Cidadania na porta de casa - Como melhorar sua qualidade de vida controlando os prefeitos e vereadores recém-eleitos

September 5, 2017 | Autor: Rogerio Ruschel | Categoria: Citizenship, Cidadania, Participação Política, Democracy and Citizenship Education
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Rogério Ruschel; Jornalista, editor da revista eletrônica “Business do Bem – Negócios e Sustentabilidade”, autor de 5 livros e 28 estudos sobre sustentabilidade, meio ambiente e cidadania. E-mail: [email protected]

ARTIGO

Cidadania na porta de casa Como melhorar sua qualidade de vida controlando os prefeitos e vereadores recém-eleitos

mais importante função pública é a de gestor municipal, porque sua vida acontece no seu bairro, razão pela qual é fundamental a participação inteligente e o permanente controle social dos eleitos. E isso é estratégico: é no município que começa a carreira de políticos profissionais que, no futuro, poderão estar “pós-graduados” em roubalheira pública. Terminadas as eleições, recolhido o lixo, escolhidas as equipes de trabalho e empossados os novos prefeitos e vereadores, agora é hora de trabalhar nos 5.565 municípios brasileiros. Em alguns deles, prefeitos e vereadores foram reeleitos e, em tese, já conhecem os recursos e limitações de suas comunidades. Já para os novos detentores de mandatos será preciso começar do zero - ou quase isso, porque, em tese, os eleitos já conhecem um pouco sobre seu ambiente de trabalho. Mas, em ambos os casos, a responsabilidade do cargo deve focar em um único aspecto: a qualidade de vida das pessoas em um contexto de sustentabilidade comunitária. E sustentabilidade em seu mais amplo sentido: econômica, social e cultural.

Várias ferramentas estão disponíveis para prefeitos e vereadores que tenham boa vontade fazerem isso. Mas, sabemos que apenas a boa vontade não viabiliza uma gestão de qualidade por causa da inércia de bandalheiras que cerca os mandatos públicos, dos compromissos assumidos com doadores de recursos para as campanhas e com as grandes quadrilhas de ladrões de recursos públicos que continuam agindo nos quatro cantos do país – e que nascem nos municípios. Não custa relembrar: as grandes “ratazanas de dinheiro público” que estão hoje no Senado, nas Câmaras,

Secretarias e órgãos públicos começaram necessariamente suas “carreiras políticas” nos municípios; como lá atrás ninguém os impediu de roubar municipalmente, eles acabam levando esta experiência para contextos mais amplos, passando a saquear em âmbito estadual ou federal. Além disso, a única maneira de conseguir qualidade de vida em um contexto de sustentabilidade nos municípios é manter permanente controle sobre as ações de vereadores, prefeitos e funcionários públicos; seus mandatos apenas formalizam o vínculo de compromisso com o futuro de todos nós.

Fotos: Internet

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Podemos conseguir aprimorar a sustentabilidade mantendo permanente controle sobre as ações de vereadores, por exemplo 54 - Jan/Fev 2013

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O mínimo que você deve exigir Transparência, honestidade e dedicação – isto é o mínimo que você deve exigir dos novos vereadores e do (a) prefeito (a) de sua cidade. Transparência: é obrigatória a divulgação de dados e informações por todos os órgãos e entidades da Administração Pública na internet por força de lei de 2005 e outras normas (veja em http://www3.transparencia.gov. br/TransparenciaPublica/ ). As páginas devem apresentar informações sobre execução orçamentária, licitações, contratos, convênios, diárias e passagens. E o cidadão tem o direito de requerer e receber informações sobre a gestão pública – coisa que os políticos mal-intencionados odeiam. Honestidade: porque eles vão usar o seu dinheiro, recursos dos impostos e taxas que você paga, especialmente o IPTU e o ISS, que a cada ano se tornam mais elevados. Então, falando com franqueza, isso não se trata apenas de ética: você é um trouxa se não exigir honestidade do (a) prefeito (a) e vereadores. Mas, com sinceridade, a honestidade deve começar em casa: para exigir dos gestores públicos, cada um de nós deve ser honesto e colaborativo em sua relação com a comunidade na qual vivemos. Dedicação: se você teve a sorte de ver eleitos prefeitos e vereadores com algum preparo intelectual no seu município, aproveite. Sim, porque muitos dos eleitos, infelizmente, são analfabetos mentais, eleitos por também analfabetos mentais. Vereadores com boa vontade pública (pessoas “boazinhas” em suas comunidades) sofrem

da “Síndrome Dr. Jekyll/Mr. Hyde” e tendem a se transformar radicalmente de bons médicos em monstros, porque em poucos meses estarão cercadas por assessores, máfias e abutres de todos os tipos. Entre essas máfias, fique de olho em especuladores imobiliários e fornecedores de serviços públicos para coleta de lixo, merenda escolar, produtos medicinais, transporte e educação – onde houver possibilidade de falcatruas estes sem-vergonhas vão envolver, seduzir e corromper “bons” e “maus” prefeitos e vereadores. E sem o controle e apoio dos moradores, vereadores e prefeitos vão sucumbir às tentações escudados em raciocínios do tipo “se todo mundo faz, porque também não posso fazer?” Se você já praticou o voto consciente nas eleições agora deve fazer a segunda parte: participar da gestão pública. E isto pode ser feito com propostas construtivas e controle social. Entre as muitas propostas que você pode sugerir publicamente ou mesmo encaminhar através de um vereador ou Conselho Municipal, estão ideias que facilitam o desenvolvimento comunitário em um contexto de sustentabilidade. Veja algumas delas a seguir.

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Conselhos municipais A participação social no poder público foi definitivamente garantida pela Constituição Federal de 1988 e complementada por diversos dispositivos legais como o Estatuto da Cidade, o Estatuto das Crianças e Adolescentes, lei do SUS e outros. Parte desta rede de mecanismos são os Conselhos Municipais. O objetivo dos Conselhos Municipais é a participação popular na gestão pública para que haja um melhor atendimento à população. Conselhos Municipais podem ser criados para todos os setores da vida comunitária como meio ambiente, turismo, administração, direitos humanos, crianças e adolescentes, direitos das mulheres, educação, segurança alimentar, assistência social, atendimento a pessoas com deficiência, etc. Alguns Conselhos Municipais são de existência obrigatória, como o Conselho Tutelar da Criança e Adolescentes. O Conselho Tutelar surgiu com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), e como todos os outros, é um órgão público, permanente, autônomo, não jurisdicional, eleito

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ARTIGO pela comunidade local para zelar pelo cumprimento dos direitos da criança com foco em políticas públicas, mas também no controle de casos específicos. E como todos os demais Conselhos Municipais, os membros são eleitos pela comunidade para mandatos específicos - geralmente dois anos. Conselhos Municipais não têm como função criar leis, nem têm poder de polícia – mas podem propor leis e pressionar a fiscalização. Três grandes problemas limitam o trabalho dos Conselhos Municipais: a representatividade dos membros (em muitos casos os membros representam a vontade de quem deveriam controlar); a qualidade dos membros (alguns membros são eleitos apenas porque são “bonzinhos” ou conhecidos, e não por sua força de vontade em controlar a gestão pública); e a falta de força política do Conselho, derivada do total descaso dos munícipes que representam. De qualquer maneira, este é um canal participativo por excelência: veja quais são os Conselhos Municipais que existem (e não existem) em seu município e procure acompanhar e apoiar o trabalho deles.

O Movimento Voto Consciente prega o controle das ações da gestão pública com uma lógica muito clara: se você não controla seu saldo bancário apenas uma vez a cada quatro anos, então porque controlar o poder público somente nas eleições? O Movimento Voto Consciente é formado por cidadãos que buscam espaço de participação política (não partidária) para poder influenciar positivamente os rumos das cidades, já tem mais de 20 anos no Brasil e pode atuar na sua cidade. Saiba mais em http://www.votoconsciente.org.br A Amarribo ficou conhecida internacionalmente por derrubar prefeitos corruptos e mobilizar centenas de ONGs em municípios brasileiros. Seu aprendizado está disponível no livro “O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil”, que pode ser baixado pelo site http://www.amarribo.org. br/pt_BR/midia/publicacao_cartilha gratuitamente.

Metas de sustentabilidade para municípios Uma grande rede de entidades sociais investiu no desenvolvimento de “Indicadores e Referências de Metas para a Sustentabilidade nas Cidades brasileiras”, proposto aos candidatos à vereança e prefeitura em 2011. O objetivo foi apresentar aos candidatos metas abrangendo as áreas econômica, social, ambiental, cultural e de governança e comprometê-los, caso fossem eleitos, em promover a Plataforma Cidades Sustentáveis em suas cidades. As entidades são a Fundação SOS Mata Atlântica, Rede Nossa São Paulo, Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis e o Instituto Ethos. Estes indicadores podem ser propostos aos eleitos no seu município a qualquer momento – saiba mais em http://www.cidadessustentaveis.org.br/

Entidades sociais de controle Além da estrutura formal dos Conselhos Municipais – que estão ligados ao Poder Público – a sociedade civil pode fazer um controle paralelo. Graças ao trabalho de muitos cidadãos dedicados, ONGs com atuação no controle social já estão atuando em centenas de municípios brasileiros. Dois bons exemplos que podem ajudá-lo na tarefa são as ONGs Movimento Voto Consciente e Amarribo. 56 - Jan/Fev 2013

Ruschel e Saturnini durante entrevista concedida em 2012, na cidade de Florença, na Itália, sobre o Movimento Cittaslow www.rmai.com.br

NOTAS Movimento Cittaslow O Movimento Cittaslow é considerada a mais revolucionária proposta de desenvolvimento urbano sustentável porque é a mais simples. Foi realizada inicialmente na pequena cidade de Greve in Chianti, Itália, em 1999 e já está sendo aplicada em cerca de 160 cidades de 25 países. O Movimento Cittaslow (Cidades Lentas, em tradução livre) propõe a melhora da qualidade de vida dos cidadãos a partir de propostas vinculadas ao território, ao meio ambiente, ao respeito cultural e ao uso de novas tecnologias, usando como “arma” o protagonismo comunitário. Para ser uma “cidade lenta”, o poder público precisa se comprometer com cerca de 60 indicadores que levam a melhorias de qualidade de vida na comunidade. A proposta se aplica a municípios com menos de 50 mil habitantes; o Brasil tem 5.017 municípios nesta situação, onde moram 65,2 milhões de brasileiros. Entrevistei o fundador e presidente emérito Paolo Saturnini, e ele me lembrou os princípios do movimento: “O inimigo é o estresse, a pressão de valores não naturais, a perda de referências, a pressa. Tudo isto gera má qualidade de vida. Em pequenas comunidades as pessoas estão vinculadas ao território: elas nascem, crescem, moram e trabalham em fazendas, casas, ruas e bairros. Conhecem cada árvore, cada casa. Vivem no território do município, um espaço que deve ser seu e que deve ser fonte de harmonia e prosperidade. E este ambiente deve ser respeitado e valorizado, e não envenenado como é a tendência no

que se refere ao meio ambiente. Queremos valorizar o território e não apenas ocupá-lo.” O Brasil ainda não tem nenhuma cidade participante do movimento, mas muitas estão se candidatando – porque não a sua? Saiba mais sobre o movimento em http://invinoviajas. blogspot.com.br/2012/07/cittaslow-revolucao-de-gestao-publica.html Instrumentos ICMS Ecológico

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O ICMS Ecológico é uma ferramenta que permite que os Estados repassem parte dos recursos do ICMS aos municípios, desde que eles cumpram determinadas exigências ambientais, como a proteção de florestas, a correta gestão de bacias hidrográficas e a gestão adequada do lixo. Na teoria é um sistema de pagamento pelos Serviços Ambientais que o município presta. Na prática tem promovido o aumento de áreas preservadas e pode significar um reforço no orçamento do município; e em alguns casos os recursos do ICMS Ecológico acabam chegando a cidadãos, como por exemplo, proprietários de áreas preservadas. Atualmente, 15 Estados já promovem o repasse do ICMS Ecológico, com valores surpreendentes. No Paraná – primeiro estado a adotá-lo – mais de R$ 350 milhões já foram repassados a municípios em 14 anos, gerando um aumento de 158% em áreas preservadas. Em São Paulo, por exemplo, no ano de 2011 foram repassados mais de R$ 100 milhões a município; Eldorado obteve recursos de mais de R$ 4 milhões e Iguape recebeu R$ 5,4 milhões. Acesse http://www. icmsecologico.org.br e veja se o seu mu-

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nicípio já participa do ICMS Ecológico e o que está fazendo com os recursos. Instrumentos IPTU Verde

econômicos:

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O IPTU Verde é uma idéia que surgiu em Guarulhos-SP e começa a se espalhar pelo Brasil. A partir de uma lei municipal, o contribuinte ganha desconto de 3% a 6% no IPTU se comprovar contribuições ambientais em sua propriedade. Em São Carlos-SP, por exemplo, o IPTU Verde desonera em até 6% os proprietários que plantem árvores e mantenham áreas e solo mais permeáveis. Em Guarulhos, os proprietários de imóveis podem ganhar descontos através de arborização, captação e reuso de água, uso de sistema de aquecimento solar, construções com materiais sustentáveis, utilização de energia eólica e até mesmo separação de resíduos sólidos – este último exclusivo para condomínios horizontais ou verticais. A prefeitura não faz isso só porque é boazinha, ela também tem benefícios: ao propor isso se aumenta a permeabilidade do solo (minimizando o efeito de chuvas e enxurradas) e a prefeitura pode economizar na construção de grandes obras públicas como piscinões, tubulações e galerias. Todo mundo sai ganhando: a comunidade se beneficia com o aumento da cobertura verde que reduz a temperatura na região e o dinheiro dos piscinões e assemelhados (geralmente oportunidades de corrupção) pode ser investido em outros setores. Veja como funciona em São Carlos e proponha isso para o seu município - http://www.saocarlos.sp.gov.br/index.php/incentivo-ambiental-iptu.html.

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