CENÁRIOS SEMPITERNOS: MOVIMENTOS DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NO ENSINO DE ARTE

June 5, 2017 | Autor: Jéssica Demarchi | Categoria: Arts Education, Video Art, Audiovisual
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG INSTITUTO DE LETRAS E ARTES – ILA CURSO DE ARTES VISUAIS – LICENCIATURA

CENÁRIOS SEMPITERNOS: MOVIMENTOS DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NO ENSINO DE ARTE

JÉSSICA THAÍS DEMARCHI

Prof. Dr. MARCELO ROBERTO GOBATTO Orientador

RIO GRANDE - RS 2015

Interface do documentário FALA AÍ JUVENAL! no You Tube - 2015 Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG INSTITUTO DE LETRAS E ARTES – ILA CURSO DE ARTES VISUAIS – LICENCIATURA

CENÁRIOS SEMPITERNOS: MOVIMENTOS DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL NO ENSINO DE ARTE

JÉSSICA THAÍS DEMARCHI

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande, como requisito parcial para a obtenção do título de Graduação em Artes Visuais Licenciatura.

Prof. Dr. MARCELO ROBERTO GOBATTO Orientador

RIO GRANDE - RS 2015

Dedico o presente trabalho à minha avó, Luiza Demarchi. Neste ano tu nos deixaste e viraste um ser iluminado em outro lugar como costumavas ser aqui, mas na alma daqueles que te amam nunca deixarás de existir, foste uma pessoa maravilhosa. Espero que onde estiveres possas ter teu descanso merecido e que continue olhando por nós e sentindo nosso amor. Jamais te esqueceremos.

Agradecimentos De início gostaria de expressar minha gratidão em relação à minha família que não poupou esforços para me ajudar a realizar este sonho, me apoiando em todas as minhas decisões e me dando sempre a força necessária nos momentos em que achei que não iria conseguir. Todos os dias sinto saudades por estar longe, meu amor por vocês é imensurável. Agradeço à Vanilse, minha mãe, a mulher que eu mais admiro nesse mundo. Obrigada pelas longas conversas, por me afagar quando eu estava triste, por ter sido paciente comigo e por me amar incondicionalmente em todos os momentos. Desculpeme pelas noites mal dormidas que a fiz passar por estar preocupada comigo. Eu não estaria tão feliz se não fosse por tua causa. Ao Gilberto, de quem me encho de orgulho em chamar de pai. Por ser um exemplo para mim, por ter me acompanhado sempre, por nunca ter me deixado faltar nada, por ter me protegido, pelos conselhos e pelo seu olhar paterno que desde criança me conforta. És meu porto seguro. Ao meu irmão Jeancarlo, que mesmo ainda sendo uma criança foi sempre mais compreensivo do que eu e até mais maduro algumas vezes. Obrigada pelas brigas também. É muito bom saber que quando vou para casa tenho um irmão para compartilhar o amor de nossa família. Aos meus avós paternos, Luiza (in memoriam) e Itelvino Demarchi e aos maternos, Irdes e Luiz Caron (in memoriam), por me amarem como neta e por terem me presenteado com a família mais maravilhosa que eu poderia desejar. Agradeço à Elisabeth Brandão Schmidt por ser a professora que marcou minha vida na faculdade e para além dela. Por ser minha fonte de inspiração e admiração desde os primeiros encontros. Ao meu orientador Marcelo Roberto Gobatto, uma pessoa e profissional excelente por quem tenho grande apreço. Sem teu auxílio eu não teria conseguido realizar este trabalho. Obrigada pelas conversas e por me guiar quando eu estava confusa. À Larissa, Débora e Isadora, amigas que conheci no percurso universitário, mas que levo para a vida. Junto de vocês vivi momentos maravilhosos e troquei tantas coisas boas que jamais esquecerei.

Aos meus grandes amigos Guilherme, Jéssica e Tayná, por darem mais significado aos meus dias e por me fazerem ficar tão radiante quando tenho a oportunidade de passar algum tempo com vocês. Ao Leonardo Ferreira por ter entrado na minha vida, transformando-a para sempre. Por todo o amor que me faz sentir todos os dias e por tornar cada um deles mais especial. Por ser meu companheiro, por me apoiar e por acreditar em mim. Teu afeto me dá forças para seguir em frente, ao teu lado. E por último, muito obrigada a todos os meus amigos, professores, entes queridos e pessoas envolvidas no presente trabalho. Aos meus alunos Andressa, Dy, Lucas, Leonardo, Nati e Larissa. Á todos aqueles que não me deixaram desistir quando o percurso a ser trilhado parecia ser muito difícil. O resultado me enche de felicidade, todo o esforço valeu a pena.

Resumo A presente monografia consiste na proposição da produção audiovisual na disciplina de artes no contexto do ensino médio com a premissa de reconhecer os alunos como produtores de conhecimento a partir do vídeo. As páginas a seguir exibem relações entre a cultura digital e a urgência da mídia-educação, que por sua vez auxilia na proposta de realizar vídeos desmistificando a necessidade do domínio técnico. São discutidos também aspectos históricos e atuais do vídeo, sua contextualização nos movimentos da sociedade contemporânea e as possibilidades do celular na prática audiovisual. Essas ideias são abordadas em paralelo ao saber da experiência, exposto por Jorge Larrosa, e à necessidade da renovação do paradigma da educação para que as ações desenvolvidas na escola estejam sintonizadas com o cotidiano daqueles que a frequentam, que se estende para além dos limites físicos das instituições de ensino. Na tentativa de melhor observar os pressupostos explorados no trabalho, se dá a descrição e análise da oficina de vídeo realizada com alunos do terceiro ciclo do ensino médio no Instituto Estadual de Educação Juvenal Miller, na cidade do Rio Grande/RS. Palavras Chave: Produção audiovisual; Mídia-educação; Ensino de arte.

Abstract This monograph suggests the audiovisual making in art education contextualized in high school as a way to recognize students as producers of knowledge through video. The following pages describe connections between digital culture and media education, helping in the proposition of making videos without advanced technical skills. It discusses the historical and current aspects of video, alongside its contextualization in the behavior of contemporary society and the applications of cellphone in audiovisual making. These ideas are approached in parallel with the knowledge by experience exposed by Jorge Larrosa and the need of updating the paradigm of education so that the actions developed at school can be tuned with the everyday life of those who attend it, wich extends beyond the educational institution‟s physical borders. Thus, prospecting to better observe the assumptions explored in this discussion, it brings up the analysis of a video workshop executed with students of the last year of the high school at Instituto Estadual de Educação Juvenal Miller, established in Rio Grande/RS.

Keywords: Audiovisual making; Media education; Art teaching.

Lista de figuras

Figura 1: Tv-Cello..........................................................................................................42 Figura 2: Esquema da obra Time Delay Room……......................................................44 Figura 3: Cena do filme Rua de Mão Dupla...................................................................46 Figura 4: Cena do filme Pacific......................................................................................51 Figura 5: Frame de Retratos in Motion: o beijo.............................................................63 Figura 6: Frame de Fast/Slow Scapes............................................................................64 Figura 7: Exposição do FALA AÍ JUVENAL!..............................................................70

Sumário INTRODUÇÃO.............................................................................................................11

1. MOVIMENTOS ENTRE O ENSINO DE ARTE NA CULTURA DIGITAL E A MÍDIA-EDUCAÇÃO....................................................................................................13 1.1.

Cronologia e Compreensão da Mídia-Educação...............................................13

1.2.

Mídia-Educação na Cultura Digital: Relações com o Ensino de Arte..............20

1.3.

O Aluno Produz Conhecimento.........................................................................31

1.4.

Avanços Tecnológicos e Educacionais na Mesma Trilha.................................38

2. POSSIBILIDADES DO VÍDEO NA ARTE CONTEMPORÂNEA..................40 2.1.

Vídeo como Arte...............................................................................................41

2.2.

Audiovisual Hoje: Desestabilizaçao nos Papéis................................................45

2.3.

Evasão da Privacidade e Vídeo Amador...........................................................48

3. AÇÕES AUDIOVISUAIS NA ESCOLA..............................................................54 3.1.

Experiência Docente: Estágio Supervisionado..................................................60

3.1.1. Produção Audiovisual com o Celular................................................................61 3.1.2. O Documentário Produzido na Oficina.............................................................65

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................73 REFERÊNCIAS.............................................................................................................76

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INTRODUÇÃO

Por vezes quando se sugere o vídeo em sala de aula, o que está realmente sendo proposto é seu uso como ferramenta de exposição de informação ou com o intuito de descontrair a aula deixando-a mais dinâmica. Mas o que pode acontecer é que o uso descontextualizado desse mecanismo deixa a atividade desprovida de um sentido mais profundo. O que se apresenta nesta monografia é a produção audiovisual na aula de arte do ensino médio como estratégia para que o aluno seja reconhecido como o produtor de conhecimento, compondo signos e expressões de sua subjetividade através do vídeo. A ação conta com a investigação, junto dos alunos, da gama de alguns elementos que compõe a cultura digital. Para uma apreensão mais abrangente, nessa análise são abordados diálogos com as mídias digitais que caracterizam a sociedade contemporânea e sua inserção nos processos educacionais, dessa forma o primeiro capítulo discute sobre a mídia-educação ou educação para as mídias. O estímulo para essa escolha se deu por considerar que a introdução da produção de vídeos como ação pedagógica nas escolas está vinculada em sua raiz à mídia-educação. Digo isso porque para poder discutir a produção audiovisual no ensino de arte me valho do uso das mídias digitais, ao exemplo do celular. A compreensão dos propósitos da mídia-educação pode auxiliar no processo da incorporação desses aparelhos às aulas de arte, sua discussão é importante para que estes dispositivos deixem de ser vistos como uma distração que atrapalha as aulas, de forma a desperdiçar seu potencial. Aborda-se o saber da experiência sobre o qual fala o autor Jorge Larrosa, na intenção de propor o conjunto experiência/sentido como alternativa para substituir a teoria seguida de prática nas ações propostas no ensino de arte. Há ainda um diálogo com a necessidade da constante atualização da educação para que seu desempenho acompanhe as transformações ocorridas na sociedade, com destaque para as modificações que engendram os avanços tecnológicos comunicacionais. No segundo capítulo, após breve introdução à videoarte, são estabelecidas interlocuções entre uma síntese de parâmetros contemporâneos do exercício audiovisual e sua relação com algumas formas de comportamentos, comunicação e situações atuais. Finalmente, no terceiro e último capítulo se dá um relato da experiência do estágio supervisionado que consistiu em uma oficina de vídeo no Instituto Estadual de Educação Juvenal Miller, localizado no centro de Rio Grande, na qual os alunos elaboraram um documentário sobre situações do cotidiano escolar. Nessa seção também

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são estabelecidas algumas discussões sobre a produção de vídeos com o celular, que vai de encontro às atividades realizadas na oficina. Em vários momentos são articuladas justificativas para a escolha do vídeo na aula de artes visuais, pautadas principalmente em autores que discorrem sobre a temática e nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio na linguagem Arte. Muito mais do que no produto final em si, o foco da proposta são as experiências ocorridas no processo criativo da construção do documentário. Nesse contexto, Christine Mello fala sobre a crítica genética1, sobre as experiências desconstrutivas do vídeo e sobre o processo artístico de sua elaboração. Ela diz que pensar nesses processos não se trata de “[...] instrumentalizar a análise das obras de arte, mas conhecer, nas formas criativas, as aberturas de espaço para o erro, para o inesperado e para o acaso, tão conhecidos dos processos experimentais-desconstrutivistas” (2008, p. 119). A autora diz que desse ponto de vista, a valorização da experiência e da vivência são mais importantens do que a mercadoria ou produto finalizado em si. É nessa premissa que busco reger a presente escrita. Visualizo cenários sempiternos, intermináveis e abertos para que se pense em um paradigma educacional construído de maneira coletiva, horizontalizada e interativa. Ao falar sobre sua carreira como professora de arte, Cunha levanta algumas questões: [...] existem práticas culturais e “produtos” que denominamos de Arte Contemporânea, ambos produzidos em nosso tempo, que dificilmente tangenciam a Escola e em especial o ensino de artes. E volto à pergunta: que Arte é essa do ensino de arte? Onde está o ponto de interseção entre as experiências dos estudantes e o ensino de arte? (CUNHA in: MARTINS; TOURINHO, 2012, p. 103, grifo nosso).

Cito a reflexão de Cunha porque foi um dos fatores que me estimulou a pensar em uma ação baseada no desejo de aproximar o que acontece dentro das instituições de ensino e o cotidiano da comunidade escolar que transpassa os limites físicos da escola, mas que adentra seu organismo, muitas vezes de forma invisível, no interior de cada aluno e funcionário. É sob essa bagagem cultural que o presente trabalho busca dirigir seus holofotes, exaltando a importância de sua visibilidade.

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A crítica genética “substitui a análise do produto (ou obra acabada) pela análise do processo (ou obra inacabada)” (MELLO, 2008, p. 118). Mello conta que no Brasil, a crítica genética germina em torno do ano de 1985 com as pesquisas de Philippe Willemart, da Universidade de São Paulo.

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1. MOVIMENTOS ENTRE O ENSINO DE ARTE NA CULTURA DIGITAL E A MÍDIA-EDUCAÇÃO

Desde a sua concepção, a mídia-educação passou por diversas modificações em sua compreensão de acordo com o desenvolvimento das novas mídias tecnológicas e da sua incorporação cada vez mais pertinaz no cotidiano dos cidadãos, sobretudo dos jovens. Para uma maior clareza no entendimento da acepção da mídia-educação, se faz importante verificar uma breve cronologia de alguns elementos que contribuíram na sua estruturação até chegar aos parâmetros atuais.

1.1 Cronologia e Compreensão da Mídia-Educação

Em estudos mais frequentes sobre a mídia-educação é possível constatar que a mesma teve seus primeiros resquícios de visibilidade prenunciados nas décadas de 50 e 60 nos países de primeiro mundo da América e da Europa, incitados devido às inquietudes a respeito de perspectivas ideológicas e políticas. As mídias ganhavam cada vez mais força no cotidiano da época no espectro informacional sobre a atualidade, sobretudo no que diz respeito ao prisma político, já que nos anos 50 a televisão foi fortemente difundida na América, principalmente nos Estados Unidos onde até o final da década estima-se que cerca de quase quatro milhões e meio de famílias possuía um aparelho televisor. Os cidadãos dedicavam grande parte de seu tempo assistindo televisão de forma que a programação afetava severamente vários aspectos da cultura e comportamento das pessoas. De acordo com Belloni e Bévort2 , mesmo que outras nuances dos conteúdos veiculados na mídia como a ficção e o entretenimento tenham ganhado espaço junto da preocupação com a transmissão da informação devido a notoriedade da sua eficiência comunicacional, ainda hoje se percebe que a maioria das propostas pedagógicas da mídia-educação visam principalmente a informação. As receitas prontas que certificavam o triunfo do rádio e do cinema inquietaram educadores e alguns profissionais da área da comunicação, que se preocuparam com o

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Bévort é diretora do Centre de Liaison de l‟Enseignement et des Médias d‟Information, Ministério da Educação (França); Belloni é doutora em Ciências da Educação e professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina.

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possível enfraquecimento na cultura, alienação comportamental, padronização estética e em como os jovens poderiam apreender de forma crítica os conteúdos midiáticos.

Pesquisadores de diferentes horizontes, educadores, jornalistas e grupos religiosos buscavam minimizar a importância dos efeitos das mídias ou, ao contrário, demonstrar seus perigos. Ao mesmo tempo, à medida que os processos de comunicação evoluíam, divididos entre dois modelos concorrentes – de um lado, a indústria cultural, com tendências à mundialização, e de outro, o monopólio estatal limitado aos territórios nacionais –, a publicidade comercial e o avanço tecnológico iam construindo o modelo do futuro, o de hoje: a produção industrializada e mundializada da cultura e da comunicação, inclusive do setor que parecia mais impróprio à globalização: o da informação (BELLONI; BÉVORT, 2009, p.1085).

Na década de 60 são visíveis termos que buscavam representar a educação para as mídia, sobretudo em documentos da UNESCO e que, de maneira um pouco vaga, falavam sobre a potencialidade da mídia de comunicação como uma espécie de educação a distância devido a sua capacidade de atingir populações com más condições de ensino e carência de profissionais qualificados. Esses termos também eram utilizados para debater os efeitos culturais da mídia, alienação do povo e a indispensabilidade de abordar criticamente a compreensão dos conteúdos midiáticos. Gonnet 3 diz que em 1973, o Conselho Internacional do Cinema e da Televisão propõe uma definição na tentativa de esclarecer a educação para as mídias:

Por educação para as mídias convém entender o estudo e a aprendizagem dos meios modernos de comunicação e expressão, considerados como parte de um campo específico e autônomo de conhecimentos, na teoria e na prática pedagógicas, o que é diferente de sua utilização como auxiliar para o ensino e aprendizagem em outros campos de conhecimentos tais como as matemáticas, a ciência e a geografia (UNESCO apud GONNET, 2004, p. 23).

Nota-se o destaque dado à compreensão crítica das ideias expressas na mídia e uma menor preocupação com a ferramenta pedagógica. Esta por sua vez, nos anos 70 encontra suporte na área da tecnologia educacional, entendida como mecanismo para planejar a educação aprimorando-a nos países mais carentes. A pretensão era direcionar as novas gerações para que absorvessem de maneira distanciada e reflexiva os

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Doutor em Letras pela Universidade de Bordeaux III. Professor honorário da Universidade Sorbonne Nouvelle, Paris III.

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conteúdos exibidos na mídia, bem como as circunstâncias econômicas e políticas em que estas se desenvolviam. Surge nos Estados Unidos uma vertente pragmática que priorizava a técnica e esta se soma à noção de mídia-educação, salientando a participação tecnicista da criação dos signos reproduzidos na mídia. No final dessa mesma década, uma declaração busca esclarecer o grupo de ideias que compõe a mídia-educação:

Todas as maneiras de estudar, aprender e ensinar em todos os níveis (...) e em todas as circunstâncias, a história, a criação, a utilização e a avaliação das mídias enquanto artes práticas e técnicas, bem como o lugar que elas ocupam na sociedade, seu impacto social, as implicações da comunicação mediatizada, a participação, a modificação do modo de percepção que elas engendram, o papel do trabalho criativo e o acesso às mídias (UNESCO apud BELLONI; BÉVORT, 2009, p. 1086).

A UNESCO promove um simpósio em Grünwald, na Alemanha, no ano de 1982 no qual é concebida a Declaração de Grünwald, abordando a dimensão das mídias e do dever da educação em auxiliar os cidadãos em um melhor entendimento dos processos midiáticos. Esse documento além de firmar o termo mídia-educação, expõe uma ousadia inovadora sendo que não se opõe e nem aplaude o alcance dos domínios das mídias, mas atesta sua potência e a necessidade de sua incorporação na educação. Entre apelos às autoridades competentes para que estas apoiem projetos que integrem as mídias ao ensino, cursos que capacitem profissionais da educação para a compreensão e melhor aproveitamento das mídias e investigações que contribuam no avanço da mídia-educação, a declaração afirma que a colaboração dos envolvidos com a socialização do jovem (família, escola, comunicadores e agentes políticos) é indispensável para a eficácia da aliança entre os meios midiáticos e ensino. Educação para as mídias não mais considera apenas o preparo para leitura analítica das mídias, mas também busca explorar a mídia-educação como instrumento pedagógico para o professor e ação política da população, desse modo "pode-se avaliar sem dificuldade que esta educação torna-se um combate em favor de certa idéia de democracia" (Gonnet, 2004, p. 24). A declaração diz que a dimensão educacional e o cotidiano em que vivemos são muito distantes, sendo assim, deveriam se aproximar para cumprir uma cidadania responsável e em um futuro próximo, com o desenvolvimento dos meios tecnológicos

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de informação e comunicação mais avançados, os consumidores teriam cada vez mais escolhas, tornando esses meios sempre mais irresistíveis e presentes na vida do sujeito. Os anos 80 não representaram uma boa época para comunicadores, professores e pesquisadores que se esforçaram em ações múltiplas visando um engajamento da sociedade para a efetivação das instruções da Declaração de Grünwald. Mas não se deve esquecer que a partir dessas ações surgiram vários documentos de caráter um tanto ativista representando essa premissa, ao exemplo da Convenção dos Direitos da Criança de 1989, cujo artigo 13 coloca que:

A criança deve ter direito a liberdade de expressão; esse direito deve incluir liberdade para procurar, receber e transmitir informações e ideias de todos os tipos, independentemente de fronteiras, seja de forma oral, escrita ou impressa, na forma de arte, ou através de qualquer outra mídia que a criança escolher (UNESCO, 2013 p.75, tradução nossa).

Apesar de alguns avanços inovadores, "não houve, durante toda esta década, políticas públicas mais efetivas que viessem imprimir às ações de mídia-educação um caráter mais sistemático e oficial, de modo a integrá-la no cotidiano da escola, indo além das experiências isoladas e militantes" (BELLONI; BÉVORT, 2009, p.1089). Na década seguinte, o Colóquio de Toulouse é articulado pela UNESCO, originando o documento Novas Direções na Mídia-educação. Esse documento resultante das discussões engendradas no colóquio, articula contornos inovadores sobre a educação para as mídias, abrangendo as perspectivas tecnicistas e críticas, mas o enfoque está na importância de capacitar os cidadãos para que possam produzir sentido por meio das novas tecnologias:

Na década de 90, entendemos que os espectadores da mídia também são produtores de significado. Estamos constantemente tentando "fazer algum sentido" das muitas mensagens midiáticas com as quais nos deparamos diariamente. Há uma interação constante entre o texto da mensagem, o contexto do meio midiático e a carga do espectador, experiências passadas, sistema de valores, etc. O objetivo educacional agora é o empoderamento do espectador para que este processe as mensagens das mídias de massa e produza significados que são relevantes, tanto pessoalmente quanto socialmente (UNESCO, 1990, p. 4, tradução nossa).

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Os apontamentos sobre pesquisa que constam no documento enfocam a área da comunicação e deixam o ensino em segundo plano, falando deste principalmente como uma dimensão para empregar métodos. Um aspecto importante é a atenção especial atribuída aos países em desenvolvimento, explicitando recomendações e diligências consistentes, como quando o documento sugere investigação sobre ações realizadas por ONGs e outros grupos competentes e iniciativas que capacitem os educadores para a atuação com as mídias nesses países. O vultoso progresso das tecnologias da informação e comunicação (TICs), pouco antes do início do século XXI, correspondeu a uma renovação significativa nas possibilidades

comunicacionais

e

informacionais.

Um

dos

aspectos

mais

revolucionários que a mídia presenciou neste momento foi a digitalização, definindo novos caminhos para as aplicações dos meios de comunicação. Pode-se dizer que um dos pontos chave desta transformação foi a internet, que possibilitou uma nova forma de compartilhar conteúdos midiáticos. Em 1999 a UNESCO novamente é responsável por um importante passo no progresso da mídia-educação, pautando esse fluxo de transformações na conferência internacional que aconteceu em Viena, chamada de Educando para as mídias e para a era digital. Muitos elementos da discussão sobre mídia-educação foram renovados, os avanços da tecnologia são abordados como questão central tratando não apenas da dimensão de ferramenta de suporte, mas também das implicações visuais, sociais, linguísticas, culturais e cognitivas, já que desde o início da disseminação das mídias de massa, sabe-se que estas influenciam amplamente no comportamento dos indivíduos. O jovem é entendido não mais como receptor dos resultados de ações da mídia-educação e sim como cúmplice deste processo, tanto que na conferência os jovens capturaram em vídeo o evento e produziram um documentário, provando sua capacidade de expressão através das novas mídias. Analisando as recomendações provenientes da conferência de Viena, é possível notar diferenças no modo como alguns países assimilam a educação para as mídias. Sua compreensão pelos países de terceiro mundo abrange, além dos jovens na escola, a formação de adultos em um contexto social geral e a interpreta como unidade crucial ao preparo de uma cidadania responsável e à prática social da justiça e democracia. Já os países de primeiro mundo focalizam principalmente uma educação que prepare sujeitos que se integrem e sejam autônomos e críticos. No evento ainda são elucidadas algumas

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adversidades que a incorporação da mídia-educação nas instituições formais de ensino encontra, das quais destaco: i) falta de vontade política e apoio insuficiente dos organismos oficiais, que difícultam, senão impossibilitam, a integração nos espaços escolares de programas e ações de mídia-educação; ii) ausência de políticas públicas e decorrente penúria de investimentos, fazendo com que a mídia-educação não consiga superar o estágio de movimento militante, mais ou menos marginalizado segundo os países e regiões (BELLONI; BÉVORT, 2009, p. 1093-94).

Apesar dos esforços durante o encontro na promulgação da mídia-educação, não houve notável progresso nos anos que se seguiram no que tange iniciativas e projetos concretos atrelados às políticas públicas. Em 2007 ocorre em Paris um evento comemorativo aos 25 anos da Declaração de Grünwald, conhecido como Agenda de Paris ou 12 Recomendações para a Mídiaeducação, cujo intuito é difundir a educação para as mídias, dividindo-se em quatro eixos temáticos: Desenvolvimento de programas integrados em todos os níveis de ensino; Formação de professores e sensibilização dos diferentes atores da esfera; Pesquisa e suas redes de difusão; Cooperação internacional em ações. Pela primeira vez em um encontro internacional deste nível, é destacada a necessidade de integrar as mídias nos organismos oficias de ensino, sendo este um passo importantíssimo para a disseminação efetiva da mídia-educação. Em consequência, é reafirmada a urgência do preparo dos docentes para a utilização das tecnologias midiáticas no ensino. Desde a Declaração de Grünwald até 2007, houve ricas experiências educativas e valorosas pesquisas que auxiliaram na compreensão da mídia-educação de acordo com as várias regiões do mundo, porém como afirmado na Agenda de Paris, esse modelo de análise e de ações ainda é exíguo quando se trata de sua disseminação e efetivação, impossibilitando a incorporação da mídia-educação de forma generalizada no sistema formal de ensino. A conferência reafirma o mérito da alfabetização midiática nos conflitos contra as injustas disparidades regionais e civis quanto à autonomia sobre as habilidades para que os cidadãos possam utilizar essas tecnologias inovadoras. Afirma sua obrigatoriedade em uma sociedade democrática na qual os cidadãos sejam agentes ativos na construção da respeitabilidade, das questões de identidade, diversidade cultural e gênero, já que a mídia-educação tenciona preparar os indivíduos para que sejam autônomos no uso das tecnologias de informação e comunicação, tanto no que diz

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respeito ao seu uso técnico quanto a uma leitura analítica dos conteúdos e dos sistemas políticos no quais se inserem. Martín-Barbero (2000) diz que o efeito das performances das mídias contemporâneas na vida dos jovens corresponde aos novos regimes de visualidade e de comportamento, rompendo com inúmeras fronteiras e alterando noções de deslocamento e de outros componentes da vida cotidiana. Frente aos conhecimentos desenvolvidos na cultura digital, os jovens reagem com uma ligação íntima, não apenas na propensão em interagir com as novas tecnologias, mas também pela “cumplicidade cognitiva e expressiva: é nos relatos e imagens, nas suas sonoridades, fragmentações e velocidades que encontram seu ritmo, seu idioma" (MARTÍN-BARBERO in: FILÉ, 2000, p. 86). A capacidade de criação flexível e subjetiva a partir da compreensão dos vários vértices que costuram o contexto contemporâneo em que o cidadão está encaixado e no qual as TICs representam ponto de referência é um dos fatores mais ambicionados hoje pela educação contemporânea, devido suas propriedades emancipadoras. Faz-se imprescindível no ensino que os educadores discutam e compreendam junto dos alunos os aspectos da cultura contemporânea, permeada pelas mídias e redes digitais, para que os indivíduos entendam as mudanças no comportamento e nas relações de poder que estes meios trazem consigo. Carolina Rossini 4 fala que da perspectiva de país em desenvolvimento é de extrema importância entender como as tecnologias de informação e de comunicação, sobretudo a internet e redes de relacionamento, possibilitam ao cidadão novas obrigações e novos direitos:

Esse processo de aprendizagem conectado, que pode contribuir para a formação do cidadão, também cria novas obrigações e diretrizes para instituições e para governos. Em países muito desenvolvidos, mandatos para acesso aberto e políticas públicas que incentivem recursos educacionais abertos fazem parte da nova gama de deveres do estado e de direitos do cidadão. Como afirmado por Castells, a capacidade tecnológica, a infraestrutura tecnológica, o acesso ao conhecimento e recursos humanos altamente qualificados tornaram-se fontes essenciais de competitividade da nova divisão internacional do trabalho [...] e da possibilidade de desenvolvimento (in: SILVEIRA, 2010, p. 213).

Quando analisamos a educação para as mídias e os componentes do contexto na qual se pretende realizar seu estabelecimento, assim como é comum nas pesquisas sobre 4

Advogada, consultora e professora de Propriedade Intelectual e Direito da Internet. Fundadora do Projeto REA Brasil (Recursos Educacionais Abertos).

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ciências sociais, nos deparamos com aquilo que pensamos, com o que a maioria pensa, com os dados concretos, resultados que desejamos e questões de caráter político. Porém, como já constatado em experiências anteriores, uma transfromação da educação com o apoio das mídias só poderá se efetivar com êxito se houver a colaboração não apenas de professores, alunos e comunidade escolar em geral, há de existir também o apoio dos organismos políticos. É interessante que os professores estimulem atividades que envolvam o contato com as mídias em sintonia com os desejos e necessidade dos alunos e das famílias do contexto social no qual se inserem. Essa missão será cumprida com muito mais afinco se houverem políticas que invistam nessas iniciativas e na capacitação de professores para que trabalhem com uma mídia-educação, não de forma supercicial, mas sim envolvendo todo o espectro componente da cultura digital.

1.2 Mídia-Educação na Cultura Digital: Relações com o Ensino de Arte

Atualmente não nos referimos mais a meios modernos de comunicação, estamos agora nos referindo a uma transformação drástica na cultura da sociedade contemporânea, manifesta na cultura digital. Para definir o que é a cultura digital ou cibercultura, André Lemos (2009, p. 135) diz que mesmo sendo a tecnologia algo fundamental no funcionamento da sociedade, é preciso ter cuidado ao nomear a cultura de acordo com os dispositivos tecnológicos. Ele diz que é preciso considerar que somos seres da política ou da comunicação e que precisamos reagir contra as dificuldades de expressão. Somos pessoas que necessitam de artefatos para termos controle em relação ao mundo externo, ao contrário de outros animais que vivem sem alterações refinadas no ambiente natural. A nossa existência, segundo o autor, depende das transformações que operamos na natureza e definir nosso papel na sociedade nos compreende como seres políticos e da comunicação. A partir desse processo somos seres da tecnologia quando modificamos o mundo externo. Feitas estas considerações, o autor diz que a "cibercultura seria a cultura contemporânea, onde os diversos dispositivos eletrônicos digitais já fazem parte da nossa realidade" (2009, p. 136). Sobre as tecnologias que fazem parte da cultura digital, o autor afirma que:

21 São tecnologias não apenas da transformação material e energética do mundo, mas que permitem a transformação comunicativa, política, social e cultural efetivamente. Porque nós conseguimos transitar informação, bens simbólicos, não materiais, de uma maneira inédita na historia da humanidade (in: SAVAZONI; COHN, 2009, p. 136).

Lemos (2013, p. 100) cita Breton para definir uma cronologia básica das primeiras etapas no tratamento automático da informação, dizendo que entre 1940 e 1960, as inovações e preceitos essenciais são delineados pela cibernética, já a segunda fase, da década de 60 até 70, é representada por sistemas centralizados ligados à pesquisa militar e às universidades e o período entre 1970 até os dias atuais seria caracterizado pelos microcomputadores e redes telemáticas. Para distinguir a sociedade informatizada da década de 70 da sociedade do século XXI, Lemos sugere uma quarta fase posicionada na metade da década de 80 “caracterizada pela popularização do ciberespaço e sua inserção na cultura contemporânea. Se a terceira fase foi a do computador pessoal (PC), a década de 1990 (e o século XXI que se aproxima) é a fase do computador conectado (CC)”. Para melhor compreender a situação na qual ocorriam estas transformações que afetaram intensamente a cultura, Lemos define o surgimento da cibercultura: Vamos situar o nascimento da cibercultura no surgimento da microinformática na metade dos anos 1970. A cibercultura, embora a expressão deva muito à cibernética, não é, no sentido exato, correlata a esta ciência. Antes, a cibercultura surge como os impactos socioculturais da microinformática. Mais do que uma questão tecnológica, o que vai marcar a cibercultura não é somente o potencial das novas tecnologias, mas uma atitude que, no meio dos anos 1970, influenciada pela contracultura americana, acena contra o poder tecnocrático (LEMOS, 2013, p. 99).

Logo após o computador e a internet, surgem vários outros dispositivos tecnológicos: smartphones, tablets, aparelhos GPS que adquirem cada vez mais funções, videogames e jogos eletrônicos dinâmicos com novas possibilidades e aparelhos portáteis para escutar música. A sociedade passa a estar em rede, vivenciando uma espécie de cultura democrática e realidade virtual, sendo que até no Brasil e em outros países em desenvolvimento, a internet e as TICs em geral disseminam-se rapidamente, levando até boa parcela da população aparatos tecnológicos sofisticados, individualizados e invasivos. Sobre as implicações dessas novas mídias tecnológicas na

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vida dos cidadãos da cultura digital, Adolfo Tanzi Neto5 et al. se refere à argumentação de Santaella:

[...] o design digital e as hipermídias constituem novas linguagens que fazem germinar formas de pensamento heterogêneas, mas convergentes e não lineares, cujas implicações para a sociedade e indivíduos estamos começando a conhecer. Para ela, muito em breve, essas novas linguagens se tornarão uma segunda língua materna e demandarão profissionais que as dominem (in: ROJO, p. 139).

Esse conjunto de mudanças no campo tecnológico também atribui novas preocupações para os estudiosos da educação para as mídias, considerando que os jovens têm acesso a muito mais participação na cultura midiática, consumidores e produtores de mensagens já não mais se diferem necessariamente, pois podem assumir o papel de ambos e surgem renovações na democracia e nos procedimentos de pensar e agir politicamente. É necessário que no bojo da mídia-educação estejam incluídas discussões sobre todos os processos em que as TICs e os meios midiáticos se desenvolvem, sobre quais demandas elas são mercantilizadas e em como seu uso pode favorecer a expressão subjetiva, o acesso democrático à informação e o direito de se comunicar. Belloni e Bévort acrescentam outra reflexão necessária para considerar o desenvolvimento das novas tecnologias em relação ao processo educativo: Cabe ressaltar que estes desenvolvimentos não são apenas resultado do avanço técnico, mas de forças e interesses econômicos, que podemos resumir com a velha fórmula da 'indústria cultural', agora potencializada pela globalização da economia segundo um modelo neoliberal, levando à invasão de todas as esferas da vida social pela lógica comercial, em quase todos os países do planeta. Além das consequências do avanço técnico, transformando os espectadores em usuários, a mídia-educação também precisa incorporar em suas definições e propostas os efeitos culturais, educacionais e societais do novo Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1989 pela ONU e progressivamente ratificado pela maioria dos países (BELLONI; BÉVORT, 2009, p. 1092).

A Lei nº 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), decreta no Artigo 1º que: "A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de 5

Doutorando em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP). Coordenador do curso Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação pela Fundação Lemann e Instituto Península.

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ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais". Neste conjunto de elementos que a LDB coloca como dever da educação, é possível perceber a necessidade da inserção das TIC no ensino, elas são fatores essenciais para que o cidadão se constitua como agente participativo das manifestações culturais, movimentos sociais e organizações da sociedade. A soma de mutações que ocorreram e continuam acontecendo no campo da informática, das telecomunicações, do nível de portabilidade ao qual chegamos no século XXI, acarreta uma série de mudanças nos vários conjuntos de práticas dos cidadãos, seja no comportamento, nas relações, na cultura, no trabalho e como não poderia deixar de o ser, na educação. Segundo a autora Cristina Costa6:

É nesse cenário que a educação tem que rever seu paradigma letrado e adentrar o campo das imagens e das linguagens tecnológicas para que possa ultrapassar as barreiras que separam duas culturas: uma, eurocentrada, iluminista e burguesa, baseada na escrita como forma de produção e controle do conhecimento; e outra, globalizada, massiva, baseada em múltiplas linguagens e tecnologias de comunicação, dentre as quais se afirmam de forma hegemônica os meios audiovisuais (COSTA, 2013, p. 23, grifo nosso).

Costa parece justificar a necessidade da integração das mídias na educação, sobretudo do vídeo, e reafirma a necessidade de estruturar as ações pedagógicas que permeiam o sistema escolar não com uma visão característica do século XIX que considerava a habilidade de ler e escrever como os conhecimentos mais valorosos que a educação deveria abordar, mas sim de acordo com as necessidades atuais, acompanhando as transformações de nosso tempo. Sob o nome de Educação Artística, a inclusão da arte no currículo escolar aconteceu no ano de 1971, com a Lei nº. 5.692, porém era compreendida muito antes como uma espécie de exercício educativo do que uma disciplina. Mesmo admitindo que tenha sido um passo importante para o ensino de arte, a partir daí novas problemáticas foram geradas, sobretudo aos professores que estavam acostumados a ministrar aulas de Desenho, Canto e Música, por exemplo, em aulas separadas e de repente tiveram de lidar com essas áreas do conhecimento todas aglomeradas em Educação Artística. As recomendações para essa área eram bastante vagas, deixando os educadores da rede pública confusos quanto as abordagens que deveriam articular nessas aulas com 6

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), professora titular em Comunicação e Cultura da USP e presidente da Comissão de Pesquisa da ECA/USP.

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bases tão mal delineadas. É possível ter uma noção dessa confusa definição do que seriam esses exercícios artísticos no Parecer nº 540/77 do Conselho Federal de Educação, de 1977: "não é uma matéria, mas uma área bastante generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendências e dos interesses". Em 1996, a Lei nº 9.394, já citada anteriormente, coloca no Artigo 26, Parágrafo 2, uma tentativa de definir o ensino de arte: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. Mesmo reconhecendo que essa lei foi significativa para o ensino de arte, tornando-a componente obrigatório nas escolas, até hoje existem muitas complicações que a rede pública de ensino vem enfrentando. As dificuldades que permeiam a vida social das comunidades e das famílias afetam a funcionalidade das iniciativas políticas destinadas à escola, e também a forma como são aplicadas nesse organismo. É preciso que as políticas públicas sejam desenvolvidas de acordo com as reais demandas sociais que se misturam dentro da escola, englobando as discrepâncias de classe social, o desemprego, a cultura, a violência e toda uma gama de questões que penetram a vida dos cidadãos. É papel da educação prover ao aluno ferramentas que lhe permitam refletir sobre essas e outras questões sociais, então em uma atualidade em que vivemos cercados por mídias tecnológicas sofisticadas que permitem certa democracia em sua utilização, transmissão e produção da informação e comunicação, é inevitável pensar o ensino de arte, que dispõe de espaço para tratar dessas questões devido ao seu compromisso com a cultura visual e desenvolvimento de habilidades ligadas à percepção estética, sensibilização e senso criativo, sem integrar a mídia-educação em sua metodologia. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Médio, consta nos Conhecimentos de arte que:

[...] Arte é considerada particularmente pelos aspectos estéticos e comunicacionais. Por ser um conhecimento humano articulado no âmbito sensível-cognitivo, por meio da arte manifestamos significados, sensibilidades, modos de criação e comunicação sobre o mundo da natureza e da cultura. [...] Uma das particularidades do conhecimento em Arte está no fato de que nas produções artísticas, um conjunto de idéias é elaborado de maneira sensível, imaginativa, estética por seus produtores ou artistas. De diversos modos, esse conjunto sensorial-de-idéias aparece no produto de arte enquanto está sendo feito e depois de pronto ao ser comunicado e apreciado por outras pessoas (BRASIL, 2000, p. 48).

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No seguimento, os PCNs afirmam ainda que em arte é indispensável que os jovens deem continuidade aos conhecimentos sobre arte aprendidos nas etapas anteriores da escola básica e na vida cotidiana. Dessa forma, os alunos estariam aprimorando o que aprenderam envolvendo os conteúdos de arte e nessa continuidade os jovens "podem ainda incluir práticas artísticas em suas diversas interfaces, interconexões e usos de novas tecnologias de comunicação e informação" (BRASIL, 2000, p. 48). É de grande relevância que a estruturação da arte nas escolas absorva as modificações e situação dos acontecimentos que cercam a vida do jovem, tanto no que se refere às mutações tecnológicas quanto às questões comportamentais, familiares e em tudo o que se refere ao cotidiano do aluno. Ferraz e Fusari (1992, p. 69) afirmam que "para desenvolver um bom trabalho de arte o professor precisa descobrir quais são os interesses, vivências, linguagens, modos de conhecimento de arte e práticas da vida de seus alunos". O conhecimento dos estudantes em relação ao contexto social no qual está inserido é determinante para que o ensino mobilize assimilação e identificação da aprendizagem de arte. Ferraz e Fusari dizem que o professor deve realizar um mapeamento cultural da região em que se insere a fim de conhecer a situação da comunidade escolar e que nessa relação com o mundo os alunos desenvolvem suas experiências estéticas e artísticas, ou seja, para que a estrutura do ensino de arte seja apreendida e desenvolvida em consonância entre os atores envolvidos e o meio no qual estão inseridos, é preciso que o professor se interesse pelo contexto no qual vive seu aluno. Nas aulas podem ser trabalhados os problemas, pensamentos, aspirações e demais elementos que façam parte do cotidiano dos jovens, relacionando-os com outros contextos e incoporando a glocalização7 nas ações pedagógicas. A mídia-educação se apresenta então como a combinação do meio tecnológico no qual o jovem se insere e a discussão dos assuntos referentes à sua vida cotidiana, já que as mídias, ao exemplo dos celulares com câmeras híbridas que possibilitam fotografar e filmar, são de grande interesse da população jovem, como se verifica na vasta produção midiática feita por esta faixa etária veiculada nas redes e ao consumo exacerbado destes meios por parte desse público. Na maioria dos casos esses meios 7

Roland Robertson fala que glocalização (fusão dos termos localização e globalização) é um processo no qual o „local‟ fica resguardado do „caos‟ resultante do movimento multidimensional da globalização. Dessa forma, é possível respeitar as discrepâncias culturas de determinado local, e mesmo assim compreender e estender-se ao resto do mundo.

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estão presentes em suas vidas e são um meio acessível pelo qual o aluno pode expressar nas atividades propostas na aula de arte, suas experiências de vida. Para complementar a discussão a esse respeito, Nascimento8 traz a teoria da aprendizagem significativa:

De acordo com a teoria desenvolvida por David Ausubel, a aprendizagem será muito mais significativa na medida em que novo material for incorporado às estruturas de conhecimento de um aluno e este adquira significado para ele a partir da relação com o seu conhecimento prévio. Ao contrário disso, a aprendizagem será mais mecânica ou repetitiva, na medida em que produz menos essa incorporação e atribuição do significado, neste caso, o novo material será armazenado isoladamente ou por meio de associações arbitrárias na estrutura cognitiva (NASCIMENTO, 2012, n.p.).

No que concerne a este conhecimento prévio, não o limitamos apenas ao conteúdo imposto a partir de padrões preestabelecidos ou de caráter racionalizado e sistematizado. São abarcados também os aprendizados que o jovem adquire durante a vida, das relações com as pessoas e espaços que o cercam ou com aqueles com os quais ele interage de maneira virtual, enfim, de suas vivências em geral. É uma espécie de saber da experiência que veremos adiante. Refletindo de acordo com o contexto da sociedade contemporânea, constata-se que nesses novos materiais que devem ser incorporados ao ensino há uma chamada para estabelecer conexões entre a utilização das mídias e os processos educativos. Ainda sobre a teoria, Nascimento diz que:

Ausubel aponta três condições básicas necessárias para que possa haver um processo de aprendizagem significativo: 1) A significatividade lógica do novo material que é preciso aprender, remete a estrutura interna deste, que não deve ser nem arbitrária, nem confusa para facilitar o estabelecimento de relações substanciais com os conhecimentos prévios do aluno; 2) A significatividade psicológica: para que a aprendizagem seja possível, o aluno deve dispor de uma estrutura cognitiva de conhecimentos prévios pertinentes e ativados que possa relacionar com o material que deve aprender; 3) Finalmente, e como uma terceira condição, o aluno deve ter uma determinada atitude ou disposição favorável para aprender de maneira significativa, isto é, para relacionar o que aprende com o que já sabe (NASCIMENTO, 2012, n.p.).

O professor precisa estimular durante as aulas condições que possibilitem essa interação entre estudante e objeto de estudo para que a apreensão dos conteúdos esteja 8

Pedagoga e especialista em Artes. Professora na Rede Municipal de Santo Estevão – BA.

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impregnada de identificação e produção de sentidos, partindo da conciliação entre os novos conhecimentos e aqueles que já foram apreendidos. Os PCNs demonstram que a arte deve promover a sensibilidade estética e o pensamento artístico, atribuindo significação à experiência humana de maneira subjetiva, dessa forma o aluno pode alargar sua capacidade de perceber, imaginar, interpretar, e a sua interação com as outras áreas de conhecimento são beneficiadas devido ao estímulo do exercício reflexivo, criativo e de assimilação. Ainda recorrendo aos PCNs de arte do ensino médio, afirma-se que no fazer artístico, o aluno articula ligações entre criações a partir de "técnicas e tecnologias disponíveis na sociedade humana; percepções e elaborações de idéias, de representações imaginativas com significados das e sobre as realidades da natureza e das culturas" (2000, p. 49) além de um conjunto que sintetiza suas experiências com o meio sóciocultural. Recorrentemente nota-se nesses parâmetros e dito de várias formas, a necessidade de incorporar e enaltecer a partir dos processos artísticos, toda a gama de elementos que constituem a realidade do aluno e que esse processo possibilita ainda certa interdisciplinaridade, uma parceria com as outras disciplinas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, facilitando ao aluno uma compreensão sobre os conteúdos e vivências dentro da escola como parte essencial de sua vida que se encaixa em suas outras atividades cotidianas. As ações desenvolvidas em arte podem "favorecer a formação da identidade e de uma nova cidadania do jovem que se educa na escola de Ensino Médio, fecundando uma consciência de uma sociedade multicultural, onde ele confronte seus valores, crenças e competências culturais” (BRASIL, 2000, p. 50) em relação ao meio em que ele recebe, se apropria e desenvolve saberes. Indo mais a fundo nos Parâmetros Curriculares Nacionais, quanto às competências e habilidades a serem desenvolvidas em arte, é visto que se recomenda:

Realizar produções artísticas, individuais e/ou coletivas, nas linguagens da arte (música, artes visuais, dança, teatro, artes audiovisuais) analisando, refletindo e compreendendo os diferentes processos produtivos, com seus diferentes instrumentos de ordem material e ideal, como manifestações socioculturais e históricas. [...] saber fazer trabalhos artísticos em telas informáticas, vídeos, CDROM, home-page, dentre outros, integrando as artes audiovisuais [...] investigar, em suas produções de artes visuais e audiovisuais, inclusive as informatizadas, como se dão as articulações entre os

28 componentes básicos dessas linguagens (BRASIL, 2000, p. 51-2, grifo nosso).

Se referindo à fruição, interpretação e análise do conjunto das artes visuais, existe a inevitabilidade de analisar os meios de arte "produzidos pelas novas mídias e artes audiovisuais - vídeo, televisão, multimídia, CD-ROM, home-page etc conscientizando-se dos meios visuais e audiovisuais de representação, comunicação e informação" (BRASIL, 2000, p. 53). Também é citada a importância da valorização das manifestações em artes visuais e audiovisuais, sugerindo que nas aulas é necessário estimular a percepção de homens e mulheres “enquanto seres simbólicos e sociais que pensam e se expressam através de signos também visuais, audiovisuais e que se desenvolvem pelo contato sensível consciente com os signos de sua própria produção, da produção de seus colegas” (BRASIL, 2000, p. 55) além da cultura em que vive e das outras que o cercam. A absorção da mídia-educação pelo ensino de arte se concretiza também no comprometimento dessa área do conhecimento com a cultura visual. Costa diz que foi de forma cautelosa, a partir da virada do século XIX para o XX, que a confiabilidade e racionalidade da escrita foram abraçando a compreensão das imagens e sua relevância. Houveram várias contribuições, Sigmund Freud constatou o caráter racional da imaginação e dos sonhos a partir de pesquisas sobre a psique humana, a Semiótica exibiu a possibilidade de analisar maneiras distintas de expressão como linguagens, igualmente objetivas e racionais, mas a autora diz que:

[...] foi o desenvolvimento dos meios de comunicação e em especial das tecnologias de registro de imagens, como a fotografia e o cinema, que abriu espaço para o estudo sistemático das imagens. Etienne Samain considera a revolução informática como uma das responsáveis pela definitiva adesão das ciências ao estudo da imagem. Diz ele: Finalmente, participamos de uma revolução da visão, se é verdade que ela não é apenas a materialização de um dos órgãos sensoriais, mas, antes de mais nada, uma constatação histórica cultural (COSTA, 2012, p. 22).

Gomes e Nogueira9 (2008) dizem que segundo Almeida, no Brasil, em torno dos anos de 1980, o ensino de arte ganhou algumas novas articulações em relação à imagem tornando-se crucial nas aulas, caracterizando assim uma das tendências da arte 9

Karina Gomes é mestre em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF); Sonia Nogueira é doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF.

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contemporânea e uma inovação no sistema educacional da época. Essas imagens que de fato passaram a fazer parte do cotidiano escolar dos professores e alunos da rede básica eram aquelas oriundas das práticas artesãs, escultóricas, de pinturas e também as imagens veiculadas pela mídia como publicidades, vídeos musicais, comerciais televisivos e mais tarde, imagens disponíveis na internet em geral. Os professores passaram a dispor de um maior leque de escolhas em relação aos conceitos que seriam abordados em aula devido à possibilidade de usar imagens de vários tipos, por isso o uso da imagem passou a ser compreendido como elemento chave para um avanço na aprendizagem de arte, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento artístico e estético. A valorização da cultura imagética passou a constituir unidade fulcral no processo da formação do jovem, assim era tarefa dos educadores estar em constante sintonia com o fluxo de produção de imagens e com aquelas desenvolvidas em sala de aula. Dispondo dessas possibilidades, o ensino de arte precisa buscar alternativas para não se acomodar em ser só uma matéria curricular para ser também “algo incorporado à vida do sujeito, que o faça buscar a presença da arte como uma necessidade e um prazer, como fruição ou como produção, porque em ambas a arte promove a experiência criadora da sensibilização” (MEIRA apud GOMES e NOGUEIRA, 2008, p. 589). Almeida fala do peso exercido pela mediação das tecnologias sobre as maneiras de expressar e pensar arte e em como o artista vê a primordialidade de procurar em outros campos do saber, concepções que possam surtir efeito em suas próprias: "[...] o artista contemporâneo atento ao desenvolvimento tecnológico e científico vai incorporando novas ferramentas, que são meios diferentes de trabalho, buscando nas diversas áreas do conhecimento um compartilhar de idéias" (ALMEIDA apud GOMES e NOGUEIRA, 2008, p. 588). Os aparatos midiáticos ocasionam efeitos egrégios na criação artística e dão espaço para manifestações artísticas singulares. O vídeo, o cinema e a fotografia demarcaram seus próprios territórios e viabilizaram a convergência do teatro, narrativa e recursos tecnológicos concebidos pela indústria da informação e comunicação. A introdução do computador nas ações pedagógicas na escola representaram significativas mudanças no modo que o jovem se confronta com os saberes abordados nas aulas. Pires fala que essa transformação não interfere diretamente apenas na forma como os alunos desenvolvem suas atividades, mas concebe ainda novos meios de

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comunicação e de sistematização do pensamento, discernimento espacial e inovação nas relações do aluno com a escrita. A autora constata que: [...] tais transformações afetam tanto as crianças que têm um computador em seu quarto, quanto àquelas que nunca chegaram a utilizá-lo. Trata-se de experiências diferenciadas que, no entanto, inscrevem-se num contexto compartilhado, na medida em que a existência do computador se impõe e marca a realidade de ambos (PIRES apud GOMES E NOGUEIRA, 2008, p. 589).

Atualizando a colocação de Pires, na contemporâneidade não é apenas o computador que marca a realidade dos jovens e que afeta tanto quem tem vínculo mais direto com essas tecnologias quanto aqueles que não mantêm tanto contato, estamos falando de redes sociais, incontáveis modelos de câmeras híbridas com preços acessíveis, a possibilidade de assistir e disponibilizar transmissões de acontecimentos para vários lugares ao mesmo tempo e celulares e outros aparelhos que possibilitam todos esses recursos em um único dispositivo. Ao pensarmos as TICs no contexto escolar da disciplina de artes, na sua dimensão de ferramenta que viabiliza a produção de sentido, é imprescindível que haja uma devoção em interligar as variadas facetas que as tecnologias emergentes trazem consigo. Esse processo de ensino-aprendizagem deve articular métodos que abordem a arte produzida por estas tecnologias, os métodos para a utilização desses materiais (vídeo, fotografia, canais de compartilhamento de conteúdo na internet), as maneiras de influência do intelecto por parte da arte criada no ciberespaço e como se configuram as ramificações

da

sensorialidade

e

sensibilidade

promulgada

pelas

produções

intermediadas pela virtualização. Há de se viver em uma busca incansável por formar um público informado e crítico, que entenda que sua produção cognitiva não está relacionada apenas com suas interioridades subjetivas e carga emocional, mas também com o contexto político, histórico e cultural. A compreensão destes processos são primordiais para que se possa usufruir do direito de cidadania através da livre expressão, comunicação e informação. Miranda10 diz que:

[...] os processos subjetivos não podem ser compreendidos apenas na esfera de uma interioridade psíquica, em cuja substancialidade, no 10

Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFC.

31 limite, participa o núcleo familiar com suas variações culturais. A nosso ver, a subjetividade encontra-se diretamente implicada não só em instâncias inconscientes ou egóicas, mas depende de uma contextualização histórico-político-cultural. Dessa forma, as mudanças no campo da tecnologia, as relações espaço-temporais, a produção de imagens, para citar apenas alguns exemplos, são fundamentais para o entendimento dos caminhos da produção de subjetividade contemporânea (in: FILÉ, 2000, p. 13).

É importante que se prepare um sujeito que anseie por entender as produções e suas implicações e que seja agente participativo e colaborativo em sua sociedade, contribuindo para que as futuras gerações desenvolvam tal capacidade também. Tudo isso depende principalmente do bom desenvolvimento dos projetos pedagógicos que educam a nossa sociedade. Os professores de arte bem como gestores escolares, além de estarem atentos para com as dificuldades e a realidade dos alunos na disciplina, podem realizar propostas que integrem educação, cultura e arte, adaptando sua consciência política às carências e necessidades da população envolvida na escola, incluindo não só os alunos, mas a comunidade escolar em um todo, a fim de possibilitar um ensino atrelado às vivências dos jovens. Se faz também importante que o corpo docente da escola se comprometa em analisar os processos do ensino de arte e os aspectos sociais e culturais que influenciam o modo de viver, para que a partir dessas reflexões possam pensar na estruturação do currículo e em como podem ser instauradas inovações pedagógicas que atendam as novas demandas da sociedade contemporânea.

1.3 O Aluno Produz Conhecimento

Atualmente passamos por uma mescla de inovações transformadoras, retardamento de avanços necessários e excesso de burocracia. Essa mistura atinge todas as esferas da vida social, podendo-se dizer que a estância que representa um dos maiores potenciais para intervir e surtir resultados, sejam eles positivos ou negativos, na fonte das ramificações que dirigem o movimento social, é o sistema educativo. Percebemos que educar e aprender não são ações que acontecem exclusivamente durante um espaço de tempo limitado ou apenas nas instituições de ensino. A educação se alarga para todos os ambientes em qualquer período, pelas mais variadas circunstâncias

ou

motivações.

Todos

os

indivíduos

aprendem

e

ensinam

simultaneamente, pois assim ocorrem as transformações no nosso meio e de acordo com estas devemos nos adaptar às novas condições.

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Além dos espaços institucionais formais para a constituição das novas gerações, guiadas pelas diretrizes políticas instauradas pelos poderes legislativo e executivo, existem recursos diferenciados para casos que demandam tratamento singular, como é o caso da educação para jovens e adultos, educação à distância e educação para portadores de necessidades especiais, além dos processos informais que se dão a partir de ações educacionais alternativas. Moran (2014) diz que é difícil modificar a organização escolar, pois esta é prudente e pesada devido seu compromisso de zelar o passado, de tentar minimizar as desigualdades nacionais e regionais e também por causa de sua burocratização exacerbada que complicam a renovação. Ainda existem outros obstáculos como a dificuldade em conseguir recursos úteis e necessários, a má vontade política e o esquecimento e estagnação cultural de iniciativas interessantes no meio educacional. Presenciamos um “paradoxo de manter algo em que já não acreditamos completamente, mas não nos atrevemos a incorporar plenamente novas propostas pedagógicas e gerenciais, mais adequadas à sociedade da informação e do conhecimento” (MORAN, 2014, p. 16) a qual estamos adentrando velozmente. Porém mesmo a frente do peso de tantos desafios, é necessária uma tomada de consciência em relação ao prejuízo que o descaso com os impactos dos avanços da sociedade contemporânea acarreta no ensino para que assim tomemos frente da tarefa árdua e demorada de sugerir, investigar e aplicar metodologias educativas que correspondam às necessidades atuais. Quando pensamos nessas inovações, entendemos que quanto mais nos atualizamos, mais complexos ficam os sistemas educacionais e não se pode apenas fazer a adoção de mecanismos sem considerar as articulações de suas peculiaridades. No ensino da arte, quando engajarmos aos processos de aprendizado estruturas que sustentam a integração das mídias tecnológicas contemporâneas na busca por aproximações entre as ações pedagógicas e a realidade da comunidade escolar, é necessário que estas iniciativas sejam interpretadas de forma multifacetada, não limitando-as e diminuindo seu potencial, como é o caso de utilizar as mídias apenas como fonte de transmissão de conteúdos ao aluno. É essencial que se considere também a possibilidade de empoderar o aluno como co-autor de seu próprio aprendizado por meio da produção de sentidos através das TICs.

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Cope e Kalantzis11 (2007) dizem que as escolas ainda têm o costume de não absorver completamente as possibilidades dos mecanismos que dispõem de vasto potencial benéfico no campo pedagógico. Os autores falam sobre a necessidade de concientizar os alunos de sua importância na sociedade como agente participativo:

Se a educação deve ser relevante para as necessidades sociais contemporâneas e disposições pessoais, ela precisa fazer algo diferente, deve conceber as escolas como comunidades de produção de conhecimento, criando nos aprendizes um senso de que eles mesmos são produtores de conhecimento (COPE; KALANTZIS, 2007, p. 78, tradução nossa).

É necessário que levemos para dentro do ambiente escolar, a proposição de um aluno que entende o seu lugar na sociedade como produtor de conhecimento e não apenas como receptor dele, valorizando o conhecimento que ele extrai de seu cotidiano e a integração deste nas atividades assumidas no meio escolar. Assim se desconstrói também a noção de que o professor é o único transmissor de conhecimento e de que cabe ao aluno apenas aprender o que lhe é passado como verdade absoluta. O educador não pode buscar seu destaque em relação ao discente, ao invés disso, deve ponderar suas opiniões e trocar ideias construtivas com os jovens, demonstrando interesse no seu conhecimento. Sabendo que as TICs transformam as maneiras de aprender e pensar, as relações na sala de aula também precisam ser renovadas. Em tempos passados o professor era o único detentor das novidades e das informações, já atualmente o estudante acessa alguns conteúdos que muitas vezes o professor nem tem conhecimento. O aluno faz isso por meio de fontes muitas vezes mais instigantes do que as exposições orais da tradicional sala de aula, usufruindo de imagens, sons e ações virtuais interativas. A fala de Walter Benjamin nos faz pensar na importância da valorização do relato e do exercício de narrar por parte do discente e do aprendizado que se dá no processo:

Cada manhã nos ensina sobre as atualidades do globo terrestre. E, no entanto, somos pobres em histórias notáveis. Como se dá isso? Isso se dá porque mais nenhum evento nos chega sem estar impregnado de explicações. Em outras palavras; quase nada mais do que acontece beneficia o relato; quase tudo beneficia a informação. Ou seja, já é

11

Kalantzis é diretora da Escola de Educação na University of Illinois e vice-presidente do Instituo de Línguas Nacionais e Alfabetização da Austrália; Cope é professor pesquisador do Departamento de Políticas da Educação na University of Illinois.

34 metade da arte da narrativa manter livre de explicações uma história enquanto é transmitida (BENJAMIN, 1987, p. 276).

Andrea Ramal12 (1997) há quase duas décadas atrás, já dava ênfase em algumas destas questões e mesmo que tenhamos que atualizar alguns dos pensamentos da autora, tendo em vista que o paradigma ao qual ela se refere já não é mais inédito e está inserido em sua totalidade na energia da vida diária, sua fala apresenta contribuição no que tange esse modelo de aprendizagem construído mutuamente pelo estudante e pelo professor:

No novo paradigma que o contexto atual já exige de nós, uma das práticas mais importantes é a do conhecimento construído, buscado pelo grupo, partilhado. A criatividade passa a ser o ponto alto, num momento em que novos caminhos de aprendizagem podem ser valorizados e já não se tenta obedecer a um único padrão de estudo. À medida que o saber é construído, ocorre a partilha dos conteúdos e das experiências. Isso legitima o conhecimento, pois o expõe a críticas, a divergências e, é claro, enriquece a pesquisa de todos. [...] Bom mesmo é que o professor também se fascine, junto com o aluno, pela pesquisa e pelo novo. Uma postura nesse estilo, desarmada e aberta, nos aproxima muito mais daqueles que orientamos e possibilita que sejam construídas relações afetivas mais verdadeiras (RAMAL, 1997, n.p.).

Como já mencionado, no processo da construção pluralizada do conhecimento, a bagagem cultural dos envolvidos exerce grande influência e contribui em larga escala para que os conhecimentos sejam expandidos de forma que o aprendizado possa compreender as várias implicações do conteúdo que está sendo trabalhado, maximizando sua compreensão. Moraes13 diz que é preciso abandonar:

[...] uma abordagem pedagógica tradicional, que enfatiza a transmissão, a linguagem, a cópia da cópia, onde conteúdos e informações são passados diretamente do professor para o aluno, mediante um processo reprodutivo, para criar uma nova situação educacional que enfatiza a construção realizada pelo indivíduo, através de uma pedagogia ativa, criativa, dinâmica, encorajadora, apoiada na descoberta, na investigação e no diálogo. Em vez de uma educação "domesticadora", "bancária", circunscrita ao espaço escolar, estamos almejando uma educação libertadora, que busca a transcendência do indivíduo, um sistema aberto, que enfatiza a consciência de interrelação e interdependência dos fenômenos, a partir 12

Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Diretora executiva da empresa ID - Projetos Educacionais. 13 Doutora em Educação pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Católica de Brasília.

35 do reconhecimento dos processos de mudanças, intercâmbio, renovação contínua, criatividade natural e complementaridade, não apenas dos hemisférios cerebrais, mas também entre as ciências, artes e tradições (1996, p. 67).

Como consequência dessa abordagem expandida, o aluno saberá melhor aproveitar o que está aprendendo na escola, sabendo aplicar os conhecimentos para compor sua identidade, o exercício de sua cidadania e para que ele entenda e saiba analisar a complexidade dos elementos da esfera social em está inserido. Jorge Larrosa critica o sistema educacional que pouca importância dá ao conhecimento que se adquire nas vivências cotidianas e prioriza a apreensão mecânica de conteúdos fadados ao esquecimento e pouco ou nenhum aproveitamento:

Cada vez estamos mais tempo na escola (e a universidade e os cursos de formação do professorado são parte da escola), mas cada vez temos menos tempo. Esse sujeito da formação permanente e acelerada, da constante atualização, da reciclagem sem fim, é um sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria, um sujeito que não pode perder tempo, que tem sempre de aproveitar o tempo, que não pode protelar qualquer coisa, que tem de seguir o passo veloz do que se passa, que não pode ficar para trás, por isso mesmo, por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, este sujeito já não tem tempo. E na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos e cada vez mais curtos. Com isso, também em educação estamos sempre acelerados e nada nos acontece (LARROSA, 2002, p. 23).

O sistema escolar deve pensar nessas questões, empenhando esforços no desenvolvimento de estratégias e metodologias que valorizem a troca de experiências entre o professor ou o gestor da escola e o estudante. O autoritarismo e rigidez das relações humanas entre pessoas, organizações e grupos, que mostram o nível de atraso em que vivemos no que diz respeito à estabilidade emocional, ao desenvolvimento humano e evolução social, seja individual ou coletivamente, podem ser elididos das práticas pedagógicas do organismo escolar. Segundo Moran, “somente podemos educar para a autonomia e para a liberdade com processos fundamentalmente participativos, interativos, libertadores, que respeitem as diferenças, que incentivem, que apoiem, orientados por pessoas e organizações livres” (2014, p. 21). Larrosa propõe o conjunto experiência/sentido como alternativa para tomar o lugar do conjunto teoria/prática, a fim de contemplar uma reflexão sobre o ensino tendo em vista o potencial de aprendizagem que provém de tudo aquilo que nos transpassa

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durante a vida e da maneira como reagimos a tais situações. A esse respeito, conforme o autor:

Durante séculos, o saber humano havia sido entendido como um páthei máthos, como uma aprendizagem no e pelo padecer, no e por aquilo que nos acontece. Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece (LARROSA, 2002, p. 27, grifo do autor).

O autor ainda destaca que um dos principais aspectos que o saber pela via da experiência tem a contribuir com a educação é a sua capacidade de formação ou de transformação: “É experiência aquilo que „nos passa‟, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação” (2002, p. 25-26). Na elaboração dessas alternativas didáticas, sendo a escola um ambiente de miscigenação onde se encontram diferentes perfis de indivíduos, há a necessidade de construir propostas pedagógicas pensando em um currículo pluralista, tencionando abarcar as questões identitárias na construção dos saberes. Tanzi Neto et al. afirma que:

[...] é preciso levar em conta três elementos: os modos de aprendizagem, os conteúdos de aprendizagem e o grupo envolvido ou o contexto estabelecido no processo de aprendizagem. As diferenças (culturais, identitárias) são positivas nesse contexto de aprendizagem, pois podem conduzir o aprendiz à percepção e à colaboração com as diferenças (in: ROJO, 2013, p. 137).

É imprescindível que esses métodos sejam explorados em uma direção de propor a relação entre alunos, famílias, professores e gestores, enfim, é necessário que os sujeitos que compartilham da instituição de ensino se conheçam, troquem ideias e vivências. As relações sociais que são desenvolvidas tanto na família quanto no trabalho e na escola, auxiliam o sujeito em uma compreensão ampla da sociedade e de si próprio, na formação das noções de respeito e solidarização para com o próximo, de forma a melhor dinstinguir sua inserção no meio em que vive. Isso será possível se estivermos:

Afastando-nos de uma era materialista, preocupada com a acumulação de recursos físicos e materiais, com produção em massa, estamos caminhando em direção a uma era das relações, onde a informação, o

37 conhecimento, a criatividade e as inteligências constituem os verdadeiros capitais. Em última análise, o poder está sendo transferido para o indivíduo e para as sociedades (MORAES, 1996, p. 68).

Moraes diz que é de fundamental importância para a renovação no paradigma da educação, que focalizemos o desenvolvimento humano em um processo de mudanças radicais que irão afetar todos nós e as próximas gerações. Também segundo os PCNs do ensino médio, o estabelecimento de relações é componente essencial nos processos que se engendram no ensino da arte:

Em processos de produzir e apreciar artísticos, em múltiplas linguagens, enraizadas em contextos socioculturais, as pessoas experimentam suas criações e percepções estéticas de maneira mais intensa, diferenciada [...] essa sabedoria de expor sensibilidades e idéias estéticas na obra de arte é aprendida pelo produtor de arte ao longo de suas relações interpessoais, intergrupais e na diversidade sócio-cultural em que vive. Emoções e pensamentos elaborados, sintetizados, expressos por pessoas produtoras de arte e tornados presentes nos seus produtos artísticos, mobilizam, por sua vez, sensorialidades e cognições de seus apreciadores (espectadores, fruidores, públicos) considerados, portanto, participantes da produção da arte e de sua história. É nas relações socioculturais - dentre elas as vividas na educação escolar - que praticamos e aprendemos esses saberes (BRASIL, 2000, p. 48).

Tais vínculos devem ser estimulados tanto de forma pessoal dentro da escola como para além dela, bem como nos ambientes conectados em rede. Moran afirma a imprescindibilidade do encorajamento dessas formas de relações e da compatibilização entre ambas:

A sociedade conectada está ampliando a aprendizagem em grupo; a aprendizagem entre pares, as „tribos‟ virtuais. Cada um aprende com grupos que reconhece como significativos e importantes. Aprendemos pela interação com colegas presenciais e virtuais. As redes de comunicação em tempo real – MSN, chats, blogs, celular - expressam a riqueza de situações comunicacionais, de interação no cotidiano e na escola. A aprendizagem pela interação grupal é mais significativa se combinada com a pessoal, com tempos individuais de reflexão, de síntese, de aprofundamento e de consolidação do que é percebido, sentido e compreendido (MORAN, 2014, p. 50).

A pesquisa sobre as TICs na educação, mais especificamente sobre propostas e projetos inovadores de ensino que usem o audiovisual em sentido amplo precisa ser repensada entre curtos períodos de tempo em consonância com as velozes

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transformações que acometem a própria evolução dessas tecnologias. O aparelho de telefonia móvel por exemplo: na virada do século XX para o XXI, um dos modelos mais sofisticados era o Nokia 7110, o primeiro modelo que suportava slide e navegação na internet WAP (Wireless Application Protocol), sistema que foi deixado de lado devido sua limitação. Na época o aparelho causou alvoroço, mas em 2007, menos de uma década depois, a Apple lança o iPhone, aparelho de caráter híbrido e que atualmente já está em sua oitava geração, oferecendo recursos inusitados com uma interface totalmente inovadora, câmeras de alta qualidade, games de alta performance, acesso às redes via rede wi-fi ou por pacotes de dados da operadora telefônica, deixando a conexão muito mais simples e veloz, fato que se naturalizou em nossas vidas. Hoje, a grande maioria da população brasileira está conectada onde quer que seja, o celular está nos bolsos das pessoas e elas estão produzindo conteúdos midiáticos em escala estarrecedora se comparada à alguns anos atrás, de forma que a pesquisa sobre esses meios e sua inclusão nos sistemas de aprendizagem se fazem indispensáveis.

1.4 Avanços Tecnológicos e Educacionais na Mesma Trilha

Estamos direcionados para uma esfera social totalmente conectada, permeada por novíssimas alternativas de aprendizagem, comunicação, participação e por muitas diferenças no meio em que estamos acostumados atualmente. Também os processos de ensino irão sofrer agudas e penetrantes mutações, de modo que a absorção e disseminação do conhecimento, a capacidade de harmonizar o setor individual e social, de comunicação, de explorar e perceber, serão a base fundamentadora do núcleo da futura constituição social. Para atender essas novas abordagens, os games serão mais performáticos e interativos, a informação estará ainda mais acessível, a sistematização das engrenagens do ensino e o modo de aprender deverão ser muito mais versáteis. É importante que nos direcionemos para uma sociedade mais democrática, na qual o cidadão possa tomar decisões com menos intermediários e burocracia, devendo envolver-se de forma mais direta e podendo tratar sobre questões sociais decidindo e opinando pelos ambientes virtuais (em maior escala do que atualmente já é feito). É provável que a maioria dos estudantes, em quantias mais larga do que hoje, irá dispor de acesso aos ambientes em rede por meio de dispositivos dotados de recursos cada vez mais avançados e de uma portabilidade aprimorada se comparada aos equipamentos que a classe popular tem poder de posse nos dias atuais. As instituições

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de ensino também estarão conectadas em rede, com seu campo de alcance expandido para muito além das fronteiras da escola, que deve se evidenciar como ambiente de pesquisa, análise, investigação, discussões críticas, trocas de experiências, tudo isso no mundo material e naquele no qual entramos de forma virtual. Todas estas colocações exprimem uma sociedade para a qual nos direcionamos no anseio de progredirmos nas esferas culturais, intelectuais, em um zelo e aprimoramento das relações entre os seres humanos e tudo o que nos cerca. Para tanto, é primordial que transformações urgentes sejam operadas no âmago das instituições de aprendizagem, conscientizando estudantes, famílias, educadores, gestores e o poder político, para que a escola se comprove como componente da vida dos cidadãos em aspectos gerais, não como uma etapa isolada da vida da forma que muitos ainda a enxergam. Se as estruturas educacionais forem se conformando cada vez mais, apenas reciclando velhas receitas sem refletir e buscar novos horizontes, é possível que os avanços informacionais e comunicacionais que a tecnologia assegura, ao invés de continuarem significando e gerando expectativas promissoras no que tange um processo de emancipação, autonomia e democracia social, tornem-se uma potência que acarretará um

aumento

nas

desigualdades

sociais,

violência,

desemprego,

alienação,

empobrecimento cultural e outros dos problemas que vimos atingindo as classes populares no passado e que continuamos percebendo na sociedade atual.

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2. POSSIBILIDADES AUDIOVISUAIS NA ARTE CONTEMPORÂNEA

No período que contemplou a arte moderna, segundo Anne Cauquelin (2005), o terreno que separava artista e consumidor ficou bem demarcado e neste se proliferaram as poderosas figuras componentes dos mecanismos do mercado da arte. Já na arte contemporânea é possível constatar um conjunto de rupturas que geram modificações nos paradigmas, de maneira que é necessário reconsiderar a “transformação do domínio artístico, pois o traço do regime de consumo, mesmo aumentado, não explica o conjunto dos fenômenos atuais” (2005, p. 56). O fator marcante que rege o sistema social transita do consumo (sem deixar de consumir, é claro) para a comunicação. As tecnologias que vêm inovando o campo da comunicação e da informação e se agregando às esferas da vida cotidiana de maneira particularmente mais veloz e digitalizada no século XXI, engendram mutações nas mais variadas camadas e atividades sociais, sendo assim, também no mundo da arte é possível perceber os efeitos desses processos. Cauquelin diz ainda que esse conjunto de meios tecnológicos é revestido pela incumbência de garantir “o nível tecnológico no qual se reconhece uma sociedade desenvolvida e a unidade dos grupos sociais em vias de desagregação. A tecnologia se encarrega, então, de dois princípios essenciais: o do progresso e o da identidade” (2005, p. 58). Os dispositivos eletrônicos que delineiam as propriedades tecnológicas da cultura digital, como celulares, computadores, câmeras híbridas e seus componentes de conexão e distribuição em rede, evocam formas inovadoras de produção e expressão da subjetividade. Essa gama de aparatos e meios comunicacionais em geral confere um caráter mais democrático à produção e manifestação de sentidos devido ao alargamento de suas possibilidades de alcance a barateamento de consumo. Agamben (2005) fala que existem os seres viventes, os dispositivos, e entre estes, o sujeito, que é o resultante da interação entre os dois primeiros. Assim, uma única pessoa tem a capacidade de abrigar múltiplos processos de subjetivação, seja trocando informações pelo telefone, publicando conteúdos nas redes, navegando na internet ou criando histórias. O autor constata que:

A ilimitada proliferação dos dispositivos, que define a fase presente do capitalismo, faz confronto uma igualmente ilimitada proliferação de processos de subjetivação. Isto pode produzir a impressão de que a categoria da subjetividade no nosso tempo vacila e perde consistência,

41 mas trata-se, para sermos precisos, não de um cancelamento ou de uma superação, mas de uma disseminação que acrescenta o aspecto de mascaramento que sempre acompanhou toda a identidade pessoal (AGAMBEN, 2005, p. 13).

Estes dispositivos são capazes de promover renovação nas articulações entre o espectador e a imagem, intensificando experiências acerca de várias problemáticas. Alguns artistas sentiram a necessidade de integrar estes dispositivos e a linguagem audiovisual em sua produção e na década de 60, com o surgimento das câmeras de vídeo portáteis, mais baratas e acessíveis em relação às câmeras 16mm, começam a trabalhar com vídeo.

2.1 Vídeo Como Arte

Os videoartistas provocavam reflexões sobre como a arte pode ser definida e suas relações com a vida. A representação tal qual real é o objeto de desconstrução por parte desses artistas que procuram dar lugar à constituição de uma individualidade autônoma e desprendida de predeterminações. Entre os temas mais explorados estavam as críticas aos vídeos e filmes comerciais, os elementos transitórios, efêmeros e as condições instáveis da vida. Existia um embate ao culto da televisão e a ausência de participação da população em relação a esse sistema. Segundo Muanis14, na fase da paleotelevisão que duraria até meados dos anos 80, na televisão:

O apresentador tinha o monopólio da palavra, estabelecendo uma relação hierárquica e pedagógica com seus usuários. Utilizava-se, ainda, de gêneros prontos de outras mídias, com os quais se estruturavam o fluxo em um contrato de comunicação, criando um espaço de formação e sua temporalidade própria, rígida, regular com periodicidade bem-definida. [...] A imagem era de intensidade zero, planar, sem contraste, com poucas interferências gráficas e incrustações (in: BRASIL; MORETTIN; LISSOVSKY, 2013, p. 1734).

Os artistas queriam penetrar essa imagem televisiva com intervenções provocadoras. Nas obras, o dispositivo (o aparelho televisor, por exemplo) pode ser tanto o elemento sígnico da obra quanto seu meio de produção. Ele ficava visível ao 14

Doutor em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense.

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espectador, evidenciando aspectos da proximidade da relação entre o público e esses recursos tão recorrentes na vida cotidiana e hoje, na arte contemporânea. Um artista que explorou este recurso de forma intensa foi o coreano Nam June Paik, tido como um dos pioneiros da videoarte. Exemplo disso é a obra 13 TV: 13 distorted TV sets (1963) na qual o artista mostra

treze

aparelhos

televisores

sintonizados

na

mesma

programação

eletromagneticamente distorcida de maneira diferente em cada aparelho. O televisor também fica em evidência na obra TV-Cello (1971) na qual a celista Charlotte Moorman tocava um instrumento de uma corda que produzia sons eletrônicos. Como se pode ver na Figura 1, o corpo desse instrumento era composto por três televisores dispostos verticalmente, sendo que a exibição no primeiro aparelho era uma apresentação ao vivo de Moorman, no segundo apareciam recortes de imagens de outros celistas e no último, um programa de televisão.

Figura 1- TV-Cello - 1971. Fonte: FARTHING, 2011, p. 529

Na década de 70, alguns artistas conceituais americanos passaram a se engajar na videoarte, entre estes se destacam os nomes de Bill Viola, Bruce Nauman, Dan Graham, Gary Hill e Vito Acconci. O vídeo, que esteve presente em vários movimentos que de alguma forma se esquivavam das predefinições modernistas, era visto por muitos com um caráter de contradição, uma mistura de várias expressões e não uma manifestação genuína.

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A videoarte propõe a mobilidade do ponto de vista da imagem e do observador, se expandindo para vários ângulos em uma exploração pelas extremidades do espaço. Nessa época “os artistas brincavam com novas maneiras de exibirem suas obras, incluindo instalações com múltiplas telas e projeções cinematográficas" (FARTHING, 2011, p. 529). Além das instalações, os happenings e performances (destaque ao grupo Fluxus) são experimentados muito intensamente, revelando as inovações nos paradigmas da arte, articulando a criação das obras em ligações mais diretas com as questões cotidianas em geral, a sensorialidade, o contexto tecnológico e urbano, as emoções, a natureza e as inconstâncias da vida. A apreciação passiva é substituída pela produção de signos e pela imersão e interação do espectador com a arte. A videoarte era modulada pelo tempo. As obras expressas através das distintas possibilidades do vídeo incorporam a temporalidade em vários níveis estruturais, evidenciando uma característica muito recorrente na arte contemporânea: o olhar que se pluraliza e sofre desestabilização, sendo apresentado então de maneira ondulante em uma busca pela compreensão das nuances temporais no espaço diferenciado onde os papéis de artista e público se acoplam e se fundem. O espaço também é um aspecto importante na experiência da instalação que comporta a videoarte. As imagens em movimento atingem as paredes e o teto da galeria, a obra busca uma parceria na arquitetura em que se expõe, sonda suas peculiaridades na ânsia de explorar e quebrar os limites do alcance da obra de arte. Em 1974, o artista Dan Graham executa pela primeira vez o trabalho Time Delay Room. A obra consiste em um cômodo dividido ao meio por uma parede, formando assim duas salas, uma delas definida como audiência A e a outra como audiência B (Figura 2). Em cada uma das salas existem dois monitores e uma câmera que capta a imagem do público que está na sala. No monitor 1 da audiência A, aparece a imagem de sua própria sala com um delay de oito segundos, já no monitor 2 aparece a imagem ao vivo do que está acontecendo na outra sala. O mesmo processo acontece com a audiência B. Quando o integrante de uma sala vai para a outra, seu percurso leva cerca de oito segundos, então quando ele estiver saindo de sua sala verá sua imagem em tempo real saindo dali. Porém ao chegar no outro cômodo, o espectador verá uma imagem que parece contínua da imagem de sua saída na outra sala, pois com o delay de oito segundos, mesmo que ele já esteja parado dentro da nova audiência, irá se enxergar

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fazendo o percurso de entrada nesta. O corpo é posicionado como o tema medular, que se transfigura nas camadas espaço-temporais, não simplesmente como uma chave que aciona o dispositivo em questão, mas como tática que o salienta e provoca uma união entre corpo, aparelho e ambiente. O vídeo maximiza a perspectiva da disseminação das imagens, já que por meio da conexão e penetração entre a corporeidade real e a tecnologia videográfica, são encadeadas unidades imagéticas que só se podem vislumbrar no vídeo em questão.

Figura 2 - Esquema da obra Time Delay Room - 1974. Fonte: http://www.medienkunstnetz.de/mediaartnet/. Acesso em: 16 out. 2015.

Outra obra que pode ser um exemplo da interação do corpo com o espaço e a videoarte é Peep Hole (1974) de Bill Viola. Nessa obra o observador olha através de um pequeno orifício em uma porta fechada. Ele enxerga então o reflexo de seu olho, provindo de um espelho posicionado na sua frente, porém no momento em que o espectador assiste seu próprio olho, sua imagem é captada por uma câmera e enviada para o espaço externo, atrás do corpo do observador. Surge algo que pode ser visto como um prolongamento do seu corpo que faz parte da obra, mas só acontece em função de sua integração junto ao trabalho. O observador é componente essencial da obra, pois sem ele este processo não poderia ocorrer. Segundo Farthing, os artistas contemporâneos “têm impossibilitado a definição da videoarte - o formato da obra se tornou menos importante do que a ideia do videoartista como alguém que trabalhava com imagens em movimento e som” (2011, p. 529). Isso quer dizer que em um contexto atual, o termo videoarte e suas contemplações

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são envolvidos por certa imprecisão em definir-se sob descrição exata, tendendo mais para uma manifestação desprendida de amarras históricas, marcada por características sui generis e autônomas. O ponto central é a experiência.

2.2 Audiovisual Hoje: Desestabilizaçao nos Papéis Migliorin15 (2008) diz que segundo Ehrenberg, em análise sobre as mudanças pós anos 80 ocorridas na televisão francesa (mesmo sendo a análise feita sobre a televisão da França, as colocações apresentam afinidades com o vídeo em geral), a transformação chave do sistema televisivo consiste em uma nova ordem de organização entre o âmbito privado e o público. O autor fala que assuntos de caráter íntimo passam a ser televisionados e a visibilidade destes se torna mais relevante do que a opinião dos experts sobre essas questões. O autor fala que para Ehrenberg, a televisão contemporânea exibe um formato de família que é regido pela negociação e não mais pela hierarquia e nestes acordos o indivíduo busca o crescimento individual e sua autonomia. O conteúdo televisionado perde uma parcela de seu caráter de dominação e ordem para ceder espaço a uma orientação mais democrática, dando visibilidade aos cidadãos comuns que se sentem representados pelas figuras e ações exibidas na televisão. Para Migliorin, nesse novo modelo no qual se destacam alguns reality shows que mostram participantes comuns em busca de ações sobre seu próprio desenvolvimento:

[...] encontramos algo muito semelhante com o que acontece em relação à posição do diretor no audiovisual contemporâneo. A presença do homem comum, a perda da autoridade por parte do diretor, a ausência de uma norma que anteceda a entrada em ato dos atores dos programas. Mas nem tudo é feito de semelhanças; elas aqui são características comuns de um mundo contemporâneo sem saudade da tradição (2008, p. 55).

Nesse rompimento das barreiras entre diretor, protagonista e espectador, encontramos o filme Um Passaporte Húngaro (2003) dirigido por Sandra Kogut, no qual a própria diretora produz o vídeo e é a protagonista do mesmo. O avô de Sandra que era húngaro mudou-se para o Brasil buscando constituir sua cidadania brasileira e a cineasta decide fazer o processo inverso. É sua trajetória indo atrás da obtenção de seu 15

Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Cinema e membro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação na UFF.

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passaporte de cidadania húngara que sustenta o trabalho de 2003, sendo que logo nos primeiros minutos podemos ver do ponto de vista da protagonista um telefone e além deste, toda a informação que temos são as vozes dela conversando em duas ligações diferentes com um homem e uma mulher, que lhe dão informações sobre a possibilidade da obtenção do passaporte. Quando Kogut vai até algum lugar resolver os assuntos pertinentes ao passaporte, a câmera está sempre em suas mãos captando tudo de forma discreta sem causar estranhamento nas outras pessoas que estão ali, nos permitindo acompanhar o rumo que os trâmites vão tomando como se nós mesmos fôssemos a protagonista. Talvez um caso ainda mais marcante para destacar essa quebra de barreiras e delinear as mudanças que ocorrem no audiovisual contemporâneo, mais especificamente no documentário, é o Rua de Mão Dupla (2002) com direção do mineiro Cao Guimarães. No filme, duplas cujos integrantes não conhecem um ao outro são convidados a adentrar a casa do outro para vivenciar um dia ali e gravar o ambiente do lar desse estranho. Em seguida eles fazem suposições de como acham que seja esta outra pessoa que vive ali e dão seu parecer sobre o que foi presenciado nesse ambiente. Como é possível ver na Figura 3, o filme é composto pelas imagens que os próprios participantes produziram, não por uma equipe cinematográfica.

Figura 3 - Cena do filme Rua de Mão Dupla - 2002 Fonte: http://www.caoguimaraes.com/. Acesso em: 20 out. 2015.

O filme se despe de marcas autorais, sua meta consiste nessa singular experiência que é uma continuidade de algo já existente antes dele e que, ao contrário de

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reality shows na linha do programa A Fazenda (Rede Record), iniciado em 2009 inspirado pelo The Farm (Suécia, produtora Strix), nos quais as pessoas aceitam ser gravadas e moldam seu comportamento em função de prêmios financeiros ou pelo desejo de tornarem-se celebridades, em Rua de Mão Dupla as pessoas continuarão agindo e sendo da mesma maneira durante o filme e após seu término, pois o que importa são de fato as experiências, as impressões desencadeadas durante a produção desse material, construindo as noções de si e do outro. O participante sabe que o objetivo é a experiência de algo singular e não a sua promoção midiática, sabe que sua vida não irá mudar radicalmente após a vivência. “A câmera é sempre uma presença de quem filma ao mesmo tempo em que o filmado não está na imagem, apenas seus vestígios, suas marcas” (MIGLIORIN, 2008, p. 57). Em contexto mais contemporâneo, as representações de realismo em ficções e documentários fundem-se em suas narrativas e é o espectador quem julga o que é verdade ou mentira, documentário ou ficção. É necessário salientar que:

A compreensão direta do real é impossível dada a intermediação da linguagem. O seu processo de percepção passa de modo invariável pelo auxílio das representações, sujeitas às seleções inerentes ao crivo da consciência. A realidade é parte do real, embora o real não possa ser aprisionado esteticamente senão filtrado pela representação da realidade. O objetivo maior do realismo é atingir o status de real, ainda que por definição seja esta uma meta impossível de cumprir. Estará sempre o realismo condicionado ao distanciamento do real experenciado (SALOMÃO, 2005, p.14, grifo do autor).

Hoje a ficção busca uma aproximação enérgica da realidade, de modo a incorporar aspectos do documentário. É por essa razão que muitas vezes no cenário cinematográfico atual, a linha que separa documentário e ficção se faz mais transparente do que nunca (ao exemplo do falso documentário ou docudrama). É preciso frizar que como explicado por Salomão 16 , o que vemos nessas produções que incorporam elementos do real em sua linguagem, são uma representação da realidade, não o real, já que este não pode ser transmitido na representação, o real própriamente dito reside apenas na experiência em questão. De autoria dos artistas Maurício Dias e Walter Riedweg, cuja parceria é também conhecida como Mau Wal, outro trabalho que busca uma aproximação da realidade é Question Marks (1996). Em Atlanta, nos Estados Unidos, a dupla se encontrou e 16

Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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conversou em algumas ocasiões com presidiários e adolescentes, internos de uma penitenciária e de um centro de detenção. Nesses encontros, além das conversas entre os detentos e artistas, os adolescentes e prisioneiros eram convidados a fazer desenhos da sua trajetória dentro da instituição. A experiência na penitenciária era gravada e exibida em uma televisão no ambiente de recreação no centro de detenção e vice-versa, criando um túnel de comunicação entre os dois centros, algo que nunca havia acontecido antes. Segundo os artistas, é esta a função da arte: comunicar, atingir, promover estados de espírito que possam talvez redefinir o estado das circunstâncias. No documentário MAU WAL Encontros Traduzidos (2002) com direção de Fabiana Werneck e Marco Del Fiol, é possível ver um trecho de um dos vídeos realizados em Question Marks, no qual um adolescente está gravando sua conversa com o artista Mauricio e quando este o questiona sobre o que é arte para ele, o jovem diz não ter certeza sobre o que é arte, mas sabe que é um sentimento, um estilo, uma forma de encontrar a si mesmo e de aliviar o estresse e a raiva. O jovem diz ainda que pode fazer aquilo que quiser com arte, inclusive antes disso, ele fala que com a arte poderia fazer com que a imagem ficasse de cabeça para baixo e nisso vira a câmera. O artista pergunta ao garoto se isso o faz sentir livre, no que ele responde que a arte liberta sua mente e que o ajuda na descoberta de si mesmo e a ter diferentes perspectivas sobre as coisas, diz que com isso se sente bem, como se não estivesse preso. Os sons e imagens em movimento do audiovisual parecem ser um canal que sintoniza-se na mesma frequência extremamente frenética da cibercultura, na qual todos somos atingidos abruptamente pela enxurrada incessante de conteúdos veiculados pela mídia. No cotidiano agitado onde administrar o tempo é regra de ouro para conseguir acompanhar as demandas sociais, a constante busca pelo desenvolvimento social consegue encontrar conexões com a fluidez da estruturação dos movimentos videográficos e com a facilidade de transição entre dimensões, imagens e sons, fazendo com que seja possível um alargamento das experiências sensoriais, perceptivas, reflexivas e da produção de signos.

2.3 Evasão da Privacidade e Vídeo Amador Migliorin afirma que “A vida, enquanto espessura, enquanto duração, passa longe e se torna um arremedo de insights, de falas descritivas e auto-explicativas; eu isso, eu aquilo.” (2008, p. 62). Segundo o autor:

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É uma ingenuidade associar a perscrutação da intimidade a um método capaz de revelar uma recôndita e essencial autenticidade. A intimidade deixa de existir. Ela se torna um efeito. Efeito de intimidade, efeito de autenticidade, efeito de verdade, efeito de descontrole. Por isso, não há invasão de privacidade. Há, tão somente, evasão (2008, p. 62-3).

No meio contemporâneo em que estamos englobados, a exorbitância de conteúdos midiáticos nos mostra múltiplas temáticas, sendo que a prática audiovisual e a inovação em movimento contínuo e progressista permeiam o mundo tecnológico. É possível argumentar que vivemos em um ambiente onde quase nada daquilo que se vê é novidade e tudo pode ser visto. Os dispositivos de produção de conteúdos midiáticos invadem nossas vidas e adentram nossos cotidianos de forma radical, mas é preciso ter cuidado ao dizer que diante da produção exacerbada de conteúdos, na qual podemos ver toda uma sorte de ações vividas pelas mais variadas pessoas em situações comuns, estamos vivendo uma invasão de privacidade. Talvez o que esteja acontecendo é que as pessoas queiram exibir seus cotidianos e desejam ser vistas, por esse motivo é que se fala em uma evasão da privacidade. Com o passar do tempo, a abundância desse material gerado pela ação no campo do audiovisual impulsiona diálogos instigantes entre a comunicação, informação e o vídeo. Pensando na exploração de sua capacidade de externar manifestações de signos e provocação de questionamentos para a população, além de opiniões, formas de persuasão, problematização de valores e mesmo como uma expressão das situações que vivem os sujeitos na vida real, existe uma grande preocupação em retratar os indivíduos e suas condições e posicionamentos.

Numa cultura tão comprometida com o valor das imagens, não surpreende que o visível tenha se tornado um problema; em consequência, tampouco pode resultar estranho que nesta época se multipliquem os questionamentos em torno dos alicerces que sustentam nossas visualidades. Nas últimas décadas, com a expansão dos meios de comunicação audiovisuais e a consolidação dos modos de vida que Guy Debord vislumbra, em 1967, com a instauração de certa “sociedade do espetáculo”, aprendemos a viver num permanente deslizamento entre imagens. E, ainda, em meio a essa proliferação imagética, verifica-se hoje um crescente devir-imagem em termos de subjetividade e corporeidade; isto é, uma incitação à produção do “eu” na esfera do visível (SIBILIA in: BRASIL; MORETTIN; LISSOVSKY, 2013, p. 119).

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A produção de si na esfera do visível bem como a multiplicação da produção de subjetividade, são pontos fortes das TICs e de outras experiências de educação nos meios digitais. Esses dispositivos propiciam vias pelas quais as pessoas podem se manifestar projetando-se audiovisualmente para alcançar e dialogar com outros sujeitos e situações. Proliferam-se canais no You Tube de pessoas comuns que querem deixar sua opinião sobre diversos assuntos, atingindo milhares de espectadores que por sua vez podem se comunicar com o autor do vídeo para trocar ideias. Isso já vem acontecendo há alguns anos desde que o canal passou a existir, porém o grande diferencial é que houve um aumento exorbitante na quantia de pessoas interagindo. Essa troca não seria possível sem a utilização dos dispositivos midiáticos e canais de compartilhamento em rede que marcam a cultura digital. Esse tipo de vídeo, bem como a de documentários e outras produções contemporâneos que se apropriam de elementos da realidade não têm o compromisso de modificar uma situação ou de resolver determinado problema. Em entrevista para Valter Filé, o documentarista Eduardo Coutinho diz que:

Nenhum filme vai mudar o mundo. Essa visão eu tenho inteiramente e nem estou a fim de mudar o mundo pelo fato até de que seja impossível, mas pelo fato de fazer um filme sobre o lixo, ou qualquer outro assunto destes, a médio prazo, de uma forma muito mediata, terá um efeito pros outros no sentido de conhecer o mundo, só isso. Quem faz um filme hoje não pode ter certeza de transformar e, segundo, porque você não pode transformar direito aquilo que você não conhece (FILÉ, 2000, p. 72-3).

Ou seja, para Coutinho, o filme pode servir para que se tome conhecimento sobre determinada situação, para que se questione e reflita sobre ela e aí sim poderá ou não acontecer alguma transformação em relação ao assunto abordado, já que a possibidade de transformar o estado de algo só é possível a partir do momento de sua compreensão. Para realizar Pacific (2009) de Marcelo Pedroso, uma equipe de pesquisadores que participou de viagens a bordo do cruzeiro Pacific constatou que vários passageiros realizavam filmagens da viagem. Ao final do percurso, a equipe convidou os passageiros para que cedessem as imagens que haviam produzido durante o trajeto para a realização de um documentário. Um recorte dessas cenas pode ser visto na Figura 4.

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Figura 4 - Cena do filme Pacific – 2009 Fonte: https://cineesquemanovo.wordpress.com/. Acesso em: 10 out. 2015.

As imagens caseiras vistas no filme são amadoras, a qualidade de definição das imagens difere entre umas e outras, algumas são tremidas, feitas em planos e enquadramentos desfavoráveis, sem planejamento de iluminação, já outras parecem ter sido elaboradas com um pouco mais de planejamento e com equipamento um pouco mais sofisticado. Os passageiros filmam seus amigos, a si mesmos, paisagens e atrações vistas durante o cruzeiro. Esses conteúdos não foram realizados propositalmente para o filme, mas apropriados e editados em uma nova montagem. Segundo Cánepa e Ferraraz17:

O sucesso dessas novas combinações pode ser devido, em parte, à assimilação midiática de imagens amadoras ou caseiras que vem se intensificando, a partir do uso das câmeras de Super-8, nos anos de 1960, passando pelo VHS, nos anos de 1980, e chegando ao digital nos anos 2000. Desde então, produtos audiovisuais amadores com registros de fatos de interesse jornalístico ou de cenas inusitadas da vida cotidiana (e mesmo doméstica) começaram a proliferar, passando a dominar, no final dos anos de 1980, diferentes modalidades de programação televisiva, chamando a atenção para algumas características típicas do manuseio amador, entre elas a falta de contraste e foco das imagens, problemas de iluminação e de estabilidade, som abafado ou ausente etc (in: BRASIL; MORETTIN; LISSOVSKY, 2013, p. 81).

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Cánepa é doutora em Multimeios pelo IAR-Unicamp. Ferraraz é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Ambos são docentes do Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi.

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Um exemplo da proliferação desses registros audiovisuais amadores e de sua incorporação pela programação televisiva foi um fato ocorrido nas manifestações no Brasil em 2013. Os jovens do Mídia Ninja - Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação acompanhavam as manifestações e gravavam tudo com smartphones acoplados em baterias guardadas nas suas mochilas, essas gravações eram transmitidas ao vivo na internet pelo próprio celular. Muito do que acontecia nas manifestações nem teria sido visto por grande parcela da população se não houvesse a ação do grupo Ninja. As imagens tiveram tanta repercussão que até que o próprio Jornal Nacional passou a utilizar as imagens amadoras realizadas pelo grupo em sua transmissão. Ivana Bentes se pronunciou18 em realação ao Ninja, dizendo que a atitude do grupo era uma ação decorrente da vontade de interferir na situação por meio da comunicação e que as imagens produzidas pelo grupo, ao contrário do que é feito corriqueiramente pela imprensa em função de sua objetividade, tinham o poder de provocar as pessoas que estavam em casa à irem para a manifestação. Voltando à Pacific, Feldman19 ao dar seu parecer em relação aos passageiros que querem ver sua imagem nos vídeos realizados, nos dá ainda uma contribuição sobre a potencialidade do trabalho do amador e da projeção das opiniões e subjetividade dos cidadãos na visibilidade contemporânea, quando diz que nessas produções existe um:

[...] intenso efeito de alteridade das imagens, efeito que não existiria sem a mobilização do trabalho do amador. Tal trabalho, posto em marcha por uma série de deslocamentos contemporâneos, como as mutações da subjetividade (e da ideia de “intimidade”) e o investimento em um regime performativo (em detrimento do que chamamos de “representativo”), torna-se central para compreendermos um novo paradigma [...] inclusivo – de produção de imagens na contemporaneidade, com seus correlatos modos de produção subjetiva (in: BRASIL; MORETTIN; LISSOVSKY, 2013, p. 60, grifo da autora).

No filme de Pedroso, é possível perceber alguns aspectos que marcam os regimes contemporâneos da visibilidade audiovisual: as imagens caseiras, ou seja, o trabalho do amador, o desejo de ver e retratar a si mesmo e ao outro na imagem produzida e a evasão da privacidade daqueles que se colocam na frente da câmera, que querem que suas ações sejam vistas. 18

Segundo matéria “Mídia ninja: entre o jornalismo e o ativismo” disponível em http://www.iets.org.br/. Acesso em out. 2015. 19 Pós-doutoranda no Departamento de Teoria Literária, Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas.

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O desenvolvimento das tecnologias audiovisuais se alastra nas atividades da vida cotidiana fazendo com que o olhar se constitua como consequência de um mecanismo que lhe precede. Esses dispositivos e redes surtem novas visualidades e efeitos diretos na forma pela qual enxergamos as coisas e como as apreendemos. Nesse contexto, a produção de arte é de certa forma desmistificada, se inclinando para algo que Thierry de Duve antecipa, ao falar sobre a recepção que a obra de Duchamp gerou nos anos 60 e sobre o impulso da vanguarda no contexto da época, quando diz que "a prática dos artistas profissionais servia para liberar o potencial de realização artística presente em cada indivíduo, compartilhado pela raça humana, potencial cuja base era estética, mas cujo objetivo era político" (1998, p. 127). Com a quebra dos valores de épocas passadas, a arte é reconsiderada para ser vista da perspectiva daquilo que se absorve das experiências, da capacidade de se emocionar e de sentir que todos nós possuímos. Com uma citação que talvez defina a ideia contemporânea do trabalho artístico, Duve fala que o artista Joseph Beuys foi quem melhor apresentou essa concepção de arte, fazendo "da criatividade humana e do princípio 'Todos são artistas' as bases não só de sua arte, mas também de seu insistente proselitismo" (1998, p. 128). Além da destruição da necessidade do domínio técnico, as produções audiovisuais contemporâneas misturam e quebram barreiras entre as noções de espectador e artista no momento em que os dois estão conectados e dependem um do outro para que o objetivo dessas obras, que é a experiência sensorial e reflexiva, seja alcançado, já que o objetivo dessa arte é comunicar, atingir.

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3. AÇÕES AUDIOVISUAIS NA ESCOLA

Em termos de Brasil, apesar da lentidão que acomete a entrada oficial da educação para as mídias no âmbito escolar, mais especificamente da produção de vídeos, na última década várias iniciativas que buscam integrar de maneiras singulares essa produção aos processos de aprendizagem, estão se proliferando e encontrando parcerias a fim de alargar seu campo de alcance. Na busca por algumas dessas iniciativas e seleção de algumas para incluir em meu trabalho, me restrinjo ao Rio Grande do Sul por ser o estado onde estive morando nestes quatro anos da minha jornada universitária como graduanda em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande - FURG, e na cidade do Rio Grande, onde dei meus primeiros passos na carreira docente e pude conhecer um pouco mais sobre a realidade da profissão e as responsabilidades e possibilidades transformadoras que esta oferece a quem a escolhe. O Programa de Alfabetização Audiovisual (PAA) existe desde 2008 e surgiu como uma iniciativa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul financiada pelo Ministério da Educação – Programa Mais Educação, em colaboração com as Secretarias da Cultura e de Educação de Porto Alegre e, há pouco tempo, com a Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul. Ainda quando o PAA não existia, a Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria de Porto Alegre já vinha envolvendo as crianças de escolas municipais com o cinema a partir do Divercine (festival de cinema destinado às crianças) e mantinha também o Olho da Rua, um projeto de oficinas de vídeo para crianças e adolescentes que viviam em condição de rua. Santos20 indica, de maneira sucinta em quatro tópicos, as ações que compõe a estrutura do PAA:

1. A criação e a manutenção do Festival Escolar de Cinema, realizado com periodicidade anual e voltado para alunos e professores das redes públicas de ensino básico. [...] 2. A realização de cursos de formação continuada voltados a professores e educadores em geral, que buscam provoca-los a refletir sobre o significado da linguagem audiovisual na sociedade e na escola. [...] 3. A realização de oficinas de produção audiovisual com estudantes da rede pública focadas na compreensão técnica e estética da linguagem audiovisual e na produção própria de um exercício audiovisual. [...] 4. O trabalho com espaços de discussão teórica que colocam em contato especialistas da área de cinema e educação, com o objetivo de aprimorar a compreensão sobre o sentido da alfabetização audiovisual (in: BARBOSA; SANTOS, 2014, p. 2390, grifos da autora).

20

Coordenadora da Rede KINO - Rede Latino-Americana de Cinema e Educação.

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O programa busca possibilitar aos jovens da rede pública de ensino o acesso à filmes, experiências com a produção audiovisual e o conhecimento de sua linguagem em vários aspectos, para que com o auxílio da manifestação audiovisual que é tão recorrente e ativa dentro de todas as esferas que integram seus cotidianos, possam falar de suas vivências e de si, daquilo que lhes chama atenção e que lhes inquieta. Ao decorrer das atividades concretizadas através do PAA, professores da rede municipal tem a oportunidade de participar de encontros e oficinas com estudiosos, cineastas e outros docentes que há mais tempo já estavam pesquisando e experimentando o audiovisual no contexto escolar. A partir dessas experiências, esses professores orientam atividades que envolvem a manifestação do cotidiano dos alunos e a sua subjetividade a partir da produção de vídeos. Os alunos atuam, escrevem, dirigem equipes e exploram recursos de montagem e edição. Dentro do programa existe o VAGALUME - Laboratório de Estudos em Audiovisual e Educação, que vem oferecendo vários cursos destinados principalmente à professores de escolas da região a fim de capacitá-los para trabalhar o audiovisual em suas ações pedagógicas, como é o exemplo do curso O Jogo do Cinema Documentário: Invenção e Desconstrução, que visa compreender o documentário brasileiro contemporâneo e a desestabilização de algumas noções sobre o gênero. Para poder atribuir o devido reconhecimento ao trabalho que os alunos realizam através de extensões do PAA, acontece a Mostra Olhares na Escola que, este ano já em sua quinta edição, exibe na tela do cinema os trabalhos fotográficos e audiovisuais e ainda promove o diálogo com os estudantes participantes, educadores e outros profissionais da área. Em Porto Alegre existe outro projeto muito interessante que concilia o audiovisual e a educação, é o Cinema em Quadra implementado em 2010. O projeto recebe crianças do bairro Belém Novo, que é carente de qualquer tipo de instituição cultural. Essas crianças provém de famílias humildes e a maioria mora em núcleos de abrigos residenciais. O Cinema em Quadra atende em média cinquenta crianças e é realizado por três voluntárias que organizam e custeiam as atividades, entre elas Liliana Sulzbach que diz que a iniciativa busca promover a capacidade criadora das crianças e “percepção artística, criando o hábito da experiência audiovisual e permitindo a sua participação ativa na sociedade” (in: BARBOSA; SANTOS, 2014, p. 166). Com encontros semanais, o projeto busca conciliar a exibição de filmes, discussão e contextualização social e técnica sobre os mesmos e a partir de então, a

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experimentação audiovisual. Uma vez por mês, com apoio do Itaú Cinema e da Associação dos Transportadores de Porto Alegre - ATP, os participantes são levados ao cinema. Além do aprendizado desenvolvido nas exibições de filme e nas discussões, são realizadas oficinas nas quais os alunos são instruídos a recordarem o que aprenderam com os filmes e a formarem equipes encarregadas de funções técnicas e de conteúdo para produzir vídeos. Em uma das oficinas, os alunos dividiram-se em grupos de: pesquisa, entrevistas, gravação de som e imagem e produziram um documentário sobre o saneamento básico no bairro de Belém Novo, que será exibido no Rolando Arroz, um campeonato de tênis organizado pelo ONG, que é também uma maneira de divulgar e atingir novos patrocinadores para o projeto. O projeto atua junto à Sociedade Tênis, Educação e Participação Social – STEPS, uma ONG que trabalha com a comunidade disponibilizando aos jovens uma quadra de tênis para o ensino e prática do esporte, reforço escolar, incentivo à leitura e aulas de inglês. Sulzbach diz que o objetivo do Cinema em Quadra:

[...] mais do que propor uma educação pelo audiovisual, é a formação de espectadores ativos, que não somente percebam os valores culturais transmitidos por um filme, mas desenvolvam uma visão crítica das imagens que consomem, para não serem meros reprodutores de meios de vida, atitudes e expressões, o que muitas vezes nada tem a ver com a sua cultura e as suas formas de expressão. Não se trata de tirar a televisão da sala, mas transformá-la em instrumento interativo, transformar os espectadores em leitores de signos ativos. [...] aprender a ver o cinema exige capacitação e envolvimento com os saberes cinematográficos (in: BARBOSA; SANTOS, 2014, p. 170, grifo da autora).

Já na cidade do Rio Grande, desde 2014 acontece o Festival de Vídeo Estudantil de Rio Grande e estando esse ano em sua segunda edição, procurei tentar conhecer como foi que o evento surgiu. Nessa busca cheguei até Josias Pereira21. Depois de trocar várias mensagens por e-mail, Josias me concedeu uma entrevista via Google Hangouts, por meio da qual me contou um pouco de sua trajetória acadêmica envolvendo projetos audiovisuais na escola e então, sobre o surgimento do Festival de Vídeo Estudantil de Rio Grande. Depois de ter atuado em ONGs, entre elas a Favela da Maré, quando cursava Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, trabalhando com extensões do 21

Doutor em Educação e professor de direção de atores e série de TV no curso de Cinema da Universidade Federal de Pelotas.

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SENAC em oficinas de vídeo com jovens do ensino médio e posteriormente, com alunos do terceiro ciclo do ensino fundamental, Josias queria entender o motivo pelo qual certos professores faziam vídeo no Rio de Janeiro. Ele diz que descobriu que esses professores tinham pouco conhecimento em tecnologia, mas faziam o possível para que o aluno pudesse trabalhar com essas mídias a fim de que ele pudesse conhecer um outro modo de ver a vida. Em 2008, Pereira foi trabalhar no Paraná e lá criou o Festival de Vídeo Estudantil de Maringá, dando ênfase no fato de que o festival seria destinado aos estudantes da escola pública, os vídeos seriam produzidos por eles e o voto também seria decisão deles. O professor Josias diz que não iria adiantar chamar profissionais do vídeo para fazer o julgamento, pois ficariam presos principalmente em aspectos técnicos, já os alunos iriam priorizar a significação deste material, aquilo que realmente os tocou de alguma maneira. Talvez essa opção em priorizar a experiência de produção do próprio aluno e o fato de serem eles próprios quem votam decidindo quais são os vídeos de maior destaque, é que diferencia a proposta do Festival de Vídeo Estudantil das propostas de Porto Alegre citadas anteriormente. A impressão que se tem é de que estas últimas são mais voltadas para o interesse de formar espectadores que saibam analisar e ler as imagens de maneira crítica. Mesmo que existam algumas atividades que estimulem a produção de vídeos por parte dos alunos, a prioridade parece não ser direcionada para conduzir os alunos a produzirem audiovisual em conjunto de seu próprio conhecimento e daqueles que vão se engendrando no processo de produção. Já o festival evidencia uma educação artística que combina experiência à produção de significados dentro da cultura digital. Para o Festival de Vídeo Estudantil, foram ministradas oficinas de vídeo com os professores a fim de capacitá-los para que conseguissem orientar os alunos quando estes fossem produzir os vídeos para o festival. Em 2011, Josias mudou-se para Pelotas, onde ministrou oficinas de vídeo em algumas escolas e no ano seguinte, junto de projeto com a UFPel, criou o Festival de Vídeo Estudantil de Pelotas. Além das oficinas com os professores, foram realizados materiais como apostilas, livros, blog e vlog a fim de divulgar o evento e de dar suporte aos participantes e nutrir os professores para que trabalhem estas atividades com a maior segurança possível. Em 2014 o festival veio para a cidade de Rio Grande, originando o 1º Festival de Vídeo de Rio Grande, que este ano já está em sua segunda edição. Josias conta que

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desde a primeira vez em que o festival foi realizado, a Secretaria de Educação sempre foi procurada para uma parceria, e quando esse encontro acontece, deixa-se bem claro que a iniciativa é da Secretaria de Educação e a universidade vai apoiar e dar a base. Esse processo é feito porque realizar um evento desse porte acaba tornando-se muito complicado se a universidade for a única encarregada de organizar tudo. Ele diz ainda que é essa legitimação da secretaria como responsável pelo festival que garante suas chances de perdurar por mais tempo. O festival de vídeo na cidade de Rio Grande é o primeiro evento dessa natureza quase todo realizado à distancia. A maior parte das oficinas se dão por meio de videoconferência, os alunos e professores se reúnem na biblioteca e a pessoa que vai orientar a oficina, seja Josias ou algum bolsista do curso de Cinema da UFPel, interage com os participantes via Google Hangouts, Skype ou alguma outra ferramenta dessa natureza explorando ainda outros recursos de presença que o vídeo permite. Falando sobre o vídeo na educação e sobre as tecnologias midiáticas que caracterizam a cibercultura, Pereira diz que as mudanças na escola são lentas, já que dependem das transformações políticas, que por sua vez, podem demorar a surtir efeito. Mas ele fala que hoje há uma valorização das artes na educação, ao exemplo da obrigatoriedade da dança, do teatro e da música, e que mesmo que de forma lenta, as artes vão se introduzir cada vez mais na escola. Para ele, o vídeo ainda vai demorar um tanto para entrar na escola de forma regular, pois o estado ainda é desconfiado quanto às denúncias que o vídeo faz e ainda quanto ao fato de que, citando como exemplo as oficinas do festival de vídeo, o aluno nunca mais vê a televisão da mesma forma depois de participar das oficinas, pois ele se dá conta de que se ele pode editar, manipular e reconfigurar o vídeo, na televisão com recursos tecnológicos muito mais avançados, a manipulação é muito mais poderosa, então uma reportagem não é uma verdade absoluta, mas apenas um ponto de vista do fato. Frente ao relato que o professor Josias me concedeu, o que mais me chamou atenção foi a forma como o conjunto da experiência do processo de produção audiovisual é colocada em sintonia com a valorização dos saberes cotidianos que o estudante adquire ao longo da vida e da construção de novos conhecimentos que se engendram no processo de criação. A priorização da opinião do estudante é um ponto chave para que o jovem não se sinta oprimido por não conseguir, muitas vezes, corresponder às expectativas de um profissional do cinema, por exemplo. Penso que esse tipo de exigência de padrões de

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qualidade

preestabelecidos

são

demasiadamente

limitadores.

Na

sociedade

contemporânea onde o audiovisual amador vem ganhando seu espaço, o importante é a comunicação, é crucial que no ensino de arte estes padrões sejam destruídos e que se abram novos leques de possibilidade para as múltiplas experimentações com dispositivos e métodos variados. Segundo Mello22, o vídeo é uma manifestação híbrida por natureza, podendo associar-se às outras linguagens artísticas recodificando suas experiências, transitando entre múltiplas expressões artísticas. A autora completa dizendo que:

Não por acaso, é senso comum, principalmente no circuito de arte, ouvir que “tudo é vídeo na contemporaneidade”. Isso equivale a dizer que o vídeo amplia suas funções e passa a ter novas atribuições e abrangências; passa a ser compreendido como um procedimento de interligação midiática e a ser valorizado como produtor de uma rede de conexões entre os mais variados pensamentos e práticas (2008, p. 27).

Penso nessa colocação da autora quando Josias diz que para ele, o vídeo ainda vai demorar a entrar na escola de maneira oficial, já que o estado tem medo das denúncias que se podem fazer através do meio audiovisual. Mesmo que haja a possibilidade deste receio por parte do estado, é necessário que se invista cada vez mais em iniciativas que intentam a introdução do vídeo nas ações educacionais. A resistência em relação ao vídeo, ao meu ver, não poderá perdurar por muito tempo, tendo em vista a força com a qual essas produções se proliferam no cotidiano. Como sugerido pela autora Christine Mello, o vídeo transpassa todos os meios midiáticos na atualidade. Os jovens estão cada vez mais engajados nas práticas audiovisuas, seja para se comunicar, seja para expor alguma ação ou atitude. O avanço em relação à apropriação de experiências pedagógicas que envolvam a produção audiovisual e a valorização dos saberes e do contexto da realidade no qual se insere a comunidade escolar, não se pode deixar estagnar diante das possíveis adversidades. Iniciativas como esta do Festival de Vídeo Estudantil, que chegam aos poucos até professores, alunos e, consequentemente, famílias, são de extrema relevância para que a transformação nos paradigmas da educação possa se efetivar.

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Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professora do Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina e da Faap-Artes Plásticas.

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3.1 Experiência Docente: Estágio Supervisionado

Em uma introspecção ao meu passado, é possível constatar que o meio audiovisual sempre fez parte da minha vida de uma maneira muito especial, como algo que me possibilitava conhecer lugares, situações e pessoas que fisicamente eu jamais poderia conhecer de outra forma. Tendo crescido em Palmitos, um pequeno município de interior no extremo oeste de Santa Catarina muito mais voltado para a agricultura, sempre foi difícil ter acesso a centros e eventos culturais ou até mesmo atividades de lazer que eu gostasse. Por essa razão, assistir filmes sempre foi o meu maior prazer. Só tive acesso à internet em casa depois de adolescente e ainda assim, a conexão era de velocidade muito baixa, então meu lugar preferido era a única videolocadora que existia na minha cidade na época, a Canibal, na qual eu contava moedas para alugar filmes em VHS e posteriormente em DVD. Faço questão de lembrar também do proprietário da locadora, o Petter Baiestorff, idealizador da Canibal Filmes que produz filmes do gênero Trash e Gore. Ele foi uma pessoa que me inspirou muito fazendo-me ser ainda mais curiosa quanto ao cinema e à experimentação audiovisual. Ao encontro dessas memórias e da minha escolha por trabalhar com a produção audiovisual no ensino de arte, cito Migliorin:

Uma câmera colocada numa esquina de qualquer cidade nos permite ver o que veríamos de alguma maneira mesmo se a câmera não estivesse lá, se no lugar da câmera houvesse um olho – o olho é a câmera. Acessamos com outros olhos, os olhos da câmera, olhos “emprestados”, o que eventualmente não alcançamos; alguém esteve lá, captou aquela imagem e compartilhou com outras pessoas, que poderão fazer daquele mundo o seu mundo (in: BARBOSA; SANTOS, 2014, p. 100).

Pensando nessa ideia e sendo a prática audiovisual a linguagem artística pela qual mais me identifico e me sinto segura para trabalhar, decidi realizar uma oficina de vídeo no Instituto de Educação Juvenal Miller no primeiro semestre de 2015, para cumprir o meu estágio supervisionado com ensino médio. Escolhi o terceiro ano do ensino médio pelo fato de ser a faixa etária com a qual mais me sinto compatível e melhor consigo me conectar, talvez pelo fato da proximidade de idade deles com a minha e pelos interesses um tanto quanto similares. Passei nas quatro turmas de terceiro ano do turno matutino da escola divulgando a oficina, que seria realizada no turno inverso, para que os alunos interessados fizessem

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as inscrições. Houveram inscritos apenas de duas turmas, totalizando uma média de quinze alunos, dos quais seis se tornaram alunos assíduos da oficina, realizada na sala de vídeo da escola, com duração de duas horas nas tardes de quarta-feira, totalizando onze encontros. Nos primeiros encontros já fui preparada com a ideia de que eu não queria ministrar aulas demasiadamente técnicas, pois minha prioridade desde o início foi o processo. Recorrendo ao pensamento de Larrosa (2002), como já citado no primeiro capítulo, eu estava ali como educadora no intuito de promover o saber da experiência e queria que meus alunos pudessem aprender a partir das vivências propiciadas pela oficina. Destaco que em momento algum propus a prática desvinculada da técnica. Na maioria dos encontros houve a exposição oral sobre técnicas da produção audiovisual como a realização de roteiro, story-board, enquadramento, planos, ritmo, direção, montagem, edição e dicas sobre a captação do som e troca de ideias sobre sugestões e dúvidas a respeito do conteúdo exposto. Mas a primazia da técnica não foi o foco de minha proposta. Eu não queria formar cinegrafistas ou editores profissionais, nem peritos em uma produção de vídeos que atendesse ao conjunto de normas padrão. As exposições sobre técnicas ocorreram, pois considerei de extrema importância que eu orientasse os alunos com noções básicas sobre alguns métodos para que eles pudessem produzir os materiais de forma mais autônoma, caso contrário seria incoerente que eu solicitasse que eles produzissem algo se eu não os auxiliasse nem um pouco nessa parte.

3.1.1 Produção Audiovisual com o Celular

Nas oficinas exploramos os dispositivos de produção de imagem que eles mesmos possuíam, preferi não utilizar equipamentos mais avançados, por isso não solicitei a câmera da escola e nem tentei fazer empréstimo do material da faculdade. Então eles acabaram usando os próprios smartphones, sendo que uma das alunas usou uma câmera semiprofissional que ela já possuía em casa. Na entrevista com Josias Pereira, ele diz que o grande diferencial de incentivar o aluno a utilizar o celular para produzir vídeo, é que ao contrário do computador por exemplo, que só está na escola dentro dos laboratórios e dentro da casa do aluno, o

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celular adentra a escola todos os dias em posse do aluno, o dispositivo está sempre ali com ele, seja para consultar algo ou para usar as redes sociais. Não é novidade também que muitos professores reclamam do uso excessivo do celular em sala de aula, fazendo com que o aluno fique desinteressado na aula. Mas na verdade, por experiência pessoal, me atrevo a dizer que percebo que se o dispositivo for incorporado às ações pedagógicas, é possível que o estudante seja mais atento à aula, pois sabe que em algum momento haverá a necessidade de explorar as propriedades do aparelho na própria atividade de aula, que deverá demonstrar sua capacidade de interagir e produzir significados por meio do dispositivo. A aula estabelece um vínculo mais forte com o aluno por meio dessa interação com o aparato que tem papel fundamental em sua vida. Barral23 (2012) diz que o que distrai os alunos não é o celular, mas o desinteresse na aula, pois antes do celular os alunos se distraiam com outras coisas, o que continua sendo feito mesmo nas escolas onde o uso do celular é vetado por lei. Ele cita Antonio quando diz que um exemplo disso “é que em muitas escolas e em muitas aulas os alunos não se distraem com seus celulares, apesar de estarem com eles em suas mochilas, nos bolsos ou mesmo sobre as carteiras” (ANTONIO apud BARRAL, 2012, p. 100). Trabalhar com o celular nas aulas foi meu interesse também pelo fato de que ele é um aparato híbrido que nos dias atuais, além da sua função base de ligação telefônica, possui recursos como geolocalização, captação de áudio e pode ainda:

[...] escrever, fotografar, filmar, editar, jogar, navegar na Internet, enviar e-mail, torpedos, ouvir música ou rádio. Este avanço tecnológico da telefonia é mais um exemplo claro sobre o fato das tecnologias comunicacionais possuírem o poder de transformar as culturas e as subjetividades, e de estas, por sua vez, provocarem novos ciclos de mudanças tecnológicas, numa dialética sem fim (VIANA e BERTOCCHI apud BARRAL, 2012, p. 99).

Aspectos como o imediatismo (já que o celular está quase sempre ao alcance), portabilidade, mobilidade e a possibilidade de difundir o material logo após sua produção através do mesmo dispositivo de sua realização, conferem também ao vídeo feito por celular uma singularidade única. A escolha pessoal de explorar a produção de vídeos através dos diversos modelos de telefone celular se dá primeiramente porque penso no audiovisual como forma de expressão artística extremamente conectada com 23

Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal-SEDF.

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as transições dos intensos fluxos cotidianos, onde os papéis predeterminados dos sujeitos rompem seus próprios limites de segregação para assumir um viés pluralizado, colaborativo. O vídeo se destaca nesse viés participativo que caracteriza a sociedade contemporânea e ao mesmo tempo, o celular é um dispositivo portátil já presente na vida dos alunos que viabiliza tanto a produção de vídeos quanto seu compartilhamento nas redes, de modo que a produção atinge tanto participantes na esfera física quanto na virtual. Nesse sentido, Mello conta que:

O século XXI é reconhecido por seus ambientes tecnológicos, híbridos e nômades, que traduzem a noção de uma cultura compartilhada. Integrante desse ambiente cultural, o compartilhamento do vídeo diz respeito às transformações que ocorrem na produção, na recepção e na distribuição do vídeo. O compartilhamento do vídeo ocorre, principalmente, nos ambientes interativos e no circuito das redes de comunicação digital, onde há a sua transmutação de formato audiovisual off-line para o compartilhamento com formatos de distribuição interativos e on-line. Tal tipo de extremidade relaciona o vídeo ao contexto emergente das novas mídias (MELLO, 2008, p. 195-6, grifos da autora).

No meio artístico, o vídeo produzido por telefone celular é incorporado no trabalho de vários artistas. A obra Retratos in Motion: o beijo é uma videoinstalação de 2005 de Luiz DuVa (Figura 5).

Figura 5 - Frame do vídeo que compõe Retratos in Motion: o beijo – 2005 Fonte: http://www.liveimages.com.br/. Acesso em: 3 nov. 2015.

O artista produziu uma série de fotografias com o celular, sem ter nenhum controle sobre enquadramento, luz e qualquer base técnica, pois o que lhe interessava era captar a sensação que estava vivenciando. O artista manipulou as imagens no

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computador a fim de recuperar o momento e a partir delas produziu um vídeo que foi exibido em um tríptico. Na videoinstalação, as imagens partiam de três fontes não sincronizadas, bem como o áudio que partia de uma quarta fonte. Giselle Beiguelman realiza uma série de vídeos produzidos por celular chamada Fast/slow scapes (2009). A Figura 6 apresenta uma amostra do que se pode ver na obra da artista. As imagens foram realizadas por Beiguelman com diferentes modelos de celular sempre do interior de algum veículo, em viagens que ela fez no Brasil, Nova Yorque e Grécia, evidenciando sua constante condição de mobilidade, deslocamento e trânsito.

Figura 6 – Frame de Fast/slow scapes – 2009 Fonte: http://www.artinmobile.com/?p=228. Acesso em: 11 nov. 2015

Em 2013 Giuliano Chiaradia lança o primeiro filme totalmente produzido com celular, o 5#Calls. Antes disso outros filmes já haviam sido gravados com celular, como é o caso do filme de horror Hooked Up (2013) dirigido por Pablo Larcuén, e da comédia romântica Cats and Dogs, do diretor Min Byung-woo que chegou inclusive a ir para as salas de cinema da Coréia do Sul em 2013, ambos filmados na íntegra com iPhone. É importante ressaltar que 5#Calls, exibido no Festival de Cannes, na Campus Party Brasil, entre outros eventos, foi totalmente realizado com o celular, pois ao contrário dos outros filmes que haviam sido apenas gravados com celular, o curta de Chiaradia foi realizado literalmente na íntegra por meio de aparelho celular. O roteiro foi redigido no celular e enviado ao elenco por mensagem de texto, bem como o convite para atuar no filme. Algumas das imagens foram captadas pelo diretor, mas a maioria

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foi feita a partir de celulares acoplados ao corpo das atrizes, tudo com iPhone e BlackBerry. O diretor editou o filme em seu Nokia N95 durante suas esperas na ponte aérea Rio-São Paulo. A arte final foi composta por wallpapers e a trilha sonora por ringtones do aparelho. Também pelo celular, Chiaradia fez upload do filme na internet e o inscreveu no Festival de Cannes.

3.1.2 O Documentário Produzido na Oficina

Nos primeiros encontros da oficina mostrei alguns vídeos de minha autoria, os quais eu havia realizado de forma espontânea, sem nenhum objetivo premeditado, sugerindo que eles fizessem o mesmo na escola. Alguns realizaram um rápido mapeamento audiovisual das salas, ou focaram nos trabalhos expostos nas paredes e ainda fizeram imagens de cabeça para baixo ou girando em algumas partes da escola. O objetivo de explorar o documentário na oficina se deu inicialmente pela ideia de Eduardo Coutinho, já exposta no capítulo anterior, de que quando um recorte da realidade é retratado no documentário, ele pode não mudar a situação de imediato, mas vai fazer com que o espectador a conheça melhore e que se questione sobre ela. É a partir dessa reflexão que penso que as mudanças podem ocorrer. Bill Nichols complementa falando sobre a potência que o documentário social possui para que conheçamos e pensemos sobre o nosso meio e sobre a necessidade de digerir esse material com cautela, para perceber se este corresponde ao contexto da realidade ou se é uma manipulação radical que modifica a natureza da situação:

Esses filmes representam de forma tangível aspectos de um mundo que já conhecemos e compartilhamos. Tornam visível e audível, de maneira distinta, a matéria de que é feita a realidade social, de acordo com seleção e organização realizadas pelo cineasta. Expressam compreensão sobre o que a realidade foi, é e o que poderá vir a ser. [...] Precisamos avaliar suas reinvindicações e afirmações, seus pontos de vista e argumentos relativos ao mundo como o conhecemos, e decidir se merecem que acreditemos neles. Os documentários de representação social proporcionam novas visões de um mundo comum, para que as exploremos e compreendamos (NICHOLS, 2005, p. 26-7).

Pensando na realização de documentário, solicitei aos alunos que, pensando nas nossas conversas sobre alguns aspectos técnicos básicos da produção audiovisual, andassem pela escola e produzissem algum material, na condição de que nessa

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produção, envolvessem outras pessoas que estavam na escola, além de situações que fizessem parte do cotidiano escolar. Esse desejo passou a me acometer quando conheci a escola, dois anos antes enquanto era bolsista do PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência e dei algumas aulas de história da arte para duas turmas de primeiro ano do ensino médio. Percebi que os alunos andavam aglomerados em pequenos grupos, geralmente não conversavam com funcionários ou estudantes de outras turmas. Prestando atenção nas conversas de alunos diversos, notei que os assuntos eram semelhantes, que uns tinham muito a contribuir com os outros, porém não se relacionavam simplesmente por não se darem ao trabalho de conhecer um ao outro. As relações de respeito também eram instáveis em alguns casos, vi meninos assediando verbalmente algumas meninas e isso me inquietou, eu queria que os estudantes falassem sobre questões como essa. Nas produções que foram acontecendo nessas atividades da oficina, começaram a aparecer entrevistas com alunos de outras turmas e funcionários. Os temas eram de escolha dos alunos da oficina. Eles poderiam abrir espaço ao entrevistado para que ele escolhesse falar de algo, mas deveriam dar o norte da conversa para que a pessoa na frente da câmera não se sentisse desorientada. Os alunos da oficina organizaram um pequeno conjunto de assuntos que gostariam de pautar na construção do documentário. Foram escolhidos tópicos que tivessem influência direta não só dentro da escola, mas também para além dela, que afetassem não só a sua comunidade, mas que fossem de relevância social geral. Então entre os tópicos escolhidos estavam temas como bullying, homofobia, desigualdade de classes sociais e, para dar um tom mais descontraído, os estudantes decidiram perguntar o que os alunos gostavam nas aulas, o que eles desejavam fazer depois de formados e questionaram também funcionários quanto ao seu papel no organismo escolar. Quanto à escolha desses assuntos, procuro justificativa nos PCNs do ensino médio na linguagem de Arte, quando aponta que entre as atividades desenvolvidas na área devem constar “percepções e elaborações de idéias, de representações imaginativas com significados das e sobre as realidades da natureza e das culturas; expressõessínteses de sentimentos, de emoções colhidas da experiência com o mundo sociocultural” (BRASIL, 2000, p. 49). Antes de começarmos a construção do documentário, assistimos na oficina alguns trechos do documentário Babilônia 2000 (2001) dirigido por Eduardo Coutinho e de Rua de Mão Dupla (2002) de Cao Guimarães, do qual já falei no capítulo anterior. O

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documentário de Coutinho mostra o último dia do ano de 1999, quando o diretor e sua equipe subiram o morro da Babilônia na cidade do Rio de Janeiro e entrevistaram vários moradores sobre suas expectativas para a chegada do novo século. A escolha de assistir e conversar sobre Babilônia 2000 na oficina se deu em função da dinâmica explorada no filme, onde a equipe conversa com os moradores, além da possibilidade de conhecermos mais sobre a história do lugar, do contexto de realidade dos moradores e da discrepância social entre o cenário do morro e o de Copacabana. O interessante é o encontro entre entrevistador e os moradores. É a partir desse encontro que os diálogos são travados, não existe o compromisso de um questionário, do que é certo ou errado. O papel da equipe de gravação reside em abordar esses sujeitos e lançar uma proposta, a partir daí se estabelecem os diálogos com os quais podemos conhecer um recorte do contexto do local, do pensamento daqueles que o habitam. Esse era o meu objetivo: propiciar novas relações entre os que compartilham a escola. Coutinho já dizia que “[...] os filmes que eu faço são registros de encontros dos dois lados da câmera [...] Esse encontro é que é sagrado. O assunto pode ser religião, lixo ou o que quiser, mas o encontro é que é o xis” (FILÉ, 2000, p. 79). Depois de discutirmos muito sobre alguns dos diálogos travados no documentário de Coutinho e de aspectos estéticos do filme de Cao Guimarães como a câmera na mão que mostra o ponto de vista do próprio protagonista, os alunos se espalhavam pela escola, sempre no horário do recreio e começavam a entrevistar outros estudantes e alguns funcionários. Essa foi a dinâmica que marcou a oficina: eu preparava algum material para discutir com alunos, entre explicações sobre a elaboração de roteiros, cuidados com planos e enquadramentos, e filmes para que pudéssemos discutir e para que os alunos relacionassem o conteúdo com suas vidas, de forma que eu pudesse os conhecer melhor. Na hora do recreio, eles saíam em busca de pessoas para entrevistar e ao término do intervalo os alunos voltavam para a sala, nesse momento descarregávamos os vídeos produzidos e trocávamos ideias sobre o material. Trazendo novamente os PCNs, constata-se que “[...] um novo Ensino Médio brasileiro, do qual participa a disciplina Arte, fundamenta-se na experiência da sensibilidade estética, da cidadania contemporânea e da ética construtora de identidades” (BRASIL, 2000, p. 49). Baseada nesses critérios, busquei empenhar minha prática docente em conhecer os alunos e estimulá-los para que eles também quisessem conhecer a si mesmos e aos sujeitos com quem compartilham a escola, com o objetivo

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de explorar suas identidades e contribuir no exercício pleno de sua cidadania, conciliando estes processos com a sua produção de vídeos. Leonardo Charréu

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fala que é impossível que indivíduos e sociedades

esquivem-se das teias de interdependências geradas pelas ações culturais e econômicas, cada vez mais vinculadas. Ele aponta para a “abordagem de temas controversos que saiam do microcosmos tranquilo da escola tradicional e ousem enfrentar o macrocosmos incerto do mundo que gira para além dos muros da escola” (in: MARTINS; TOURINHO, 2012, p. 40). O autor ainda diz que os conteúdos tradicionais do currículo escolar já não conseguem estimular a fome intelectual nos jovens, que por sua vez:

[...] se veem, de forma crescente, como atores e, simultaneamente, “testemunhas” globais de um tempo complexo que procuram compreender e cujos sinais lhes chegam sob a forma de uma miríade de imagens veiculadas pelos aparatos midiáticos que os circundam e que eles próprios parecem manejar como ninguém. [...] Mas o acesso e manejamento apurado dos aparatos (ipods, laptops, celulares, etc.) pode não ser suficiente para resgatar a sua cidadania se lhes faltarem pautas para a compreensão da potente cultura visual que “processam” enquanto espectadores (in: MARTINS; TOURINHO, 2012, p. 40, grifo do autor).

É por esta razão que uma atualização nos conteúdos em arte na escola se faz necessária. Sua horizontalização e expansão para além dos limites físicos da instituição escolar são necessárias para que o aprendizado seja mais amplo, assimilando o que foi aprendido ali com a realidade que o aguarda na saída da escola. A educação para as mídias e aprendizagem audiovisual por si só não bastam se seu objetivo for simplesmente uma educação tecnicista, em uma simples alfabetização tecnológica. É relevante que as ações pedagógicas em arte sejam pensadas inclinadas à conciliar a produção artística e a discussão de assuntos de importância social que atingem a vida dos sujeitos direta e indiretamente. Acredito ainda em uma abordagem do contexto da cultura digital junto das questões que compõe o tecido social contemporâneo, como a produção sígnica em rede, a micropolítica25 e as mudanças de comportamento. Tudo isso pode ser tratado de uma 24

Doutor em Belas Artes pela Universitat de Barcelona. Professor do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal de Santa Maria. 25 Micropolítica "trata-se de desmistificar o poder, mostrando seu enraizamento e penetração no cotidiano da vida, bem como sua duplicidade e multiplicidade: o poder não é apenas negativo, coercitivo, opressor, porém igualmente positivo e produtor." Segundo Guattari (1986): “A questão micropolítica é a de como reproduzimos (ou não) os modos de subjetividade dominante”. Disponível em: http://www.ufrgs.br/epsico/subjetivacao/espaco/micropolitica.html. Acesso em: out. 2015.

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forma mais positiva, livrando-se do ranço de outras épocas que perdura até hoje e que considera as mídias como um poder de alienação, de controle social, que torna as pessoas solitárias e individualistas. Na apropriação dos meios e tecnologias midiáticas pelo processo educacional, é imprescindível que haja uma inclinação para absorver suas potencialidades de emancipação, de produçao da subjetividade, de capacidade de expressão e da compreensão das forças sociais. Ao decorrer da oficina foram realizadas várias entrevistas e, na reta final os alunos trabalharam com a edição audiovisual. Para tanto, utilizamos o programa de edição audiovisual Premiere Pro CS6 para a montagem do vídeo final. Nesse processo cortamos os vídeos, selecionamos o material que seria utilizado para o documentário e descartamos algumas coisas, já que parte das gravações havia ficado sem som, com a imagem muito escura de modo que era impossível identificar as pessoas, cenas com assuntos muito repetitivos, erros de gravação e pessoas que preferiram que seus relatos não fossem exibidos. Também editamos o balanço de brilho e as cores de algumas filmagens, mexemos nos graves das faixas quando o áudio estava muito baixo ou alto. Foi realizada a inserção de legendas e de alguns outros recursos que iam se fazendo necessários na montagem do produto final. Como o tempo era curto, iniciamos a edição nas oficinas para que eu pudesse instruí-los, porém a maioria já tinha conhecimento sobre os softwares de edição de vídeos, assim os alunos acabaram levando a finalização dos vídeos para casa e usaram além do Premiere Pro CS6, outros softwares como o Windows Movie Maker e o Sony Vegas. Nesse processo, os alunos foram me trazendo dúvidas sobre a edição, de modo que pude ajudá-los de acordo com o que eles desejavam que se transformasse o documentário. Os alunos decidiram que o documentário deveria ter um teor mais cômico, já que um dos alunos era administrador de um canal no You Tube que trazia notícias de uma forma engraçada. Eles optaram por fazer a inserção de alguns trechos bem breves de vídeos cômicos da cultura popular, destes que se tornam virais do dia para a noite com o compartilhamento nas redes sociais. O resultado foi um documentário com duração aproximada de vinte e quatro minutos, chamado FALA AÍ JUVENAL!26. No vídeo, aparecem funcionários falando sobre o que mais gostam em sua profissão, na escola, estudantes relatando casos de assédio, dando seu ponto de vista sobre a

26

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cu6ovLrJqQ8. Acesso em: nov. /2015.

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discrepância de classe social dentro da escola, sobre homofobia e sobre aspectos da escola com os quais sentem mais identificação. Para encerrar, além de conversa com os alunos da oficina sobre todo o processo engendrado durante a ação, realizamos uma exposição do documentário na escola (Figura 7), que aconteceu em uma tarde de quarta-feira, durante cerca de quatro horas. Os alunos da oficina convidaram os professores a levarem suas turmas para ver o documentário, então a cada meia hora uma nova turma entrava para ver o vídeo. Uma média de seis turmas assistiram o documentário e a professora de artes dos alunos do terceiro ano do ensino médio quis ficar com uma cópia para exibi-lo na semana em que os trabalhos dos alunos são expostos, ao final do ano letivo. Os alunos que haviam concedido as entrevistas gostaram muito de ver a si mesmos no vídeo, ainda mais quando aparecia alguma cena engraçada, a sala foi tomada pelos risos. Algumas professoras vieram conversar comigo sobre a oficina e disseram-me que tentariam levar o vídeo para dentro de suas disciplinas. Falaram que a dificuldade era que a escola não dispõe de câmeras, mas nunca haviam pensado seriamente na possibilidade de usar o celular e que depois de ver o resultado da oficina, gostariam de tentar.

Figura 7 – Exposição do FALA AÍ JUVENAL - 2015. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

No presente momento, o vídeo fica em poder da turma que participou da oficina, cujos alunos criaram um canal no You Tube chamado “Vídeo de Bolso – I.E.E. Juvenal Miller” e postaram o documentário recentemente. O FALA AÍ JUVENAL! já havia sido

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postado na conta anteriormente, porém os alunos da oficina constataram que novas edições deveriam ser feitas, já que algumas das legendas haviam sido redigidas incorretamente e o áudio estava muito baixo em algumas cenas. Por essa razão, o vídeo foi retirado do ar, reeditado pelos alunos e por mim, e agora novamente postado com uma nova roupagem. Como a escola não mostrou interesse em se responsabilizar pelo canal do You Tube, ele ficou em posse dos alunos. Em conversas nas oficinas e em encontros posteriores, eles me revelaram que gostariam de passar o canal para a próxima turma do terceiro ano do ensino médio para que eles continuassem a produção de documentário sobre o cotidiano escolar e que iriam conversar com algum professor para que levasse adiante a produção de documentário audiovisual sobre assuntos que envolvem a escola, mas daqui para frente fica a critério deles se realmente vão fazer isso ou não. Durante o meu percurso de estágio dentro da escola, encontrei algumas dificuldades, algumas gestoras da escola estranharam a ideia de fazer uma oficina de vídeo e fui censurada em algumas ocasiões, porém nada que impedisse o desenvolvimento de minha proposta. Para minha grata surpresa, alguns professores e até alunos de outras turmas vieram até mim indagando-me sobre a proposição do vídeo e pude perceber que a prática contagiou algumas pessoas que presenciaram semanalmente a minha turma se movimentando de um lado para o outro atrás das entrevistas, estimulando troca de ideias, criando novas relações e discutindo assuntos que afetam à todos. Essa troca ramifica-se agora para a internet por meio do compartilhamento do vídeo nas redes sociais. Mantenho contato com meus alunos mesmo depois do término da oficina, via facebook, e ás vezes pergunto se ainda estão produzindo vídeos. A maioria me diz que só está fazendo vídeos com amigos, em festas, confraternizações e na escola e que passaram a enxergar novas potências no celular, antes muito mais utilizado apenas para o acesso às redes sociais. Um relato que gosto de lembrar foi quando uma das estudantes me disse que depois da oficina, sempre que vê televisão ou vídeos na internet, presta atenção em aspectos que antes nem imaginava, como o tipo de edição, transição de planos. E o que mais me chamou atenção foi quando ela disse que descobriu que documentários não eram só os filmes da Discovery Channel e aqueles sobre história que costumam exibir na escola, que documentários podiam ser sobre o que as pessoas pensam sobre os assuntos, sobre o que elas desejam expressar.

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Não posso deixar de destacar o fato de que a produção audiovisual, o celular e a internet como meio de compartilhamento das ações realizadas na escola ainda são recursos pouco ou nada utilizados na aula de arte, mesmo estando o aluno conectado o tempo todo e em posse de celular. Encerro aqui as minhas observações sobre a investigação qualitativa que realizei em minha experiência de estágio supervisionado no Instituto Estadual de Educação Juvenal Miller e é com base nestas reflexões que inclino minha escrita para as considerações finais que são apontadas na sequência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta que se desenvolveu nessa pesquisa consiste na exploração da produção audiovisual como estratégia pedagógica na disciplina de arte para o ensino médio da rede pública no contexto da cultura digital. No processo da elaboração do trabalho também foram esmiuçadas outras ações que compuseram a proposta em questão. A fim de comprovar a eficácia da proposta na tentativa de solucionar as problemáticas 27 levantadas no início da pesquisa, foi desenvolvida a experiência de estágio supervisionado com alunos do terceiro ano do ensino médio no Instituto Estadual de Educação Juvenal Miller com uma oficina de vídeo. As considerações são pensadas de acordo com a investigação da vivência da oficina, que inclui observação do cotidiano da escola, conversas com os alunos, análise do documentário produzido e dos processos criativos que engedraram sua realização, paralelamente à bibliografia examinada. Partindo do contato progressivo com a experimentação audiovisual na oficina, os estudantes apresentaram interesse crescente em conhecer novos meios. A edição dos vídeos para realização do documentário final foi ponto chave na experiência, já que a partir da montagem dos vídeos, os alunos perceberam novas possibilidades para materiais que já haviam sido produzidos para outro fim ou que iriam ser descartados. O exercício da edição apurou sua sensibilidade na gravação, já que uma vez que eles foram tendo domínio sobre o recurso, passaram a planejar aspectos da filmagem que poderiam se ajustar aos dos softwares utilizados. A incorporação do celular ao fazer audiovisual demonstrou que o aparelho, presente na vida cotidiana da maioria esmagadora dos estudantes, portanto de fácil acesso, constitui um poderoso aliado na produção da subjetividade e da expressão individual, contrariando posturas que classificam o uso desse dispositivo como negativo no contexto da sala de aula e no desenvolvimento do aluno. A investigação, junto da turma, de vídeos realizados com o celular, auxiliaram na construção da noção de que o aparelho apresenta várias vantagens e caminhos singulares na produção audiovisual em relação à outros aparatos dedicados exclusivamente à produção audiovisual, que geralmente são mais caros e de difícil acesso. Ainda nesse processo, a constante 27

Problemáticas: 1. Exigência de domínio técnico na produção artística no ensino de arte. 2. Distanciamento entre cotidiano da comunidade escolar e realidade vivida dentro da escola. 3. Tendência de classificar o aparelho celular como problema na sala de aula. 4. Falta de experiências e contrução de um saber significativo nas ações pedagógicas que se desenvolvem nas aulas de arte.

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desmistificação do domínio técnico foi um poderoso instrumento na libertação dos padrões que são, muitas vezes, impostos ao aluno e que o desmotivam em relação aos processos criativos. A metodologia do saber da experiência desenvolvida nos encontros se revelou como uma possibilidade eficaz na busca de uma aproximação entre o cotidiano da comunidade escolar e as situações corriqueiras vivenciadas dentro da estrutura escolar, sendo que viabiliza o diálogo entre os dois cenários para a contrução coletiva de um aprendizado significativo. O processo também faz com que o aluno seja reconhecido como produtor de seu próprio conhecimento partindo das experiências e das relações estabelecidas ao longo de sua vida. Aqui, sendo o professor entendido como um mediador dessa aprendizagem, são rompidas as barreiras entre estudantes e funcionários da escola, bem como a superficilidade que pode existir na relação discente-docente. As trocas de ideias e os relacionamentos delineados durante a ação demonstraram capacidade em auxiliar na construção de uma cidadania plena, apreendendo as noções de respeitabilidade na identificação e conhecimento do (des)semelhante que compartilha o mesmo espaço. A escolha do vídeo como expressão artística evidenciou-se profícua quando é constatado seu caráter híbrido e sua transição entre as mais variadas ramificações de manifestações de arte, além da crescente produção audiovisual vinculada ás redes, sobretudo por parte da população jovem, demonstrando o forte desejo de se expressar que caracteriza esses sujeitos. A prática videográfica atrelada ao compartilhamento do material produzido por via das redes conectadas confirma a premissa de sua constituição como ferramenta valorosa de comunicação, informação e interação. Por fim, a mídia-educação é o elemento que compõe a gênese de todo o processo desencadeado na experiência analisada no presente trabalho. A pesquisa constante e renovação no campo da educação para as mídias, conectada com a atualização de políticas públicas e estratégias pedagógicas em paralelo aos múltiplos aspectos que marcam a sociedade contemporânea, estruturam canais pelos quais a integração das novas tecnologias midiáticas ao ensino de arte e seu potencial de comunicação e expressão, bem como das outras ações componentes do movimento aqui proposto, se fazem possíveis. É na interlocução entre as TICs, a produção audiovisual e a contaminação da escola por parte das experiências que transcendem seus portões, que me vejo estimulada em acreditar no ensino de arte onde exista a horizontalização das relações interpessoais

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que se dão nas ações pedagógicas, uma postura do professor em colocar-se como mediador no processo de ensino e aprendizagem, sendo responsável por fazer evoluir no aluno sua energia de reconhecer em si próprio o compositor de seus saberes. Tendo em vista um paradigma educacional que emerge atrelado às inovações midiáticas da comunicação contemporânea e de novas formas de pensar, de conhecer e de agir, penso que as instituições de ensino devem ser um campo de horizontes alargados, onde o professor orienta o aluno a aprender produzindo seus próprios saberes, a ser curioso e a pesquisar, onde a simples reprodução de conhecimento que depende unicamente do educador é desconstruída, onde celebramos os processos criativos em detrimento de uma intelectualidade a ser memorizada, onde haja o desprendimento de métodos passados e fórmulas prontas para a expansão em direção à novas descobertas e experiências coletivas que sejam flexíveis, respeitando às condições, desejos e necessidades daqueles que compõe esse ambiente de interações e aprendizado mútuo que deve ser o ambiente escolar.

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