Castelos e Dragões: o universo dos «jogos de faz de conta»

August 7, 2017 | Autor: Miguel de Noronha | Categoria: Role Playing Games, Adventure Games, Miniature Wargaming
Share Embed


Descrição do Produto

Castelos e Dragões: o universo dos «jogos de faz de conta» "(...) Tem aqui a oportunidade única de abrir a janela a séculos de história...", podia ter dito [...] Manuel Ferreira, quando foi lançada entre nós a versão portuguesa de «Dungeons & Dragons», em Lisboa. [...]

«NA FLORESTA NEGRA» (...) não se trata de um qualquer jogo comum. É uma aventura saída de um filme de fantasia e apela ao imaginário individual. O principal é que se joga em grupo, não exige conhecimentos históricos especiais e para o «combate medieval» não é preciso qualquer tabuleiro ou peças. O verdadeiro «suporte físico» da aventura é uma mesa, onde decorre a «história» contada pelo Mestre de Jogo que criou o cenário propício aos acontecimentos, livros de regras, papel e lápis... Esta «ficção» de heroísmos transpõe-se para os diálogos entre os «actores» individuais e o Mestre de Jogo, e todos têm uma meta: divertirem-se e, ao mesmo tempo, «sobreviverem» no terreno próprio do Jogo.

UM JOGO ABERTO Como qualquer outro jogo de personagem, «Dungeons & Dragons» deixa que sejam os próprios jogadores a escolher «quem» querem ser e a decidir o curso dos acontecimentos, quando a isso não sejam forçados já pela lógica das coisas, a tomar decisões. Agir, é este o «fingimento» de quem procura ser outra pessoa, o outro intemporal com os poderes que desejaria ter na vida real. Dessa acção, derivam consequências no curso histórico que é terem de adoptar comportamentos de entreajuda, contribuindo para uma finalidade comum: ser bem sucedidos.

JOGO COLECTIVO Quem já jogou, sabe que não há lugar para os «heroísmos individuais». Para os curiosos que são muitos, não há nada melhor do que tentar. Missão mais espinhosa é a do Mestre de Jogo. Tem de estar pronto para dar «respostas» aos jogadores a seguir se estes se «comportarem» bem ou mal naquele universo idealizado. É que o «cenário» proposto não é tão ideal como isso e, afinal, sempre implica alguma dose de «identificação pessoal» dos intervenientes. Como nos jogos propostos, todos os dias eles actuam num mundo mais complexo, em conformidade com padrões que são impostos ou fazendo depender os seus interesses pessoais doutras circunstâncias.

JOGO «A SÉRIO» (...) Proporciona uma «utilidade marginal» aos consumidores de jogos, pois para quem joga ou para quem passa a jogar, a «aventura» de brincadeira conduz a uma espécie de aperfeiçoamento, na medida em que os tais «clientes fiéis» do produto reagem a situações específicas e aprendem a ultrapassar problemas concretos. Ainda que só num «universo imaginário» a coisa é mais séria do que pode imaginar. Esboçam-se alternativas e estratégias de comportamento face às dificuldades propostas pelo Mestre de Jogo, que depois podem ser adaptadas à vida real. Em resumo, agir e tomar decisões, como se comportar tacticamente, como atingir um objectivo...

«FAZ DE CONTA» Roleplay. Mas no jogo do «faz-de-conta» não há só Dungeons & Dragons. De facto, todos os dias ocorre um outro jogo de estimulação constante e que apela a mecanismos de defesa neuróticos como a sublimação, negação, deslocamento, recalcamento, conversão, resistência, projecção e regressão. Mecanismos que os psicólogos conhecem bem. É sobretudo a «capacidade para nos adaptarmos à vida real e conseguir ultrapassar situações novas» que nos é pedida. A nós, que estamos mais ou menos divididos em três instâncias de psiquismo humano a que Freud chamou Id, Ego e Super-ego e procuramos avidamente atingir uma espécie de homeostase que garanta um «equilíbrio psíquico dinâmico e permanente». Pois bem, é nisso que os «Jogos de Fantasia» ajudam.

FREUD, «PSICODRAMA» E PAPÉIS SOCIAIS Sigmund Freud aconselhara aos seus pacientes do foro neurológico «a associação livre de ideias, num ambiente livre de restrições» como meio para facilitar a recordação, compreensão e resolução definitiva de certas «vivências penosas» dos próprios. Mais tarde, o seu discípulo Joseph Moreno viria a retirar daí uma metodologia terapêutica, o «psicodrama», que utilizaria para casos de neurose e pré-psicose ou como modo de impedir o agravamento de um estado psicótico, mantendo-o a um nível de interacção aceitável com o meio ambiente. Nessa «representação dramática livre» é cada um, por sua vontade ou por indicação do terapeuta, que assume ou desempenha um determinado «papel» através do qual possa exprimir a sua verdadeira personalidade ou encarnar a de outras pessoas com as quais mantém pendente qualquer problemática de «conflito, frustração, dependência, antagonismo ou ambivalência». Mas isto de ensaiar novos papéis em que os «actores» somos nós, ou de assumir outros ligados momentaneamente a quem interfere no nosso modo de vida é estar a «representar com total liberdade do tema e papel escolhidos, mantendo a independência em relação a um argumento não pré-estabelecido». E são os outros «actores» da peça representada em conjunto que, ao desempenhar outros papéis, nos servem de «espelho» e facilitam a nossa própria actuação. Um modelo de actuação preventivo que ajuda a manter o equilíbrio da personalidade e permite experimentar novas emoções contidas a custo e para as quais provavelmente existiria uma dificuldade de descarga regular...

O «ROLEPLAY» COMO JOGO DE GRUPO No Roleplay, que é uma variante do «psicodrama», passa-se algo parecido, pois é usado para estimular a discussão e desenvolver novas percepções numa variedade de situações de grupo. No caso dos jogos de fantasia como «Dungeons & Dragons», pede-se aos «jogadores» que representem papéis por si livremente escolhidos (uma personagem do jogo), mas em que invariavelmente se deparam com diversas situações conflituais. Aos participantes no jogo cabe resolver os «problemas concretos» que lhes são colocados, com a ajuda do Mestre de Jogo mas segundo a descrição do papel que escolheram. O «seu» personagem da história fantástica medieval tem uma personalidade própria e poderes e capacidades fixados pelas regras do jogo, e é ele que enfrenta as dificuldades do terreno e outras, que vão surgindo.

O «ROLEPLAY» COMO TÉCNICA PARA AGIR Técnica usada correntemente na «gestão e treino da liderança», o Roleplay foi desenvolvido em 1953 por Maier e permite uma eficácia semelhante à técnica clínica do «psicodrama». Em «Dungeons & Dragons», como noutros jogos de personagem ou mesmo de simulação e estratégia, ela consiste em amboa - jogador e Mestre de Jogo - conseguirem manter um «feedback interpessoal» recíproco. Também aqui se «lida» com o gosto do actor e, ainda que de uma maneira implícita, são objectivos orientadores do jogo aumentar a sensitividade interpessoal, apreciar de um modo «empático» a posição dos outros, desenvolver a aptidão para resolver problemas «em tempo real» associando ao método de decisão uma «estratégia de participação» no grupo envolvente e fornecer uma oportunidade para avaliar os efeitos dessas tomadas de decisão (comportamentos) nos outros (destinatários ou alvos) e no desfecho do jogo. Até aqui, no domínio específico das actividades lúdicas como «Dungeons & Dragons», a Psicologia é interveniente, afinal uma ciência que, para comportamentalistas oubehavioristas «estuda o comportamento humano e tenta modificá-lo».

[Artigo publicado (excertos). Suplemento Diabíssimo, semanário O DIABO, 28 de Novembro de 1989.]

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.