CIDADANIA E DIREITO À SAÚDE: DEVER JURISDICIONAL DE REALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NA AUSÊNCIA DE PROVAS DAS CONDIÇÕES FÁTICAS E JURÍDICAS DESFAVORÁVEIS

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CIDADANIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO

Coordenadores

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr Prof. Dr. Alexandre Walmott Borges. Organizadores

Prof. Dr. Fernando Gustavo Knoerr Prof. Msc. Thiago Paluma Revisão técnica

Paula Fernanda Pereira de Araújo e Alves

CIDADANIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO

2013

Curitiba

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Knoerr, Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos – Coordenadora. Borges, Prof. Dr. Alexandre Walmontt – Coordenador. Cidadania, desenvolvimento social e globalização. Título independente. Curitiba : 1ª. ed. Clássica Editora, 2013.

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1. Direito Nacional – latino americano. 2. Pesquisadores - críticos. I. Título.

ISBN 978-85-99651-81-0

CDD 341

EDITORA CLÁSSICA Conselho Editorial

Allessandra Neves Ferreira Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete Pozzoli Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão

Equipe Editorial Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Produção Editorial: Editora Clássica Capa: Editora Clássica

Luiz Eduardo Gunther Luisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Séllos Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos

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CIDADANIA E DIREITO À SAÚDE: DEVER JURISDICIONAL DE REALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NA AUSÊNCIA DE PROVAS DAS CONDIÇÕES FÁTICAS E JURÍDICAS DESFAVORÁVEIS JURISDICTIONAL DUTY TO REALIZE THE RIGHT OF HEALTH IN THE ABSENT OF PROOFS OF THE FACTUAL AND LEGAL CONDITIONS UNFAVOURABLE Sérgio Augusto Lima Marinho166 Rodrigo Pereira Moreira167 Marco Aurélio Nogueira168 RESUMO O trabalho tem como objeto geral analisar o direito social à saúde previsto na Constituição Brasileira e a forma como este direito deve ser realizado judicialmente na ausência de provas das condições fáticas e jurídicas que impeçam sua aplicação. Parte-se de problema sobre a natureza principiológica do direito social à saúde, explanando sobre a classificação e a função desse direito, bem como a compreensão da atividade judicial de controle de constitucionalidade nos direitos fundamentais sociais. Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo e procedimento de pesquisa bibliográfico e documental, este último analisando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A conclusão mostra que ausentes condições fáticas ou jurídicas desfavoráveis à realização deste direito persiste o dever de prestação da saúde, o qual deve ser reconhecido judicialmente. Este posicionamento é acompanhado pela jurisprudência da Corte Constitucional. Palavras Chave: Direitos Fundamentais; Direito à Saúde; Princípios jurídicos; Condições Fáticas e Jurídicas. ABSTRACT This paper analyzes the social right of health provided in the Brazilian Constitution and how this right should be jurisdiction realized in the absence   Mestrando em Direito Público na Faculdade de Direito “Prof. Jacy de Assis” da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista da CAPES. 167   Mestrando em Direito Público na Faculdade de Direito “Prof. Jacy de Assis” da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista da CAPES. 168   Doutor em Direito. Professor do programa CMDIP-FADIR-UFU, mestrado em Direito. 166

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of evidence of the factual and legal conditions that prevent his application. The paper begins with the problem about the nature of the principle in the social right of health, explaining about the classification and function of this right and understanding the judicial activity in the constitutional control in fundamental social rights. It will be utilized the deductive method and procedure from bibliographic and documentary, the latter examining the jurisprudence of the Supreme Court. The conclusion shows that absent of legal or factual conditions un favorable to realization of this right, remains the duty to provide health, which must be judicial lyre cognized. This position is accompanied by the jurisprudence of the Constitutional Court. Keywords: Fundamental Rights; Right to Health; Legal Principles; Factual and Legal Conditions. INTRODUÇÃO A vida é o bem jurídico mais importante de qualquer ser humano e certamente está acima de todos os demais bens protegidos pelo ordenamento jurídico, como o patrimônio e até mesmo da honra. É neste panorama que surge o direito à saúde como consequência constitucional indissociável do direito à vida. Saúde corresponde a um conjunto de preceitos higiênicos referentes aos cuidados em relação às funções orgânicas e à prevenção das doenças e, por conseguinte, mantença da vida. Dessa forma, o direito social à saúde surge com uma dupla face, uma de preservação e outra de proteção à saúde. Neste diapasão, é revelada a importância do acesso ao direito social à saúde como o direito do ser humano de preservar e proteger a sua própria vida. O direito social à saúde, bem como seu acesso, é concebido como um direito de todos e dever do Estado, o qual deve garanti-lo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos, é um direito constitucional. Contudo, muitas vezes não é fácil gozar deste direito, seja por conta da inobservância do que dispõe a Constituição quanto àquelas políticas sociais e econômicas, seja por falta de medicamentos, material humano, e outros fatores necessários à realização do acesso ao direito social, constitucional, fundamental à saúde. O presente trabalho tem por objeto de pesquisa o direito social à saúde e a maneira como este direito deve ser realizado pelo poder judiciário na ausência de provas acerca das condições fáticas ou jurídicas que impeçam sua realização, haja vista o seu entendimento como princípio e, consequentemente, como mandamento de otimização que deve ser realizado observadas as circunstâncias fáticas e jurídicas. A pesquisa encontra-se pautada no método dedutivo e na 116

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consulta bibliográfica e jurisprudencial sendo uma abordagem de dogmática jurídica, vez que se pretende analisar o tema e verificar se as conclusões encontram respaldo na jurisprudência dominante, para isto, são utilizadas algumas decisões judiciais da Corte Constitucional. Para tanto, divide-se o trabalho em 5 cinco tópicos. Aborda-se, primeiramente, a relação de interdependência do Estado constitucional de Direito e dos direitos fundamentais. Em seguida, é tratada a fundamentalidade do direito à saúde juntamente com o seu tratamento constitucional, posteriormente, pondera-se acerca do caráter principiológico do direito à saúde, destacandose o seu caráter de otimização e, em decorrência disto, o dever jurisdicional de realização deste direito em não havendo provas das condições fáticas ou jurídicas que impeçam dita realização. 1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADO DE DIREITO O Estado Absoluto possui os méritos da criação de mecanismos institucionais que fortaleceram a figura do Estado tais como a soberania nacional, una e indivisível, a unidade e um maior número de leis escritas reforçando a institucionalização jurídica do poder político. Neste sentido, A função histórica do Estado absoluto consiste em reconstruir (ou construir) a unidade do Estado e da sociedade, em passar de uma divisão com privilégios das ordens (sucessores ou sucedâneos aos privilégios feudais), para uma situação de coesão nacional, com relativa igualdade de vínculos ao poder (MIRANDA, 2011, p. 30). Contudo, no contexto do Estado absoluto, não há que se falar em direitos fundamentais, menos ainda direitos fundamentais sociais. “Expediente técnicojurídico muito característico deste ambiente é o desdobramento do Estado em Estado propriamente dito, dotado de soberania, e em Fisco, entidade de Direito Privado e sem soberania” (MIRANDA, 2011, p. 29). Tem-se, então, que apenas o fisco mantém relações jurídicas com os particulares e somente contra ele podem ser reivindicados direitos subjetivos. A concentração do poder, combinada ao crescente poder econômico da burguesia e sua falta de poder político, gerou como consequência a crise do Estado Absoluto e o advento do Estado Constitucional ou Estado de Direito. No Estado de Direito, Em vez da tradição, o contrato social; em vez da soberania do príncipe, a soberania nacional e a lei como expressão da vontade geral; em vez do 117

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exercício do poder por um só ou seus delegados, o exercício por muitos, eleitos pela coletividade; em vez da razão do Estado, o Estado como executor de normas jurídicas; em vez de súditos, cidadãos, e atribuição a todos os homens, apenas por serem homens, de direitos consagrados nas leis. E instrumentos técnicos-jurídicos principais tornam-se, doravante, a Constituição, o princípio da legalidade, as declarações de direitos, a separação dos poderes, a representação política (MIRANDA, 2011, p. 31). Em sentido estrito, a expressão “Estado de Direito” refere-se a qualquer ordenamento cujos poderes públicos são conferidos pela lei, sendo exercidos pelas formas e procedimentos estabelecidos na própria lei. Num sentido amplo, significa que os poderes públicos também estão sujeitos à lei, não somente quanto às formas, mas também em relação ao seu conteúdo (FERRAJOLI, 2006, p. 417). Luigi Ferrajoli (2006, p. 418) divide, assim, o Estado legislativo de Direito e o Estado constitucional de Direito. O primeiro é ligado ao paleopositivismo (positivismo clássico), nascido juntamente com a concepção moderna de Estado e caracterizado principalmente pela afirmação do princípio da legalidade.169 Já o segundo, nasce após a Segunda Guerra Mundial sendo caracterizado pela difusão das constituições rígidas reconhecidas como normas de direito válidas e também pelo controle de constitucionalidade sobre as leis ordinárias.170 Neste diapasão, com o advento deste Estado de Direito há uma troca de papéis, outrora o homem encontra-se a serviço do Estado e deveria contribuir para a realização de suas finalidades, agora, é o Estado quem deve propiciar os meios pelos quais os homens possam realizar seus objetivos. No Estado de Direito destacam-se características que o distinguem do Estado Absoluto: a Juridicidade, a Constitucionalidade, o sistema de direitos fundamentais, a divisão dos poderes e a garantia da administração autônoma local (CANOTILHO, 2003, p. 243).   Consoante Ferrajoli (2006, p. 423), no paleopositivismo “uma norma existe e é válida não porque é intrinsecamente justa e ainda menos ‘verdadeira’, mas somente porque é proclamada em forma de lei por sujeitos habilitados por ela.” 170   Sobre a validade da norma jurídica no Estado Constitucional de Direito, Ferrajoli (2006, p. 425) afirma que: “no ‘Estado constitucional de Direito’, as leis são submetidas não só a normas formais sobre a produção, mas também a normas substanciais sobre o seu significado. De fato, não são admitidas normas legais, cujo significado esteja em contraste com normas constitucionais. A existência ou vigor das normas, que no paradigma paleopositivista tinham sido separadas da justiça, separam-se agora, também, da validade, tornando possível que uma norma formalmente válida e, portanto, vigente, seja substancialmente inválida quando o seu significado estiver em contraste com normas constitucionais substanciais (...).” 169

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No Estado de Direito não há poder soberano, todavia o poder encontrase vinculado à Constituição “o Estado de Direito pressupõe a existência de uma Constituição normativa estruturante de uma ordem jurídico normativa fundamental vinculada a todos os poderes públicos” (CANOTILHO, 2003, p. 245). Desta vinculação dos Poderes Públicos à Constituição decorre o dever de realização dos direitos alçados ao status de direitos fundamentais. Ao legislador o dever de criar políticas que visem à realização destes direitos, ao Administrador o dever de realizar as políticas criadas, e ao Juiz o dever de impedir que as normas constitucionais definidoras destes direitos se tornem vazias. Dois pontos são centrais à contextualização do trabalho. Primeiro, a teoria jurídica moderna – e os desdobramentos na teoria constitucional, teoria dos direitos fundamentais e teoria da decisão judicial - desenvolve os seus trabalhos com uma concepção de sistema normativo no qual a Constituição se encontra no plano mais elevado. Segundo, há no momento um deslocamento da parcela decisória sobre as políticas de Estado ao Judiciário. A Constituição Federal preconiza em seu artigo 1º que o Brasil constituise em um Estado Democrático de Direito, nesta quadra, há que se destacar a existência no texto constitucional de direitos tidos por fundamentais e de uma relação simbiótica entre os estes direitos e o Estado Democrático de Direito. Somente é possível vislumbrar um Estado Democrático de Direito a partir da existência de direitos fundamentais. Tais direitos, funcionando conjugadamente com outros fatores fazem parte da essência do Estado Constitucional constituindo-se elemento nuclear da Constituição material, é o que defende Ingo Sarlet (2010, p. 58) para quem: Os Direitos Fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado Constitucional, constituindo, neste sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material. Por outro lado, deve-se consignar que o Estado Democrático de Direito também se mostra indispensável aos direitos fundamentais. Não obstante estes servirem como fundamento à existência e legitimação de qualquer ordem constitucional, o Estado Constitucional é o responsável por consignar proteção e eficácia aos direitos fundamentais.171   Tendo em vista que a proteção da liberdade por meio dos direitos fundamentais é, na verdade, proteção juridicamente mediada, isto é, por meio do Direito, pode afirmar-se com segurança, na esteira do que leciona a doutrina, que a Constituição (e, neste sentido, o Estado Constitucional), na medida em que pressupõe uma atuação juridicamente programada e controlada por órgãos 171

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Traço marcante deste Estado Constitucional, como dito, é a supremacia constitucional que deve ser assegurada mediante o controle de constitucionalidade. Dito controle é exercido no Estado Constitucional pelo Poder Judiciário de forma de difusa e concentrada. Contudo, a forma concentrada é exercida pelo órgão máximo de jurisdição, a Corte Constitucional. Neste sentido, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, em seu art. 16 preconiza que “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. Essa declaração, inspirada nos ideais iluministas do século XVIII, condiciona a própria existência de um Estado (já que este surge, ao menos juridicamente, a através da Carta Constitucional) não somente à existência, como também à garantia de posições jurídicas fundamentais que garantam aos indivíduos o gozo das liberdades (termo aqui utilizado em sentido amplo) e que por isto, sejam retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes construídos. As ideias de Constituição e direitos fundamentais são, no âmbito do pensamento da segunda metade do século XVIII, manifestações paralelas e unidirecionadas da mesma atmosfera espiritual. Ambas se compreendem como limites normativos ao poder estatal. Somente a síntese de ambas outorga à Constituição a sua definitiva e autêntica dignidade fundamental. A supremacia da Constituição e a consequente necessidade de adequação de todos os atos estatais, não somente os normativos, tal qual conhecemos hoje é sobremaneira influenciada pelo pensamento de Hans Kelsen(1976, p. 310) para quem: A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da relação de dependência que resulta do facto de a validade de uma norma, cuja produção, por seu turno é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos, é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora. Neste panorama emerge como necessidade de qualquer Estado que se pretenda de direitos, o controle de constitucionalidade dos atos do poder público com a finalidade de garantir a compatibilidade destes atos com a Constituição. estatais, constitui condição de existência das liberdades fundamentais, de tal sorte que os direitos fundamentais somente poderão aspirar à eficácia no âmbito de um autentico Estado Constitucional. 120

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Neste diapasão, destaca-se o segundo ponto de contextualização do trabalho, pois a partir uma vez que a compatibilização dos atos estatais com a Lei Maior é realizada pelo Judiciário há um deslocamento da parcela decisória sobre as políticas de Estado para este Poder. Decisões de controle de constitucionalidade que visam a reafirmação da supremacia constitucional (com a realização de Direitos fundamentais negados administrativamente) e acabam por representarem verdadeiras decisões políticas, são as decisões do Supremo Tribunal Federal de concessão ou manutenção de prestações em matéria de saúde. Diversas são as razões pelas quais estas demandas alcançam o nível mais elevado de jurisdição constitucional brasileiro. Por isto, promove-se um recorte vislumbrando-se somente as decisões nas quais a Administração Pública visa à negação ou a cessação de uma prestação em matéria de saúde pelo comprometimento da saúde ou da ordem econômica. 2. DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SAÚDE Antes de se adentrar na temática central do presente trabalho, faz-se mister discorrer um pouco a respeito do direito fundamental e social à saúde. Inicialmente pode-se afirmar que se trata de um direito fundamental por possuir intima ligação com a dignidade da pessoa humana (o que lhe confere fundamentalidade material) além de ser um direito expressamente previsto no texto constitucional (nota de sua fundamentalidade formal). Concebidos os direitos fundamentais a partir dos momentos históricos de sua positivação nas Constituições internas, a doutrina os divide em dimensões. Tais dimensões representam o surgimento e positivação destes ao longo dos séculos. Elege-se a terminologia dimensões, ao contrário de gerações, termo anteriormente utilizado pelos estudiosos, substituído por se considerar que sua utilização poderia criar na mente do intérprete a falsa noção de substitutividade entre os direitos surgidos e os anteriores.172 Deve-se ter presente que a discordância dogmática é meramente terminológica, pois, em princípio, há consenso no que tange ao conteúdo das dimensões e gerações de direitos fundamentais.173 Discorrendo acerca do que considera gerações de direitos fundamentais, Flores (2005, p. 101) pondera que: Se é possível de fato falar em gerações de direitos, estas se encontram menos vinculadas a uma manifestação de racionalidade humana universal, tal como sustentada desde os estóicos até a declaração da ONU, de 1948,   No direito constitucional pátrio atribui-se a Paulo Bonavides (1997, p. 525) o pioneirismo no apontamento para esta imprecisão terminológica. 173   Neste sentido é a lição de Antonio Augusto Cançado Trindade (1997, p. 24-25). 172

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mas sim, dizem respeito às diversas reações funcionais e críticas que têm sido implementadas na esfera social, política e jurídica ao longo dos processos de acumulação capitalista desde a baixa Idade Média até os nossos tempos. Aparentemente há convergência doutrinária no sentido da existência de três dimensões de direitos fundamentais, quais sejam: primeira dimensão, segunda dimensão e terceira dimensão. Na primeira dimensão são encontrados os direitos civis e políticos, nascidos ante a pressão burguesa frente ao Estado em busca de menor intervenção na autonomia privada. Tais direitos consubstanciam-se como garantias do cidadão “surgindo e afirmando-se como direitos do individuo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder” (ANDRADE, 1987, p. 43). Por tais motivos, os direitos de primeira dimensão não exigem prestação direta174 alguma do Estado, ao contrário, lhe impõem uma abstenção de agir. No rol destes direitos assumem grande relevo, por conta de sua inegável inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, liberdade, propriedade e igualdade perante a Lei. A Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX promovendo mudanças na sociedade causou novos problemas sociais e econômicos. Neste contexto, o Estado viu-se obrigado a deixar de lado sua postura de abstenção para agir em prol dos interesses de uma sociedade que exige condições melhores de vida a todos. Neste panorama surgiram os direitos fundamentais de segunda dimensão, também denominados direitos sociais, culturais e econômicos. Tais direitos devem ser garantidos e efetivados pelo Estado. Não se tratam esses direitos de liberdades a serem exercidas frente ao Estado, mas por seu intermédio. Dentre tais direitos está o direito fundamental à saúde que deve ser garantido mediante políticas publicas que visem a proteção, promoção e recuperação da saúde. Nos direitos de primeira dimensão tais como liberdade expressão, liberdade de associação, liberdade de escolher uma profissão, se parte de algo antecedente, não são criados pela regulamentação positiva, mas protegidos e/ ou limitada por ela. De modo diverso, nos direitos de segunda dimensão não se parte de algo antecedente que deve ser juridicamente protegido pelo Estado, antes, é necessária criação do direito para depois se proteger e regulamentar.   Afirma-se que não há prestação ao menos direta, porque a doutrina mais atualizada preconiza, acertadamente, que mesmo os direitos tradicionalmente definidos como de caráter negativo, também acarretam ao Estado alguns encargos econômicos como um sistema de segurança pública e de administração judiciária, por exemplo. Neste sentido é a lição de Holmes e Sunstein (1999, p. 35-48). 174

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Por isto, somente após a ação do legislador e do administrador para possibilitar aos cidadãos o acesso a bens materiais é que surgirá algo para ser protegido contra a intervenção do Estado. Os direitos de segunda dimensão ao contrário dos de primeira dimensão exigem um agir por parte do Estado. Conforme explica Böckenförd(1993, p. 76): En los derechos fundamentales sociales la cosa es muy distinta. Aspirando a procurar determinados bienes materiales, no parten de algo antecedente, ya dado, que debe ser protegido jurídicamente y asegurado frente a ataques. Para asegurar estos derechos fundamentales se necesita más bien, con anterioridad a la garantía de la protección jurídica, una acción estatal activa, positiva; se necesitan medidas del legislador y/o de la Administración que procuren el acceso a los bienes materiales y la participación en ellos.175 Os direitos de segunda dimensão surgem para possibilitar a igualdade material entre os indivíduos visto que a igualdade formal é garantida pelos direitos de primeira dimensão, como os direitos de liberdade religiosa e de expressão, por exemplo. Inclusive, há autores que apontam como um dos fundamentos axiológicos dos direitos fundamentais sociais (direitos de segunda dimensão) a lei (tutela) do mais fraco, ou seja, tais direitos surgiriam como respostas às reivindicações daqueles que não detém o poder político ou econômico. Neste sentido, Ferrajoli (2009, p. 362) afirma que: El cuarto criterio meta-ético idóneo para señalar el carácter fundamental de las necesidades y expectativas vitales es el que las identifica con otras tantas leyes del más débil frente a la ley del más fuerte propia del estado de naturaleza, es decir, de la ausencia de derechos.176 Adverte-se para o fato de que o autor considera a tutela dos interesses do mais fraco como fundamento de diversos direitos fundamentais inclusive de primeira dimensão, mas, este fundamento se mostra ainda mais eloquente no que toca os direitos econômicos, sociais e culturais. Pondera o autor que:   “Nos direitos sociais fundamentaisa coisa é muito diferente. Aspirando a aquisição de determinados bens materiais, não partem de algo antecedente, já dado, que devem ser protegidos juridicamentee garantidos frente a ataques. Para garantir esses direitos fundamentais é necessária, antes da garantia de proteção jurídica, a ação ativa do Estado, ação positiva; Necessitando-se de medidas do legislador e/ou da Administração que buscam conceder o acesso a bens materiaise a participação neles.” (tradução livre). 176   “O quarto critério meta-ético adequado para apontar a natureza fundamental das necessidades e expectativas vitais, é aquele que as identifica com tantas outras leis dos mais fracos frente à lei do mais forte, próprias do estado de natureza, ou seja, da ausência de direitos.” (tradução livre). 175

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De hecho, puede afirmarse que, históricamente, todos los derechos fundamentales han sido sancionados, en las diversas cartas constitucionales, como resultado de luchas o revoluciones que, en diferentes momentos, han rasgado el velo de normalidad y naturalidad que ocultaba una opresión o discriminación precedente: desde la libertad de conciencia a las otras libertades fundamentales, desde los derechos políticos a los derechos de los trabajadores, desde los derechos de las mujeres a los derechos sociales. (FERRAJOLI, 2009, p. 363).177 Ainda em decorrência do progresso tecnológico e outras transformações econômicas e sociais emergem na sociedade novas necessidades, necessidades estas que precisam ser atendidas, daí surgem os direitos fundamentais de terceira dimensão. Deve-se esclarecer que quanto à titularidade dos direitos de primeira e segunda dimensão pode-se afirmá-la individual. Por outro lado, na chamada terceira dimensão, a titularidade dos direitos passa do indivíduo ao coletivo sendo por isto muitas vezes indefinida e indeterminável. Por conta de sua titularidade eminentemente coletiva, os direitos de terceira dimensão são denominados de direitos de solidariedade e fraternidade. Contudo, deve-se consignar que apesar disto resta preservado seu cunho individual nuclear (SARLET, 2010, p. 48-49). Como exemplo destes direitos, pode-se fazer referência às garantias contra manipulações genéticas, direito de morrer com dignidade, direito a mudança de sexo, direito ao meio ambiente preservado e equilibrado, direito à paz, dentre outros. Há ainda quem defenda a existência de uma quarta e até uma quinta dimensão de direitos fundamentais. Paulo Bonavides (1997, 524-526) defende a existência de uma quarta dimensão de direitos fundamentais decorrente da globalização. Entretanto, sua positivação no direito interno está longe de se tornar uma realidade. Para alguns autores a classificação dos direitos fundamentais em dimensões não explica de modo satisfatório o processo de formação histórica e social dos direitos fundamentais (BRANDÃO, 2001, p. 123). Tal classificação seria meramente uma forma acadêmica de facilitar a reconstrução histórica da luta pela concretização dos direitos fundamentais.   “Na verdade, pode-se argumentar que, historicamente, todos os direitos fundamentais foram sancionados em diversas cartas constitucionais, como resultado de lutas ou revoluções que, em diferentes momentos, modificaram o véu da normalidade e naturalidade que ocultava uma opressão ou discriminação precedente: desde a liberdade de consciênciaaté as outras liberdades fundamentais, desde os direitos políticos aos direitos dos direitos dos trabalhadores, desde os direitos das mulheres aos direitos sociais.” (tradução livre). 177

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Por isto, inspirado na teoria de Jelinek, SARLET (2010, p. 167) classifica os direitos fundamentais de acordo com a sua função preponderante em direitos de defesa e direitos a prestações. Estes são divididos em direitos a prestações em sentido amplo (direitos à proteção e direitos à participação na organização e procedimento) e direitos a prestações em sentido estrito. Os direitos de defesa se dirigem a uma obrigação de abstenção por parte dos poderes públicos. Impõem ao Estado um dever de respeito a determinados interesses individuais, por meio da omissão de ingerências ou pela intervenção na esfera de liberdade pessoal apenas em determinadas hipóteses e sob certas condições. Inexistem controvérsias no que concerne à identificação entre os denominados direitos de defesa com os direitos de primeira dimensão, os quais já foram tratados. No âmbito dos direitos de defesa, se enquadram primordialmente os direitos de liberdade e igualdade, bem como suas respectivas formas de manifestação e concretização. Também está incluída entre os direitos de defesa a maioria dos direitos políticos, das garantias fundamentais e alguns direitos sociais, vez que como fora dito, esta classificação leva em consideração a função preponderante dos direitos fundamentais em espécie. Por sua vez, os direitos a prestações, ao contrário dos direitos de defesa, exigem um agir por parte do Estado, impondo além da tarefa de não intervir na esfera de liberdade pessoal dos indivíduos, o dever de criar e colocar à disposição dos cidadãos as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais. A respeito destes direitos Ingo Sarlet (2010, p. 185) pondera que: Os Direitos Fundamentais a prestações objetivam, em ultima análise, a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos. Como fora dito linhas acima, os direitos a prestações se subdividem em direitos a prestações em sentido amplo e direitos a prestações em sentido estrito. Pode-se afirmar que os direitos a prestações em sentido amplo possuem um caráter residual uma vez que se enquadram nesta classificação os direitos fundamentais de natureza no mínimo predominantemente prestacional, que não são direitos de defesa e nem direitos a prestações em sentido estrito. Por outro lado, os direitos a prestações em sentido estrito, na concepção de Robert Alexy (2011, p. 499), constituem direitos a prestações fáticas que o indivíduo, caso dispusesse dos recursos necessários e em existindo no mercado uma oferta suficiente, poderia também obter de particulares.178   O autor ainda completa: “quando se fala em direitos fundamentais sociais, como, por exemplo,

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Assim, os direitos a prestações em sentido estrito são facilmente identificados com os direitos sociais, dentre os quais, como preconiza a nossa Lei Maior em seu art. 6º, encontra-se o direito à saúde. Deve-se ressaltar, que o que se leva em consideração para posicionar o direito social à saúde como direito prestacional em sentido estrito é o seu caráter eminentemente prestacional. Deve-se ter presente que o caráter eminentemente prestacional do direito social à saúde não exclui seu caráter defensivo, uma vez que gera para o Estado além do dever de criar ações que visem proteger, promover e recuperar a saúde, o dever de não prejudicar a saúde de nenhum cidadão. 3. DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL A Constituição, no Título II, em seu segundo capítulo, trata dos direitos sociais como direitos a prestações, trazendo em seu artigo 6o que: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifos nossos). O direito social à saúde, de modo semelhante ao que ocorre com os direitos sociais em geral, comporta duas vertentes. A primeira vertente é de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado ou de qualquer pessoa que se abstenha de praticar atos que prejudiquem a saúde. A outra vertente é de natureza positiva, significando o direito às medidas e prestações estatais visando à prevenção das doenças e o tratamento delas. A Constituição, no artigo 196 define a saúde como: Direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Estas ações e serviços são de relevância publica, na forma do artigo citado. A saúde, bem como a previdência e a assistência social, são direitos encontrados no âmago da seguridade social. Nos termos da Carta Política, a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência, e à assistência social. direitos à assistência à saúde, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se primariamente fazer menção a direitos à prestação em sentido estrito.” (ALEXY, 2011, p. 499). 126

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A seguridade social deve ser organizada nos termos da lei, com a observância obrigatória de alguns objetivos, dentre os quais se encontram primordialmente a universalidade da cobertura e do atendimento. Assim, como a Administração Pública tem o dever constitucional de organizar a seguridade social universalizado a cobertura e o atendimento, deve fazê-lo também quanto às ações e serviços destinados à promoção, proteção e recuperação da saúde. Neste contexto, prestações materiais do Estado, como a saúde, adquirem o caráter objetivo de normas consagradoras de situações jurídicas fundamentais. Contudo, tais direitos à prestações demandam uma estrutura estatal que precisa ser constantemente construída pelo Estado,179 ao contrário dos direitos de defesa, sendo que os recursos para a promoção desta estrutura são escassos. Somasse ao problema da escassez dos recursos a inércia de agentes estatais na realização dos direitos sociais. É inegável que as normas definidoras de direitos fundamentais, em especial os direitos sociais, em sua grande maioria possuem caráter principiológico. Todavia, o artigo 5º, § 1º da Constituição Federal dispõe que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.180 4. DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS: PRINCIPAL PRESSUPOSTO TEÓRICO Uma vez apresentado o direito à saúde como direito fundamental e, portanto, integrante do cerne da Constituição material, bem como apresentada  Neste sentido, SILVA (2011, p. 238) chega à conclusão de que todas as normas de direitos fundamentais são programáticas e não somente a dos direitos à prestações, o que ocorre é que com os direitos de defesa a fruição destes direitos já se encontra garantida por uma estrutura que já existe, por exemplo, no que tange ao sufrágio universal, já existe um Tribunal Eleitoral, uma legislação pertinente, um sistema de votação e etc., por outro lado, no que toca o direito à saúde, sempre há a necessidade de construção de novos hospitais, o pagamento de novos profissionais, o desenvolvimento de novos tratamentos e etc. 180   Neste mesmo diapasão, SARLET (2010, p. 271) pondera que: “Se, portanto, todas as normas constitucionais sempre são dotadas de um mínimo de eficácia, no caso dos direitos fundamentais, à luz do significado outorgado ao art. 5º,§ 1º, de nossa lei fundamental, pode-se afirmar que aos poderes públicos incumbe a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficácia possível, outorgando-lhes, neste sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a aplicabilidade imediata e a plena eficácia que militam em favor dos direitos fundamentais constitui, em verdade, um dos esteios de sua fundamentalidade formal no âmbito da Constituição.” Na esteira do referido autor percebe-se que a regra do artigo 5º, § 1º da Constituição Federal constitui um aditivo agregado às normas definidoras de Direitos Fundamentais, conferindo-lhes, em relação às demais normas constitucionais, maior aplicabilidade e eficácia. 179

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a evolução dos direitos fundamentais que os divide em primeira, segunda e terceira dimensões, além de exposta a classificação dos direitos fundamentais de acordo com sua função preponderante o que leva à classificação do direito à saúde como direito prestacional e delineado seu tratamento constitucional, parte-se para o principal pressuposto teórico do trabalho, qual seja: os direitos fundamentais enquanto princípios constitucionais. Muitos são os traços distintivos entre as regras e os princípios, para alguns autores181 estes se diferenciam daquelas na medida em que seriam normas basilares do ordenamento jurídico de um país e de generalidade alta, ao passo que as regras seriam apenas normas concretizadoras dos princípios e, consequentemente, de generalidade baixa. Existiria por tanto uma diferença de grau entre estas normas.182 Não obstante esta distinção não se mostrar equivocada, adotar-se-á a diferenciação proposta por Virgílio Afonso da Silva (2011, p. 45), influenciado pela doutrina de Robert Alexy, para quem: O principal traço distintivo entre regras e princípios, segundo a teoria dos princípios, é a estrutura dos direitos que essas normas garantem. No caso das regras, garantem direitos (ou se impõem deveres) definitivos, ao passo que no caso dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie. (grifos do autor). Assim, conforme nos adverte o autor, direitos garantidos por regras, por serem definitivos, devem ser realizados totalmente, sendo aplicáveis ao caso concreto, obviamente respeitadas as exceções. Por outro lado, em se tratando de princípios não se poderá falar em realização total do que a norma garante isso por que como dissemos, os princípios garantem direitos apenas prima facie e não direitos definitivos. Nesta esteira, é valido recorrer à lição de Alexy (2011, p. 103-104) para quem: Princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Neste sentido, eles não contem um mandamento definitivo, mas apenas prima facie.(...)   Neste sentido é a lição de José Afonso da Silva (2008, p. 92) e de Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 942). 182   Alexy (2011, p. 87) discorre sob esta posição: “Há diversos critérios para se distinguir regras de princípios. Provavelmente aquele que é utilizado com mais frequência é o da generalidade. Segundo este critério, princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo.” 181

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O caso das regras é totalmente diverso. Como as regras exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam, ela têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Essa determinação pode falhar diante de impossibilidades jurídicas e fáticas; mas, se isso não ocorrer, então vale definitivamente aquilo que a regra prescreve. Dessa feita, os princípios devem ser tomados como mandamentos de otimização, de modo que devem ser realizados ao máximo possível os direitos previstos nestas normas. Por outro lado, às regras é aplicável a “regra do tudoou-nada” de modo que devem ser realizados de modo integral os direitos estabelecidos por este tipo de norma. O mandamento de otimização de determinado princípio e a medida ordenada de seu cumprimento depende tanto das circunstâncias fáticas quanto de suas circunstâncias jurídicas, sendo estas últimas determinadas pela colisão de princípios jurídicos contrários (ALEXY, 2007, p. 64).183 Dentro do sistema jurídico, Robert Alexy (2010, p. 167-169) visualiza a possibilidade do sistema ser composto apenas por regras, apenas por princípios ou por regras e princípios conjuntamente. Um sistema composto apenas por regras traz uma grande vinculação na decisão e por isso seria cheio de lacunas, haja vista que ou o julgador aplica a regra ou não a aplica, seguindo o modelo do tudo-ou-nada. A ordem jurídica, portanto, é uma ordem jurídica rígida. Em contraponto à teoria do sistema jurídico composto apenas por regras, existe a teoria do sistema jurídico composto apenas por princípios. A ordem jurídica seria, assim, flexível. A indeterminação deste tipo de sistema jurídico somado à sua flexibilidade não condiz com algumas exigências inderrogáveis de certeza jurídica que o ordenamento exige. Neste diapasão, o modelo de sistema jurídico composto por regras/ princípios se mostra mais adequado. Isso porque, neste modelo permanece uma força vinculativa das regras como mandamentos definitivos, e ainda conserva sua natureza principiológica, sendo que a aplicação dos princípios permite a resolução de qualquer caso eliminando os problemas das lacunas.184   Em outra passagem Alexy (2011, p. 90) ressalta: “princípios são, por conseguinte, mandamento de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.” 184   Nas palavras de Alexy (2010, p. 169): “no modelo regras/princípios permanece, de um lado, fundamentalmente, conservada a força vinculativa do plano das regras. Do outro lado, ele é um modelo fechado, à medida que princípios sempre são correspondentes e nele, por conseguinte, nenhum caso é possível que não possa ser decidido com base em critérios jurídicos. Com isso, o problema das lacunas chega, na base de uma tese da unidade, fundada na teoria dos princípios 183

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Tem-se, então, que as normas definidoras de direitos fundamentais têm a estrutura de princípio exigindo, assim, a máxima realização possível do direito, dadas as circunstâncias fáticas e jurídicas, podendo se tornar uma regra após a aplicação da proporcionalidade. Como será observado, isto ocorre também com as normas definidoras do direito fundamental à saúde.185 Todavia, há quem discorde desta premissa. Luigi Ferrajoli critica a concepção dos direitos fundamentais como normas dotadas de estruturas de princípios. Antes de adentrar neste critica, faz-se necessário apresentar o que são direitos fundamentais para o referido autor. Ferrajoli (2009, p. 19) apresenta um conceito formal de direitos fundamentais, para ele: Son derechos fundamentales todos aquellos derechos subjetivos que corresponden universalmente a todos los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas con capacidad de obrar; entiendo por derecho subjetivo cualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no sufrir lesiones) adscrita a un sujeto por una norma jurídica; y por status la condición de un sujeto, prevista asimismo por una norma jurídica positiva, como presupuesto de su idoneidad para ser titular de situaciones jurídica y/o autor de los actos que son ejercicio de éstas.186 A partir deste conceito formal, o autor diferencia os direitos fundamentais dos direitos que ele denomina patrimoniais e uma das diferenças apontadas é justamente a estrutura das normas definidoras dos direitos fundamentais e dos direitos patrimoniais. Para o autor, enquanto estes são positivados por intermédio de normas hipotéticas, aqueles o são por intermédio de normas téticas. Em suas palavras: Podemos llamar normas téticas a las del primer tipo, que inmediatamente disponen las situaciones expresadas mediante ellas. Aquí están no sólo (...).” 185   Neste diapasão, Alexy (2011, p. 575) defende que independentemente de uma formulação precisa ou não, todos os direitos fundamentais possuem a natureza de princípios e, portanto, também são mandamentos de otimização. 186  “São direitos fundamentais todos aqueles direitos subjetivos concedidos universalmente a todos os seres humanos como pessoas dotadas do status de pessoas, de cidadãos ou pessoas com capacidade jurídica; entendo por direito subjetivo qualquer expectativa positiva (de prestações) ou negativa (de não sofrer lesões) ligada a um sujeito por uma norma jurídica; e por status a condição de um sujeito, prevista por uma norma jurídica positiva, como pressuposto de sua idoneidade para ser titular de situações jurídicas e/ou autor dos atos quesão exercício destas.” (tradução livre). N.T: a expressão “capacidad de obrar” não possui uma tradução tão específica para o português, podendo ainda ser traduzida como “capacidade de agir” ou “capacidade de trabalhar”. 130

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las normas que adscriben derechos fundamentales sino también las que imponen obligaciones o prohibiciones, como las normas del código penal y las señales de carretera. Llamaré, en cambio, normas hipotéticas a las del segundo tipo, que no adscriben ni imponen inmediatamente nada, sino simplemente predisponen situaciones jurídicas como efectos de los actos previstos por ellas. Entran aquí no sólo las normas del código civil que predisponen derechos patrimoniales, sino también las que predisponen obligaciones civiles como efectos de actos negociales o contractuales. (FERRAJOLI, 2009, p. 34).187 A partir desta concepção de direitos fundamentais como regras, Luigi Ferrajoli (2012, p. 17-19) identifica, dentro do constitucionalismo jurídico moderno, duas correntes: um constitucionalismo jusnaturalista e um constitucionalismo juspositivista.O primeiro é orientado especialmente pelas ideias de Robert Alexy e seu entendimento de direitos fundamentais como princípios, podendo ainda ser designado por constitucionalismo argumentativo ou principialista, concepção já desenvolvida. O segundo, podendo ser ainda denominado constitucionalismo garantista, caracterizase pelo entendimento de que os direitos fundamentais se comportam como regras, haja vista que implicam na existência ou imposição de regras que funcionam como suas garantias.188 Entretanto, esta concepção das normas de direito fundamentais enquanto regras não deve prosperar tendo em vista a própria realidade constitucional que positiva os direitos fundamentais (principalmente aqueles chamados prestacionais) sem, contudo dispor sobre quais ações, estados ou posições   “As de primeiro tipo, podemos chamar de normas téticas, que imediatamente dispõem as situações expressadas por elas. Aqui estão não só as normas que atribuiem direitos fundamentais, mas tambémas que impõem obrigações ou proibições, como as normas do código penal e os sinais de trânsito. Chamarei, no entanto, de normas hipotéticasas do segundo tipo, que não atribuem e não impõem imediatamente nada, mas simplesmente predispõem situações jurídicas como efeitos dos atos previstos por elas. Entram aqui não só as normas do código civil que predispõem direitos patrimoniais, mas também as que predispõem obrigações civis como efeitos dos atos negociais ou contratuais.” (tradução livre). 188   Em especial Ferrajoli (2012, p. 18-19) explica que: “a primeira orientação [principialista] caracteriza-se pela configuração dos direitos fundamentais como valores ou princípios morais estruturalmente diversos das regras, porque dotados de uma normatividade mais fraca, confiada não mais à subsunção, mas à ponderação legislativa e judicial. A segunda orientação [garantista], entretanto, caracteriza-se por uma normatividade forte, de tipo regulativo, isto é, pela tese de que a maior parte dos (ainda que não todos) princípios constitucionais, em especial os direitos fundamentais, comportam-se como regras, uma que implica a existência ou impõe a introdução de regras consistentes em proibições de lesão ou obrigações de prestações que são suas respectivas garantias.” 187

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jurídicas estão abarcadas por estes direitos. Por tudo isto, acredita-se que os direitos fundamentais possuem estrutura de princípios e não de regras. Por isto, uma vez concebidos os direitos fundamentais como princípios tem-se que devem ser realizados na maior medida possível em vista das condições fáticas e jurídicas existentes. Então, o direito à saúde como direito fundamental que é, deve ser realizado desta forma. 5. DEVER CONSTITUCIONAL DE REALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO Como referido alhures, a Carta Constitucional brasileira desenha um Estado Constitucional cujo traço marcante é justamente a existência de direitos tidos por fundamentais os quais devem ser não somente respeitados, como também promovidos por este Estado. Como dito, esses direitos fundamentais são classificados em dois grandes grupos tendo em vista sua função preponderante. O primeiro grupo de direitos fundamentais é o dos direitos de defesa, direitos que em regra não exigem uma prestação do Estado, não exigem uma estrutura estatal que já não exista quando de sua positivação. Ao contrário, o grupo dos direitos à prestações exige uma estrutura estatal para sua promoção e fruição que deve ser construída e melhorada constantemente, e por isto, carece de maiores recursos financeiros o que limita a fruição destes direitos. Por isto, os direitos fundamentais, e em especial os direitos prestacionais (por conta de sua natureza), devem ser tidos como princípios jurídicos, ou seja, mandamentos de otimização. Assim, os Direitos Fundamentais exigem que algo seja realizado na maior medida possível em vista das condições fáticas e jurídicas existentes. Ocorre que, não raras vezes, o Poder Público deixa de conferir efetividade a estes princípios (deixa de realizar os direitos fundamentais), o que leva a uma busca de fruição destes direitos por intermédio do Poder Judiciário. Com o direito à saúde não é diferente, principalmente por se tratar de um direito básico e essencial à manutenção da vida. Neste diapasão, acertada se mostra a observação de Boaventura Sousa Santos (2011, p. 25), o qual assevera que: Mesmo descontando a debilidade crônica dos mecanismos de implementação, aquela exaltante construção jurídico constitucional tende a aumentar as expectativas dos cidadãos de verem cumpridos os direitos e as garantias consignadas na Constituição, de tal forma que a execução deficiente ou inexistente de muitas políticas sociais pode transforma-se num motivo de procura dos tribunais. 132

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Neste panorama o Poder Judiciário tem figurado como protagonista na realização dos direitos fundamentais como é o caso do direito à saúde. Não poderia ocorrer de maneira diferente. Como princípio que é, a negação de uma prestação em matéria de saúde não pode se dar ao livre arbítrio da Administração Pública, mas somente mediante justificativa constitucionalmente adequada que seria a falta de recursos financeiros ou de previsão jurídica (dês que se trate de uma opção pelo não fornecimento e não uma omissão estatal). Assim sendo, quando um cidadão ingressa em juízo pleiteando uma prestação material de saúde, o Poder Público deve imediatamente constituir prova de sua impossibilidade de fornecimento, caso o contrário há um dever de fornecimento por parte do Estado Juiz. Dessa feita, as condições fáticas desfavoráveis as quais se encontra submetida a realização do princípio devem ser desde já apresentadas, para justificar uma não realização. Semelhantemente ocorre com as condições jurídicas. Caso estas não sejam favoráveis ao fornecimento da prestação de saúde, devem ser invocadas em juízo tão logo possível. Este é o entendimento esboçado pela Corte Constitucional brasileira, segundo o STF, a mera alegação de comprometimento da ordem econômica e da saúde pública em decorrência da concessão de determinada prestação de saúde desvinculada de provas deste comprometimento não é capaz de elidir o dever constitucional de fornecer. Neste sentido, são diversas decisões tais como a decisão do agravo regimental na suspensão de tutela antecipada nº 175/CE na qual ficou consignado que: Melhor sorte não socorre à agravante quanto aos argumentos de grave lesão à economia e à saúde publicas, visto que a decisão agravada consignou, de forma expressa, que o alto custo de um tratamento ou medicamento que tem registro na ANVISA não é suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder publico (BRASIL, 2010a, p. 103). Some-se isto ao fato de que é juridicamente impossível discutir matéria de fato em grau de recurso extraordinário, sendo somente possível a discussão em torno de matéria de direito, especificamente matéria constitucional. Assim, quando uma demanda alcança o nível mais elevado de jurisdição, não será possível a cessação ou a cassação das prestações de saúde visto que a prova do comprometimento do sistema deve ser realizada em momento anterior e encontra-se preclusa. Ante o que foi até então apresentado, pode-se concluir que a natureza eminentemente principiológica e programática do direito à saúde não é algo prejudicial à sua realização, ante disto, é garantidor desta realização, não podendo este direito se transformar em uma promessa constitucional inconsequente. 133

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Esta linha de raciocínio também encontra guarida na jurisprudência constitucional como se pode vislumbrar em diversos julgados. Este é o entendimento exposto no julgamento do agravo regimental no recurso extraordinário nº. 271.286-8/RS, cujo relator é o Ministro Celso de Melo (BRASIL, 2000, p. 1409-1410): O caráter programático da regra inscrita no art. 196. da Carta Política - que tem por destinatário todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELA JUNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n 181, 1993, Forense Universitária) – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (grifos do autor). Deve-se ter presente que os julgados neste sentido189-190 estão em consonância com a doutrina que considera não haver dicotomia entre normas programáticas e o reconhecimento de direitos subjetivos individuais a determinadas prestações decorrentes destas normas, este é o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 294): Tomando-se como exemplo o direito à saúde, verifica-se que assim como é correto (pelo menos é o que se irá sustentar mais adiante) deduzir da Constituição um direito fundamental à saúde (como complexo de deveres e direitos subjetivos negativos e positivos) também parece certo que ao enunciar que a saúde – além de ser um “direitos de todos”, “é dever do Estado, garantido mediante políticas públicas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos (...)” (art. 196 da   Assim pode-se citar o recurso extraordinário n. 368.564 de Relatoria do Min. Marco Aurélio, julgamento onde lê-se: “ SAÚDE – TRATAMENTO – DEVER DO ESTADO. Consoante o exposto no art. 196 da Constituição Federal ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado (...)’, incumbindo a este viabilizar os tratamentos cabíveis.” (BRASIL, 2011, p. 64). 190   E Ainda o AI 734.487-AgR de Relatoria da Min. Ellen Gracie constando que: “O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo.” (BRASIL, 2010b, p. 1220). 189

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CF de 1988), a nossa Lei Fundamental consagrou a promoção e proteção da saúde de todos como um objetivo (tarefa) do Estado que, na condição de norma impositiva de políticas públicas, assume a condição de norma de tipo programático. Importa notar, portanto, que a assim designada dimensão programática convive com o direito (inclusive subjetivo) fundamental, não sendo nunca demais lembrar que a eficácia é das normas, que, distintas entre si, impõem deveres e/ou atribuem direitos, igualmente diferenciados quanto ao seu objeto, destinatários, etc.. CONCLUSÃO O direito social à saúde, enquanto direito fundamental que é, faz parte do cerne da ordem constitucional devendo ser protegido contra ações erosivas do legislador/administrador tendentes a esvaziar seu conteúdo. Além disto, deve ser realizado dia após dia por se tratar de um direito elementar à condição humana. Este direito fundamental encontra sua fundamentalidade material justamente na sua ligação intrínseca com a dignidade da pessoa humana e sua fundamentalidade formal em sua positivação no texto constitucional. Classificado como direito fundamental de segunda dimensão e ainda como direito fundamental prestacional, as normas definidoras deste direito possuem caráter programático (embora não destituída de aplicabilidade) e natureza principiológica, por isto, o Poder Público tem o dever de criar e fornecer o máximo possível de prestações em matéria de saúde observadas as condições fáticas e jurídicas para tanto. Ocorre que não raras vezes estas prestações de saúde, essenciais à manutenção da vida e indispensáveis à dignidade humana, são negadas administrativamente. Inconformados, muitos cidadãos recorrem ao Poder Judiciário para garantir o que lhes é assegurado constitucionalmente. Entender o direito fundamental à saúde como princípio implica na sua realização máxima, salvo condições fáticas e jurídicas desfavoráveis. Então, tendo em vista o caráter principiológico deste direito, a impossibilidade de sua realização há que ser comprovada desde logo e sua não realização não poderá esta pautada somente em alegações desvinculadas de prova do comprometimento da ordem econômica e da saúde pública. Este é o entendimento esboçado em diversos julgados da Corte Constitucional pátria. Não somente o Supremo Tribunal Federal, mas também o Poder Judiciário como um todo, tem sido essencial na realização do acesso ao direito social à saúde daqueles a quem muitas vezes é negada uma prestação fundamental à sua subsistência. 135

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Uma vez denegada a prestação da saúde, viola-se a realização máxima dos direitos fundamentais enquanto princípios constitucionais, haja vista que não se verifica nenhuma circunstância fática ou jurídica que justifique a falta da prestação protegida pelo direito fundamental social à saúde. Não raras vezes, a Corte Constitucional tem se pronunciado no sentido de que o direito social à saúde não pode se transformar em uma promessa constitucional inconsequente.

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