Categorias de representação de memória e identidade para a herança cultural digital na \'World Digital Library\'

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CATEGORIAS DE REPRESENTAÇÃO DE MEMÓRIA E IDENTIDADE PARA A HERANÇA CULTURAL DIGITAL NA ‘WORLD DIGITAL LIBRARY’ Eduardo Alentejo, Gabriel Alves Pereira, Jayme de Pinho Neto

INTRODUÇÃO A pesquisa aborda o patrimônio digital como representação da memória e identidades sociais na ‘World Digital Library’ (WDL). A missão da WDL é tornar disponível na Internet, gratuitamente e em formato multilíngue, importantes matérias-primas de países e culturas de todo o mundo (WORLD DIGITAL LIBRARY, 2012). Seus principais objetivos são: a) promover a compreensão internacional e intercultural; b) expandir o volume e a variedade de conteúdo cultural na Internet; c) fornecer recursos para educadores, universidades, e, para o público em geral; d) desenvolvimento de capacidades em instituições parceiras para colmatar o fosso digital entre os países. A WDL (2012) pode ser entendida como uma construção coletiva para promover o entendimento internacional

e

intercultural

da

herança

digital.

Nesse

processo,

os

instrumentos tecnológicos devem coincidir com fins sociais e institucionais para a preservação e permanência do patrimônio digital. Com base no sentido de nacionalismo, proposto por Hobsbawm (2014), entende-se

que

autodeterminação

nacional

é

direcionada

a

grupos

nacionalmente definidos, o que constitui a formação da identidade e memória culturais daqueles nacionalmente definidos. Assim, a dinâmica de construção da identidade contempla vários aspectos, tais como: os símbolos nacionais e ideais de patrimônio cultural; criando sentidos relacionados com o sentimento de pertença nacional (HOBSBAWM, 1992; CANCLINI, 1999). Nessa perspectiva, argumenta-se como a WDL abarca a herança cultural capaz de representar a memória e a identidade através de suas coleções

digitais?

E

como

suas

coleções

digitais

podem

ser

consideradas

representativas da memória coletiva e identidade cultural? Nesse sentido, objetivou-se analisar a WDL como aspecto de herança patrimonial digital, e especificamente, avaliou-se quais indicadores podem constituir expressões representativas da memória social e identidade.

MATERIAIS E MÉTODO A pesquisa de natureza qualiquantitativa está dividida em duas etapas: método exploratório e método de colagem digital. A primeira se baseou em revisão de literatura no campo de patrimônio digital, memória social e identidade. A segunda envolveu procedimentos experimentais de colagem digital. Hottola (2012) projetou o método de colagem para possibilitar estudo de estereótipos nacionais e regionais, denominado por sociotypic; e consiste em empregar conceitos de ‘nação’ e de ‘nacionalidade’, em seu sentido mais estreito. Semelhante a ele, empregamos a colagem digital que, de acordo com Bloom (2006), é a técnica de utilização de recursos computacionais (Photoshop e Painter) na criação de colagem para encorajar associações aleatórias de elementos visuais distintos e a transformação posterior de resultado visual pelo emprego de meios eletrônicos. Desse modo, a população do estudo foi de 50 estudantes voluntários, graduandos em Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. A partir da visualização eletrônica de 10 imagens digitalizadas do acervo digital da WDL, de forma randomizada, sem identificação referencial das mesmas, as imagens foram distribuídas aos participantes do experimento, sendo proposta individualmente a cada um deles a criação espontânea de

histórias acerca de cada uma delas. Tendo como única orientação a noção de nacionalismo, as etapas do experimento foram: entrevistas individuais para explicação dos procedimentos do experimento, a disponibilidade de recursos eletrônicos para a tarefa de colagem digital, e instrução quanto à elaboração das histórias solicitadas aos participantes. As variáveis obtidas nas histórias, por eles elaboradas, foram analisadas à luz da revisão de literatura.

REVISÃO DE LITERATURA A questão da memória social é emergente já no século XX, como uma das preocupações culturais e políticas centrais das sociedades ocidentais (HUYSSEN, 2000), invocada quando em momentos de crise de identidade, onde se reivindica e apela-se a antecedentes históricos. Nesse processo e de seus entremeios, do jogo de poder entre lembrar e esquecer, de conflito e contestação, as identidades são elaboradas (WOODWARD, 1997). Ao partirmos desse princípio, nota-se a importância de se compreender a complexidade sobre as diferentes teias de representações de memória e identidade no mundo atual, bem como essas criações de sentido são maleáveis e mutáveis de acordo com diferentes perspectivas. Pollak (1992, p. 208) postula que se a memória é construída socialmente, é evidente que toda a documentação também o é. Dessa forma, assumimos a perspectiva de observar a categoria de patrimônio como fenômeno informativo e circunstancial. Em sentido processual, Choay (2001), por exemplo, explica que a "herança" é uma palavra amplamente reclassificado por vários atributos, tal como se pode acompanhar a trajetória dos registros do conhecimento sobre este tema. Para a autora, portanto, a ideia de patrimônio admite uma

pluralidade de adjetivos, tais como: histórico, artístico, cultural, imaterial, virtual, digital, transformando o conceito de patrimônio em termo nômade. A atribuição do valor patrimonial é dada aos objetos, artefatos culturais, documentos, edificações monumentais etc. Nesses casos, o patrimônio é visto como uma herança, e além das categorias de índice, esses bens materiais surgem dentro do universo simbólico (NORA, 1993). De acordo com Canclini (1999, p. 17), o patrimônio cultural pode expressar a solidariedade que une os que compartilham um conjunto de bens e práticas que identificam o coletivo, mas geralmente é também um lugar de cumplicidade social. Para o autor, os esforços para definir, preservar e divulgar - guiado pelo ideal de patrimônio histórico e simbólico de prestígio-, muitas vezes, incorrem em qualquer simulação para fingir que a sociedade está dividida em classes e grupos étnicos, ou pelo menos que a grandeza acumulada e respeito por esses bens transcendem essas fraturas sociais. Dessa forma, o coletivo parece ser o principal atributo que torna a Web como um grande centro de memória virtual do mundo. Isso foi acelerado pela passagem do patrimônio cultural no território do ciberespaço, com a criação de museus virtuais, bibliotecas digitais e documentos eletrônicos (DODEBEI; GOUVEIA, 2008). O valor patrimonial em suas configurações contemporâneas considera o cenário em que ele é produzido. As heranças culturais podem surgir no espaço virtual, quando ocorre a sua criação e se transforma continuamente por momentos compartilhados no ciberespaço. Em qualquer situação, posteriormente, coleções digitalizadas como herança não devem ser tomadas apenas como um objeto, mas como um agregado de informações sobre o objeto, bem como uma representação da memória social, qualquer que

seja a sua natureza, material ou imaterial (DODEBEI; GOUVEIA, 2008) cujo valor simbólico amplia a categoria nacional ou regional para internacional ou universal (ALENTEJO; CORRÊA, 2013). Além da existência de possíveis estereótipos nacionais, Hottola (2012) explica que não somos capazes de compreender toda a diversidade do mundo e, portanto, temos a tendência de confiar em generalizações. Desse modo, o sentido da memória coletiva não pode ser reduzido por representações comuns. Gondar (2005) explica que, se estamos reduzindo a memória dentro do campo das representações, vamos desprezar as condições processuais de sua produção. Para a autora, a memória não só marca representativamente arquivos de um povo, de um evento ou de uma cultura; exatamente porque, “ela é parte da esfera social em que se está vivendo, respirando e em constante mudança”. Essa explicação considera que a memória abrange muitos significados e, portanto, sua representação é apenas um fragmento, uma instância do que Halbwachs (1992) denomina por trama, muito mais complexa e extensa. Essas perspectivas correspondem a alguns dos fenômenos da memória social tal como proposto por Halbwachs (1992) e Pollack (1992). De acordo com Halbwachs (1992), a memória pode ser entendida como um fenômeno coletivo e social. Assim, a memória é construída e está sujeita a flutuações, modificações e transformações coletivas. Pollak (1992) entende essa fluidez como um processo inerente aos sentidos de construção social. Para o autor, durante esse processo, os usos sociais da memória dependem de marcos ou pontos relativamente inalterados. Isso ocorre porque, uma vez que a memória é um fator importante de sentido de continuidade e coerência

de um grupo social em particular, e, em sua própria reconstrução, a memória também é um constituinte do sentimento de identidade individual e coletiva. Os marcos que são inalterados são comumente percebidos em representações culturais, tais como instituições de memória e suas coleções, como é o caso de bibliotecas, arquivos e museus (NORA, 1993). Por sua vez, essas representações se ligam à identidade social pelo processo de assimilação. O processo de assimilação da identidade está relacionado com a imagem de si, para si e para os outros. Segundo Pollak (1992), na assimilação da identidade social não se encontra necessariamente um elemento que se escapa a partir do indivíduo e, por extensão, ao grupo, e este elemento é o outro. De acordo com o autor isso ocorre porque ninguém pode construir uma autoimagem livre de mudança, de negociação e de processamentos, dependendo, portanto, do outro. A construção da identidade é um fenômeno que ocorre em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, admissibilidade e de credibilidade, e isso é feito através de negociação direta com os outros (POLLAK, 1992, p. 204). Essa construção requer lugares para materializar tal fenômeno no espaço e no tempo. Desta forma, pode-se supor que eles são, em sua maioria, percebidos através de lugares de memória social, tal como é o caso dos modelos institucionais de memória de determinadas culturas (NORA, 1993). Sob o conceito histórico de Nora (1993), a aproximação dos locais de memória compreende toda sua amplitude do termo, uma vez que o material objeto concreto alcança e envolve também o mais abstrato, o simbólico e o funcional. Tais aspectos coexistem simultaneamente e em diferentes graus. Como explica Nora (1993), os três aspectos coexistem sempre. A materialidade dos lugares

de memória ocorre por seu conteúdo demográfico, localizado; sendo funcional por hipótese, e, por conseguinte, tanto assegura a cristalização da memória quanto a sua transmissão. Já o seu valor simbólico é caracterizado em função de algum acontecimento ou de alguma experiência vivida pela maioria. Para Nora (1993), lugares de memória são lugares onde o material e o imaterial cristalizam a memória de uma sociedade, uma nação, ou grupos, onde as pessoas se identificam e se reconheçam. O que permite que os sentimentos de formação de identidade e de pertença se construam. Com essa abordagem, é possível considerar a WDL como um lugar de memória, criado sob o conceito de "coleção universal baseada na Internet, de fácil acesso às riquezas culturais do mundo que contam as histórias e destacam as realizações de todos os países e culturas, promovendo consciência e compreensão intercultural" (WORLD DIGITAL LIBRARY, 2012). Nesse caso, as coleções digitais podem ser compreendidas como sendo os pontos imutáveis para a representação da memória social. Por sua vez, elas são usadas dentro de um contexto social que usa artefatos e dispositivos tecnológicos para perpetuar o sentido de herança cultural. Nesse sentido, elas são compartilhadas pelos países envolvidos no projeto da WDL. Por sua vez, as coleções digitais se tornam disponíveis para todo o mundo através da Rede Web. Tais premissas levam à ideia primordial de herança cultural e patrimônio, tal como postulada por Canclini (1999). No entanto, quando se verifica a construção desse ideal de patrimônio no ciberespaço, pode-se afirmar que o conceito de patrimônio cultural digital é válido? Se sim, o patrimônio cultural permite a manifestação do fenômeno da memória e identidade social no ciberespaço.

RESULTADOS As variáveis identificadas alcançaram certo padrão de dependência sobre aspectos relativos à Memória Social e Identidade, herança e patrimônio cultural. O resultado final aponta para a identificação de categorias de representação encontradas nas histórias: patrimônio, identidade, alteridade, memória, esquecimento, educação e cultura, tal como demonstra o gráfico: Gráfico – Categorias de representação produzidas nas histórias dos pesquisados Patrimônio Identidade Alteridade Memória Esquecimento Educação e Cultura

Fonte – os autores.

De acordo com o gráfico, é possível deduzir a constância das categorias com proporção equilibrada. Embora a categoria "educação e cultura" possa se referir a aspectos com que os alunos podem perceber o "patrimônio" através das imagens digitais, a sua frequência é menor do que ocorreu em relação às outras categorias. Com alto nível de frequência, a categoria memória foi em grande parte relacionada com as categorias ‘identidade’ e ‘patrimônio’. As imagens digitais com as quais os alunos experimentaram foram representadas sob as categorias memórias e identidades a partir de suas histórias. O que se observou foi que, muitas das vezes, as narrativas não expressavam os conteúdos e imagens conforme as descrições na WDL.

O mesmo ocorreu com as categorias ‘esquecimento’ e ‘alteridade’. Tais categorias foram associadas ao patrimônio pelos alunos quando eles tiveram que escolher qual a imagem representava para eles a mais apropriada para a elaboração de suas narrativas que podiam tecer para contextos não-nacionais, isto é, estrangeiros. Isso indicou a existência de sentimentos de pertença, reconhecendo características das outras imagens que poderiam incorporar a si mesmos, enquanto sentimento de pertencimento em termos de cultura e patrimônio, situando-as, em determinados casos, a uma ampliação do uso universal da herança cultural no ciberespaço. Um indicador diz respeito à criação de estruturas de esquecimento, essencialmente em termos de seleção de documentos digitalizados, o que resultou nas categorias ‘esquecimento’ e ‘alteridade’. O conjunto dessas categorias incluiu efeitos de representação das coleções da WDL sobre a memória social e identidade no que se refere ao patrimônio. Pois, as histórias envolveram aspectos dicotômicos de memória e esquecimento bem como, de identidade e alteridade. Considerando o exame da revisão de literatura, duas variáveis independentes são identificadas: o sentimento de pertença e alteridade pode criar sentidos de memória coletiva, e o patrimônio cultural disponível pode contribuir para a apropriação desses sentidos. Já com o experimento, a colagem associada a cada história permitiu verificar o efeito dessas variáveis sobre aquelas analisadas na base teórica.

CONCLUSÃO A WDL compreende a herança cultural capaz de representar a memória e a identidade através de suas coleções digitais se examinada através das

categorias

patrimônio,

identidade,

alteridade,

memória,

esquecimento,

educação e cultura. A herança digital da WDL é composta de objetos digitais de várias nações com uma forte carga simbólica. Durante e de acordo com os usos sociais, nomeadamente para fins educacionais e culturais, a WDL pode ser dimensionada como espaço de memória com base no patrimônio digital para representar memórias e identidades nacionais. Nesse processo, seu patrimônio digital representa a dinâmica da memória social e da identidade. REFERÊNCIAS ALENTEJO, Eduardo da Silva. ; CORREA, Ana Marcia R. The social nature of the World Digital Library. In: QUALITATIVE AND QUANTITATIVE METHODS IN LIBRARIES INTERNATIONAL CONFERENCE, 5., 2013, ROMA. Proceedings…. ROMA: ISAST, 2013. v. 5. p. 261-267. BLOOM, Susan R. Digital Collage and Painting: Using Photoshop and Painter to Create Fine Art. Antioch, CA: Focal Press, 2006. CANCLINI, Nestor. G. "Los usos sociales del Patrimonio Cultural". Encarnación cuadernos Patrimonio Etnológico, México, n. 1, 1999, p. 16-33. CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora da UNESP, 2001. DODEBEI, Vera, GOUVEIA, Inês. Memória do futuro no ciberespaço: entre lembrar e esquecer. DataGramazero, Rio de Janeiro, v. 9, n. 5, 2008. GONDAR, Josaida. Quatro Proposições sobre Memória Social. In: Gondar, Josaida; Dodebei, Vera. O que é memória social? Rio de Janeiro: UNIRIO, 2005, p. 17-19. HALBWACHS, Maurice. On Collective Memory. Chicago (IL): University of Chicago Press, 1992. HOTTOLA, Petri. Perceptions of the United States and the Americans: the Collage Approach. Finisterra, [S.l.], v. 47, n. 93, 2012. p. 49-63. Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2014. HUYSSEN, Andreas. Passados presentes: mídia, política, amnésia. In: ______.Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. p. 1-9. NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993. POLLAK, Michael (1992). Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 200-212. WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. WORLD DIGITAL LIBRARY. Mission. [Washington, DC], 2012. Disponível em . Acesso em: 3 jan. 2014.

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