Cidade dos homens x Cidade dos animais

September 21, 2017 | Autor: Rodrigo Contrera | Categoria: Cities
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Cidade dos homens x Cidade dos animais
Rossiley Ponzilacqua
Dia 10 de dezembro de 2014, terminal Barra Funda, São Paulo: confesso que não via ninguém ao meu redor, algumas pessoas tentaram dialogar comigo inutilmente. Em meu recolher introspectivo só pensava em minha mãe recém operada e em meus animais que estariam me esperando para mais um retorno meu à minha casa. Pensei em um poema que li anos atrás de Menotti Del Picchia, Juca Mulato, em A VOZ DAS COISAS a terra fala-lhe:

"Juca Mulato, és meu! Não fujas que eu te sigo...
Onde estejam teus pés , eu estarei contigo,
Tudo é nada, ilusão! Por sobre toda a esfera
há uma cova que se abre, há meu ventre que espera...
(...)
Por isso o que te vale ir, fugitivo e a esmo,
buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo?
Tu queres esquecer? Não fujas ao tormento...
(...)
Não vás. Aqui serão teus dias mais serenos,
que, na terra natal, a própria dor dói menos...
E fica que é melhor morrer (ai, bem sei eu!)
No pedaço de chão em que a gente nasceu!"
Juca Mulato, A Voz das Coisas, Menotti Del Picchia

Nem sei a razão deste poema ter vindo tão forte em minha memória naquele dia, faz tanto tempo que ganhei este livro. Livro que li, reli, mandei alguns poemas para quem eu quis ao meu lado, e há muito tempo o livro está distante de mim. Mas o poema veio, talvez pela situação que deixei atrás de mim na grande cidade.
São Paulo, Rua Augusta - velozes adolescentes todos os dias a percorrer a rua, desejos, procuras, desejos. Em cidade alguma uma rua sintetiza e resume tanto uma cidade quanto a Rua Augusta, ali literalmente, se vê e se vive de tudo: tudo o que se procura, se acha. Carros, buzinas, pessoas, som alto, gasolina, cigarros, drogas. Há poetas ali também, livros. E ultimamente, muita poeira, muita mesmo. Um dia cheguei a imaginar que se eu guardasse toda a poeira que eu tirava do quarto onde morava eu poderia virar uma latifundiária, é, pode ser, são quatro construções em um mesmo quarteirão ( o que eu morava), todos os cimentos entraram por minhas narinas, como se um cafetão me obrigasse a cheirar um pó de baixa qualidade que não dá barato algum: nada de barato e me desumanizava e me prostituía mais a cada dia, além de "concretar-me" por dentro: há uma estátua dentro de mim... Nem falo dos relacionamentos, rá! para eles eu sou uma estátua e não uma escultura...
Saí de tudo isto com uma mala um bocado grande nas mãos, saí em uma noite chuvosa e com um grande peso nas mãos e só, atravessei a rua peguei o primeiro táxi que vi, pedi para ir até a primeira estação de metrô: Anhangabaú. São Paulo e o trânsito em dias de chuva, levei meia hora em um percurso que faria em 10 minutos com certeza, e, a pé! Mas havia chuva, e o peso em minhas mãos. Há algum tempo atrás a gentileza era praticada, hoje não mais, raridade. Entrei no apertado vagão de metro – todo mundo sabe como é, cheio de gente e gente te atropelando – todas as emoções caminhavam por dentro de mim. Eu era aquele vagão cheia de emoções, se é verdade que a aura da gente muda de cor conforme uma emoção, naquele dia eu deveria estar fosforescente e pisca pisca.
Cheguei. Dentro o ônibus vinha pensando: 20 milhões de habitantes, várias luzes em minha retina, São Paulo é enorme assim como é enorme minha vontade de entendê-la, em cada espaço que o ônibus passava uma luz iluminava, estou indo para o extremo oposto, uma cidade no noroeste do Paraná, chamada Nova Esperança são 25 mil habitantes, praticamente a minha memória afetiva trabalha para que me adapte mais rápido, estou indo em busca de uma tranqüilidade que na cidade grande me é impossível conquistar, preciso escrever um texto acadêmico: as palavras precisam de tranqüilidade para saírem de mim e vou em busca disto. Chego à casa de minha mãe, a rotina de tudo muda. Tenho a visão de minhas duas irmãs, minha cachorra que me recebe como se eu fosse a mais importante de todas as pessoas do mundo, minha gata se enrosca em minhas pernas, declarando a sua saudade por mim. E, enfim, a melhor das visões: minha mãe. Enfim, a tranqüilidade plena, olho para aquela mulher que outrora foi tão forte agora praticamente uma criança. A fragilidade que o tempo te mostra sem pudores: 86 anos de história naquele abraço, quem me embalou agora é embalada por mim.
No Paraná há um hábito que se iniciou há anos em "dar títulos" às cidades, por exemplo Maringá é a Cidade Canção pelo óbvio motivo de seu nome ter saído de uma música de Joubert de Carvalho. Nova Esperança é a "Capital do Casulo" a razão é que aqui há uma sede da Kanebo um braço da indústria da seda japonesa, há criação de bicho da seda aqui. Novamente me remeto às simbologias: casulo é um útero e eu em minha cidade natal perto de minha mãe criança para poder escrever um texto que tem que sair de mim. Confuso? A criação é confusa até tomar a forma.
Uma cidade arborizada, pequena, sem poluição, sem movimento de carro, o oposto da cidade de onde eu saí com um ônibus. Às vezes o silêncio daqui é assustador, praticamente "nada" acontece e se acontece é velado e dentro das casas. A rotina daqui é outra, e é rompida com outras formas totalmente diferentes de uma cidade grande, esta semana eu tive que resolver "dois problemas" o primeiro, um filhote de pássaro caiu no quintal da casa, tive que isolar a cachorra para pegá-lo, coloquei dentro de uma gaiola e levei ao veterinário para que ele cuidasse dele, eu não sei nada de pássaros! Nessas coisas sou muito analfabeta, sempre fui urbana demais, nunca morei em sítios embora até meus 17 anos tenha vivido aqui, no interior, mas nunca na área rural. O outro problema foi um filhote de gato que entrou no quintal, novamente tive que isolar a cachorra, desta vez foi mais trabalhoso, mas consegui e lá fui eu novamente, procurar ajuda do veterinário. Veterinário que é meu amigo de infância estudou comigo todo o primário e o ginásio, um ótimo profissional de verdade. Fico feliz de vir aqui e sempre revê-lo. As relações humanas por aqui ainda são assim, parece que na verdade, tudo é uma grande família, todo mundo conhece todo mundo. Bem fácil por aqui descobrir quem é o forasteiro, é um dos tipos de relações que a cidade grande perdeu, na cidade grande ninguém sabe quem é quem, somos todos anônimos. No interior não, todo mundo sabe quem você é, de onde você saiu e para onde está indo. Existe ainda esta rede, de intrigas às vezes, sim fofocas, mas de segurança, todos se protegem de alguma forma. São soluções simples que as cidades grandes de alguma forma vão ter que abraçar por questão de sobrevivência mesmo. São vários movimentos surgidos nos últimos anos em São Paulo que procuram justamente isto: ocupar a cidade, amar a cidade (embora aqui aconteça de uma forma inconsciente, mas acontece), fazer com que as pessoas se envolvam com a cidade. Enfim, a procura de soluções para problemas talvez parta da observação do pequeno para o grande e não o contrário como sempre se fez. Vivemos uma época de buscas de soluções ao que parece não ter saída, tem sim, é preciso que se tenha, o ser humano precisa apenas se convencer de que: é humano e precisa destas relações para a sua sobrevivência, voltar a ouvir "A voz das Coisas", como Juca Mulato. Termino este texto pedindo desculpas por ter ficado confuso, mas é que meu pensamento está indomável ainda, penso mais rápido do que escrevo. Bom começo de ano.

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