CENTRALIDADE DA CULTURA E COMUNICACAO NA CIDADE CONTEMPORANEA Revista Documenta

June 4, 2017 | Autor: L. Pio | Categoria: Comunicacion Social, Arquitetura e Urbanismo, Rio de Janeiro, Sociología Urbana
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CENTRALIDADE DA CULTURA E COMUNICAÇÃO NA CIDADE CONTEMPORÂNEA (originalmente publicado na Revista Documenta, Rio de Janeiro: CCAA, 2009, p. 4561) Leopoldo Guilherme Pio Mestre em Ciências Sociais Faculdade CCAA [email protected] Assim como todas as coisas que estão em um irresistível processo de mistura e impurificação perdem sua expressão de essência, e o ambíguo se põe no lugar do autêntico, assim também a cidade. Walter Benjamin Não é possível ser fiel a uma cultura sem transformá-la, sem assumir os conflitos que toda comunicação profunda envolve. Jesus Martin Barbero

RESUMO: Este ensaio tem por objetivo refletir a respeito da cidade contemporânea, a partir do papel das estratégias de comunicação e das políticas culturais na reconfiguração do tecido urbano. Partimos do pressuposto que a cidade se tornou protagonista dos processos econômicos e culturais fundamentais à sociedade contemporânea, por meio da convergência entre cultura, consumo e comunicação. Propõe-se, em primeiro lugar, entender de que maneira as imagens urbanas viabilizadas pelos meios de comunicação são apropriadas pela lógica do mercado. Em seguida, analisaremos o protagonismo da cultura e o papel das indústrias criativas como diferencial das cidades contemporâneas. Palavras-chave: cidade, cultura, indústrias criativas. ABSTRACT This essay seeks to reflect on the contemporary city, from the role of communication strategies and cultural policies in the reconfiguration of the urban space. We assume that the city became a protagonist of the economic and cultural challenges of contemporary society, through the convergence between culture, consumption and communication. It is, first, to understand how the urban images made possible by the media are appropriated by the logic of the market. Second, we will analyze the “centrality of culture” and the role of creative industries and creative cities. Keywords: city, culture, creative industries.

RESUMEN Este ensayo tiene por objeto reflexionar sobre la ciudad contemporánea, de la función de las estrategias de comunicación y las políticas culturales en la reconfiguración del espacio urbano. Suponemos que la ciudad se convirtió en un

protagonista de los desafíos económicos y culturales de la sociedad contemporánea, a través de la convergencia entre cultura, el consumo y la comunicación. Se trata, en primer lugar, para entender cómo las imágenes urbanas posible gracias a los medios de comunicación son apropiados por la lógica del mercado. En segundo lugar, vamos a analizar la "centralidad de la cultura" y el papel de las industrias creativas y las ciudades creativas. Palabras claves: ciudad, cultura, industrias creativas. Cidade e Cultura Mediática Este artigo propõe uma reflexão a respeito da relação entre três fenômenos contemporâneos: a centralidade da cultura, o protagonismo das cidades no desenvolvimento econômico e a intensificação das estratégias de comunicação e promoção da vida urbana. Partimos do pressuposto de que a cultura passa a ser a referencia determinante das relações políticas e econômicas. Neste processo, um papel especial é atribuído ás culturas urbanas, a partir das redes de comunicação e da integração global. Assim, a cultura é cada vez mais uma questão de comunicação, isto é, dos intercâmbios culturais e das formas de disseminação de informações. Para localizar tal questão de modo apropriado, é necessário compreender de que maneira cidade, cultura e comunicação são ressemantizadas a partir das demandas sociais e econômicas contemporâneas. Nesta seção introdutória, abordaremos a especificidade da vida urbana e a influência da cultura mediática. As cidades modernas surgem em meados do século XVIII em decorrência da industrialização e do desenvolvimento capitalista e, mesmo incorporando locais da cidade tradicional, se estruturam segundo princípios totalmente diferentes dos assentamentos urbanos pré-modernos. Esta especificidade é assinalada por Simmel (1979), ao perceber que a fragmentação e a descontinuidade do tecido urbano possibilitam a formação de uma vida psíquica metropolitana extremamente complexa.1 Neste sentido, a urbanidade moderna é um modo de vida distinto, 1

O texto de Simmel data de 1902. Segundo o autor, a complexidade dos fenômenos urbanos modernos produz um intenso estímulo sobre a vida psíquica dos habitantes. Isto torna a personalidade urbana mais refinada e complexa, de modo a “controlar a complexidade e a extensão da vida moderna, bem como os impulsos irracionais da personalidade” (Simmel 1979:16-7). A metrópole moderna imprime a formalização e racionalização das relações sociais, forçando a vida mental dos citadinos a se ajustar aos mecanismos de produção e reprodução de mercadorias. Por isso, o comportamento típico da metrópole é a atitude blasé - a ausência de reação após fase de intensa integração a vida moderna, ou a “auto preservação pela desvalorização total do mundo objetivo” que se traduz pela incapacidade de discriminar valores e significados específicos.

calcado em estruturas físicas, organizações sociais e comportamentos coletivos específicos. Destaca-se nesta experiência a proliferação das imagens urbanas - os monumentos, praças, fatos e informações históricas, o planejamento urbano e suas repercussões nas mídias -, que constituem: “um sistema de ordem que comunica um código, um modo de entender, avaliar e valorizar a cidade". Assim, prossegue Ferrara, “[...] no nível simbólico, corresponde a uma didática que ensina o que é e quem é na cidade. A imagem hierarquiza o espaço urbano na medida em que é a sua referência: a praça central, o edifício pós-moderno, o monumento histórico, a rua que se dimensiona na imagem de uma avenida ou de um beco” (Ferrara, 1993, p.245-6).

Assim, o espaço urbano moderno pode ser visto como uma paisagem complexa que produz um fluxo intenso de relações sociais, informações e sentidos. A inserção da cultura na lógica urbana mudou devido ao avanço da indústria cultural2, que possibilitou não só a organização da cultura como forma de entretenimento, mas também a ampliação do acesso a bens culturais e de consumo, ao permitir uma comunicação “multidirecional”, que compromete todos os sentidos do espectador e que nos alcança independentemente de nossa atenção ou interesse. Walter Benjamin já sinalizava uma mudança singular na experiência das imagens urbanas, caracterizadas por ele como uma “ nuvem de gafanhotos de escrituras” (BENJAMIN, 1987), compondo uma cidade-texto, um novo lugar cognitivo, simultaneamente suporte material de informações e conteúdo simbólico. Deve-se ressaltar também que, na atualidade, monumentos e outros marcos históricos se misturam cada vez mais à simbologia urbana contemporânea. Se, até certo momento, os elementos históricos constituíam o “cenário legitimador do culto tradicional” e da referência modelar e permanente da história, hoje tais elementos se misturam aos produtos culturais contemporâneos, marcados pela transitoriedade e pelo caráter contraditório. A paisagem urbana contemporânea se caracteriza pela coexistência de mensagens com diferentes interesses (mercantis, comunicacionais, históricos, estéticos), e que constituem uma “luta semântica para neutralizar, perturbar a mensagem dos outros ou mudar seu significado, e subordinar os demais a própria lógica”. Assim, as tecnologias de comunicação, a publicidade, e a 2

A noção de indústria cultural aparece pela primeira em vez em artigo homônimo de Theodor W. Adorno e Max Horkenheimer, no livro Dialética do Esclarecimento, publicado em 1947. Refere-se, originalmente, a exploração industrial da cultura feita especialmente pelo cinema norte americano, considerado então como manipulador e escapista. Desde essa análise pioneira, o termo se ampliou para designar os meios industriais de produção de cultura de massa – indústrias fonográficas, cinematográficas, editoriais, entre outras.

estetização do social não substituem a herança do passado e as interações públicas, mas se articulam com estes, constituindo assim “usos modernos e pós-modernos da história” (Canclini 1997: 301-3). Podemos falar, portanto, em uma cultura urbana que reúne não apenas os aspectos materiais de uma cidade, mas também as suas metáforas, tradições e hábitos. No caso contemporâneo, pode-se perceber não só uma radicalização da complexidade urbana, mas também a reconfiguração da sua cultura. Se tradicionalmente os espaços urbanos se caracterizavam pelos seus atributos históricos e estéticos, hoje as cidades são definidas não só pelo tipo de administração ou de economia, mas principalmente pela tecnologia, o mercado e o sistema de transportes e de comunicação. É sintomático que, no início dos anos 80, Giulio Carlo Argan tenha sinalizado o último estágio do deslocamento no sentido e função do espaço urbano: Não só a cidade moderna é um sistema de informação e comunicação, como se integra em uma cultura reduzida, ou em vias de reduzir-se, a nada mais do que um sistema de informação e comunicação. O processo em andamento é o da transformação estrutural da cultura de classe em cultura de massa, [...] uma cultura cuja grande estrutura é justamente, a informação. As perguntas que, portanto, são as seguintes: [...] a cultura de massa, reduzida a circuito de informação, é conciliável com a historicidade institucional da cidade? E, em outro plano, é possível uma passagem, nem traumática, nem destrutiva, do sistema da história ao sistema da informação? (Argan 1995, p. 244-5).

Como se vê, a redução da arte a pura imagem simbólica substitui a identidade entre arte e cidade que, segundo Argan, caracterizava o espaço urbano como entidade histórica. Hoje, podemos perceber uma apropriação da história e cultura urbana pela lógica da massificação e da espetacularização. A hipervalorização contemporânea das imagens estabelece a visualidade como base das experiências de mundo, reconceitualizando o estético (reduzido frequentemente à mera a intensificação da experiência perceptiva) e provocando a ampliação do que se convencionou chamar de “cultura”. Neste sentido, podemos perceber a ocorrência de dois processos semelhantes: uma estetização das relações sociais – isto é, a tendência que percebe os objetos mais variados pela sua capacidade de produzir ou evocar imagens, representando ou simulando experiências estéticas; e uma espécie de “culturalização” - como a ênfase na produção de bens e serviços cuja principal qualidade são os seus atributos semióticos ou estéticos (transmissão de informação, eventos culturais, produtos culturais, entre outros).

Nas metrópoles contemporâneas, tais processos são evidentes em iniciativas tão diversas como o surgimento da “arte pública” (intervenções artísticas no espaço urbano), a estetização da memória empreendida pelos novos museus ou centros culturais, no enobrecimento de áreas urbanas antigas, convertidas em paisagens produzidas para o consumo visual, ou na inclusão da arquitetura urbana (patrimônio, grandes equipamentos culturais) no repertório estratégico das políticas culturais. Estas iniciativas não só dependem diretamente de uma propaganda agressiva como elas são, em si mesmas, atos comunicativos. O protagonismo da cultura Uma das características mais significativas da era contemporânea é a percepção da cultura como paradigma central das relações sociais. Como lembra Terry Eagleton, Assim como a política foi espetacularizada, as mercadorias estetizadas, o consumo erotizado e o intercurso semioticizado, a cultura pareceu ter se tornado o novo “dominante” social, tão entricheirada e difundida à sua maneira como a religoão na idade média, a filosofia na Alemanha no início do século XIX, ou as ciências naturais na Gra-bretanha vitoriana. (EAGLETON, 2003, p. 177-8)

A ação “ hegemônica” da cultura ocorre tanto pela sua capacidade de organizar atividades, instituições, e relações culturais na sociedade (isto é, pelo seu aspecto “substantivo”) quanto pelo poder de engendrar e validar modos de conhecimento, transformando nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo - a dimensão “epistemológica” da cultura (Hall, 1997, p. 19). Se o nosso “espírito de época” sustenta a afirmação de que toda prática social tem condições culturais ou discursivas de existência, é natural que a cultura seja altamente regulada, não só pelo mercado mas também pelas políticas governamentais. A cultura se tornou para o plano das políticas públicas um espaço de projeção e prospecção,

(...) para o qual se voltam olhares empreendedores, sondando novos modos de praticar a simbolização e de construir a sensibilidade, que podem ser decisivos para suas campanhas de comunicação e para o desenho (design) de produtos comerciais. Vivemos numa sociedade onde o “conceito” é o objeto de fruição por excelência nas esferas de consumo de alto padrão, das roupas e do mobiliário aos automóveis e produtos de supermercado. (MEC, 2005)

Como lembra Hall, quanto mais “central” se torna a cultura, mais evidentes são as forças que a moldam e regulam. Seja o que for que tenha a capacidade de influenciar a configuração geral da cultura, de controlar ou determinar o modo como funcionam as instituições culturais ou de regular as práticas culturais, isso exerce um tipo de poder explícito sobre a vida cultural. Neste sentido, a cultura engloba todos os equipamentos (centros culturais, museus), os especialistas e intermediários culturais que trabalham neste tipo de equipamento, todas as referências teóricas e ideológicas relativas a esse funcionamento, ou seja, tudo o que contribui para a produção de objetos semióticos (livros, filmes, etc.), difundidos em um mercado determinado (GUATTARI, 1986). Sintomaticamente, surgem novos sistemas de classificação e representação da arte e da cultura. Cada vez mais as noções de economia da cultura e indústrias criativas são aplicados às praticas e instituições sem relação direta com a ”esfera cultural”. Em conseqüência, a cultura passa a designar especialmente as atividades culturais - não só aquelas que possibilitam a crítica cultural ou o resgate de fatos significativos de determinada sociedade, mas principalmente aquelas que se legitimam pela sua rentabilidade. E estas atividades são rentáveis exatamente porque funcionam como ornamentos pessoais, modos de afirmação social, formas de entretenimento, ou fontes de atualização e/ou informação – e que provocam em última análise algum tipo de “gratificação psíquica”, distinção sócio-econômica ou, simplesmente, ocupação lúdica (COSTA 1998, FEATHERSTONE 1997). Portanto, no atual estágio do capitalismo destaca-se uma nova retórica da cultura. Ao contrário do que ocorreu até os anos 60, não se trata mais de desestetizar a arte na forma de uma cultura de massa, traduzindo a cultura elevada para o mundo quotidiano, mas de introduzir a realidade quotidiana no domínio antes reservado à alta cultura. Se antes a cultura surgia como esfera autônoma baseada em valores anti-mercado, hoje ela se torna uma imagem, ou seja, representação e sua respectiva interpretação, o que conduz não mais à desestetização da arte, mas ao momento complementar de estetização do social (Arantes 2000). O resultado é a ampliação das noções de cultural e estético; as fronteiras entre a cultura no sentido antropológico (vinculada aos “modos de vida”) e a cultura no sentido estético

(vinculado á “alta cultura”) foram relativizadas, “o que teria estendido a série de fenômenos designados como "culturais" para além das artes (...), incluindo um amplo espectro de culturas populares e cotidianas, nas quais praticamente qualquer objeto

ou

experiência

pode

ser

considerado

de

interesse

cultural”

(FEATHERSTONE, 1997, p. 135). Tal processo corresponde à ampliação dos mercados de bens culturais, uma vez que:

“ a aquisição e o consumo de mercadorias, atos supostamente materiais, são cada vez mais mediados por imagens culturais difusas (...), nas quais o consumo de signos ou os aspectos simbólicos de bens tornam-se fontes importantes da satisfação delas derivada” (FEATHERSTONE, 1997, p. 137).

Entretanto, o ineditismo da centralidade da cultura só pode ser percebida se levarmos em conta o descentramento e fragmentação das identidades culturais e territoriais. O mundo globalizado exige a constante (re)construção das identidades, em contraste ou cooperação com outras culturas. Com o avanço das novas tecnologias de comunicação, que tornam imediato o diálogo entre diferentes partes do mundo, a noção de localidade (antes entendida como “espaço físico”), amplia-se e ganha dimensões cada vez mais abstratas. Ao mesmo tempo, as identidades culturais são “relocalizadas”, como comprovam os novos fundamentalismos e o resgate das culturas tradicionais ou regionais. As tradições e práticas culturais sobrevivem somente se forem continuamente reincorporadas em novos contextos culturais e territoriais. Esta reincorporação é moldada e organizada principalmente pelos meios de comunicação. Explica-se, deste modo, o interesse atual não só pela cultura, mas também pela diferença entre expressões culturais, bem como pelos intercâmbios culturais. Portanto, o que está em jogo hoje é uma profunda mudança no sentido da diversidade.

Até pouco tempo atrás, a diversidade cultural foi pensada

simplesmente a partir das identidades nacionais, isto é, da heterogeneidade radical entre culturas, cada uma enraizada em um território específico, dotadas de um discurso unificado e de fronteiras nítidas (BARBERO, 2003, p. 60). Neste sentido, a Nação não é apenas uma entidade política mas também um sistema de representação cultural compartilhado por uma “comunidade simbólica”. Tal sistema se fundamenta no pressuposto de que a tradição (entendida como o conhecimento que passa de geração em geração e que se fundamenta na autoridade do passado)

e a cultura (como um acervo de pertencimento) dimensionam as características da identidade nacional. Mas o enfraquecimento do poder mobilizador das identidades formuladas pelos estados nacionais justifica o movimento de potencialização da diferença (interna e externamente às culturas nacionais) e de exposição constante de cada cultura às outras. Isso conduz cada coletividade a um permanente exercício de reconhecimento daquilo que constitui a diferença dos outros, como enriquecimento potencial da nossa cultura, e uma exigência de respeito (ou ao menos tolerância) em relação à alteridade. As culturas e estilos de vida urbanos substituem , ao menos parcialmente, as identidades e tradições nacionais. Ao mesmo tempo, os artefatos culturais passam a assumir papel central na diferenciação e nos cruzamentos entre culturas, como demonstra a proliferação de museus locais ou regionais, o crescente interesse pelo artesanato dos países subdesenvolvidos e pelos estilos musicais africanos e latinos. Podemos entender, portanto, o que leva Mike Featherstone a destacar o “embaçamento” entre os sentidos antropológico e

estético da cultura e a

convergência “entre, de um lado, a popularidade dos estilos de vida artísticos e da representação e manifestação estilizadas e , de outro o desenvolvimento de uma série diferenciada e sofisticada de bens de consumo, atividades de lazer e experiências (...) (FEATHERSTONE, 1997, p. 138). Acrescente-se a essa questão o surgimento do novo paradigma tecnológico nos anos 60. A tecnologia (entendida como o uso de conhecimentos científicos para produzir objetos de uma maneira reproduzível) se desenvolve de tal maneira que sua matéria prima é a informação, isto é, “tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas

anteriores”

(CASTELLS,

2000,

p.78)

Capacidade

de

gerar

conhecimento a partir do conhecimento já existente. É este paradigma que torna possível o desenvolvimento de uma Sociedade da Informação centrada na comunicação e sem a qual é impossível falar em cultura ou criatividade. Surge uma economia mais centrada no conteúdo, conhecimento do que em insumos tangíveis. O fato das novas tecnologias serem baseadas no processamento da informação tem conseqüências diretas nas relações sócioculturais e seus capitais simbólicos. Informação é baseada em cultura e processamento

de

informação

e

depende

da

manipulação

simbólica

de

conhecimentos existentes. Neste sentido, a chamada “Economia Criativa” é um desdobramento da sociedade da informação e de um capitalismo que depende cada vez mais não só da informação mas do seu tratamento diferenciado e do apoio das novas tecnologias articuladas ás formas tradicionais do fazer artístico. Com o advento das novas tecnologias da comunicação e a extensão da globalização e da sociedade de consumo, o termo indústria cultural parece não dar mais conta das formas de reprodução social; tornou-se comum a utilização do termo “indústrias criativas” ou “economia da cultura” para designar o papel central da cultura e da comunicação na produção de valor econômico. 3 Neste processo fundamental para o capitalismo contemporâneo, o trabalho estético, artístico e cultural passa a ser incorporado ao sistema produtivo de maneira singular. As análises comerciais em andamento produzidas pela Unctad (United Nations Conference on Trade and Development, ou Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) indicam que, entre 2000 e 2005, os produtos e serviços das indústrias criativas cresceram a uma taxa média anual de 8,7%. As exportações mundiais das artes visuais aumentaram de US$10,3 bilhões, em 1996, para US$22,1 bilhões, em 2005; a exportação de audiovisuais triplicou, de US$6,7 bilhões para US$18,2 bilhões no mesmo Período. No Reino Unido, os números oficiais mostram que as indústrias criativas representam 8% da renda nacional e 5% da força de trabalho – mais do que o setor de serviços financeiros. A economia criativa do Reino Unido é responsável por um em cada cinco empregos em Londres. A economia criativa representou 5,3% do PIB da Dinamarca, 5,7 % do PIB do México e 4,0 do PIB da França. (Tolila 2007, Duisenberg 2008) Portanto, o incremento da circulação de informações e do setor de serviços e o processo de desmaterialização do capital conduzem à valorização do “conhecimento” e da “criação”, isto é, das qualidades culturais ou “semióticas” dos bens e serviços. A cidade é o palco no qual tais processos ocorrem, na medida o espaço urbano torna-se ator estratégico do desenvolvimento econômico. Sob estas

3

A classificação de indústrias criativas proposta pela UNESCO se divide em quatro categorias: patrimônio cultural, artes, mídia e criações funcionais. Apesar da pertinência e simplicidade desta classificação, não há consenso a respeito da definição do conceito de economia da cultura. Da mesma forma, não há ainda uma diferenciação substantiva entre economia da cultura e indústria criativa. Neste trabalho, partimos da idéia de que a economia da cultura se refere a um modelo econômico, enquanto a indústria criativa se remete aos setores industriais que caracterizam a economia cultural.

circunstâncias, as metrópoles se encontram diante dos

dilemas e desafios

decorrentes do seu novo papel sociocultural.

Cidades Criativas

A partir do panorama apresentado acima, podemos concluir que, na contemporaneidade, o interesse pela cultura da cidade e estilos de vida urbanos tem aumentado significativamente. As metrópoles e megalópoles4 passam a ser definidas não só pelo tipo de administração ou de economia, mas principalmente pela sua capacidade tecnológica, pela dinâmica de seu mercado e pelo sistema de transportes e de comunicação. Assim, a cidade deixa de ser um centro industrial típico para se tornar centro de serviços e comércio. Para que as cidades se adaptem a este novo desafio (que inclui tanto a dinamização da economia quanto o reforço ou transformação das identidades urbanas), são necessárias campanhas publicitárias, a promoção de áreas comerciais, a recuperação de centros históricos e áreas portuárias, o incremento das infra-estruturas de acessibilidade e comunicações, bem como reserva de áreas para implantação de novos negócios. Portanto, o desenvolvimento das cidades contemporâneas se fundamenta na captação de novos consumidores para um mercado de bens culturais mediante estratégias de promoção de identidades urbanas, não apenas no campo da produção cultural, mas do político, econômico e administrativo. Deste paradigma, surge a concepção de “cidades criativas” e de seu uso cada vez mais freqüente para designar as cidades capazes de potencializar seus atributos com base na cultura e identidade cultural e de atrair empreendedores, investimentos e turistas “qualificados” por conta de sua “efervescência criativa” (REIS, 2006). Significativamente, as “indústrias criativas” passam a fazer parte de projetos de reorganização de prioridades políticas, sociais e econômicas. O termo foi inventado em 2002, no livro “The Rise of Creative Class”, de Richard Florida, e se refere às cidades em que se intensificam atividades relacionadas à criação, produção e comercialização de conteúdos culturais, simbólicos ou “intangíveis”, baseados no 4

As megalópoles podem ser caracterizadas como 1) os espaços urbanos que sofreram um vertiginoso crescimento urbano a partir da década de 70 e que atualmente possuem cerca de 10 milhões de habitantes; 2) pelo fato desta aglomeração não se dever ao crescimento vegetativo, mas à confluência maciça de populações de outras origens; e 3) pela consequente formação de uma civilização multicultural, composta por subculturas em si homogêneas, mas entre si divergentes.

conhecimento, na criatividade ou em ativos intelectuais, capazes de criar riqueza e desenvolvimento através da convergência de idéias, mercadorias e serviços. As cidades criativas se caracterizam, portanto, pelo desenvolvimento tecnológico (por exemplo, altas despesas de investigação e desenvolvimento científico em relação ao PIB), pelos investimentos no talento (população ativa empregada em profissões criativas – cientistas, jornalistas, profissionais de informática; número de patentes de alta tecnologia) e na tolerância (grau em que uma cidade reflete valores tradicionais/modernos; respeito à diversidade cultural; capacidade de expor e respeitar direitos individuais). O incremento da circulação de informações e do setor de serviços e o processo

de

desmaterialização

do

capital

conduzem

à

valorização

do

“conhecimento” e da “criação”, isto é, das qualidades culturais ou “semióticas” dos bens e serviços. Neste processo fundamental para o capitalismo contemporâneo, o trabalho estético, artístico e cultural passa a ser incorporado ao sistema produtivo. Este se caracteriza cada vez mais por indivíduos que se identificam pelo consumo

de estilos de vida e ou marca, bem como um sistema de provedores de

produtos simbólicos e intérpretes de tais produtos. Trata-se, portanto, de um processo que inclui a reconfiguração do papel de instituições e eventos culturais e que explica a construção de equipamentos culturais monumentais, a formulação de grandes eventos e outros tipos de promoção cultural. Assim, pode-se perceber nas duas últimas décadas uma ênfase na cidade como fonte de cultura de massa, expressa numa nova abordagem culturalista da cidade: uma espécie de “culturalismo de mercado” (Arantes 2000), no qual a cultura se torna decisiva para a evolução e competitividade da economia urbana. Tal processo se notabiliza menos pela ênfase no caráter didático da “cultura-dado histórico” do que no uso da cultura como entretenimento, e na apropriação cultural como estratégia de fortalecimento do valor econômico, através de determinados usos do espaço urbano. Daí a importância da mercantilização da imagem urbana, a proposição de intervenções urbanas como processos de produção de “locais de sucesso” e a reorientação do consumo em direção à economia do lazer e à intensificação da fruição cultural. Tal convergência, na qual a cidade torna-se “território fundamental da diversidade cultural” está presente nas políticas culturais contemporâneas, como

comprova a clausula 10 da Agenda 21 da cultura, documento redigido em 2004 durante o Fórum Universal das Culturas, ocorrido em Barcelona: A afirmação das culturas, assim como o conjunto das políticas que foram postas em prática para o seu reconhecimento e viabilidade, constitui um fator essencial no desenvolvimento sustentável das cidades e territórios no plano humano, econômico, político e social. O caráter central das políticas públicas de cultura é uma exigência das sociedades no mundo contemporâneo. A qualidade do desenvolvimento local requer a imbricamento entre as políticas culturais e as outras políticas públicas – sociais, econômicas, educativas, ambientais e urbanísticas (2004, p. 1, grifo nosso).

A essa questão deve-se acrescentar a importância que a globalização possui no discurso da política urbana. Entre os fenômenos articulados à globalização, podese destacar o surgimento das cidades globais, a competição interurbana pela melhor posição nas redes econômicas globais, o papel catalisador da

tecnologia

da

informação na reestruturação da organização produtiva e na transferência de capital e de conhecimento, e a transformação da cultura e lazer em atividades econômicas. Como foi discutido, o capitalismo mundial integrado, ao provocar um enfraquecimento dos estados nacionais, relativiza a hierarquia entre estados nacionais, estados e cidades, como prova a delegação de novas competências aos governos locais. Neste processo, as cidades substituem o estado - nação como idéia sintetizadora das identidades culturais, tornando-se um espaço que possibilita a diversificação da representação de segmentos étnicos, raciais, migrantes ou de gênero. A cultura das cidades assume, portanto, papel central na organização das sociedades atuais. Hoje, “a própria imaginação da nacionalidade implica o reconhecimento da complexidade de suas fronteiras internas, externas, simbólicas, econômicas, políticas ou geográficas, reconhecimento este que tem sua chave nos subtextos que a cidade vêm oferecendo”(Holanda 1994, p. 4).

Não é de se

estranhar pois, o papel central das culturas urbanas na consolidação da economia da cultura. Da mesma forma, a inovação tecnológica e os conteúdos difundidos pelos meios de comunicação se tornam decisivas para a evolução e competitividade da economia urbana. As atividades culturais e sua interpretação tornam-se códigos explícitos para definir o valor e o sentido do espaço urbano, pois, como lembra Canclini, “ser culto em uma cidade moderna consiste em saber distinguir o que se compra para usar, o que se rememora e o que se goza simbolicamente. Requer

viver o sistema social de forma compartimentada” (Canclini 1997, p. 301, grifo meu). É neste contexto que os intermediários culturais vão influir nas formas de compreensão, ação e escolha do público, prescrevendo modos “apropriados” de interação. Jornalistas, empreendedores, profissionais de marketing e publicidade, urbanistas explicitam a relação entre os valores culturais e o sistema social, ativando, assim, a capacidade dos grupos e indivíduos de construir e narrar suas identidades.

Considerações finais No contexto atual, no qual bens, serviços, imagens e estilos de vida tornamse experiências culturais consumíveis, a cidade torna-se cada vez mais o cenário produtor de subjetividades e identidades coletivas definidas pela apropriação e consumo cultural. Multiplicam-se as estratégias econômicas, políticas e simbólicas, sustentadas pela noção de que a mídia é uma dimensão estratégica da cultura. A internacionalização do capital e a emergência das novas tecnologias, que possibilitam a formação de um sistema de comunicação mundial, acabam por converter a cidade em um espaço sociocomunicacional, não só porque a idéia que hoje temos da cidade passa pelo foco da mídia, mas também porque as técnicas de comunicação passam a ser elementos essenciais das políticas urbanas locais. Assim, as imagens urbanas

produzidas pela publicidade e pelo marketing passam a ser vistas como determinantes do desenvolvimento das cidades, bem como o seu reposicionamento no contexto geopolítico mundial. As recentes tentativas de “revitalizar” cidades como Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre demonstram que a “diversidade”, a “cultura” e a “tradição” passaram a ser palavras de ordem para os interessados em incorporar o espaço urbano ao mercado global. Por isso, pode-se perceber a tendência em enobrecer determinados espaços, de modo que eles representem o bom gosto e os padrões de consumo de determinados segmentos sociais; a valorização da capacidade de atrair convenções e eventos internacionais e de investir no “turismo de negócios”; a ênfase nos tratamentos espetaculares do espaço urbano, projetados por arquitetos de renome internacional.

Justifica-se, portanto, a concepção de cultura como modo de comunicar a cidade, no sentido de valorizar a imagem urbana aos possíveis interessados (habitantes, turistas, investidores, empreendedores), produzindo mensagens sobre os encantos da vida local. É este contexto que justifica o uso de um planejamento estratégico,

que evoque um sentimento de “civismo” em relação à cidade, traduzido por meio de um marketing que visa vender a cidade interna e externamente. Consequentemente, mesmo a história da cidade se encontra subordinada às exigências da modernização

econômica

e

comunicativa

proveniente

dos

processos

de

globalização. Na passagem das indústrias culturais às indústrias criativas, podemos perceber, portanto, uma nova articulação entre os valores culturais, a comunicação e o tecido urbano. Resta saber quais serão os efeitos, a médio e longo prazo, destas iniciativas na qualidade de vida e na resolução dos problemas sociais e culturais típicos das cidades contemporâneas.

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