seria lê-lo em seus próprios termos epocais (i.e., antes dos efeitos crítico-temáticos e editoriais da instituição literária romântica) e não em função de uma metanarrativa crítica que tornava as suas peças as inevitáveis, necessárias, familiares e percussoras “contemporaneidades”? Disso redundou um título bem pouco econômico para a tese: “Estado e Individuação no Antigo Regime: Por uma leitura não romântica de Shakespeare”. Duríssima e iconoclasta empreitada que foi rejeitada na PUC-RJ, mas aceita na UFRJ pelo prof. Manoel Luiz Salgado Guimarães. O grande “pulo da gata” na pesquisa – efeito da disciplina ministrada pela professora Andrea Daher – ocorreu no primeiro ano do doutorado, quando ultrapassei o meu nível inicial estupidamente temático-referencial de leitura como mero contraponto ao ensaio de Ricardo Benzaquém e Viveiros de Castro. Ao discutir a

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“materialidade das fontes” na disciplina de Andrea Daher, percebi que não poderia trabalhar com edições críticas atuais das peças de ‘Shakespeare’, pois apagavam as marcas arqueológicas de sentidos e legibilidade que faziam parte das flutuações editorias de peças teatrais na Inglaterra elisabetana, num contexto institucional-social em que as noções de “autor individualizado-psicologizado”, de “propriedade intelectual”, de “tempo processual evolutivo pós-providencialismo divino” e de “filosofia natural pós-criacionista e/ou pós-demonológica” ainda não faziam parte do horizonte das experiências letradas, da forma de entender o mundo natural e de racionalizar as instituições sociais e políticas. Ao final do ano da “crise das fontes”(2004), eis que miraculosamente aparece um e-mail do amigão Thiago Monteiro Bernardo que, sem saber de minha crise, enviou para mim um link da British Library que me dava acesso ao acervo fotografado dos in-quartos de ‘Shakespeare’ entre 1594 e 1637. *** No meu movimento diatópico de reconstituição de legibilidades, uma descoberta importante foi saber que a poesia cênica ‘on stage’ não era considerada “bela letra” na época de Shakespeare, mas um entretenimento ‘vulgar’ – no sentido que isso tinha para uma sociedade estamental. Embora não fosse considerada “bela letra”, havia esforços de contemporâneos a Shakespeare, como Ben Jonson, de buscarem tal status ao justificarem a forma impressa de suas obras como ‘mais excelente’, pois ‘on page’ as poesias cênicas dar-se-iam a perceber melhor em suas agudezas e sutilezas poéticas – duas ideias-chave para se definir uma ‘bela composição’ nos termos cortesãos dos séculos XVI e XVII –, ou seja, sem as interferências ‘vulgares’ dos atores e das palmas e assuadas do público nos teatros das ‘liberties’ londrinas. Em seu fólio de 1616, ao definir uma ‘boa leitura’ para seus textos teatrais, Ben Jonson não os associava ao ‘stage’, mas à ‘page’; à declamação poética ao modo cortesão, não à ação de atores das companhias teatrais londrinas. No entanto, Ben Jonson não viveu de livros, mas de palco – e de patronato nobre, sem o qual não se poderia viver legalmente de palco nos reinados elisabetano e jacobita. Entre 1572 e 1642, nenhuma companhia teatral poderia atuar na Inglaterra sem patronato nobre. Tal paralelo intertextual com Ben Jonson foi importante para a pesquisa porque não há registros que tenham chegado até nós em que ‘Shakespeare’ tenha articulado, em epístolas ao leitor, reflexões valorativas sobre a distinção da poesia cênica em ‘stage’ e ‘page’ – ocasionalmente, podemos deduzir isso a partir das próprias peças associadas ao seu nome, ou em algumas raras epístolas ao leitor feitas pelos livreiros (stationers) de alguns in-quartos de peças de começos do século XVII. Veja, por exemplo, a epístola ao leitor na “variante B” de 1609 da peça “Troilus and Cressida”: * “A never writer, to an ever reader. Newes.

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Eternall reader, you have heere a new play, never stal'd with the Stage, never clapperclawd with the palmes of the vulger, and yet passing full of the palme comicall; for it is a birth of your braine, that never undertooke anything commicall, vainely: And were but the vaine names of commedies changde for the titles of Commodities, or of Playes for Pleas; you should see all those grand censors, that now stile them such vanities, flock to them for the maine grace of their gravities: especially this authors Commedies, that are so fram'd to the life, that they serve for the most common Commentaries, of all the actions of our lives, shewing such a dexteritie, and power of witte, that the most displeased with Playes, are pleasd with his Commedies. And all such dull and heavy-witted worldlings, as were never capable of the witte of a Commedie, comming by report of them to his representations, have found that witte there, that they never found in them-selves, and have parted better wittied then they came: feeling an edge of witte set upon them, more then ever they dreamd they had braine to grinde it on. So much and such savored salt of witte is in his Commedies, that they seeme (for their height of pleasure) to be borne in that sea that brought forth Venus. Amongst all there is none more witty then this: And had I time I would comment upon it, though I know it needs not, (for so much as will make you thinke your testerne well bestowd) but for so much worth, as even poore I know to be stuft in it. It deserves such a labour, as well as the best Commedy in Terence or Plautus. And beleeve this, That when hee is gone, and his Commedies out of sale, you will scramble for them, and set up a new English Inquisition. Take this for a warning, and at the perrill of your pleasures losse and Judgements, refuse not, nor like this the lesse, for not being sullied, with the smoaky breath of the multitude; but thanke fortune for the scape it hath made amongst you. Since by the grand possessors wills I beleeve you should have prayd for them rather then beene prayd. And so I leave all such to bee prayd for (for the states of their wits healths) that will not praise it. Vale.”

* Na versão impressa original, a carta é escrita em padrão itálico. Se observarmos as recorrências no trabalho de impressão, veremos que a chamada “A never writer, to an ever reader. Newes.”, a despedida ao leitor “Vale” (aliás, imita o padrão editorial do teatro castelhano impresso da virada para o século XVII) e os nomes clássicos (“Venus”, “Terence” e “Plautus”) são grafados em padrão românico. Nos casos da chamada e da despedida, o fato de o corpo da letra ser maior e em padrão românico representa um grito, reforçado visualmente pelo corpo negritado da letra, o que contrasta graficamente com o itálico, que é a principal forma expressiva sentencial da epístola. No interior da carta, o contraste entre os nomes clássicos grafados em românico em relação às sentenças em itálico reforçam, na leitura ‘on page’, os parâmetros comparativos de elevação elogiosa, além de possibilitar a exibição do domínio das “belas letras” pelo livreiro. Como seria previsível nos séculos XVI e XVII, os vários parâmetros de regulação do “bom gosto” – ou seja, do que seria considerada uma bela composição – fazem paralelos com os clássicos que seriam considerados ‘auctoritas’ ou referências-modelo universais de gênero: no caso, Plauto e Terêncio para comédia. No vocabulário da época, as tramas de enredo de comédias são histórias porque abordavam temas atuais

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(ou atualizáveis) e próximos, referidos a pessoas e/ou situações específicas ordinárias, mesmo quando alegorizadas ou mascaradas por meio de personagens ou cenários míticos. A função da comédia é expor e combater os vícios nas representações ordinárias da vida, preferencialmente por meio de pessoas ordinárias. Daí, a sua escala de referência era quase sempre as ‘rei familaris’ ou ‘intra ordine particolare’, embora pudesse haver, dependendo da trama, alguma reverberação na ‘res publica’ ou ‘intra bonum civitates’. Distintamente da tragédia senequiana, o movimento teleológico das comédias modeladas em Plauto e Terêncio é de conciliação ou superação das dificuldades ou adversidades iniciais da trama. De acordo com os parâmetros da epístola ao leitor em “Troilus and Cressida”(1609, variante B), esta é uma ‘Commedie’ porque é uma ‘Historie’, tal como o frontispício do in-quarto a define. Não é entendida, portanto, como uma tragédia, cujo parâmetro elisabetano-jacobita de ‘auctoritas’ seria Sêneca, e não Eurípedes. Em contraste com a Comédia/História modelada em Plauto e Terêncio, a tragédia senequiana representa ações ilustres de heróis e príncipes em situações extraordinárias (ou situações-limite ou paradoxais), que exigem ação, força moral, discernimento, estado de humor e escolhas excepcionais ou extremas, as quais têm desfechos funestos que geralmente expõem (criticamente) ou reforçam (conservadoramente) os limites do ‘firmamento’ dos ritos, decoros e convenções sociais. Então, quando uma epístola ao leitor dá pistas sobre a referência de modelo clássico de tragédia ou comédia num in-quarto, temos expostos os parâmetros de gênero presentes nas expectativas de legibilidade que o livreiro propõe para o seu inquarto, o que explica, por vezes, as soluções concebidas para os frontispícios das peças impressas nos reinados elisabetano e jacobita. Além disso, em “A never writer, to an ever reader. Newes.”, observamos, em 1609, a mesma recorrência dos parâmetros de criticidade de Ben Jonson (em seu fólio de 1616) a respeito do elevado ‘delectare on page’ da poesia cênica em contraste com o ‘vulgar deleite on stage’. Era deste modo que o livreiro esperava capitar interesse do leitor/comprador da forma impressa de uma peça “várias vezes vista em palco”. Há um “subtendido elisabetano-jacobita” condicionado ao gênero que é importante mencionar para se compreender o enunciado do livreiro em sua epístola ao leitor: por “Troilus and Cressida” ser uma Commedie, isso seria, em si mesmo, desabonador do in-quarto. Trata-se, aqui, da polêmica clássica da hierarquia dos gêneros, na qual Tragedie é o gênero elevado, enquanto Commedie seria o gênero baixo; na mesma dimensão em que a Poesia seria superior à História. Contudo, como Tragedie ou Commedie, as peças elisabetanas e jacobitas são poesias cênicas – e seus delineadores são poetas cênicos, tal como aparecem definidos nos entreatos introdutórios do folio de 1623 de ‘Shakespeare’. Obviamente, estando consciente e atuante nessa polêmica clássica da hierarquia dos gêneros, o livreiro enfatiza em “A

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never writer, to an ever reader. Newes.” as funções inseminadoras da qualidade poética da Commedie ‘on page’: ser “afiadora de engenho” e “corretora dos vícios”. Ao enfatizar as funções educativas da poesia cênica ‘on page’, o livreiro sintomaticamente negocia com as regulações de venda e com os padrões da censura moral e política da Stationers Company: por meio do prometido deleite ‘on page’, a peça afiaria o engenho do leitor por meio de suas agudas sutilezas, que poderiam agora ser melhor percebidas porque não são interferidas pelos atores, palmas e assuadas da audiência nos teatros das ‘liberties’. Portanto, a peça ‘on page’ – assim promete o livreiro – não é mais vulgar ou provoca vulgaridades: É, na verdade, a pedra-de-amolar do engenho (‘witte’) do leitor. Não há provas de que a epístola “A never writer, to an ever reader. Newes.” tenha sido escrita pelo poeta cênico. Trata-se de uma apresentação do indivíduocoletivo dos stationers referidos no frontispício: George Eld, R. Bonian e H. Walley. Das várias edições de in-quartos associados ao nome ‘Shakespeare’ entre 1594 e 1637 (Shakespeare morreu em 1616), a variante B do in-quarto de 1609 de “Troilus and Cressida” é a única edição contemporânea a Shakespeare (1564-1616) que sobreviveu e na qual há uma carta dirigida ao leitor que expõe, nos mesmos termos críticos de Ben Jonson em seu fólio de 1616, os parâmetros de legibilidade que apontam para uma crescente preocupação de afirmar o elevado valor poético das peças enquanto poesia cênica ‘on page’, e não ‘on stage’. *** No Brasil, ao menos até o momento em que fiz a tese, foi difícil achar ponderações sobre ‘Shakespeare’ que tenham efetivamente superado os marcos de questões da instituição literária romântica. Então, fiquei muito confortável com minha condição “dehors-campo-crítico-literário” numa pós-graduação de História Social porque o saudoso professor Manoel Luiz Salgado Guimarães (da área de Teoria da História) deu-me bastante liberdade para experimentar hipóteses contextualizadoras dos vários campos críticos que mapiei na “Shakespeare Quarterly” entre 1980 e 2000. Aliás, para termos um contraponto em relação à carta ao leitor do ‘livreiro’ de 1609, veja esta outra rara epístola ao leitor numa variante do in-quarto de 1622 de “Otelo”: * “The Stationer to the Reader. To set forth a book without an Epistle, were like to the old English prouerbe, A blew coat without a badge, [at] the Author being dead, I thought good to take that piece of worke upon mee : To commend it, I will not, for that which is good, I hope euery man will commend, without intreaty : and I am the bolder, because the Authors name is sufficient to vent his worke. Thus leauing euery one to the liberty of iudgment : I haue ventered to print this Play, and leaue it to the generall censure. Yours, Thomas Walkley.

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A epístola elogiosa do livreiro (stationer) Thomas Walkley apresenta parâmetros de criticidade para a peça com as mesmas recorrências de expectativas estilísticas e temáticas que observamos nesse gênero expressivo em outras edições da época e, muito particularmente, nos entreatos introdutórios do fólio de 1623 de ‘Shakespeare’. Thomas Walkley escreve com plena consciência retórica do gênero que aciona naquele contexto comunicativo. E domina a ‘dobra do gênero’ ao construir uma variação irônica em relação à epístola elogiosa como entreato de obras impressas na virada do século XVI para o XVII na Inglaterra: Sabe que uma obra apresentada como ‘excelente’ não pode prescindir da “epístola ao leitor”, mas para não se estender demais – ao modo da epístola “A never writer, to an ever reader. Newes.”(1609) –, Walkley considera que o “Authors name” já o recomenda suficientemente. Hemminge e Condell repetem esta mesma tópica em sua epístola ao leitor no fólio de 1623 de ‘Shakespeare’. Contudo, a leitura (pós-)romântica canonizante de tais indícios textuais, sem a consciência da instituição retórica neles implicada e de sua recorrência contextual, abriu margem para muitas leituras anacrônicas, como a versão mercadejável monumentalizante de que ‘Shakespeare’ já era reconhecido como “gênio original” desde a sua época. Há uma deliciosa ironia em ‘Walkley’, que não é dele-indivíduo (i.e., a sua intenção psicológica nos é inacessível), mas do gênero que aciona. Como ele aciona a máquina retórica de gênero adequada ao tema, isso faz a ironia funcionar: ele não precisa fazer o julgamento da obra para o leitor, pois a excelência do autor é tanta que ele pode deixá-lo, sem receio, na companhia do ‘livre julgamento’. Ao situar o ‘autor’ nessa elevação, ‘Walkley’ faz um julgamento elogioso sem acionar todos os termos mais banais da epístola enquanto ‘entreato elogioso’ (já visto, por exemplo, em “A never writer, to an ever reader. Newes.”): para ‘Walkley’, ‘Shakespeare’ simplesmente dispensa apresentação ou tutela comparativa. Quando faz isso, ‘Walkley’ economiza-se em palavras, mas cumpre a função da epístola como entreato elogioso por meio do ‘silêncio comparativo’ (uma metonímia da ausência-presença) que provoca: nivela a tragédia de ‘Shakespeare’ à referência clássica de ‘Sêneca’ (cuja grandiosidade igualmente dispensa apresentação), mas sem precisar de dizê-lo, pois seria a comparação mais óbvia no contexto enunciativo dessa máquina elisabetana de gênero. Aliás, vale lembrar que a epístola de ‘Walkley’ é o entreato elogioso de uma peça que justamente contém a presença trópica do ‘Hercules furens’ senequiano na caracterização de Otelo como protagonista trágico. Portanto, sem nos familiarizarmos com os contextos específicos nos quais tais máquinas de gênero fazem sentido na Inglaterra dos séculos XVI e XVII, não pescamos os subentendidos que marcam as dobras de sentidos inter, intra e extratextual de uma ‘obra’. As formas epistolares em tais contextos comunicativos formam um gênero expressivo retoricamente vinculado ao desdobramento temático-elogioso para uma obra/autor teatral dado(a) a público para ser vendido(a) na forma impressa, que não

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seria legalmente impresso(a) se não passasse previamente pela censura da ‘Stationers Company’. Apenas depois do filtro regulatório da ‘Stationers Company’, uma obra poderia ser liberada para a “liberty of iudgment” da “generall censure” dos leitores. Como me interessavam as múltiplas marcas arqueológicas de sentido dos singulares presentes de composição poética e de legibilidade materializados nos in-quartos de peças de ‘Shakespeare’ da virada para o século XVII, eu não poderia ignorar os condicionantes inter, intra e extratextuais que formavam os seus subentendidos. Se eu não me colocasse o desafio de aproximação diatópica de tais condicionantes epocais, não estaria efetivamente me deslocando para fora da instituição literária romântica, que ainda formava os estudos no Brasil sobre as peças shakespearianas, seja no teatro, seja na literatura. Definitivamente, não me interessava cair nos mesmos lugares e fazeres recorrentes de obras como “Shakespeare, nosso contemporâneo” ou de “Shakespeare: A Invenção do Humano”. Entre os seus vários processos de construção, a tese passou por este tipo de trabalho arqueológico de reconstituição de legibilidade proposta para a audiência/leitor dos séculos XVI e XVII. Depois de muito refletir durante o primeiro ano de doutorado, resolvi focar em duas edições: o in-quarto de 1599 de “Romeu e Julieta” (pelo que sabemos, a partir do que sobrou desse universo de edições flutuantes, foi em 1622 que apareceu pela primeira vez o nome ‘Shakespeare’ nos frontispícios de in-quartos de “Romeu e Julieta”); o in-quarto de 1597 de “Ricardo III” (o nome ‘Shakespeare’ aparece nas variantes editoriais a partir de 1598). Ao me deparar com tal situação, resolvi comparar algumas recorrências temáticas de valor “para venda” presentes nos frontispícios de in-quartos de ‘Shakespeare’ na British Library entre 1594 e 1637. *** É no frontispício que a obra se grita para o leitor, segundo as escolhas interessadas e moduladoras dos livreiros elisabetanos e jacobitas. Dos 73 frontispícios encontrados, percebi as seguintes recorrências no acervo da British Library: * As recorrências simultâneas de “referência à patronagem” e de “referência ao agente coletivo de performance” como fatores que conferiam valor situacional para a venda dos in-quartos foram de 50 em 73 (68,5%). Deste conjunto, há uma subdivisão de incidência: “frontispícios sem referência ao poeta cênico”(14); e “frontispícios com referência ao poeta cênico”(36). Padrões de conjugação temática: Todas as vezes em que há referência ao agente coletivo de performance (i.e., a Companhia Teatral), há necessariamente referência ao seu patrono; as referências à patronagem e à performance sempre seguem juntas e antecedem a referência ao poeta cênico no jogo de status dos 36 frontispícios “com referência ao poeta cênico”. Não há vínculo necessário entre as tópicas “versão corrigida e/ou aumentada” e a citação do nome do poeta cênico. Entre as 14 “referências simultâneas à patronagem

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e ao agente coletivo de performance, mas não ao poeta cênico”, 3 frontispícios têm as tópicas de “versão corrigida e/ou aumentada”; enquanto 11 das 36 “referências simultâneas à patronagem, ao agente coletivo de performance e ao poeta cênico” acionam a tópica de “versão corrigida e/ou aumentada”. Isso significa que, nos frontispícios, não há um necessário vínculo causal entre “escrito por William Shakespeare” e “novamente corrigido e/ou ampliado” nos in-quartos entre 1594 e 1637, pois “corrigir e/ou aumentar” é um trabalho de stationers, e não necessariamente de author. * [Comparativamente, isso nos faz entender que não é contraditório que, no fólio de 1623 de ‘Shakespeare’, Hemminge e Condell acionem a recorrente tópica elogiosa da hábil “mão/mente” do ‘author’ que segue rapidamente (e de perto) à inspiração das musas dos gêneros teatrais, ao mesmo tempo em que se posicionam, tropologicamennte, como os ‘tutores’ dos “filhos/escritos” deixados pelo “decease poet”. Ora, como tutores, Hemminge e Condell poderiam interferir no crescimento/aumento dos “filhos/escritos” da ‘auctoritas Shakespeare’. Portanto, Hemminge e Condell não são ainda formados pela noção da suposta integridade intelectual-arquetípica fixadora de “Autor/Obra” da instituição literária romântica. Para os efetivos contemporâneos de ‘Shakespeare’, os seus ‘workes’ eram processos abertos, sujeitos às reformas de gosto, acréscimos, variações e efeitos dos tempos, como qualquer ‘auctoritas’ considerada/inventada como a melhor atualização ou encarnação dos gêneros poéticos clássicos num ambiente letrado específico (no caso, a Inglaterra elisabetana-jacobita). Nesse sentido, o ‘worke’ não está parado porque o leitor e/ou a audiência não são imóveis. Contudo, não se tratava de simples releitura desconstrucionista aleatória, mas de efetivas reescrituras poéticas criteriosas (e desindividualizadas) das peças para ‘workes’ que contemplassem novos gostos ou exigências situacionais. Afinal, antes da instituição literária romântica, tudo que expande e atualiza em novos decoros a ‘auctoritas’ de um gênero também a vitaliza para novos contextos. Daí, não deve causar espanto o “Hamlet” mais neoclássico do ‘Shakespeare’ de William Davenant na década de 1660. Nele as marcas arqueológicas de legibilidade já são outras: indiciam mudanças de gosto e lugar de circulação para a peça que não são mais as ‘liberties’ de Londres anteriores à Guerra Civil Inglesa. Foi a instituição literária romântica que fixou textos em “Obra/Autor” individualizado-arquetípico e, por conseguinte, foi em contraponto à sua função-autor que se reagiu, desde a década de 1960, com uma espécie de “função-leitor” aleatória, presentista e não-diatópico. A meu ver, trata-se de uma simplificação reativa presente-passada da “função-leitor do livre mercado” a uma simplificação passada-presente de “Obra/Autor” historicamente circunscrita.] * Apenas 20 em 73 (27,4%) frontispícios têm referência ao “poeta cênico” como único fator que recomenda a peça impressa para o leitor. Deste conjunto, 13 frontispícios

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acionam a tópica “corrigida e/ou aumentada”, o que pode ser algo completamente falso, simplesmente feito para capitar interesse de compra por determinado livreiro que comprou as matrizes de outro. * Por fim, apenas 3 em 73 (4,1%) frontispícios seguem sem referência à patronagem, ao agente coletivo de performance ou ao “poeta cênico”. Neste pequeno conjunto, os frontispícios criam status para as peças somente a partir de detalhes dramáticos de seus enredos e seus personagens principais. Tratam-se de partes impressas de duas peças (“Henrique IV” e “Henrique VI”, editadas entre 1594 e 1600) baseadas em crônicas históricas suficientemente conhecidas e recorrentes no teatro das ‘liberties’ da época a ponto de os livreiros Andrew Wise e Thomas Millington acharem suficiente modular interesse de compra somente com a sinopse de ‘momentos-chave’ e ‘personagens emblemáticos’ para o leitor/audiência daquele momento. * ***

No Antigo Regime, devido à presença forte da poética e retórica aristotélicas como reguladores do "bom tom" das "belas letras", há uma expectativa de gênero discursivo que define experiências temáticas e de padrões de legibilidade para o leitor/audiência de uma ‘obra’. Tal premissa teve um efeito importante na pesquisa da tese, particularmente no segundo ano do doutorado, quando me interessaram: o leitor/audiência interno à ‘obra’; as formas de ver, entender e caracterizar personagens; as recorrências trópico-temáticas e as suas tradições expressivas e formativas; e a formatação editorial. Estas foram as minhas janelas contextualizantes que apontaram para valores sociais de época (i.e., valorações presentes nas formas como as “belas letras” se pensam e se hierarquizam no Antigo Regime). Por este viés, as materialidades editoriais das peças não eram apenas efeitos sociais culturalmente estruturados, mas também ações culturais estruturantes; contaminadas e contaminantes de ideias e valores referidos a instituições sociais. Daí, posso dizer que a tese foi se configurando num duplo contraponto: tanto à crítica que dissolveu demais o texto no leitor quanto à tradição crítica romântica que inventou um cânone autoral "Shakespeare". A meu ver, a crítica à ‘função-autor da instituição literária romântica’ levou, no extremo, à aleatória celebração da ‘função-leitor do livre mercado’ – fenômenos eminentemente contemporâneos, não universalizáveis para outras épocas. Do ponto de vista do estudo da obra literária como fonte histórica [Fonte para qual história? É bom perguntar com consciência das implicações hermenêuticas disso.], há uma ponderação crítica de Alberto Lins Caldas que considero importante para o estado atual dos estudos que tenho desenvolvido como desdobramentos temáticos e/ou metodológicos da tese: fazer o texto vibrar no presente não é presumir fazer parte do texto, mas fazer roçar para inflamar no presente; portanto, isso não pode ser a ação de uma imaginação aleatória sobre o corpo morto do outro (pura

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necrofilia, portanto). Para mim, este outro epocal não está morto: não posso aproximar-me dele aleatoriamente supondo que posso fazer com ele o que eu bem entender como “leitor”, pois isso torná-lo-ia apenas uma função submissa a uma leitura supostamente livre. O que faço é um exercício de aproximação arqueológica sobre como se enuncia em seus próprios termos. Nisso reside todo o desafio de reconstituição de legibilidade do tipo de História Social da Cultura/Arte que faço. Por me posicionar criticamente em relação a ambas as possibilidades (i.e., não deixar que a crítica da função-autor oitocentista se torne uma aceitação acrítica da função-leitor do livre mercado), e por ser contra o risco presentista nivelador pouco perspectivador dos enunciados literários historicamente localizados, a minha ação hermenêutica não deseja apagar as distâncias culturais que localizam de forma estarrecedora as obras literárias, tanto aquelas que se anunciam conscientemente abertas (em relação tensa e/ou sintomática com a volatilidade presentista da vida contemporânea) quanto aquelas para as quais a novidade e o individualismo não estão culturalmente positivados (i.e., o universo da ‘instituição retórica’ do Antigo Regime). Enfim, quando se fala de “fim do autor”, fala-se da função-autor do século XIX. Para mim, o seu fim não é o império da função-leitor do livre mercado e seu “tudo pode” aleatório-egóico-oceânico-infantilizado-monotópico, ou a celebração de formas insuladoras de heterotopias, o que, no final das contas, tornam-se apenas fragmentos justapostos de monotopias que apenas se chocam, mas não se deslocam diatopicamente e, portanto, não se apre(e)ndem, como os personagens do filme “CRASH”(2004, dir. Paul Haggis). Então, um movimento importante na tese foi identificar a função-autor no Antigo Regime. Tal momento de reflexão na tese deveu-se muito, no meu caso, à forma como João Adolfo Hansen conduziu os seus estudos sobre "Gregório de Mattos Guerra", situando-o numa variante católica de ‘instituição retórica’ operante no Antigo Regime. O seu livro “Sátira e Engenho” rompe efetivamente com as categorias de percepção e avaliação da instituição literária (pós)romântica. O diálogo com sua produção foi muito inseminador da minha pesquisa, sendo justo destacar que não encontrei nenhum trabalho com o mesmo nível de desafio e potencial crítico nos campos de estudos shakespearianos diagnosticados na “Shakespeare Quarterly” entre 1971 e 2001. Entretanto, no modo como eu apresento a forma final da tese – ou seja, no resultado da escrita da tese para uma banca de historiadores –, o trabalho ainda cede à forma de apresentação neo-historicista de pesquisa temática com fontes literárias, embora sem as premissas (românticas) de modernidade literária que perpassam a forma de história da literatura (centrada no inventário de representações de temas-chave em ‘obras’ a partir de agendas contemporâneas) do Steven Greenblatt das décadas de 1980 e 1990. Hoje, liberto da condição normótica de aluno de doutorado, ando mais distante do neo-historicismo quanto ao modo de formular questões temáticas para a pesquisa. Estou caminhando para uma hermenêutica (residualmente bakhtiniana) aberta à

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pulsividade artística tomada como ato localizado, respeitada como ato singular, autorrefletindo permanentemente sobre os riscos de meu processo de pesquisa objetificar os atos de arte (artísticos ou de artesão) em função de molduras dedutivas de pesquisa, ou de categorias apriorísticas das críticas contemporâneas que formam os campos de arte. Enfim, estou buscando uma liberdade crítica não-aleatória, resistente aos presentismos fetichizantes do livre mercado ou a novas ontologias que entram, disfarçadas, pela porta dos fundos da pesquisa. Talvez eu chegue a formular com mais sistematicidade alguma hermenêutica dialogista-diatópico para a questão da ‘dobra da ficcionalidade’ nos estudos, politicidades e pesquisas ‘com História’, inspirando-me na provocação crítico-perspectivadora em/para mim do “tempo puro” na poesia de Luís Serguilha. Assim, afasto-me tanto de determinadas correntes subservientes e excessivamente céticas, niilistas, monotópicas ou normóticas de Estudar História, ou de pensar Teoria da História no Brasil, quanto de certos fazeres e restrições referenciais dos críticos literários da antiga ordem no Brasil, burocratizados (1) pelas máquinas de teses das universidades, (2) por padrões críticos estabelecidos e institucionalizados como cânones e (3) pelos concursos literários repletos de cartas marcadas e antigas novidades. Um ponto comum perdura para mim desde a tese: O desejo de reconstituir arqueologicamente a legibilidade que uma obra se propõe enquanto ato, combater a “máquina tribal” (termo de Alberto Lins Caldas) desejosa de universalizações atemporais ou muito dada a ontologias vazias de autocrítica genealógica. Abraços e obrigado pelo interesse. Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2015 Alexander Martins Vianna _____________ (*) Pensei em desenvolver esta epístola de forma ampliada depois de conversar com Carlos Emílio C. Lima, que demonstrou sincero e entusiasta interesse por minha tese de doutorado. O nosso encontro de almas me fez encontrar-me com minh’almas passadas, mas de outra forma, perspectivadora, ao modo de como entendo a função do Historiador.

_____________ Carlos Emílio C. Lima é escritor, poeta, editor, ensaísta, antidesigner e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Fez mestrado em literatura espanhola na Universidade de Yale (não concluído). Editor de inúmeras publicações literárias, tais como: as revista o Saco Cultural, Cadernos Rioarte, Arraia Pajéurbe; e o jornal Letras&Artes (prêmio da APCA para melhor divulgação cultural do país em 1990). É correspondente da revista espanhola “El Passeante”. Publicou os romances: A Cachoeira das Eras: A Coluna da Clara Sarabanda (1979); Além Jericoacoara: O observador do Litoral (1982); Pedaços da História Mais Longe (1997); Maria do Monte: O romance inédito de Jorge Amado (2008); os livros de contos Ofos (1984), O romance que explodiu (2006); o livro ensaístico “Virgílio Varzea: Os olhos de paisagem do cineasta do Parnaso” (2002). Tem ainda inéditos os livros: Culinária Venusiana (poesia); Delta do rio suspenso (ensaios); A outra forma da Ilha (contos fantásticos); Teatro submerso (dramaturgia para o fundo do mar); Solário (contos infantis). É delicioso quando somos estimulados por mentes férteis.

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ANEXO – FRONTISPÍCIOS E EPÍSTOLAS AO LEITOR

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