Catequese e cultura digital: outra conexão é possível

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Papa Bento XVI, L’Osservatore Romano

Catequese

e cultura digital outra conexão é possível

O

princípio da vida cristã é uma Palavra que fala, que dialoga, que interage, que se comunica com o ser humano: o Verbo de Deus. Segundo o Diretório Nacional de Catequese (2007)1, particularmente pela catequese, “[...] essa Palavra de Deus continua a chegar às pessoas. Essa comunicação da fé, hoje, segue o mesmo processo pelo qual Deus, no passado, se revelou” (DNC n. 18). Como ministério da Igreja, a catequese deve levar em conta “[...] as situações específicas de cada lugar e as condições próprias de cada grupo de catequizandos” (DNC n. 59). E isso também vale na chamada “cultura digital”. Atualmente, o processo de digitalização envolve os mais diversos âmbitos: a família, a educação, a política, o esporte, a saúde – e também a religião. As redes digitais permitem que as pessoas e a sociedade em geral se comuniquem e se relacionem de novas formas, em todo momento e em qualquer lugar. Reduzindo tempos e encurtando espaços, a internet leva a transformar a relação tradicional das pessoas com elas mesmas, com os outros, com o mundo e também com Deus. Gera-se assim um novo ambiente existencial, antropológico, social, eclesial. O Mensageiro de Santo Antônio

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Janeiro/Fevereiro de 2015

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em setembro de 20142, aponta que mais da metade dos brasileiros já estão conectados à internet, chegando a 50,1%, do total da população em 2013. São aproximadamente 86,7 milhões de usuários desse sistema de rede com dez anos ou mais, sendo a maioria de mulheres (51,9%). Em relação à faixa etária, pessoas entre quinze e dezessete anos representam 76%, e as de dezoito a dezenove anos totalizam 74,2%, os maiores índices do total da população; ou seja, quase a mesma faixa etária dos catequizandos. Por isso, em termos catequéticos e pedagógicos, é preciso atentar para essas mudanças, pois é nessa nova cultura que se forma e se desdobra a experiência cotidiana dos mais jovens. Como afirma o Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil3, “a cultura participativa e colaborativa, sobretudo com as redes sociais digitais, pede uma revisão dos métodos pastorais” (n. 46). Em meio aos avanços tecnológicos e às novas práticas sociais em torno da comunicação e do fenômeno midiático, a formação de crianças, adolescentes e jovens, no âmbito da catequese, também deve ser repensada, com novos processos educativos.

Nas várias Mensagens ao Dia Mundial das Comunicações ao longo dos últimos anos, os papas recentes indicaram aspectos centrais da cultura digital para o processo pedagógico da catequese e da iniciação à vida cristã. Em primeiro lugar, a Igreja reconheceu a internet como uma fonte e um recurso para o estudo da fé cristã. Segundo o papa São João Paulo II (1920-2005), em sua mensagem para a celebração do Dia das Comunicações Sociais de 2002, a rede pode favorecer a continuidade da evangelização, mediante “a instrução e a catequese permanentes”. A internet, afirmou o pontífice, oferece “inúmeras fontes de informação, documentação e educação sobre a Igreja, a sua história e a sua tradição, a sua doutrina e o seu compromisso em todos os setores, em todas as partes do mundo”. Na infinidade de materiais disponíveis em rede (textos, imagens, músicas, vídeos) sobre a fé cristã, o catequista, à luz do Evangelho, pode encontrar elementos para enriquecer a experiência do discipulado de Jesus. Um segundo aspecto destacado pelo magistério papal sobre as redes digitais é a possibilidade de construção de vínculos e de relações humanas. Na mensagem para o Dia das Comunicações Sociais de 2009, o

papa Bento XVI (1927-) valorizava o fato de os jovens reconhecerem na internet um enorme potencial “para favorecer a ligação, a comunicação e a compreensão entre indivíduos e comunidade”. Segundo o pontífice, a evolução das tecnologias digitais se devia justamente ao fato de responderem “ao desejo fundamental que as pessoas têm de se relacionar umas com as outras”. No fundo, as redes sociais, como disse o papa emérito em sua mensagem para a Jornada Mundial das Comunicações Sociais de 2013, “são alimentadas por aspirações radicadas no coração do homem”: elas nos recordam que não “estamos” em rede, mas “somos” seres em relação, em comunidade. Por isso, além dos encontros de catequese presenciais, o contato via rede pode alimentar e aprofundar as relações fraternas já existentes. Ou, quem sabe, por que não promover um momento de “bate-papo” das crianças com seu bispo, via internet, para facilitar um contato que, infelizmente, em muitas dioceses, ou nunca ocorre, ou ocorre uma vez na vida... na celebração da Crisma? Um terceiro aspecto é a evangelização propriamente dita. Segundo São João Paulo II, na mensagem de 2002, a Igreja aproxima-se da internet “com realismo e confiança”, voltada a “seu potencial para proclamar a mensagem evangélica”. Mas, como lembrou Bento XVI (2009), “comunicar o Evangelho através das novas mídias significa não só inserir conteúdos declaradamente religiosos nas plataformas dos diversos meios”. Não se trata de um “bombardeio de mensagens religiosas”, como esclarece o papa Francisco (1936-), na mensagem de 2014. A evangelização em rede, como afirmou Bento XVI em 2011, envolve “testemunhar com coerência, no próprio perfil digital e no modo de comunicar, escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho, mesmo quando não se fala explicitamente dele. Aliás – continuou o papa emérito –, também no mundo digital, não pode haver anúncio de uma mensagem sem um testemunho coerente por parte de quem anuncia”. Um quarto e último aspecto que gostaríamos de destacar é a vivência comunitária e litúrgica da fé em rede e a partir dela. O Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais (PCCS), no documento Igreja e internet (2002), afirma que o ambiente digital não pode substituir a comunidade interpessoal concreta e a realidade da encarnação dos sacramentos e da liturgia.

Mas “pode completá-las, atraindo as pessoas digital, as novas formas de comunicação e de para uma experiência mais integral da vida relação da sociedade atual demandam um de fé e enriquecendo a vida religiosa dos processo de “inculturação digital” por parte usuários” (n. 5). Ou seja, “as redes facilitam a da Igreja. Ou seja, introduzir essa nova cultura partilha dos recursos espirituais e litúrgicos, na própria comunidade eclesial. Segundo tornando as pessoas capazes de rezar com a Exortação Apostólica  Evangelii Gaudium, um revigorado sentido de do papa Francisco, “cada proximidade àqueles que cultura oferece formas e “Independentemente das professam a sua fé”, como valores positivos que podem disse Bento XVI, em 2013. enriquecer o modo como tecnologias, o objetiNa catequese, é possível o Evangelho é pregado, vo é saber inserir-se no propor momentos de oração compreendido e vivido. diálogo com os homens com os catequizandos via Assim, a Igreja, assumindo e as mulheres de hoje, internet (em redes sociais, os valores das diversas para compreender as suas aplicativos móveis), ou culturas, torna-se sponsa então compartilhar pedidos ornata monilibus suis, a expectativas, dúvidas, de oração por mensagens noiva que se adorna com esperanças”. Na cultuou em comunidades on-line suas joias” (EG n. 116). Ou ra digital, catequética entre os companheiros de seja, não é um movimento e pedagogicamente, é caminhada na fé. Ou ainda apenas de evangelizar a importante conhecer as fazer “peregrinações” on-line cultura, mas também de se a locais de culto da Igreja, deixar evangelizar por ela, novas formas de ser, de como basílicas e mosteiros, a partir de suas “formas e pensar e de agir dos mais ou mesmo à Terra Santa, valores positivos”. jovens e, com discernicom os diversos mapas “Independentemente mento, formá-los como disponíveis na rede. Com das tecnologias”, afirmou cristãos a partir de sua tais recursos, a experiência o papa Francisco em seu catequética pode ser discurso à Assembleia experiência de mundo, enriquecida, aproximando Plenária do PCCS em 2013, com criatividade os conceitos teológicos à “o objetivo é saber inserir-se realidade cotidiana dos no diálogo com os homens e catequizandos. as mulheres de hoje, para compreender as suas Enfim, o papa Francisco nos desafia a expectativas, dúvidas, esperanças”. Na cultura construir uma “Igreja em saída”, “acidentada, digital, catequética e pedagogicamente, é ferida e enlameada por ter saído pelas importante conhecer as novas formas de ser, estradas” (EG 49). Entre essas estradas, de pensar e de agir dos mais jovens e, com afirma em sua mensagem de 2014, “estão discernimento, formá-los como cristãos a partir também as digitais, congestionadas de de sua experiência de mundo, com criatividade. humanidade, muitas vezes ferida: homens NOTAs e mulheres que procuram uma salvação ou uma esperança”. Então, como a catequese 1 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. pode se (re)pensar diante desse contexto? Diretório Nacional de Catequese. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. É bom destacar que a realidade da 2 Disponível em . Igreja brasileira é bastante diferenciada, 3 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. com comunidades muito avançadas Diretório para a Comunicação da Igreja no Brasil. Brasília, DF: CNBB, 2013. n. 99. tecnologicamente, e outras com pouco (Documentos da CNBB). ou nenhum acesso. Mas não se trata simplesmente de promover ou defender uma “inclusão digital” das comunidades, embora importante. Viver na cultura digital não Moisés Sbardelotto depende exclusivamente de se ter ou não um celular de última geração: trata-se, antes, Jornalista, autor do livro E o verbo se fez bit: a comunicação de lógicas e dinâmicas novas de pensar e e a experiência religiosas na experimentar o mundo, que acompanham as internet (Santuário) novas gerações. Portanto, mais do que inclusão O Mensageiro de Santo Antônio Janeiro/Fevereiro d e 2 0 1 5

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Arquivo pessoal

I G R E J A & C O MU N IC AÇ ÃO

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