Classificar-criar: o breviário criativo de Guimarães Rosa

July 24, 2017 | Autor: Mônica Gama | Categoria: João Guimarães Rosa, Crítica Genética, Autoria
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Manuscrítica § n. 26 • 2014

Ateliê

revista de crítica genética

Classificar-criar O breviário criativo de Guimarães Rosa Mônica Gama

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AO FINAL DO PRIMEIRO TEXTO DE TUTAMÉIA (Terceiras Estórias), livro de contos publicados em 1967, Guimarães Rosa propõe um desafio ao leitor: Ergo: O livro pode valer pelo muito que nele não deveu caber. 2 Quod erat demonstrandum. A obra, incompleta, não deve ser lida como resultado de uma inspiração que resultaria em um texto visto como objeto acabado. No desafio, modula-se a possibilidade do valor da obra (“pode valer”) e a certeza (“não deveu caber”) daquilo que não deve estar contido nela: a virtude do livro é indeterminada em relação ao que nele não está, mas é certo que os hiatos (sem dúvida muitos) são indicados como fonte para essa valoração. Aceitando entrar nesse jogo de espelhos ficcionais, a menção ao que não está aponta para o que não cabe e para a possibilidade do que está sendo lido valer por algo não observável, desafio que acompanha a leitura dos quarenta e quatro textos de Tutaméia. Como se trata do último livro publicado pelo escritor, de que maneira não ler o aviso por meio de um “efeito de última obra”, segundo o qual o leitor entrevê na última aparição textual o testemunho e mensagens autorais válidas para toda a obra? Seria também possível compreender o enunciado como o registro de uma restrição imposta pelo autor para sua escrita, encenando, por meio da negatividade, a figuração da falta? Em caso afirmativo, não se trata somente do trabalho do leitor, mas também do autor, indicando seu percurso de criação dos textos, o que é apontado em outros espaços textuais que guiam o olhar do leitor para a reflexão sobre a prática de enunciação da atividade da escrita. Além das poucas entrevistas concedidas pelo escritor, a divulgação de sua atividade de escrita é posta em jogo em suas narrativas e na materialidade de seus livros: as narrativas afirmam continuamente sua consciência de ficcionalidade (frequentemente entendida pela crítica pelo viés da metalinguagem); já a materialidade propõe ao leitor a reflexão sobre o tempo das escolhas e formalizações – tempo geralmente intermediário quanto à escrita das narrativas pelo autor e quanto a sua atualização pelos leitores – por meio da escolha dos paratextos (títulos, epígrafes, notas de rodapé, orelhas), dos elementos gráficos e da estruturação das narrativas. Ao investigar os manuscritos do escritor, buscando a configuração espacial da escrita, entende-se a problematização de escolhas construtoras de efeitos nos leitores dos textos publicados e a ficcionalização estrutural de mecanismos da criação textual de Guimarães Rosa. Neste artigo, focalizam-se não os manuscritos redacionais (os que já apresentam versões de narrativas), mas os de estudo geral para a composição das narrativas, os quais, no caso rosiano, se caracterizam pela configuração de um espaço de acumulação.3 1

Universidade de São Paulo – USP. E-mail: [email protected]. ROSA, J. G. Tutaméia – Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 12. 3 Em seu arquivo no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) há muito material que pode ser caracterizado como anterior à redação (listas, desenhos, sistematizações de leitura, estudos de línguas), mas apenas algumas versões de textos – no caso de Tutaméia, a maior parte dos manuscritos encontra-se já datilografada, apresentando, geralmente, apenas correções quanto à ordem ou grafia das palavras. Os primeiros estudos tendo a crítica genética enquanto suporte para a análise das 2

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Nos manuscritos guardados pelo escritor há lacunas óbvias entre a escrita de algumas versões. Além disso, o conjunto de contos de Tutaméia colocou-me diante do problema da textualidade fragmentada. O que significa escrever textos tão curtos não à luz de uma teoria dos gêneros, mas enquanto forma espelhada de mecanismos de elaboração? Assinalam-se três aspectos dessa massa documental: a acumulação enquanto método, a listagem como forma e a citação enquanto desejo de apropriação do outro. Essa forma de olhar parte da ideia de que os manuscritos não são portadores de uma verdade sobre o fazer literário (documentos atestadores de determinada hipótese); eles interessam pelo espaço da página que acolhe o diverso sem torná-lo uno, fazendo explodir sua fragmentação heteróclita.

As anotações de Guimarães Rosa: esperas e oportunidades [...] adotei naturalmente o processo de acumular material e afiar as ferramentas, à espera de momentos propícios e decisivos quando a oportunidade passa perto e a gente tem de segurá-la com mão firme, doidamente. (Carta a Vicente Guimarães, 3 jun. 1939) O autor organizou e classificou 38 volumes de folhas soltas (em sua maior parte) em pastas que cobrem os mais diversos temas, entre eles: fauna, flora, religião, citações, moda, costumes, arquitetura, línguas, filosofia, marinha, geologia. Atualmente, esse material encontra-se no IEB com a classificação geral de Estudos para Obra, conjunto que contém ainda 8 cadernetas com notas de viagem e 27 cadernos. Nos cadernos, temos, por exemplo, fichamentos de obras sobre pintura, literatura e filosofia, além de incontáveis listas; já as cadernetas tratam de anotações de viagens (à Europa, ao Pantanal, a Minas Gerais), mas não somente impressões do percurso e sim o recolhimento de expressões, anedotas, provérbios, trechos de conversas ouvidas, frases, topônimos, antropônimos, títulos e temas para contos e livros, entre outros. No acervo da viúva do escritor, Aracy Guimarães Rosa, também depositado no IEB, há alguns manuscritos de Guimarães Rosa que complementam a documentação já existente – correspondências, cadernos de estudos, fotos, entre outros. Um deles chama a atenção pela nota escrita na capa por Aracy: “Com este caderno meu Joãozinho passou as últimas horas de sua vida, aqui. / novembro 19 – 11– 1967”. Não trago essa informação enquanto curiosidade afetiva, mas porque ela mostra como o hábito de anotações constantes foi registrado (e, de certa forma, homenageado) pela pessoa que provavelmente mais acompanhava esse processo. O processo geral de formação dessas pastas com listagens consistia em agrupar o material recolhido e registrado em papéis soltos e/ou cadernetas, datilografá-los (passando-os a limpo) e reuni-los no espaço da pasta de acordo com a temática. No entanto, essa esquematização (coletar em nota, datilografar e organizar) não é tão certa, pois se trata apenas de uma forma geral de organização do autor que, geralmente, funciona como uma contenção que facilmente poderia ser quebrada por itens que se movimentam entre as listas – diversas listas narrativas de Guimarães Rosa desenvolveram-se sob a orientação de Cecília de Lara, responsável também pelos trabalhos de levantamento e organização prévios da documentação quando de sua chegada ao IEB (1979). Esses pesquisadores foram exaustivos quanto ao cotejo de notas e rascunhos para a elucidação cronológica de seu material, propondo-nos novos caminhos de interpretação. Para a análise de textos publicados, engajaram-se os estudos de Maria Célia Leonel (1984), Maria Neuma Cavalcante (1991), Kátia Romanelli (1995) e Ana Luiza Martins Costa (2002); e, na tarefa de rastrear os processos dos textos inacabados, há os estudos de Elizabeth Ziani (1996) e Cleuza M. de Carvalho (1996); há, ainda, um estudo recente feito exclusivamente sobre o conjunto Estudos para obra, de autoria de Frederico Camargo (2013). Listarei os estudos nas referências bibliográficas.

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datilografadas receberam acréscimos manuscritos posteriores; além disso, não seria estranho que alguns itens possam ter sido inseridos durante a atividade de datilografar as notas. O autor pode ser caracterizado como um colecionador de expressões e palavras que registrava em listas o que lhe interessava. Percebe-se nesse material o quão heterogêneas eram as fontes de estudo do escritor, pois há tanto citações de falas de vaqueiros, como de filósofos e literatos, registrando também suas leituras de revistas e jornais, elementos recolhidos do rádio, conversas em restaurantes e com colegas do Ministério de Relações Exteriores. Vejamos, a título de exemplo, os itens de uma das listas: Machado de Assis: rideiro "comeu desencadernadamente" _____________ A GULA: voluptas abdominis -Cic. vitium ventris – Cic. _____________ ABOIAR: – José de Alencar) : “O aboiar ... são os nossos ranz sertanejos“ ____________ BOI ÁPIS : varilis coloribus Apis – (Ovídio) _____________ "Em tempo e lugar, perder é ganhar"- (provérbio)

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Observa-se a enumeração de frases de fontes muito diversas e com temas que também não se relacionam: a página é caracterizada pela possibilidade de acolhimento do diverso. Os estudos sobre línguas documentados pelo autor chamam a atenção para a capacidade de aproveitamento dos mais diversos aspectos das estruturas fonéticas e semânticas. Cito, como exemplo, duas passagens de estudo do sânscrito: SÂNSCRITO A = primeira letra do alfabeto sânscrito, chamada akâra m% =

, a cara.

m% = se acama(O RIACHO)

Akâmi ir tortuo5 samente, serpentear

Observa-se que ao estudo da língua seguem-se possibilidades de apropriações do que fora focalizado pelo autor. A simples notação curiosa do nome de uma letra (akâra) é transformada em final de uma frase (m% = , a cara.) que, se fosse vista individualmente, não diria muito de um sentido em especial; mas a seleção de um dado campo semântico ligado a uma língua inesperadamente estudada forneceria mais um índice de interpretação para quem quiser buscar significados soto-postos. 4

INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS – Universidade de São Paulo (IEB/USP). Acervo João Guimarães Rosa (JGR). Estudos para Obra (EO), Cx 7,2 doc. 82. Datiloscrito em cor preta com anotação à tinta azul. 5 IEB. JGR-EO-Caderneta 9, p. 3.

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O escritor deixou registrado, em geral, o aproveitamento das frases e expressões, inclusive sinalizando em quais textos elas foram utilizadas. Há, por exemplo, conjuntos de anotações aproveitadas tanto nos livros de 1956, como nas últimas narrativas do escritor. Assim, podemos dizer que seu arquivo pessoal formava uma coleção que servia de fonte de consulta, instigando-o a recorrer repetidamente a seu acervo, tornando-se pesquisador de seus próprios registros. Além de recorrer a suas anotações, listas e desenhos para a composição literária, percebemos também um movimento de revisitação de sua própria obra, com o reaproveitamento de frases de um manuscrito em outro, operando por diversas vezes o processo de autocitação. E mais: em seu acervo há também marcas de outra atitude notável: há cadernetas guardadas pelo escritor que foram escritas por sua secretária, Maria Augusta C. Rocha (a Madu). O gosto pela documentação ultrapassava os limites de sua observação: o escritor encomendava para Madu suas anotações de viagem e depois interferia nesses registros que passavam a funcionar, então, como material de pesquisa. Entre as pastas com estudos sobre o mar, botânica e agricultura, características físicas e morais de possíveis personagens, anotações detalhadas de leitura de Dante, Homero, La Fontaine, por exemplo, há páginas arrancadas de livros especializados. É o caso das folhas de um dicionário de termos da Marinha. Ou, ainda: num caderno com 75 fólios intitulado Plantas, Guimarães Rosa lista, de A a V, a flora da Bahia elencando o nome geral, científico e o uso da planta, retirados, segundo o autor, do livro Flora da Bahia, de Inácio de Menezes. Temos, então, a impressão de que o autor de Tutaméia se filia ao pensamento dos enciclopedistas que desejavam o acúmulo sistemático de conhecimentos. Também um ludismo parece acompanhar essas anotações, como se nota na capa de um de seus cadernos preenchida pelo escritor: Aluno Escola Classe

J. GUIMARÃES ROSA LITERATURA ANIMAIS 6

O enciclopedismo é amenizado pela configuração explosiva, heteróclita (e até mesmo caótica) do conjunto de manuscritos, assim como pelo efeito provocado em suas obras por meio do deslocamento contínuo do lugar do leitor, que é sempre colocado em posição de dúvida e desconfiança frente ao material narrado. Esse tipo de demanda está muito ligado ao ceticismo, não enquanto doutrina filosófica entendida pela afirmação de inacessibilidade da verdade, mas como negação da capacidade da razão para estabelecer verdades conclusivas; isso ocorreria porque o espírito humano não poderia atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, resultando num procedimento intelectual de dúvida permanente. Esse conceito toma corpo na epígrafe de Sêneca utilizada na sexta seção do prefácio “Sobre a escova e a dúvida”, de Tutaméia: problemas há, Liberális excelente, cuja pesquisa vale só pelo intelectual exercício, e que ficam sempre fora da vida; outros investigam-se com prazer e com proveito se resolvem. De todos te ofereço, cabendo-te à vontade decidir se a indagação deve perseguir-se até ao fim, ou simplesmente limitar-se a uma encenação para ilustrar o rol dos divertimentos.7

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IEB. JGR-EO-Caderno 1. As palavras Aluno, Escola e Classe estão impressas em cor preta e seus complementos estão manuscritos em caneta preta. 7 ROSA, J. G. Tutaméia – Terceiras Estórias. Op. cit., p. 156-157.

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Nessa apropriação que faz das palavras de Sêneca, a multiplicidade de diálogos oferecidos pelos textos de Guimarães Rosa tanto pode ser encarada como um simples exercício intelectual (que vale apenas como exercício), como pode resultar em respostas; mas o importante é o oferecimento ao leitor da liberdade de escolher entre perseguir a dúvida, a indagação, ou limitar-se a se divertir com a encenação dessa saturação de conhecimentos. O mesmo pode ser transposto para seus manuscritos, pois a pesquisa feita pelo escritor coloca para o leitor do manuscrito a busca de referendos às hipóteses argumentativas e, ao mesmo tempo, dissemina enunciações que, por vezes, podem valer por elas mesmas. O conjunto de pastas e cadernos de estudos de Guimarães Rosa problematiza o funcionamento temporal da elaboração. Isso porque os manuscritos estabelecem um presente que atua como duração retrospectiva: o presente produtivo ocorre por meio da retrospecção em manuscritos que devem ser pesquisados. Além disso, a pesquisa e leitura desses manuscritos configuram o tempo da preparação para a escritura como um presente pleno de possibilidades alcançáveis, no qual a palavra é pura possibilidade – tudo a ser escrito pode achar relações pelo olhar de pesquisador do escritor. A tensão entre esses possíveis e a escolha ocorre por meio da oscilação: “o eterno presente é como o batimento entre hipóteses simétricas, uma que supõe o passado, outra que propõe o futuro”.8 Suposição e proposição, categorias mentais para pensar o tempo da criação que, se existe como batimento, é pela afirmação dessa potência da linguagem. A investigação da potência da palavra é obviamente o substrato da escrita literária para muitos autores, mas ela se dá de formas diversas; na literatura de Guimarães Rosa é sua afirmação enquanto método que chama a atenção.

“Acumular material e afiar ferramentas” O princípio norteador do colecionador Guimarães Rosa é a acumulação. O autor registrava em cadernetas, (re)organizava em listas, datilografava e desenhava paisagens de linguagem: recolhendo fragmentos de discursos, o conjunto de manuscritos rosianos existe como uma máquina retórica que não destrói retóricas, mas que as coleciona. Para se ter ideia do montante, tome-se como exemplo um conjunto sobre animais formado por mais de cem manuscritos com estudos sobre nomenclatura e hábitos; no conjunto intitulado m% há mais de 2500 itens enumerados com a referida marca iniciando cada linha; numa listagem de expressões constam dezenas de provérbios, existentes ulteriormente ou criados por Guimarães Rosa;9 veja-se, ainda, a enumeração de 170 nomes próprios sicilianos retirados de um catálogo telefônico10 ou uma lista com 145 nomes húngaros e suas versões para o português.11 Michel Foucault, no texto “Des espaces autres” observa que, se o tempo era uma obsessão para o século XIX, hoje estaríamos marcados pela problemática do espaço – é possível afirmar inclusive que estamos na época do simultâneo, das justaposições, do disperso. Nessa conferência de 1967, o filósofo afirma que há no interior de espaços sociais cotidianos (nas mais diversas culturas e épocas) espaços específicos com funções diferentes dos espaços cotidianos e, por vezes, opostas a eles. A essa configuração espacial chamou de heterotopia.12

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VALÉRY, P. Discurso sobre a história. In: ______. Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1991, p. 118. IEB. JGR-EO-Cx 6. 10 Em carta a Bizzarri (3/01/1964) Guimarães Rosa afirma que acha engraçados alguns sobrenomes italianos e por isso tem um catálogo telefônico de Palermo que conseguira com um colega. A Caderneta 7 traz a listagem intitulada “Catálogo telefônico”. 11 IEB. JGR-EO-Caderno 7. 12 O termo é tomado do léxico da medicina e significa a inadequação espacial de órgãos ou tecidos, pois ocupariam lugares diferentes dos que lhes seriam reservados. 9

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Após uma rápida história do espaço, Foucault parte para a problematização do espaço externo, divergindo da teoria intimista de Bachelard. O filósofo indica alguns princípios da heterotopia, dentre os quais sublinho a capacidade de justapor em apenas um lugar concreto, diversos espaços incompatíveis entre si. O exemplo facilitador dado por Foucault é o do espaço do teatro e do cinema: no primeiro, há no espaço retangular do palco a presença ficcional de lugares estranhos uns aos outros; quanto ao cinema, a bidimensionalidade da tela encontra-se em presença das imagens tridimensionais projetadas. Essa ideia de sobreposição espacial de inconciliáveis enriquece a leitura dos manuscritos de Guimarães Rosa, pois, como desenvolveremos mais adiante, a página também pode ser entendida por esse princípio de acolhimento do diverso, especialmente a página do manuscrito, onde a preservação do múltiplo da recolha de itens a serem trabalhados ou simplesmente incluídos no texto final dá-se como mecanismo textual. No espaço do manuscrito podem conviver tanto dados científicos sobre algo, como descrições de tapeçarias de museus europeus ou chistes sobre os mais diversos temas. Acumulam-se, pelo uso do formato lista, por exemplo, inúmeros enunciados, possibilitando uma enunciação tão plural, quanto pluralizante. O tempo constituinte desses manuscritos também é da ordem de uma heterocronia – acumulação por découpage do tempo que une fragmentos de leituras e observações dos mais diversos momentos, já que, ao escolher a forma lista é possível simplesmente adicionar algo ao já enumerado, apagando e inscrevendo continuamente vestígios temporais. Expressões, ou apenas palavras, encontram o abrigo do registro provisório e aparentemente insuficiente. Nessas listagens, citações e elementos de autoria e/ou reinvenção do próprio Guimarães Rosa são destacadas, geralmente, com a marca m%. Tal notação foi estudada por Maria Célia Leonel e hoje podemos afirmar que ela se apresenta em três variantes: m/. pode ser lido como mim (por exemplo, na passagem “PAISAGEM (vista por 13 m/., na viagem de jardineira)”); m/. é lido como meu, de acordo com o trecho: “re-ralar (m/.)”; e m% passa a indicar “meu cem por cento” em Boiada.14 Das três formas, é o m% o símbolo mais empregado, e não pode ser visto apenas como marca de elaboração, pois também indica a apropriação: se por um lado é comum um neologismo ser identificado pelo símbolo “meu cem por cento”, é corrente também o autor recolher elementos tomados por sua singularidade. Apossa-se, então, de provérbios ou palavras até comuns, mas portadoras, por exemplo, de uma sonoridade particular – por isso, a fala de um vaqueiro pode ser acomodada na mesma lista em que aparece uma passagem de Platão. Ao recolher do mundo esses fragmentos de falas de outros e de descrições, o escritor apropria-se deles, transformando-os como um Midas em elementos de sua criação, desestabilizando o conceito de autoria. Veja-se, por exemplo, a seguinte listagem: m% m% m% m% m% m%

– – – – – –

inventador inventivo invadimento – B. Mau invariar – B. Mau invectivo o invejador – Sota e Barla

m% – invencioneiro

– “ARROIO-DAS-ANTAS”

m% – invejamento SSS-? os m% – ininvesti ável – B. Mau m% – ambivivente jeitosa

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Esses dois casos estão no diário de viagem “Grande excursão a Minas”, de dezembro de 1945. IEB. JGR-EO-Boiada I. Trata-se do diário da viagem de maio de 1952. 15 IEB. JGR-EO-Cx 7,1. Datiloscrito com anotação à tinta azul e a lápis preto. 14

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Termos como inventivo e ambivivente participam de um denominador comum, o m%. Não temos unidade quanto ao expresso, apenas quanto à postura do colecionador: a enumeração é feita sob a égide do m%, ou seja, Guimarães Rosa imprime uma assinatura a esses enunciados, encerrando sua potencialidade à identidade ficcional rosiana. Os títulos ao lado das palavras identificam o uso: no conto “Sota e Barla” a palavra encontra-se 16 na frase: “e o Drujo, invejador, que essas, uma e outra, por garapa e mel, também cobiçava!”; em “Arroio-dasAntas” temos a passagem: “—‘Gente invencioneira!’ Suspiravam mor, em giro doce, enfim entreentendidas, 17 aguadas as vistas”. Cleuza Martins, em estudo genético dedicado ao romance inacabado “A fazedora de velas”, também refletiu sobre esse tipo de manuscrito. Para explicar o fato de geralmente não haver mudanças nas transposições para a redação, ela afirma que este seria um dos estágios intermediários da escritura, já que “à medida que ia elencando 18 fragmentos redacionais, os considerava como resolvidos”. Segundo Martins, essas listagens refletiriam uma fase de indecisão, pois “todos os fragmentos espelham a hesitação e a busca de realização de algo”.19 Talvez esse entendimento do caráter intermediário esteja determinado pelo tipo de texto que estava sendo estudado por Martins (inacabado), mas não acredito se tratar de uma indecisão, pois se o listado marcado pelo m% não foi escrito com vistas a um texto, logo, não pode haver dúvida quanto ao uso. A dúvida poderia vir no momento da pesquisa de passagens que melhor se adaptariam a um contexto, isto é, seria no momento da relação que haveria a incerteza, mas o elemento listado ainda valeria poeticamente – como atestam as listas intituladas Ex ou Out que recebem os fragmentos para um possível novo uso, pois o autor as havia selecionado para um projeto e se arrependido depois. O fato de Guimarães Rosa identificar o estético nesses fragmentos é ou não um ato de escrita literária? Há, em geral, um processo de identificação que imanta o observável de um aspecto estético. Nas palavras de Guimarães Rosa: “e mais digo, porque justo me ocorre o que tanto já se notou – do amor, dos lugares, dos livros, até dos piqueniques: que neles só se encontra o que tenha levado consigo”.20 Ou seja, o olhar do escritor é o responsável por ver em fragmentos discursivos o caráter estético, tanto no ato de seleção (recorte ou elaboração de um enunciado anterior tomado por sua singularidade), como no de combinação (demanda da relação que faz surgir configurações inesperadas). Essas anotações caracterizam-se por sua multiplicidade de formas e conteúdos: cabe aí a palavra inusitada e o arcaísmo descoberto, a frase do vaqueiro e a sentença de filósofos da cultura escrita; e todos esses registros concorrem no mesmo patamar de importância. É importante assinalar novamente o caráter transitório dos enunciados listados: estão em estado de espera, dispostos à movimentação entre manuscritos e para a inserção no texto literário. Também ocorre a mobilidade de suportes de escrita: uma página de caderno ou um fragmento de papel com anotações podem ser inseridos nessas pastas temáticas, não precisando, necessariamente, passar pela filtragem do texto datilografado (lembro que há uma relativa constância de manuscritos passados a limpo, ou seja, depois de recolher, o autor passava a limpo o texto autógrafo, datilografando-o). Esse deslizamento de itens entre as listas não indica apenas um ato de simples organização do material, pois, nesse caso, o mais provável seria a supressão do enunciado na listagem precedente; afinal de contas, o autor percebera que ele ficaria melhor arranjado entre 16

ROSA, J. G. Tutaméia – Terceiras Estórias. Op. cit., p. 169. Ibidem, p. 18. 18 CARVALHO, C. M. de. A fazedora de velas: o outro lado da moeda (A gênese do romance em João Guimarães Rosa). Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996, p. 63. 19 Ibidem, p. 63. 20 IEB. JGR-EO-A Boiada, p. 3. 17

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outras citações. Parece tratar-se mormente de uma ação de contínua releitura na busca de novas relações, as quais, pela simultaneidade, proliferam a potencialidade por diversos espaços escriturais.

O ceticismo ativo da relação Na leitura desses manuscritos caracterizados pela acumulação, é surpreendente que quase nenhum daqueles elementos enumerados poderia ser descartado; dito de outra forma: quase tudo poderia passar a participar imediatamente das narrativas rosianas, desde que encontrasse o estabelecimento de uma relação com outros fragmentos acumulados. As possibilidades de associação e combinação dessas pequenas peças de enunciação instituem para cada fragmento um poder narrativo em latência. A acumulação torna-se método na medida em que o escritor se propõe trabalhar com ela pelo esforço contínuo da relação. Esse agrupamento de discursos remete-nos diretamente a uma poética cujo exemplo mais reconhecido é Grande Sertão: Veredas: diálogo monológico que, pelo artifício da memória, consegue inserir uma multiplicidade de vozes, criando um mecanismo retórico capaz de criar e destruir retóricas. Também Tutaméia mostra o ruído de diversas inserções enunciativas, mas nele esse princípio ocorre a partir de uma formalização diversa: a matriz não é mais o romance que, enquanto forma, aceita a acumulação (esperase que aquilo escolhido para figurar no romance dê conta de um aspecto amplo da experiência);21 o conto pressupõe a economia da matéria narrativa para a construção de efeitos no leitor – o que não significa extensão maior ou menor, mas sim condensação de produção de efeitos. Trata-se de uma escolha formal que tensiona a proposta da leitura do conto a partir de uma unidade de efeito, pois, ao reunir quarenta e quatro textos numa ordenação alfabética, Guimarães Rosa provoca duas posturas simultâneas: de um lado, permite a leitura isolada e, de outro, obriga a leitura do conjunto, já que insinua continuamente um jogo de relações. Parece ocorrer na literatura algo na contramão do discurso científico que busca hoje soluções setoriais de especialistas: a literatura atualiza a demanda da relação entre os discursos gerando, por vezes, uma fala simultânea pela qual tudo parece ser dito por uma coexistência indivisa. Italo Calvino afirma, em texto dedicado à multiplicidade, que “em nossa época a literatura se vem 22 impregnando dessa antiga ambição de representar a multiplicidade das relações, em ato e potencialidade”. Em Tutaméia, é a materialidade do livro um dos aspectos responsáveis por colocar em jogo a potencialidade da representação do múltiplo: os índices tornam material a proposta do diverso a partir da enumeração alfabética que, por sua vez, está muito ligada à ideia de composição partilhada de um todo (lembremos da Enciclopédia ou dos dicionários) que pode ser ativado pelo ato relacional. Entretanto, pelo jogo de interrupções que suas estórias oferecem, estar-se-ia muito mais próximo de uma estética do fragmento. O que vemos na proposta formal do livro é, em certa medida, continuidade de uma poética já presente em Grande Sertão: Veredas, a saber, o tensionamento da totalidade pela fragmentação. Teríamos, então, uma “enciclopédia aberta” já que em nossa época não “é mais pensável uma totalidade que não seja potencial, conjectural, multíplice”.23 A escolha para a expressão dessa totalidade em potencial deu-se em Tutaméia, entre diversas materialidades possíveis, pela abundância da forma narrativa fragmentada apresentada por uma organização 21

Como afirma Bakhtin, a forma romanesca tem o papel de mostrar integralmente o mundo e a vida, mesmo que através de uma parte da totalidade da época apresentada – ainda que essa forma tenha sido trabalhada de diversas maneiras (problematizando ou não essa pressuposta capacidade). Em suas palavras: “Nessa capacidade de abranger o todo real está a sua essencialidade artística” (BAKHTIN, M. O Romance de Educação e sua Importância na História do Realismo. In: ______. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 246). 22 CALVINO, I. Multiplicidade. In: ______. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 127. 23 Ibidem, p. 130.

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culturalmente imposta à atividade de consulta, isto é, a classificação pela ordenação alfabética. Em Guimarães Rosa, tal escolha busca chamar a atenção para o conto em si e não para uma ordem falsamente figurada no ocasional, como ocorre na estrutura carregada de significação dos contos de Primeiras Estórias: são vinte e um contos, divididos simetricamente: o 11º conto é “O Espelho”, que marca a metade da coletânea e o respectivo espelhamento temático entre o primeiro e o último conto. Parece haver na escolha de organização de Tutaméia a necessidade de fuga às tentativas de explicação. No entanto, ao inverter a ordenação dos contos para que três deles formem as inicias de seu nome (JGR), chama a atenção para a questão da autoria pela presença do nome do autor e, logo, para o tempo de produção. Tal organização propõe o compartilhamento com o leitor de uma visada crítica sobre o fazer literário e o conjunto de possibilidades constitutivos dele. A enumeração acumulativa tanto nos manuscritos descritos anteriormente, como no livro (pelos índices, por exemplo) é uma aposta na capacidade de estabelecimento de relações discursivas, e supõe a reflexão sobre o método de constituição.

Frases em Listas Atento à heterogeneidade do real, o autor trabalha sistematicamente a configuração da lista como forma capaz de reunir o fragmento múltiplo recolhido por meio das redes discursivas. Michel Butor, ao refletir acerca da materialidade do livro, afirma que, enquanto o livro é uma forma de conservação da palavra, é também operador de um movimento de economia pelo princípio de fazer durar a palavra e possibilitar que cada um dos elementos do enunciado esteja fora da efetuação do seguinte. Isso ocorre de maneira que deixe “à disposição de nosso olho o que nosso ouvido já terá deixado escapar, fazendo-nos captar de uma só vez toda uma seqüência”.24 Segundo ele, a linha correspondia a uma unidade de significação atrelada à sonoridade do discurso (equivalente ao que entendemos como verso), mas a organização em prosa apagou a imagem dessa unidade. Se o discurso é analisado geralmente do ponto de vista da horizontalidade, torna-se necessário rearranjá-lo para perceber que há muitas vezes uma organização vertical – o que acontece em alguns livros arranjados de modo a funcionar como reservas de saber para consulta como, por exemplo, os dicionários e os catálogos. Esse arranjo é identificável na configuração das listas: trata-se de uma forma elaborada para a consulta rápida, sendo o registro de saberes oferecido ao leitor que busca elementos para o estabelecimento de relações. A unidade de sentido de cada linha é retomada pela configuração da lista, criando nela esse espaço de diferença em relação ao encadeamento de elementos que antes estariam inseridos por meio de uma configuração diversa. Cada palavra, quando listada, passa a constituir um espaço de trânsito: está presente ali, mas pronta para ser retirada e utilizada em outro contexto, em outro espaço. A predisposição relacional da lista também é vista no texto literário e, em ambos os casos, coloca em jogo a ação da seleção e da combinação. A potencialidade desses elementos é explosiva: mesmo que essas listas não constituam uma frase, elas provocam a atividade de imaginação das frases que nelas possam existir e “imaginar frases no interior das quais eu possa introduzir um, dois, n ou todos os componentes dessa lista”.25 O mesmo pode ser dito em relação às listas de frases: são enunciados que contêm em si narrativas concentradas, como acontece com o exemplo: “m% - trocar os limites do representável”.26 Quanto à estrutura, essas listas feitas por Guimarães Rosa comumente apresentam-se organizadas em torno da ideia de abertura, ou seja, sempre é possível acrescentar novos itens ao já listado quando da recolha de

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BUTOR, M. Repertório. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 215. Ibidem, p. 221. 26 IEB. JGR-EO-Caderno 16, p. 2. 25

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elementos relativos ao tema em questão. Nesse sentido, a lista rosiana dilui seus limites, já que esse tipo de estrutura também pode ser encarado como uma organização especular com um modo de pensar classificatório, frequentemente responsável pelo ato de excluir. Logo, as diversas leituras e observações cotidianas do escritor encontravam nessa coleção um lugar de acolhimento que estabelece o mecanismo de produção de um infinito. Este, por sua vez, é materializado na atualização do procedimento, seja no momento do uso na obra, seja no tempo em aberto da adição de um novo item a essa lista aberta. Mas de que maneira passar de uma forma breve e fragmentada, que é a anotação, para a construção de textos com formas marcadas pela continuidade, como o conto ou o romance?

Literatura em Listas Mesmo que existam listas com os mais diversos conteúdos, caso especial para reflexão é a listagem de títulos. Esse registro de possibilidades de nomeação parece acompanhar toda a produção literária de Guimarães Rosa. Além disso, esse tipo de lista suporta diversas temporalidades: reúne títulos que já têm existência para o leitor, pois já foram usados em textos publicados, mas também outros que apontam para um devir que solicita o leitor do manuscrito a imaginar quais escritos podem ser identificados naqueles enunciados. Entre essas inúmeras listas de títulos (há nomeações de contos, novelas e romances, alguns publicados, outros existindo apenas nessas indicações como projeto) há uma que enumera 155 sugestões, sendo que apenas 22 delas foram utilizadas como títulos, trechos de narrativas e até mesmo como assinatura da epígrafe de um conto.27 Vejamos, por exemplo, o final do manuscrito transcrito a seguir: 24)As 3 Marias (Ch., V., Ma.) 25) Sorôco, sua mãe, sua filha 26) A história de - - - - 27) O homem que não quis mais trabalhar 28) Romeu e Julieta. 28 Entre os títulos usados há outros que nos mobilizam a pensar sobre qual contexto poderiam fazer parte. É o caso de Romeu e Julieta. Como seria a reescritura desse clássico e como os mecanismos de produção textual de Guimarães Rosa contaminariam essa narrativa? Paratexto, que muitas vezes funciona como resumo temático ou síntese do enunciado subsequente, encontra espacialização diferenciada tanto nos manuscritos, como nos livros de Guimarães Rosa. Nesse conjunto de manuscritos dispersos por todo o arquivo é possível observar desejos narrativos, trabalhados ou em estado de espera. Ele importa também por ser a marca inaugural do texto, indicando “um momento mítico, inicial, onde o destinatário – o público, não ainda leitor – é convocado a deixar o mundo para entrar em outra ordem: a da linguagem, a da ficção”.29 O título Tutaméia existira durante muito tempo enquanto possibilidade. No posfácio da coletânea de contos que concorreu em concurso literário em 1937 sob o pseudônimo de Viator, o autor anuncia o título de seu

27

No caderno onde se encontram esses títulos, todos os que foram usados foram hachurados pelo autor e alguns trazem a notação do texto para o qual foi transferido. IEB. JGR-EO-Caderno 10. 28 IEB. JGR-EO-Cx 3,1. Manuscrito à tinta preta com anotações a lápis preto e vermelho. A partir do estado de conservação, tipo de suporte e tinta utilizada, acredito que se trata de um dos manuscritos mais antigos do acervo. 29 MUZZI, E. S. Leitura de títulos. In: QUEIROZ, S. (Org.). Editoração – arte e técnica. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 1996.

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próximo livro: “tambem, ara!, isto já é falar de outro livro, o qual, si Deus dér à gente vida e saúde, vae prestar 30 mais, chamar-se-á “TUTAMÉIA”, e virá logo depois deste. Benza-os Deus!” (sic). A crença do escritor nessa coletânea será abalada por Graciliano Ramos, um dos jurados do concurso de 1937, que lhe concederá apenas o segundo lugar. Isso provoca nova reflexão sobre a escritura das narrativas e resulta na reelaboração de parte desses contos para Sagarana, publicado nove anos depois. Se quiséssemos trabalhar hipóteses “factuais” sobre a criação literária, seria essa indicação de escrita, já em 1937, uma arma contra os que afirmam ser Tutaméia apenas repetição do que já fora trabalhado por Guimarães Rosa em seus livros anteriores, sendo esse apenas um exemplo de preciosismo e excesso de ornamentação literária (mais uma vez acusação estéril de críticos que têm a representação como limite para a literatura). O título Tutaméia também consta de uma das listagens mais interessantes de títulos, a saber, a que enumera em ordem alfabética nomes de livros com indicação ao lado dos que já tinham sido efetuados – no caso, Corpo de Baile, Grande Sertão: Veredas, Sagarana. ADEUS, ANAMARIA! BOIADA CORPO DE BAILE DIA A DENTRO ESTAS ESTÓRIAS F GRANDE SERTÃO : VEREDAS H I JOÃO E OS SEUS (BICHOS) K L M NARRADOS, NARRAÇÕES ORMINAGÉTYS P QUERÊNCIA REI DE OUROS, REI DE ESPADAS SAGARANA TUTAMÉIA VAI-DE-VULTO ________ VENÚSIA X Y ZOO 31 Lembremos a declaração de Guimarães Rosa a Günter Lorenz: hoje, um dicionário é ao mesmo tempo a melhor antologia lírica. Cada palavra é, segundo sua essência, um poema. Pense só em sua gênese. No dia em que completar

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IEB. JGR-Manuscrito de Obras (MO)-Cx 1, Sezão. IEB. JGR-EO-Cx 3,1. Manuscrito à tinta verde com anotações a lápis preto, azul e vermelho.

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cem anos, publicarei um livro, meu romance mais importante: um dicionário. Talvez 32 um pouco antes. E este fará às vezes de minha autobiografia. Esse conjunto de textos formaria o dicionário do escritor e daria indícios para formular a biografia de um autor criado, ficcionalmente, por ele e denominado João Guimarães Rosa. Rudemente pensa-se o dicionário a partir da ideia de língua morta e estática, já depositada num volume que nega a mobilidade da fala cotidiana; mas aqui está em jogo a concepção de que se trata de elementos em estado de nascença (“utilização de cada palavra como se ela tivesse acabado de nascer, para limpá-la das impurezas da linguagem cotidiana e reduzi-la a seu sentido original”33); logo, é também o dicionário uma grande listagem de palavras prontas para a exploração de sua potência poética. Parece que Guimarães Rosa adota a ideia de formação de uma listagem própria para garantir a negação de 34 sujeição a um dicionário de outrem. A afirmação de uma singularidade nessa organização individual chega ao limite de, em Tutaméia, como já comentado, o autor alterar a ordem alfabética para se mostrar, na inversão da ordem ao fazer a sequência JGR, enquanto “sujeito que classifica e como objeto classificado”.35 Um fenômeno comum aos cadernos e cadernetas de Guimarães Rosa é o processo de assinalar os enunciados que foram usados, mas que, geralmente, são reelaborados posteriormente para a sua inserção na obra. Muitos esforços analíticos foram empregados para tentar encontrar núcleos adâmicos nessas anotações. Para exemplificar a problemática desse tipo de busca de um ponto mais antigo de escrita, note-se uma das passagens mais belas do texto Boiada 2, que descreve a Fazenda Santa Catarina e, em seguida, o trecho referente à descrição da casa da personagem Otacília em Grande Sertão: Veredas: A Fazenda Santa Catarina fica perto (junto do) céu – um céu de azul pintural – de Pisa ou Siena – com nuvens que não se removem.36 O que lembro, tenho. Venho vindo, de velhas alegrias. A Fazenda Santa Catarina era perto do céu – um céu azul no repintado, com as nuvens que não se removem.37 O texto mais próximo do momento da observação empírica38 – isto é, o texto da Boiada 2 – passa por modificações que imprimem indeterminação na poeticidade já notada. A determinação presente na comparação com o céu de Pisa ou Siena é retirada, assim como ocorre a substituição de “um céu azul pintural” para a formulação ainda mais poética “um céu azul no repintado”. Na formulação do livro, o autor insere um termo ainda mais polissêmico (repintado). Essa nova configuração poderia determinar algo que fora pintado mais de uma vez, mas também se refere à ação de retocar, ao ato de reproduzir algo; há, além disso, sentidos mais próximos às artes gráficas: repintar pode dizer respeito à impressão feita duplamente numa mesma superfície e, em seu sentido ainda mais antigo, relaciona-se ao ato de reproduzir em uma página aquilo que está impresso em folha maior e em tinta fresca. 32

ROSA, J. G. Literatura e vida; um diálogo de Günter Lorenz com João Guimarães Rosa. In: Arte em Revista, São Paulo, Kairós, ano I, n. 2, ago. 1979. 33 Ibidem. 34 Não esqueçamos a função do dicionário de servir de repertório e lugar memorial da expressividade humana. 35 FINAZZI-AGRÒ, E. Um lugar do tamanho do mundo: tempos e espaços da ficção em João Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. 36 IEB. JGR-EO-A Boiada 2, p. 16. 37 ROSA, J. G. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970, p. 145. 38 No arquivo do IEB há apenas a versão datiloscrita de anotações feitas em cadernetas, por isso não é possível afirmar se a transcrição foi ou não também trabalhada pelo autor.

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Por isso, concordo com a ideia de Hansen no que diz respeito ao processo de seleção para produção de indeterminação de discursos. Em sua leitura, o escritor evidencia que a seleção dos materiais, como se pode observar nos muitos cadernos de notas de Rosa, pressupôs a avaliação da funcionalidade de seu uso como matéria da representação. Na correlação, o autor produz o atrito das retóricas das matérias, traduzindo-as umas pelas outras como suspensão de sentido que têm nos usos onde 39 foram selecionadas. Acredito também que o selecionado por Guimarães Rosa em seus manuscritos já carrega sua funcionalidade – neste caso, a descrição de uma paisagem carrega em si a semântica potencial da arte de representação visual e a comparação com Pisa e Siena poderia criar algum tipo de determinação, sendo por isso rasurada. Nos manuscritos descritos anteriormente (caracterizados pelo processo de acumulação cuja forma de organização é o da listagem) é mais comum que o enumerado seja apenas transportado para a narrativa, sem modificação, pois já fora trabalhado esteticamente. A ação de escolha pelo uso direto do já listado envia-nos a repensar a funcionalidade desses itens recolhidos. Proponho encará-los como células estéticas: são fragmentos de enunciação com a carga determinadora da identificação literária. A anotação, que é fragmento por essência, transfere para o texto uma linguagem específica. No caso de Guimarães Rosa, Augusto de Campos identificou uma linguagem telegráfica (“rítmica, pontuada, pontilhada de pausas”40), que pode ser observada pelo modo de produção de enunciação nos manuscritos. Se o manuscrito de listas não pode ser considerado uma obra, pelo seu caráter provisório, é literatura em potencial. Tal percepção de Guimarães Rosa parece tornar-se decisiva para a constituição de sua escritura: o efeito que se experimenta com enunciados que podem ser retirados e citados, por sua unidade rítmica de frase-verso, é ele mesmo produto da atividade de enunciação.

“Paixão de leitura”: Repetição de fragmentos De acordo com as descrições anteriores, é possível caracterizar esses manuscritos de listagens como espaços escriturais de acolhimento de vozes. Cabe refletir, então, sobre seu conteúdo: a citação do outro. Na crítica rosiana é comum o trato desse aspecto no que diz respeito a uma ficção que seria proveniente da influência de artistas ou de leituras que o autor, com sua erudição, fazia. A diferença aqui é entender esse processo enquanto método de estudo e de escrita. Esses manuscritos funcionavam como um breviário, no sentido de “livro que se está sempre a ler; livro predileto”, concepção que pode ser vista no título dado a um conjunto manuscrito com citações de Sêneca, Santo Agostinho, Demóstenes, Eça de Queirós, Joseph Campbell, Montesquieu, Ortega y Gasset, Alceu Amoroso Lima, Fernando Pessoa, Balzac, Jung, Bergson, Queneau, Nietzsche, entre outros: m% UM BREVIÁRIO PEQUENA ANTOLOGIA VERSÁTIL 41

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HANSEN, J. A. Forma, indeterminação e funcionalidade das imagens de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007, p. 37. Termos cunhados por Augusto de Campos em “Um lance de “dês” do Grande Sertão” (In: CAMPOS, A. de.; CAMPOS, H. de.; XISTO, P. Guimarães Rosa em três dimensões. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, Comissão de Literatura, 1970). 41 IEB. JGR-EO-Cx 7, 2. 40

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Nessa antologia para consulta constante, convivem citações sobre os mais diversos assuntos: cabe a frase de Ruy Barbosa (“a impureza dos cálculos humanos auxilia amiúde a justiça, acreditando explorá-la”) e a de Mme. de Staël (“il n’y a sur cette terre que des commencements...”). Mas estou chamando de citação do outro também as pequenas enunciações listadas sob o m%, já que, inúmeras vezes, se trata do deslocamento de fragmentos discursivos para o interior dos manuscritos e, igualmente, para o espaço narrativo. Seus manuscritos funcionam também como um livro, mesmo que não tenham a materialidade de páginas amarradas umas às outras; é um livro que atua por sua dispersão, obrigando o escritor a ler e reler constantemente suas anotações. Essa leitura constante de textos de outros no interior de sua própria escritura faz com que cada leitura em busca da escrita seja também releitura de outros textos. A citação dessas notas é, assim, um ato contínuo de acomodação, pois pode ser o lugar de reconhecimento do leitor de uma outra discursividade que atravessa aquela que está em curso; nessa acomodação, solicita do leitor (o primeiro leitor do manuscrito, o autor, e o leitor posterior das narrativas) a sua conciliação com o enunciado, convidando-o para a leitura do texto que é citado e do que cita. O ato da citação é ainda mais múltiplo e simultâneo: além de acomodar e solicitar, evoca (apela para a memória, para a recordação) e suspende (retira-o do texto lido para a significação desse outro citado). Enquanto procedimento, a citação é produzida pelo ato seletivo, mas ela também repercute no autor. Compagnon afirma: “trabalho a citação como uma matéria que me habita. E, me ocupando, ela me trabalha”;42 por isso conclui que as citações provocam e colocam em jogo uma energia: “a citação trabalha o texto, o texto trabalha a citação”.43 Esse trabalho mútuo provém do desejo de reprodução de uma paixão de leitura para “encontrar a instantânea fulgurância da solicitação, pois é a leitura, solicitante e excitada, que produz a citação. A citação repete, ela faz permanecer a leitura na escritura”.44 Essa permanência da leitura no processo de escrita carrega em si os efeitos de interpretação, já que nessa seleção focaliza-se para o leitor do texto que efetua citações a paixão de leitura de seu autor. Por fim, no que tange a esse aspecto de deslocamento textual, Compagnon conclui que “o ato da citação é uma enunciação singular: uma enunciação de repetição ou a repetição de uma enunciação”.45 Entretanto, não compreendo esse ato de repetição como sinônimo de igualdade. Ao contrário, na seleção que focaliza a citação, já ocorre um movimento de produção de diferenças, pois nesse outro texto o leitor que citará encontra algo que deveria ser fruto de sua enunciação; além disso, após esse recorte, há a combinação desse texto com outro, o qual, por sua vez, acolhe-o tendo seu sentido germinado por essa outra voz que fala simultaneamente a ele. No texto rosiano o leitor reconhece alguns tipos de enunciação, mas é colocado frente à produção de diferenças: percebe traços de oralidade que são verossímeis aos narradores sertanejos do escritor, mas nota ao mesmo tempo fragmentos de enunciação de, por exemplo, textos filosóficos. O texto solicita do leitor a relação entre essas diversas enunciações. Ou seja, a citação une simultaneamente efeitos de interpretação a efeitos de alteração: no primeiro caso, a repetição de outra fala permite produzir um novo texto resultante da combinação e, no outro, a citação provoca a inquietação do texto por sua diferença (o texto que recebe a citação também fica com um silêncio residual da união entre os dois). Ressalto, ainda, que na citação se repete um texto porque está em ação uma conduta necessária em relação àquilo que não pode ser substituído por sua singularidade. Referindo-se ao processo de repetição, Deleuze afirma:

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COMPAGNON, A. La Seconde Main. Paris: Seuil, 1979, p. 36. Ibidem, p. 37. 44 Ibidem, p. 27. 45 Ibidem, p. 42. 43

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não se trata mais de uma equivalência entre coisas semelhantes, não se trata nem mesmo de uma identidade do Mesmo. A verdadeira repetição se dirige a algo de singular, que não pode ser trocado e a algo de diferente, sem ‘identidade’. Ao invés de 46 trocar o semelhante e de identificar o Mesmo, ela autentifica o diferente. A não-identidade que acolhe a repetição é por ela focalizada. Um exemplo interessante, nesse sentido, é a famigerada frase “O diabo na rua, no meio do redemunho” – de Grande Sertão: Veredas – que será repetida em dez momentos durante o romance. Ela também serve de exemplo para a análise de Hansen no que diz respeito ao procedimento analógico e permutável da linguagem rosiana. Segundo ele, na linguagem intensiva e extensiva [de Guimarães Rosa], os instrumentos conceituais e narrativos são, basicamente, a analogia, que funciona por paráfrase, e a permuta, que avança por polissemia. A analogia, cujo funcionamento é metafísico, mimetiza em todo o discurso a presença de um princípio interpretante ou dedutivo que traduz e recupera as diferenças por transposição [...] [e,] ao mesmo tempo que insiste numa semelhança domada, produz um deslocamento contínuo.47 Nesse sentido, o leitmotiv “O diabo na rua, no meio do redemunho” é o mesmo, mas em cada um dos dez contextos narrativos em que aparece é também diferente. Nos manuscritos, essa frase está presente em algumas enumerações de títulos e, em cada um dos momentos que observei, encontra-se de forma diferente. A diversidade de formas identificadas também está na fala de Riobaldo: “O demônio na rua....”; “O diabo na rua, no meio do redemunho.”; “O demônio na rua, no meio do redemunho...”. Esses três modos de apresentação do enunciado encontram espaço no romance, o que nos permite afirmar que, muitas vezes, os elementos enumerados nem são descartados, nem trabalhados, mas apenas inseridos.48 Nesse caso ocorreu a multiplicação de formas diversas de enunciar um conteúdo que não oferece esclarecimento senão pela atividade relacional: de título, transformou-se em leitmotiv do livro, expressão fantasmática de um ausente que se presentifica no mistério que o leitor só desvenda ao final da leitura e também serve para enredá-lo novamente na atividade da releitura.49 É preciso assinalar que a pequena unidade de enunciação funciona como uma célula estética: esse tipo de atividade de produção literária circunscreve no procedimento o problema do ato da leitura: para respeitar a unidade discursiva, Guimarães Rosa escolhe a listagem para materializar essa acumulação, o que permite, além desse respeito à unidade, a consulta e a movimentação contínua. O olhar que percorre o manuscrito em busca de um item para inserção no discurso em produção não só faz com que seu leitor esteja sempre em deslocamento (é preciso recorrer a diversos cadernos e conjuntos temáticos de frases para a composição), mas o define como aquele capaz de reconhecer os contornos das peças para a combinação que melhor explore sua poeticidade.

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DELEUZE, G. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 296. HANSEN, J. A. Op. cit., pp. 77, 78. 48 Vejamos as formas presentes em Grande Sertão: Veredas: “... O diabo na rua, no meio do redemunho...” (ROSA, J. G. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970, p. 11); “o diabo, na rua, no meio do redemunho...” (Ibidem, p. 187-188); “O demônio na rua, no meio do redemunho...” (Ibidem, p. 77); “O demônio na rua...” (Ibidem, p. 237). 49 Lembro, ainda, que no manuscrito de Grande Sertão: Veredas constava outro título, a saber, Veredas Mortas; seriam três significações no que tange a títulos presentes no romance, ou seja, substituição de um por outro e deslocamento de função de título para leitmotiv. 47

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A listagem, tipo de manuscrito que é encarado geralmente como pré-redacional, não pode ser entendida, no caso rosiano, apenas como algo anterior à elaboração, pois cada fragmento discursivo acumulado tem passe livre para a participação no texto já literário. Esse processo é marcado pelo procedimento da citação, seja da cultura escrita (de textos da filosofia aos estudos geofísicos), seja da oralidade capturada pela anotação (variando também da fala do vaqueiro registrada na Boiada, ao cartaz publicitário do metrô de Paris anotado no manuscrito Diário de Paris e transposto para Ave, Palavra). Mas, assim como na literatura de Flaubert, as pesquisas efetuadas por Guimarães Rosa e a acumulação de citações não podem ser usadas simplesmente como justificativa para a elucidação de um realismo. Verónica Galíndez-Jorge aponta que o discurso flaubertiano é permeável e a escritura é criada “nos intervalos dos 50 discursos que a linguagem abriga”. Também na literatura rosiana é nos intervalos desses discursos que entrevemos a sustentação textual capaz de abrigá-los. Essa acumulação de elementos, que carregam o mecanismo da descontinuidade discursiva, interfere na produção de sentido das narrativas rosianas: na trama narrativa (estrutural e metaforicamente) conta-se com certa memória dessa acumulação de vozes marcadas por sua descontinuidade.

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GALÍNDEZ-JORGE, V. Como as mil peças de um jogo de escritura nos manuscritos de Flaubert. Tese (Doutorado em Língua e Literatura Francesa). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

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