Cinco Práticas para o Cultivo da Felicidade

July 6, 2017 | Autor: Claudio Miklos | Categoria: Translation, Traduções, Budismo, Zen Budismo
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Cinco Práticas para o Cultivo da Felicidade Thich Nhat Hanh

_________________________ Versão ao português de Monge Kōmyō (comentários entre colchetes de autoria do tradutor) - From No Mud, No Lotus: The Art of Transforming Suffering, by Thich Nhat Hanh. © 2014 by United Buddhist Church. Published by Lion's Roar with the permission of Parallax Press. www.parallax.org. Esta versão foi criada como Dana (doação) em benefício de todos os interessados no estudo e prática do Dharma de Buddha, e não deve ser considerada a tradução oficial ao português do referido texto

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Todos queremos ser felizes, e há muitos livros e professores no mundo que tentam ajudar as pessoas a se tornarem mais felizes. Contudo, ainda continuamos a sofrer. Portanto, podemos pensar que estamos "fazendo algo errado." De alguma forma estamos "falhando com a felicidade." Isso não é verdade. Ser capaz de desfrutar a felicidade não requer que nós tenhamos absolutamente nenhum sofrimento. Na verdade, a arte da felicidade também é a arte de saber como sofrer. Quando aprendemos a reconhecer, aceitar e entender nosso sofrimento, nós sofremos muito menos. Não apenas isso, mas também seremos capazes de ir ainda mais fundo, e transformaremos o nosso sofrimento em compreensão, compaixão e alegria para nós mesmos e para outros. Uma das coisas mais difíceis de aceitar é que não há nenhum reino onde existe apenas felicidade e nenhum sofrimento. Isto não significa que devemos nos desesperar. Sofrimento pode ser transformado. Assim que abrirmos nossa boca para dizer "sofrimento", sabemos que o oposto de sofrimento já está lá também. Onde existe sofrimento, existe também a felicidade.De acordo com a história da criação no livro bíblico do Gênesis, Deus disse, "Que haja luz". Eu gosto de imaginar que a luz respondeu, dizendo: "Deus, eu tenho que esperar minha irmã gêmea, a Escuridão, para estar comigo. Eu não posso existir sem a escuridão." Deus replica, "Por que precisa esperar? A escuridão já está aqui." A Luz então diz, "Nesse caso, então eu também estou presente." Se nos concentrarmos exclusivamente em buscar a felicidade, podemos considerar o sofrimento como algo a ser ignorado ou reprimido. Podemos pensar nisso como algo que se consegue enquanto estamos a caminho da felicidade. Mas a arte da felicidade também é a arte de saber como sofrer. Se sabemos como lidar com o nosso sofrimento, podemos transformá-lo e sofrer muito menos. Saber como sofrer é essencial para que possamos realizar a verdadeira felicidade.

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Medicina Curativa

A maior aflição de nossa civilização moderna é que não sabemos como lidar com o sofrimento dentro de nós, e assim tentamos ocultá-lo usando todos os tipos de consumo. As lojas vendem uma infinidade de dispositivos para nos ajudar a esconder nosso sofrimento interior. Mas até que sejamos capazes de enfrentar o nosso sofrimento, não seremos capazes de realmente estar presentes e disponíveis para a vida, e a felicidade continuará a nos escapar. Há muitas pessoas que têm enorme sofrimento dentro de si, e não sabem como lidar com isso. Para muitas pessoas, isso começa em uma tenra idade. Então, por que nossas escolas não ensinam aos jovens as maneiras saudáveis de lidar com o sofrimento? Se um aluno está muito infeliz, ele não consegue se concentrar e não aprenderá. O sofrimento em cada um de nós afeta todos os outros à nossa volta. Quanto mais aprendermos sobre a arte de sofrer corretamente, menos sofrimento haverá no mundo. A plena consciência é a melhor maneira de conviver com o nosso sofrimento sem ser oprimido por ele. Plena Consciência é a capacidade de viver no momento presente, saber claramente o que está acontecendo aqui e agora. Por exemplo, quando vamos levantar os dois braços, estamos conscientes do fato de que vamos levantar os braços. Nossa mente é una nosso levantamento de nossos braços, e nós não pensamos sobre o passado ou o futuro, porque levantar os braços é o que está acontecendo no momento presente. Ser consciente significa estar atento. Esta é a energia que sabe o que está acontecendo no momento presente. Levantar os braços e estar atento ao ato de levantar nossos braços — isso plena consciência, atenção plena da nossa ação. Quando inspiramos e sabemos que estamos inspirando, isso é atenção plena. Quando damos um passo, e sabemos claramente que o ato de dar um passo está ocorrendo, estamos conscientes de cada passo. Plena consciência é sempre ter clara consciência de algo. Essa é a energia que nos ajuda a estar ciente do que está acontecendo aqui e agora — em nosso corpo, nossos sentimentos, nossa percepção, em tudo à nossa volta. Com plena consciência, você pode reconhecer a presença do sofrimento em si mesmo e no mundo. É com essa mesma energia que você irá se tornar capaz de abraçar ternamente o sofrimento. Por estar ciente de seu inspirar e expirar, você é capaz de gerar a energia de consciência, e assim é possível cuidar de seu sofrimento. Praticantes de plena consciência podem ajudar e apoiar uns aos outros para reconhecer, abraçar e transformar o sofrimento. Com atenção plena, não mais teremos medo da dor. Podemos até mesmo ir mais longe e fazer bom uso do sofrimento, para assim gerar a energia de compreensão e compaixão que irá nos curar. E quando isso acontecer, também poderemos ajudar os outros em direção a cura e a felicidade.

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Gerando Plena Consciência Começamos a produzir a medicina da plena atenção por meio da ação de parar e respirar conscientemente, colocando nosso foco no inspirar e expirar. Quando paramos e respiramos desta maneira, unimos corpo e mente e voltamos a nos abrigar em nós mesmos. Percebemos nossos corpos plenamente. Estaremos verdadeiramente vivos somente quando a mente estiver unida ao corpo. A grande notícia é que esta unicidade de corpo e mente pode ser realizada através de uma simples inspiração. Talvez em alguns momentos não somos gentis o suficiente com o nosso corpo. Ao reconhecer a tensão, a dor, o stress em nosso corpo, poderemos banhá-lo em nossa energia de consciência, e isso é o começo da cura. Se nós cuidarmos do sofrimento dentro de nós, teremos mais clareza, energia e força para nos ajudar a lidar com o sofrimento de nossos entes queridos, bem como o sofrimento existente em nossa comunidade e no mundo. Se, no entanto, estamos preocupados com o medo e desespero existentes em nós, nós não podemos ajudar a remover o sofrimento dos outros. Há uma espécie de arte em saber sofrer. Se nós soubermos como cuidar de nosso sofrimento, não apenas sofreremos muito, muito menos, mas também iremos criar mais felicidade ao nosso redor e no mundo.

Por que o Buddha permaneceu meditando

Quando eu era um jovem monge, eu me perguntava por que o Buddha continuou praticando plena consciência e meditação mesmo depois que ele já havia se tornado um Buddha. Agora eu sei que a resposta é simples o bastante para se perceber. Felicidade é impermanente, como tudo o mais. Para que a felicidade seja ampliada e renovada, temos que aprender a alimentar nossa felicidade. Nada pode sobreviver sem alimento, incluindo a felicidade; sua felicidade pode morrer se você não souber como alimentá-la. Se você cortar uma flor, mas não a coloca na água, a flor vai murchar em poucas horas. Mesmo se a felicidade já está manifestada, temos que continuar a alimentá-la. Esta prática às vezes é chamada de autorregulação, e é muito importante. Podemos regular nossos corpos e mentes para a felicidade através das cinco práticas de: “Deixar ir”, “Atraindo sementes positivas”, “Plena Atenção”, “Concentração” e “Discernimento”.

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Deixar Ir

O primeiro método para fazer surgir alegria e felicidade é soltar as amarras, deixar para trás. Há um tipo de alegria que vem como o ato de deixar ir. A maioria de nós está presa a muitas coisas. Acreditamos que essas coisas são necessárias para nossa sobrevivência, nossa segurança e nossa felicidade. Mas muitas dessas coisas — ou mais precisamente, nossas crenças sobre sua necessidade absoluta — são realmente obstáculos para nossa alegria e felicidade. Às vezes você acha que ter uma certa carreira, diploma, salário, casa, ou parceiro é crucial para a sua felicidade. Você acha que não pode continuar sem essas realizações. E mesmo quando você alcança tais situações, ou conquista tal pessoa, você continua a sofrer. Ao mesmo tempo, você continua a temer que, ao desprender-se do prêmio ao qual está apegado, será ainda pior; pensa que ficará ainda mais infeliz sem o objeto no qual está se agarrando. Você não pode conviver com isso, e não pode viver sem isso. Se você for capaz de olhar profundamente para seu apego assustador, vai perceber que na verdade ele é o real obstáculo para sua alegria e felicidade. Você tem condições de libertar-se dele. Deixar ir exige muita coragem, às vezes. Mas uma vez que você se liberta, a felicidade retornará muito rapidamente. Você não precisa sair por aí procurando por ela. Imagine que você é um típico morador da cidade, viajando no fim de semana para o campo. Se você vive em uma grande metrópole, há muito ruído, poeira, poluição e odores, mas também muitas oportunidades e excitação. Um dia, um bom amigo o convence a se afastar por alguns dias. No começo você argumenta, "Eu não posso. Eu tenho muito trabalho. Eu poderia perder algum telefonema importante." Mas finalmente ele lhe persuade a viajar, e uma ou duas horas mais tarde você está no campo. Você vê o espaço aberto. Olha o céu, e sente a brisa no rosto. A felicidade nasce do fato de que você foi capaz de deixar a cidade para trás. Se não a tivesse deixado, como poderia experimentar esse tipo de alegria? Você precisou libertar-se.

2. Convidando Sementes Positivas Todos nós possuímos diversos tipos de "sementes" armazenadas profundamente em nosso subconsciente. Aquelas que estimulamos são as que brotam, surgem em nossa percepção, e manifestam-se externamente [em nossos atos, palavras e pensamentos]. Então, em nossa própria consciência existe o inferno, mas também o paraíso. Nós somos capazes de ser compassivos, compreensivos e alegres. Se prestarmos atenção apenas nas coisas negativas em nós, especialmente o sofrimento das dores que ocorreram em nosso passado, iremos mergulhar em lamentações e não obter qualquer nutrição positiva. 4

Podemos, por outro lado, praticar a correta atenção, favorecendo as qualidades saudáveis em nós por meio do resgate de coisas positivas que estão sempre disponíveis em nosso interior e em torno de nós. Esta prática nos fornece bom alimento para nossa mente. Uma forma de cuidar de nosso sofrimento é convidar uma semente de natureza oposta a crescer. Como não existe nada sem o seu oposto, se você possui em si a semente da presunção, também possui a semente de compaixão. Todos nós possuímos a semente de compaixão. Se você praticar a plena consciência da compaixão todos os dias, a semente da compaixão em você vai se tornar forte. É preciso apenas concentrar-se nela, e ela irá surgir como uma poderosa zona de energia. Quando a compaixão surge, a arrogância naturalmente volta a mergulhar no subconsciente. Não é preciso entrar em conflito com a semente da arrogância, ou empurrá-la para o fundo. Podemos seletivamente regar as boas sementes e abster-se de regar as sementes negativas. Isto não significa ignorar nosso sofrimento; apenas significa permitir que as sementes positivas, naturalmente existentes em nossa mente, recebam atenção e cuidado [para que assim nos ajudem a reconhecer, compreender, transformar e curar nosso sofrimento].

3. Plena Consciência como fonte de alegria A plena consciência nos ajuda não só a entrar em contato com o sofrimento para assim podermos abraça-lo e transformá-lo, mas também a tocar as maravilhas da vida, incluindo nosso próprio corpo. Assim, inspirar torna-se um deleite, e expirar também pode ser uma delícia. Você realmente torna-se capaz de desfrutar sua respiração. Alguns anos atrás, eu contraí um vírus nos meus pulmões que os fazia sangrar. Eu cuspia sangue. Com pulmões assim era difícil respirar, e era difícil ser feliz enquanto se respirava. Após o tratamento, meus pulmões se curaram e minha respiração ficou muito melhor. Agora, quando eu respiro, tudo o que preciso fazer é lembrar da época em que meus pulmões estavam infectados com o vírus. Então cada respiração que faço torna-se realmente deliciosa, muito boa. Quando praticamos a respiração consciente ou o caminhar consciente, trazemos nossa mente de volta para o abrigo de nosso corpo, e nos firmamos no aqui e o agora. Nos sentimos muito afortunados; percebemos muitas condições para atingir a felicidade disponíveis para nós. Alegria e felicidade surgem imediatamente. Assim, plena consciência é uma fonte de alegria. Plena consciência é uma fonte de felicidade. Plena consciência é uma energia que você pode gerar durante o dia inteiro através de sua prática. Você pode lavar os pratos em plena consciência. Você pode cozinhar seu jantar em plena consciência. Você pode esfregar o chão em plena consciência. E com atenção plena, você pode alcançar as muitas condições de felicidade e alegria que já estão disponíveis. Você é um verdadeiro artista. Você sabe como criar alegria e felicidade no momento que quiser. Esta é a alegria e a felicidade nascida da plena consciência.

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4. Concentração Concentração nasce da plena consciência. A concentração tem o poder de romper, consumir as aflições que lhe fazem sofrer, e assim abrir caminho para que a alegria e a felicidade possam entrar. Permanecer no momento presente exige concentração. Preocupações e ansiedades sobre o futuro estão sempre próximas, prontas para nos levar embora. Podemos vê-las, reconhecê-las e usar nossa concentração para retornar ao momento presente. Quando possuímos concentração, obtemos muita energia. Não nos deixamos levar por visões de sofrimentos passados ou temores sobre o futuro. Habitamos com solidez no momento presente e assim temos condições de entrar em contato com as maravilhas da vida, gerando alegria e felicidade. Concentração é sempre concentração em algo. Ao concentrar-se com fluidez em sua respiração, você já está cultivando força interior. Quando retornar ao presente para sentir a respiração, concentre-se nela com todo seu coração e mente. Concentrar-se não é trabalho duro. Você não tem que exigir muito de si ou fazer um esforço enorme. Desta forma, a felicidade surge de forma leve e fácil.

5. Discernimento Com atenção plena, reconhecemos a tensão em nosso corpo e queremos muito solta-la, mas às vezes não podemos. O que precisamos é obter um pouco mais de discernimento. Discernimento significa ver o que está presente. É a clareza que pode libertar-nos de aflições como ciúme ou raiva, e permitir que a verdadeira felicidade apareça. Todos nós possuímos o dom do discernimento, embora nem sempre o usamos para favorecer nossa felicidade. Podemos saber, por exemplo, que algo (um forte desejo, ou rancor) é um obstáculo para a nossa felicidade, e que isso nos conduz à ansiedade e ao medo. Mas também sabemos que essa coisa não vale o sono que estamos perdendo por causa dela. Ainda assim, perdemos nosso tempo e energia com essa obsessão. Somos como um peixe que foi capturado uma vez antes e descobriu que há um anzol escondido sob a isca; se o peixe for capaz de usar essa descoberta esclarecedora, ele não vai morder porque sabe que vai ser capturado pelo anzol. Muitas vezes, mordemos a isca de nossos desejos ou rancores, e deixamos o anzol nos capturar. Ficamos seduzidos e presos a estas situações que não são dignas de nossa atenção. Se a plena consciência e concentração estão presentes então o correto discernimento também estará, e poderemos usá-lo para nos afastar bem longe, livres. Na primavera, quando há muito pólen no ar, muitos têm dificuldade para respirar devido a alergias. Mesmo quando não estamos correndo 8km e só queremos sentar ou deitar, não conseguimos respirar muito bem. Então no inverno, quando não há nenhum pólen, em vez de reclamar do frio podemos lembrar que em abril ou maio não podíamos ir ao ar livre de forma alguma. Agora nossos pulmões estão limpos, podemos dar um passeio estimulante lá fora e respirar 6

muito bem. Nós conscientemente resgatamos nossa experiência do passado para nos ajudar a valorizar as coisas boas que estamos obtendo neste momento. No passado podemos realmente ter sofrido muito por uma coisa ou outra. E isso pode mesmo ter sido uma espécie de inferno. Se nos lembrarmos daquele sofrimento, não nos deixando sucumbir por sua memória, podemos usá-la para nos reassegurar, "Como sou afortunado. Não estou mais naquela situação. Eu posso ser feliz "— isso torna-se uma experiência de esclarecimento; e nesse momento, nossa alegria e nossa felicidade podem crescer muito rapidamente. A essência da nossa prática pode ser descrita como transformar o sofrimento em felicidade. Não é uma prática complicada, mas nos obriga a cultivar plena consciência, concentração e clareza de discernimento [insight]. Antes de tudo requer que voltemos a nos abrigar em nós mesmos, que façamos as pazes com o nosso sofrimento, tratando-o com ternura e contemplando profundamente as raízes de nossa dor. Requer que saibamos nos libertar de sofrimentos inúteis, desnecessários, e observemos com cuidado nossa concepção de felicidade. Finalmente, requer que nós saibamos nutrir a felicidade diariamente com reconhecimento, compreensão e compaixão por nós mesmos e por aqueles à nossa volta. Oferecemos estas práticas para nós mesmos, nossos entes queridos e para toda comunidade. Esta é a arte de saber como sofrer e a arte da felicidade. A cada respiração, aliviamos o sofrimento e geramos alegria. A cada passo, a flor do esclarecimento desabrocha.

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