CLUBE DA ESQUINA E BELO HORIZONTE: Romantismo revolucionário em uma cidade de formação ambígua

June 2, 2017 | Autor: Luiz Correa | Categoria: Historia, Modernismo, Memoria, Identidades, Clube Da Esquina
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Luiz Otávio Corrêa

CLUBE DA ESQUINA E BELO HORIZONTE: Romantismo revolucionário em uma cidade de formação ambígua

Belo Horizonte 2002

Luiz Otávio Corrêa

CLUBE DA ESQUINA E BELO HORIZONTE: Romantismo revolucionário em uma cidade de formação ambígua

Dissertação apresentada ao curso de pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais: Gestão das Cidades. Linha de Pesquisa: Modos de Vida e Cultura Urbana. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lucília de Almeida Neves Delgado

Belo Horizonte Instituto de Ciências Humanas da PUC-Minas 2002

Para Lucas, que aprendeu a ler sozinho.

AGRADECIMENTOS

À minha irmã Airosa e às minhas sobrinhas, pela paciência; À Edna, pela força eterna; À Cleide, por que sempre acreditou em mim; À Lucília, pelo mesmo motivo; Aos meus amigos, como poderia esquecê-los?

Quero agradecer especialmente à Juliana Rodrigues Amorim pelo grande amor e por revisar este trabalho. Agradeço também à CAPES, que financiou este projeto. Finalmente agradeço, aos artistas que se dispuseram para realizar as entrevistas.

SUMÁRIO

RESUMO ..........................................................................................................................6 APRESENTAÇÃO ............................................................................................................

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CLUBE DA ESQUINA: A MÚSICA NA CIDADE............................................................

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INTRODUÇÃO..................................................................................................................

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1 Clube da Esquina e o romantismo revolucionário ...........................................................

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2 Clube da Esquina - modernidade e tradição: faces de uma mesma moeda ......................

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3 Clube da Esquina - a importância de um olhar verticalizado sobre a heterogeneidade no movimento ...........................................................................................................................

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4 Caminhos e fontes ............................................................................................................

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5 Estrutura da dissertação ....................................................................................................

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CAPÍTULO 1 - O CLUBE DA ESQUINA E A CIDADE DE BELO HORIZONTE: FORMAÇÃO DO PENSAMENTO ROMÂNTICO-TRANSFORMADOR E SUA INFLUÊNCIA NAS OBRAS DO MOVIMENTO ..........................................................

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1.1 A diversidade no Clube da Esquina, a industrialização mineira e o processo migratório dos jovens do interior para a cidade de Belo Horizonte ....................................

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1.2 Clube da Esquina: as origens diferenciadas dos artistas ...............................................

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1.3 Colégio Estadual Central ...............................................................................................

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1.4 Quadro musical na cidade de Belo Horizonte e o Clube da Esquina ............................

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1.5 Clube da Esquina e o cinema de Belo Horizonte ..........................................................

49

1.6 Os bares e o Clube da Esquina ......................................................................................

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1.7 O inaudito: a questão da harmonia no Clube da Esquina ..............................................

60

CAPÍTULO 2 - O CLUBE DA ESQUINA E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA EM MINAS GERAIS ..................................................................................

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2.1 A atualidade do conceito de memória coletiva .............................................................

66

2.2 A migração e a memória................................................................................................

68

2.3 Clube da Esquina e a memória popular .........................................................................

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2.4 O trem da tradição .........................................................................................................

71

2.5 As pedras, as montanhas: a geografia mítica do Clube da Esquina ..............................

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2.6 A infância, o lar e a rua: elementos dinâmicos da memória .........................................

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2.7 O sertão e o Clube da Esquina.......................................................................................

85

2.8 A religiosidade no Clube da Esquina ............................................................................

88

2.9 A reconstrução dinâmica do passado no Clube da Esquina ..........................................

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CAPÍTULO 3 - A MODERNIDADE ENGAJADA DO CLUBE DA ESQUINA: DA FANTASMAGORIA DA CIDADE À ESPERANÇA DA ABERTURA ......................

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3.1 O lirismo politizado do Clube da Esquina.....................................................................

98

3.2 Clube da Esquina e resistência na música popular brasileira ........................................ 104 3.2.1 A apropriação da rua e o Clube da Esquina ............................................................... 104 3.2.2 A fantasmagoria do espaço e a perda do halo no Clube da Esquina: A cidade partida na vigência do AI-5 ................................................................................................. 108 3.2.3 A resistência e o olhar da esperança a partir de 1977 ................................................ 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 135 SUMMARY ......................................................................................................................... 139 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 140 ANEXOS............................................................................................................................. 153

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar o movimento cultural intitulado Clube da Esquina, procurando perceber como modernidade e tradição são categorias inseparáveis nas músicas do movimento. Busca entender o processo de formação desse grupo na cidade de Belo Horizonte, relacionando-o com o pensamento romântico-revolucionário que foi hegemônico nos movimentos culturais da década de 60. Analisa como a questão da memória coletiva é tratada pelos integrantes do Clube da Esquina. O resgate da cultura popular é apresentado como um ponto de conexão entre os integrantes do movimento e com o contexto “revolucionário” em questão. Verifica como o movimento criou uma linguagem musical inovadora e recolocou o debate sobre a função da arte no Brasil. Finalmente, avalia a aproximação do Clube da Esquina com os outros movimentos culturais que floresceram na década de 60 e com a poesia modernista que marcou a vida cultural brasileira no século XX.

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APRESENTAÇÃO

CLUBE DA ESQUINA: A MÚSICA NA CIDADE O Clube da Esquina, objeto desta dissertação, é considerado um dos mais relevantes movimentos da recente história da música popular produzida em Minas Gerais, ultrapassando os limites do Brasil para ganhar reconhecimento internacional. O grupo nasceu em Belo Horizonte, reunindo artistas de variadas tendências e origens em torno da família Borges. O encontro desses artistas ocorreu no centro da cidade de Belo Horizonte e não no bairro de Santa Tereza, como tradicionalmente se conta. A mudança para o Edifício Levy, na avenida Amazonas, foi responsável pelo encontro de Milton Nascimento com a família Borges. A esquina das ruas Paraisópolis e Teresópolis, no bairro de Santa Tereza, deu nome ao movimento que se gestou nas ruas da cidade de Belo Horizonte. Parte dos integrantes do Clube da Esquina veio do interior do estado de Minas Gerais. Oriundos das mais variadas regiões mineiras, eles trouxeram em sua bagagem um caldo cultural rico e heterogêneo que caracterizou o movimento. Assim, o Clube da Esquina foi sendo construído em meio à pluralização cultural ocorrida em Belo Horizonte 1, cidade que apresentou um elevado crescimento populacional a partir da década de 50 com a migração de um grande contingente de jovens do interior para a capital. Os artistas, provenientes de diversas cidades mineiras, encontraram-se na capital, o que possibilitou a formação do movimento. Mas quem são os integrantes do Clube da Esquina? Essa se torna uma questão difícil, tamanha a mobilidade dos integrantes. Para alcança-la, propõe-se aqui um corte temporal, dividindo o movimento em três períodos. O primeiro período corresponde ao processo de formação do grupo em Belo Horizonte, cidade que experimentava nos anos sessenta a efervescência cultural que também se observava em todo o país. O segundo período corresponde ao processo de consolidação do movimento no cenário nacional, a partir do lançamento do disco Clube da Esquina 1 em

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Elisabeth Guerra Parreiras Baptista Pereira diz que a “cidade de Belo Horizonte nasceu sob o signo da modernidade e absorve bem o seu caráter dinâmico, fluido e aberto. Na sua origem, a cidade já é uma sociedade de acolhimento e aprende logo a conviver com a diferença” PEREIRA, Elisabeth Guerra Parreiras Baptista. Belo Horizonte, uma cidade de acolhimento: a identidade de sobrevivência na migração portuguesa. 2001. 150 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001. p. 104.

8 1972. Esse disco foi uma espécie de ata inicial do movimento, um marco fundamental na carreira individual dos integrantes e do grupo em si. O terceiro período iniciou-se com o lançamento do disco Clube da Esquina 2, em 1978, quando, novamente, os artistas reuniramse em torno de Milton Nascimento, mas, agora com outro foco, para a afirmação de suas carreiras individuais. Esse recorte temporal contribui para a identificação daqueles que ativamente participaram do movimento e, por outro lado, para detectar as participações eventuais de músicos e letristas. Não se pretende fechar uma lista para não se correr o risco de injustiças com outros artistas que dele participaram. Por outro lado, esse recorte funciona também como referência para a localização do movimento na conjuntura da música popular brasileira. Na primeira fase, de 1963 a 1972, as amizades e as parcerias engendraram-se nas ruas de Belo Horizonte, cidade onde o movimento estudantil mostrava-se aguerrido e os movimentos sociais criavam um clima de apreensão entre os setores mais conservadores de Minas Gerais. O grupo formou-se tendo por esteio essa efervescência. Esse é o momento do início das carreiras de Milton Nascimento, Wagner Tiso, Fernando Brant, Marilton Borges, Toninho Horta e Márcio Borges. Beto Guedes e Lô Borges eram apenas adolescentes. Naquela conjuntura, como relata Toninho Horta, havia uma cisão entre os músicos de jazz e os que melhor aceitavam as influências da música pop e do rock‟n‟roll. Marilton Borges, Wagner Tiso, Milton Nascimento e Toninho Horta vinham da escola do Jazz, enquanto Beto Guedes e Lô Borges eram beatlemaníacos2. A fusão iria ocorrer posteriormente. As parcerias começaram a aflorar a partir de 1964. Milton Nascimento não tinha, até aqueles dias, a pretensão de compor. Depois de ver o filme Jules et Jim com Márcio Borges, os dois compuseram as músicas Novena, Gira Girou, e Crença. Nessa mesma época, Milton passou a escrever letras para as músicas de Wagner Tiso, com quem trabalhava desde os 11 anos. Em 1965, Milton Nascimento firmou sua parceria com Fernando Brant, de quem já era amigo desde 1963. De 1965 a 1967, morou em São Paulo, onde foi buscar reconhecimento. Nesse período defendeu a música Cidade Vazia (Baden Powell e Lula Freire) no festival Berimbau. Também, naquele ano, conheceu Elis Regina, que gravaria várias das composições do Clube da Esquina.

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Expressão utilizada para definir os fãs dos Beatles na década de 60.

9 Toninho Horta e Júnia Horta defenderam a música Maria Madrugada no II Festival Internacional da Canção de 1967. Milton Nascimento havia decidido não participar mais de festivais, depois de defender Cidade Vazia. No entanto, Elis Regina e Agostinho dos Santos inscreveram, sem que Milton o soubesse, três de suas músicas 3 naquele festival. O sucesso de Travessia fez com a carreira de Milton Nascimento fosse alavancada. A partir daquele momento os letristas do grupo passaram a reconhecer-se como tal e a conviver com a fama nas escolas secundaristas e universidades de Belo Horizonte. O primeiro disco de Milton Nascimento (Travessia, 1967) trazia as parcerias de Fernando Brant (além de Travessia, Outubro); Ronaldo Bastos (Três Pontas); e Márcio Borges (Crença, Gira Girou e Irmão de Fé). Milton Nascimento conheceu Ronaldo Bastos no Rio de Janeiro. Em 1969, Toninho Horta foi classificado no IV Festival Internacional da Canção Popular (FIC) com a canção Correntes, em parceria com Márcio Borges. Milton Nascimento gravou o disco Courage nos Estados Unidos, que teve a participação de jazzistas como Herbie Hancock, Humbert Laws e outros. Enquanto, no Brasil, discutia-se a eletrificação da música popular brasileira, o artista experimentava novas formas harmônicas e melódicas que o Jazz proporcionava. Por outro lado, iria fundir essas experiências com a toada mineira, que foi reintroduzida por ele na música popular brasileira. Ainda em 1969, Lô Borges, Márcio Borges e Milton Nascimento compuseram Clube da Esquina 1. Como relata Márcio Borges, esse processo marca, definitivamente, a entrada de Lô Borges e Beto Guedes no grupo que iria formar o movimento. Nesse mesmo ano, os dois últimos compuseram, com Márcio Borges, Equatorial. Em 1970, formou-se o Som Imaginário, conjunto que iria gravar o segundo disco de Milton Nascimento, Minas. O Som Imaginário era composto por Wagner Tiso, Zé Rodrix, Tavito, Robertinho Silva, Luiz Carlos Sá, Toninho Horta e Naná Vasconcelos. O grupo classificou a música Feira Moderna (Brant, Beto Guedes e Lô Borges) no Festival Internacional da Canção daquele ano.

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Morro Velho, Crença e Travessia. A composição Travessia de Milton nascimento e Fernando Brant ficou em segundo lugar. Morro Velho foi classificada em sétimo lugar.

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A partir da esquerda: Robertinho Silva, Wagner Tiso e Tavito, componentes do Som Imaginário em 1970. Fonte: Site de Wagner Tiso.

Som Imaginário e Milton Nascimento no início da década de 70. Fonte: Última Hora – 23/12/1975

11 O Clube da Esquina, portanto, é o resultado das diferentes influências dos integrantes que produziram uma musicalidade original, influenciada tanto por movimentos musicais de abrangência internacional, como pelas raízes da música brasileira do interior, principalmente do interior de Minas Gerais. Nasceu assim o Clube da Esquina, inaugurado por seu registro histórico, o álbum Clube da Esquina 1. O álbum Clube da Esquina 1 é considerado por Tárik de Souza “o Sgt. Peppers da música mineira” (Jornal do Brasil, 22-06-1997). Sobre o mesmo disco, disse Marcelo Dollabela: “Enquanto os Tropicalistas passaram seis meses se reunindo para fazer um manifesto, o pessoal do Clube da Esquina lançou o disco e descobriu que tinha feito um movimento” (Jornal do Brasil, 22-06-1997). Realmente, esse trabalho representa um corte na história da música do estado. Não que Minas Gerais não tenha produzido músicos importantes anteriormente. Mas, o álbum Clube da Esquina 1 fundiu elementos musicais e culturais importantes, que denotaram um nível de originalidade e inovação considerável. A musicalidade (formas melódicas e harmônicas criativas e inovadoras) desenvolvida por aqueles rapazes tornou-se referência para músicos brasileiros e estrangeiros, principalmente na década de 80. O disco foi gravado em dois canais e, portanto, pode ser considerado um “disco ao vivo”: os artistas ensaiavam e gravavam de uma só vez e não de forma fragmentada, como se faz habitualmente. O que poderia representar uma deficiência técnica foi, na verdade, uma de suas virtudes. O sentimento coletivista presente naquele álbum (coletivismo que caracterizou aquela geração) fez com que o disco permanecesse como um dos registros da efervescência cultural, artística e comportamental da década de 70 no Brasil. A palavra liberdade ganhou relevância no disco Clube da Esquina 1. Essa perspectiva libertária abriu espaço para que Toninho Horta mostrasse toda sua criatividade em solos de guitarra considerados relevantes e originais na música popular brasileira, como no caso da música Trem Azul, posteriormente gravada por Tom Jobim. Do álbum participaram, além de Milton Nascimento e Lô Borges, Alaíde Costa, Wagner Tiso, Robertinho Silva, Luiz Alves Sá, Tavito, Nelson Ângelo, Paulo Moura, Rubinho, Márcio Borges, Fernando Brant, Beto Guedes, Eumir Deodato e Paulo Braga. Carlos da Silva Assunção Filho (Cafi) fez o lay-out da capa e, juntamente com Juvenal Pereira, as fotos internas e externas do disco. A capa do disco é significativa: não

12 apresentava nem os integrantes, nem Milton Nascimento, nem Lô Borges. Apenas dois meninos no meio de uma estrada de terra. Procurava representar a simplicidade e a pureza, não somente das crianças, mas do homem da terra. Mostrava a necessidade do reencontro do ser humano com a bondade, com a justiça, com o amor e com o modo de vida que supostamente estaria perdido.

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Acima a capa do disco Clube da Esquina 1 Ao lado a gravação do álbum Clube da Esquina 1. Na foto abaixo a capa do primeiro disco de Lô Borges – 1972 (Reprodução: Cafi e Juvenal Pereira, 1972)

14 Naquele mesmo ano, Lô Borges gravou seu primeiro disco que trazia, na capa, um tênis velho. Aquele tênis era a representação do pensamento geracional, do despojamento do movimento hippie, da quebra com os padrões comportamentais da família tradicional. Esses dois álbuns são registros importantes do pensamento de uma geração que pretendeu realizar uma revolução comportamental no planeta. Essa geração considerava a ideologia pequeno-burguesa um empecilho para a revolução política, social e cultural que almejava. Criar novas relações comunitárias, através da valorização da simplicidade, da amizade e do amor, era um imperativo para a realização da utopia de transformação. O experimentalismo do álbum Clube da Esquina 1 contrapunha-se à conjuntura política do país. A cultura brasileira vivia um momento de entressafra. A euforia desenvolvimentista, fruto do milagre brasileiro, confortava parte considerável da classe média. Por outro lado, o governo Médici eliminava, paulatina e assustadoramente, qualquer foco de oposição ao regime militar. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque exilaramse. A oposição e a guerrilha urbana estavam sendo desmontadas pelo aparato repressivo da ditadura. Nesse contexto, pode-se dizer que o Clube da Esquina assumiu, mesmo sem tal pretensão4, uma posição de relevância na música popular brasileira, fazendo o que se poderia chamar de oposição possível. Todavia, tal pressuposição suscita questões que merecem ser melhor discutidas. Como por exemplo, o Clube da Esquina caracterizou-se somente pela renovação estética da música brasileira ou foi um movimento de contestação, tal como o foi a Tropicália? Pode-se dizer que essa dicotomia não está presente no movimento. O grupo privilegiou a renovação da musicalidade, optando pelas dissonâncias da bossa nova e pela criação de novas linhas melódicas e harmônicas, muito influenciadas pelo jazz americano. Por outro lado, as letras se distanciavam da velha relação flor e amor que prevaleceu na Bossa Nova, partindo para o que poderia ser chamado de lirismo politizado. O disco Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento, teve várias de suas músicas censuradas. Márcio Borges, assustado com a eliminação de estudantes e amigos pela ditadura, passou a fazer músicas que ele próprio chamou de fantasmagóricas. Dentre elas, pode ser citada Como Vai 4

Sobre esta Questão ver: BAHIANA, Ana Maria. Querem que Milton seja herói. Ele não: prefere a margem, a sombra, a música. In: ______. Nada será como antes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p. 46-57.

15 Minha Aldeia, em parceria com Tavinho Moura, uma homenagem à morte de Che Guevara. Esse período foi também um tempo de transformações do grupo, transformações comportamentais que faziam parte do processo comandado pelos Beatles no mundo inteiro. A maconha foi tema de músicas como Cruzada. Os cabelos cresciam na mesma proporção em que crescia a relação do grupo com outros artistas, intelectuais e com o movimento hippie. A década de 70 é, portanto, o momento de consolidação do grupo no cenário nacional, depois do período inocente que caracterizou a sua formação em Belo Horizonte. Na metade dessa década o grupo se agregou em torno de outras questões e perspectivas. Os novos movimentos sociais retomaram o processo de luta pela redemocratização do país. Naquele mesmo ano foi gravado o disco Clube da Esquina 2. O segundo álbum foi cosmopolita. Enquanto no primeiro predominaram os músicos mineiros, o segundo contou com artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. O grande número de intervenções pontuais dificulta a visualização de todos que dele participaram. Por este motivo, optou-se aqui por elaborar um quadro com os nomes dos artistas e músicos que contribuíram para sua construção (ver Anexo 1). Vale lembrar que vários desses músicos não fizeram parte do que passou a ser chamado de Clube da Esquina. Não se poderia dizer, por exemplo, que Chico Buarque ou Elis Regina tiveram uma maior ligação com o movimento, a não ser pela grande amizade que cultivavam com vários artistas do grupo. Por outro lado, outros (como Tavinho Moura, Ronaldo Bastos e Flávio Venturini) já vinham realizando parcerias com Márcio Borges, Milton Nascimento e Fernando Brant desde a década de 60, mesmo não tendo participando do primeiro álbum. Alguns dos irmãos da família dos Borges tiveram participação restrita, apesar de significativa, lançando inclusive o álbum Os Borges em 1980. Toninho Horta, Beto Guedes, Fernando Brant, Lô Borges, Márcio Borges e, logicamente, Milton Nascimento, são os integrantes mais permanentes, por estarem presentes nos dois álbuns e na continuação do processo a partir de 78. Já na terceira fase, que se iniciou a partir do álbum Clube da Esquina 2, a carreira dos artistas tomou rumos diferenciados. Não mais se reuniram para realizar um trabalho conjunto, mas criaram, inquestionavelmente, uma linguagem músico-cultural, comum. O Clube da Esquina é parte constituinte do processo evolucionário (no termo cunhado por Caetano) da música popular brasileira. Fundiram influências do Jazz, Rock‟Roll,

16 Bossa Nova, Tropicália e Música de Protesto, assim como características da toada, da música religiosa de Minas e música folclórica. Por outro lado, os versos livres das poesias, que se ligam à liberdade musical dos artistas, têm relação com um novo humanismo romântico e com a utopia revolucionária nos anos 60. Mas o que representou o nascimento dessa linguagem no contexto em que a juventude resolveu transformar o mundo?

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Ao lado, a capa do disco Clube da Esquina 2, Abaixo, uma visão geral das pessoas que atuaram no disco no disco em 1978

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INTRODUÇÃO

1 Clube da Esquina e o romantismo revolucionário Em recente livro5, Marcelo Ridenti discute o aparecimento de um tipo de pensamento romântico nos anos 60 e 70 no Brasil que se liga às lutas contra a ditadura militar e à transformação do modo de produção capitalista no país. Ridenti buscou esse conceito na proposta de Michael Lowy e Robert Sayre 6, de uma tipologia para os romantismos existentes, sublinhando a vertente revolucionária que, segundo os autores, pode ser encontrada entre intelectuais e revolucionários envolvidos com o projeto de transformação da sociedade capitalista. Esse conceito possibilitou a Ridenti uma compreensão mais precisa da geração dos anos 60 e 70 que se distanciou, em parte, do dogmatismo presente no realismo socialista, sem abandonar os ideais transformadores e revolucionários que marcaram aquela geração. A partir da metade da década de 60 floresceram movimentos contestatórios dos mais variados. Na França, por exemplo, várias propostas romperam com o stalinismo. O totalitarismo soviético também foi contestado em Praga 7. No Brasil, o movimento estudantil8 e os movimentos culturais9 passaram a questionar o autoritarismo presente na sociedade brasileira.

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RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000. 6

LOWY, Michael; SAYRE, Robert. Revolta e melancolia – o romantismo na contramão da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1995. 7 Em 1968, movimentos das mais variadas tendências espalhavam-se por todo planeta. Nos Estados Unidos a luta do movimento negro se intensificou, principalmente depois da morte de Martin Luther King. Rebeliões proliferavam-se pelas universidades da Espanha, Inglaterra, Suécia e França. No México, o conflito acabou gerando uma forte repressão que resultou na morte de um grande contingente de estudantes. 8 No ano de 1966, por exemplo, período em que muitos integrantes do Clube da Esquina estavam envolvidos com o movimento estudantil em Belo Horizonte, ocorreu uma grande mobilização da juventude brasileira. Como nos lembra Artur José Poerner, “A mobilização estudantil, que empolgaria o país, se erradiou a partir de Minas, na primeira quinzena de março, quando uma grande passeata foi brutalmente reprimida pela polícia, que chegou mesmo a violar templos católicos como a igreja São José para espancar estudantes e mulheres lá refugiados” POERNER. Arthur José. O poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 267. 9 “Não deixa de ser significativo apontar que várias das produções culturais do período se fizeram em torno de movimentos, e não exclusivamente no âmbito da esfera privada do artista. Bossa Nova, Teatro de Arena, Tropicalismo, Cinema Novo, CPC da UNE, eram tendências que congregavam grupos de produtores culturais animados, se não por uma ideologia de transformação do mundo, pelo menos de esperança de mudança. Neste sentido podemos dizer que cultura e política caminhavam juntas, nas suas realizações e nos seus equívocos” ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. 3. ed. São Paulo:

19 Esse tipo de romantismo afasta-se, portanto, do conceito conservador de identidade, ligado à Volk alemã, e que alguns consideram ser a base do pensamento totalitário. Muito pelo contrário, o romantismo revolucionário possibilita uma análise mais completa daquela geração que buscava romper com o conservadorismo na arte e nos costumes. Vários movimentos surgidos no contexto dos anos 50 e 60 (dentre outros, pode-se citar o Teatro Paulista do Estudante, o Teatro de Arena e o Cinema Novo) guardavam uma íntima relação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), sem, no entanto, estarem presos ao seu programa. Como diz o próprio Ridenti, “nenhum desses movimentos culturais teve uma diretiva preestabelecida por qualquer organização de esquerda” (RIDENTI, 2000, p. 82). Mesmo dentro do partido, já na virada da década de 60, havia ocorrido uma mudança qualitativa na sua política cultural que aproximava o PCB da realidade brasileira e também de um ideal romântico de povo. Os movimentos culturais tinham como referencial o desejo de construir um ideário progressista, anti-latifundiário e anti-imperialista na sociedade brasileira. Forma e conteúdo passaram a ter o mesmo peso na construção da obra artística, revertendo o processo que se delineava com a burocratização observada na arte do realismo socialista. Dessa maneira, um grupo expressivo de artistas passou a requerer uma maior autonomia em relação às formas de expressão artística impostas pelo realismo socialista, considerado restritivo10. A hipótese central de Ridenti é de que a compreensão desse período e dessa geração deve passar pelo conceito de novo homem, termo marxista recuperado por Che Guevara. A preocupação com a construção do novo homem contaminou os meios artísticos e os movimentos revolucionários de esquerda, que passaram a idealizar uma revolução de baixo para cima, a partir de um ideal abstrato de povo: buscavam a revolução no “coração do Brasil” ainda não contaminado pela modernidade. Ao mesmo tempo, setores consideráveis dessa mesma geração apoiaram a revolução cubana e sonhavam com a libertação da América Latina do imperialismo americano. Para fundamentar essa hipótese, Ridenti demonstra que o romantismo revolucionário, ao contrário das versões conservadoras ou fascistas, é uma reação à sociedade capitalista, uma autocrítica da modernidade. Portanto, o romantismo revolucionário não é, simplesmente, uma

Brasiliense, 1991. p. 110. 10

O artista plástico Sérgio Ferro em declaração a Marcelo Ridenti afirmou que já no final da década de 50 o realismo- socialista havia se esgotado no PCB. Segundo Ridenti, “o salto cultural pecebista dos anos 60 vinha sendo lentamente maturado no período em que ainda prevalecia o stalinismo” (RIDENTI, 2000, p. 70).

20 volta ao passado, mas a negação da modernidade de matiz capitalista que valorizava o ter em detrimento do ser. As formas variadas de ação política, identificadas pelo autor a partir de uma visão ampla de esquerda, possibilitaram um avanço nas discussões das contradições daquela geração. O conceito permitiu perceber a complexidade de propostas e tendências observadas naquele período. Partindo desse pressuposto, pode-se concluir que não havia uma única forma de expressão cultural. Várias propostas de esquerda entraram em conflito com a perspectiva oficial de cultura, perspectiva autoritária que não respeitava as diferenças culturais que, em países como o Brasil, são visíveis. Por essa razão, a descoberta do povo, nas várias propostas da esquerda, passou pela valorização das tradições culturais, tanto urbanas, quanto sertanejas. Nessa pluralização da cultura brasileira, o maracatu, a música religiosa, o samba, o frevo e muitas outras manifestações culturais, representaram a possibilidade de se repensar o Brasil, suas múltiplas faces, as várias culturas e identidades. A pluralidade dinâmica se contrapôs, naquele instante, à vertente mítico-conservadora de cultura, fruto do autoritarismo histórico brasileiro, representado em Minas Gerais pela “tradicional família mineira”. O resultado desse processo foi a formação de redes de problematização da questão nacional, um consenso em torno da defesa da cultura brasileira. A descoberta do povo, através da afirmação da identidade nacional, era um ideal a ser atingido, ainda que por vias diferentes, pelos boêmios, artistas, intelectuais e guerrilheiros. Assim, o conceito de romantismo revolucionário alcança o mérito de dr constituir como referência para trabalhos e pesquisas e abre espaço para novas perspectivas de estudo sobre a cultura no Brasil, principalmente a partir da década de 60. Ridenti opta por uma análise ampla dos problemas e contradições da sociedade e não pelas especificidades das obras ou da experiência artística dos autores analisados. Sua abordagem tenta escapar tanto do reducionismo estetizante, como do marxismo simplificado. Procura identificar as especificidades da obra artística, estabelecendo sua temporalidade e as características do período, tanto na trajetória individual dos compositores como na história da MPB. Enfoca tanto o plano existencial quanto o macro-cósmico. Procura a relação entre o objeto artístico e seu tempo.

21 Ao optar pela temporalidade, Ridenti vasculha não só a obra em si, mas as ações dos artistas, sujeitos de um tempo histórico complexo. Portanto, o artista liga-se aqui, intersubjetiva e dialeticamente, à dinâmica de seu tempo. Essa perspectiva parece ser mais apropriada e completa, já que consegue compreender, sem reduzir, toda a complexidade do objeto artístico que escolheu para analisar. O Clube da Esquina aproxima-se do tipo ideal construído por Sayre e Löwy e desenvolvido por Ridenti, ao buscar nas tradições populares mineiras a substância fundamental para as temáticas de suas composições. Como se pôde constatar, o resgate da cultura popular significou a redescoberta do povo brasileiro ou da cultura brasileira, ligando o movimento ao modernismo, que desde a década de 20 pretendeu discutir a questão da identidade nacional. O desejo de ir buscar, no povo, a alma brasileira, fazia parte da construção de uma nova realidade, mais humana, menos tecnocrática. Sob esse ponto de vista, as composições do movimento representaram, ao mesmo tempo, o desejo de mudança que mobilizou importantes segmentos da sociedade brasileira naquele período e a preservação da cultura popular mineira. Nesse contexto, parte dos jovens belorizontinos (e também outros que haviam chegado há pouco à cidade advindos das mais variadas regiões de Minas Gerais) apropriaram-se dos bares, cinemas, palcos, galerias de arte e das ruas para afirmarem sua oposição à ditadura militar, construindo uma proposta de arte nacionalista e resistente. Esses espaços tornaram-se pontos de discussão sobre os problemas políticos e existenciais daquela geração e tiveram posterior influência nas letras e nas músicas do Clube da Esquina. Tal como na Tropicália, o Clube da Esquina produziu um pêndulo que oscilava entre a incorporação crítica da modernidade e o resgate da cultura brasileira.Esse pêndulo, ora tendeu à radicalidade e ao conflito, como ocorreu em 68, ora tendeu a uma mudança mais conciliatória e menos radical, como ocorreu em um contexto mais recente da história brasileira, em especial na década de 80. 2 Clube da Esquina - modernidade e tradição: faces de uma mesma moeda A hipótese central da presente dissertação é a de que o Clube da Esquina se mostrou aberto às inovações da modernidade e resistente à entrada indiscriminada da cultura estrangeira no Brasil, buscando na cultura popular elementos para a construção da identidade do país.

22 A partir desta questão central outros problemas foram surgindo ao longo do trabalho. Procurou-se discutir os conceitos de modernidade/tradição no Clube da Esquina, relacionando o movimento ao nascimento de uma memória coletiva transformadora que ganhou dinamismo na cidade de Belo Horizonte na conjuntura em foco e, dessa forma, apresentando relação com o pensamento romântico-revolucionário florescente na década de 60. O conjunto de suas composições significa o desejo de transformação e de modernidade, trazendo, ao mesmo tempo, as marcas do tradicionalismo mineiro que permanecem vivas na cidade de Belo Horizonte. Buscando demonstrar tal hipótese, buscou-se analisar o conjunto das músicas do movimento considerando-se sua inserção na referida cidade. 3 Clube da Esquina - a importância de um olhar verticalizado sobre a heterogeneidade no movimento No momento da pesquisa deparou-se, surpreendentemente, com a escassez de trabalhos acerca do movimento. O estudo da música popular brasileira tem se concentrado na Bossa Nova, no Tropicalismo e na chamada Música de Protesto, temas muito discutidos por sociólogos e antropólogos. Dentre os trabalhos mais importantes pode-se destacar as obras de José Ramos Tinhorão como História Social da Música Popular Brasileira, Música Popular: Um Tema em Debate e Pequena História da Música Popular: da modinha à canção de protesto, que se tornaram referências imprescindíveis nos estudos sobre a música no Brasil. Com relação especificamente ao Clube da Esquina, não são muitos os trabalhos que produziram uma análise verticalizada sobre o tema. Dentro da perspectiva jornalística pode ser citada a monografia Rua Divinópolis: Onde Tudo Começou: Um Histórico do Clube da Esquina, escrita a várias mãos pelos estudantes do oitavo período do curso de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Seu objetivo principal é realizar, através de entrevistas, um histórico do movimento, inserindo-o no contexto de Minas Gerais e do Brasil, mostrando “a opinião de críticos e pessoas envolvidas ou que apenas conheceram as músicas (que apreciam ou não o trabalho do Clube). Com isso, deixaremos que a história seja contada por ela mesma imparcialmente” (BORGES et al., 1996, p. 3). A proposta deste trabalho não caminhou por uma perspectiva linear e nem objetivou a imparcialidade. Considerou-se aqui que cada palavra ou escolha remete, necessariamente, a questões identitárias e subjetivas. Com essa postura busca apresentar um novo olhar sobre o movimento, distanciando-se da visão jornalística. Apesar da contribuição da monografia

23

supracitada, uma análise sócio - cultural pode, de uma maneira diferenciada, ser útil para o entendimento verticalizado desse movimento, tendo em vista que ele funde elementos culturais e musicais interessantes. A monografia intitulada Clube da Esquina: arte e política – um projeto transformador, deste pesquisador, tratou da relação do Clube da Esquina com a conjuntura política do Brasil nos anos 80. Essa monografia é dividida em três capítulos. No primeiro trabalha-se um pouco da história do Clube da Esquina, a partir do final da década de 60 e durante a década de 70. No segundo, relaciona-se o movimento com a conjuntura política e com o Movimento das Diretas Já. No terceiro capítulo, desenvolve-se um esforço analítico que busca relacionar o grupo com a questão da mineiridade. Neste trabalho, no entanto, a proposta segue um caminho próprio: a relação do Clube da Esquina com a cidade de Belo Horizonte e com o romantismo revolucionário que formou o grupo. 4 Caminhos e fontes O aparecimento de novos problemas (como o feminismo, a exclusão, os conflitos étnicos e religiosos, a violência, a migração, etc) possibilitaram novas abordagens das questões sócio-culturais nas Ciências Humanas. O estudo de identidades múltiplas, o combate à neutralidade do positivismo e a quebra da oposição entre o universalismo e o particularismo têm possibilitado uma maior abertura dentro das Ciências Sociais e a pesquisa de uma variedade de temas que, durante muito tempo, foram relegados ao segundo plano. Novas metodologias e abordagens tendem a criticar os paradigmas que foram construídos pelo positivismo do século XIX, que estabelecia leis universais para as Ciências Sociais. O processo de reestruturação das Ciências Sociais tem possibilitado uma maior integração entre as diversas áreas do conhecimento e, conseqüentemente, um entendimento mais completo das relações sociais e culturais que caracterizam o mundo atual11. A tendência de separação das ciências humanas tem se mostrado incompatível com os novos problemas ligados à complexidade das relações sócio-culturais das cidades modernas.

11

COMISSÃO GULBENKIAN PARA A REESTRUTURAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS. Para abrir as Ciências Sociais. São Paulo: Editora Cortez, 1996.

24 Quando se trabalha com identidades múltiplas e relações as mais diversas, entender o processo histórico-cultural exige uma aproximação com as varias áreas do conhecimento, superando a especialização restritiva que impede uma visão ampla do objeto que se proponha a analisar. Inserido nesse processo de mudança, o documento passou a ser visto como um reflexo das relações de poder da sociedade. A transformação do documento em “verdade” é uma construção histórica, uma ação do homem no sentido de escrever o futuro, de manter viva uma memória que considera relevante. Considerou-se nessa dissertação o documento como um “um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de força que aí detinham o poder” (LE GOFF, 1990, p. 545), distanciando-se da ilusão positivista que procurava a imparcialidade dos fatos. Considerando o caráter amplo do documento e sua relação com o contexto histórico, pôde-se realizar a pesquisa buscando-se nas mais variadas fontes a explicação para o surgimento de movimentos inseridos na perspectiva do romantismo revolucionário na cidade de Belo Horizonte. Em decorrência, a coleta de dados de diferentes fontes documentais e, posteriormente, as análises realizadas consideraram a perspectiva de que o documento em si não é neutro, tal como nos lembra Jacques Le Goff12. Os jornais foram importantes referências da biografia dos artistas. Possibilitaram também perceber a amplitude e o impacto do movimento no Brasil e no mundo. Tal como os jornais, os links da Internet também contribuíram com a pesquisa biográfica, além de fornecerem subsídios para elaboração de roteiros de parte substantiva das entrevistas realizadas. Os Long Plays e os Compact Discs têm se mostrado fontes imprescindíveis, a começar pelas capas que também são importantes registros do pensamento vigente naquele momento. As músicas e as letras, todavia, formam os substratos desta dissertação. A música popular brasileira tem sido marcada pela articulação entre a literatura e a música. Para o entendimento mais completo a respeito desse tipo de registro histórico, não se pode separar estas duas esferas da arte. Preferiu-se uma perspectiva dialética através da qual correlacionouse música e letra.

12

“O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente e inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também de épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou manipulado, ainda que pelo silêncio” LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de Bernardo Leitão et al. Campinas/São Paulo: Ed. Unicamp, 1990. (Coleção Repertório). p. 547.

25 As composições do Clube da Esquina, pelo que se pôde constatar, têm relação com o contexto literário modernista que acabou por se firmar na cidade de Belo Horizonte na década de 30 do século XX. Por outro lado, as músicas do movimento sofreram as mais variadas influências, do Barroco Colonial mineiro, passando pela Bossa Nova, pelo Jazz, pela religiosidade, até a música espanhola e portuguesa. O livro de Márcio Borges Os Sonhos não envelhecem também foi uma importante fonte de pesquisa, pois relata, através dos recursos da memorialística, toda a efervescência cultural e política que caracterizou aquele momento. Buscando atender a proposição de se realizar uma pesquisa em fontes diversificadas, a dissertação também se sustenta em fontes orais, que têm a virtude de, através da expressão individual dos sujeitos da história, contribuir para relacionar as dimensões coletivas e individuais, sem perder de vista a dimensão global do processo sócio-cultural daquele momento. Ao mesmo tempo, contribui para uma análise qualitativa do processo histórico e de suas relações sociais, estabelecendo elos entre o entrevistado, o entrevistador e a sociedade13. Ao entrevistar os artistas do Clube da Esquina, abriu-se a possibilidade de reviver suas trajetórias, inserido-as num contexto histórico-social amplo que, por natureza, é rico em dinamismo. Através das entrevistas, os artistas participaram da construção de importantes documentos históricos utilizados como fontes primárias na presente dissertação. Dessa maneira, os encontros com os artistas, muito mais do que um simples jogo de perguntas e respostas, revelaram uma dinâmica social, retomada nas entrelinhas das lembranças revividas nas entrevistas. Ao se escolher a história oral como importante suporte desta pesquisa, não se pode deixar de ressaltar sua natureza intersubjetiva e dialética 14, tal como lembra Neves15. A subjetividade dos artistas e sua relação com a realidade objetiva proporcionou um trabalho

13

“A relação estabelecida entre o entrevistado e o entrevistador é um dos pontos mais ricos da história oral. Esta relação em um contexto de documentos, tem dado sua importante colaboração ao relativizar posturas mais rígidas sobre a separação entre sujeito e objeto no campo da pesquisa” SANTANA, Marco Aurélio. Militância, repressão e silêncio: memória operária. Revista da Associação Brasileira de História Oral, São Paulo, jun. 2000. p. 35. 14

“A abordagem de história de vida reduz a distância entre as dimensões objetivas e subjetivas da análise social, superando o vazio sempre existente entre as afirmações teóricas gerais e os dados empíricos que parcialmente as sustentam”. CAMARGO, Aspásia A. de. Usos e abusos da história oral e da história de vida. Revista Dados, Rio de Janeiro, v. 27, n. 1, p. 19, jan. 1984. p. 17. 15

“A memória passa a se constituir como fundamento da identidade, referindo-se aos comportamentos e mentalidades coletivas, uma vez que o relembrar individual – especialmente aquele orientado por uma perspectiva histórica – relaciona-se à inserção social de cada depoente” NEVES, Lucília de Almeida. Memória, história e sujeito: substratos de identidade. História Oral-Revista da Associação Brasileira de História Oral, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 109-116, jun. 2000. p. 109.

26 rico em sua complexidade de interação do presente com o passado recente. A memória coletiva envolve memórias individuais, mas não se confunde com elas 16. A lembrança é uma forma de reelaboração de conceitos e processos da memória individual que se relacionam com a memória coletiva de um determinado povo e com a criação de identidades coletivas. Tendo o homem recuperado sua dimensão de sujeito histórico e estando inserido em relações sociais, pode-se falar que esse sujeito constrói identidades, projeta utopias e revive sua cultura inserido em uma coletividade construída no presente 17. Desta forma, a memória só pode ser entendida enquanto uma forma de ação coletiva. Para entender o movimento Clube da Esquina em sua complexidade, fez -se necessário abrirem-se os horizontes para as relações de sociabilidade entre os integrantes e para o processo de formação de identidades, tal como se observou na cidade de Belo Horizonte no período enfocado por esta dissertação. Utilizou-se, portanto, um conceito dinâmico de identidade, que se relaciona à conjuntura histórico-cultural analisada. Ao relacionar o Clube da Esquina com o conceito de romantismo-revolucionário, procurou-se demonstrar como o resgate da memória tem relação com o processo histórico. Como lembra Neves (2000), quando se relaciona memória, história e identidade cria-se uma dinâmica que possibilita uma explicação mais complexa da realidade, ao abarcar as mais variadas dimensões da vida humana. Dessa forma, a “memória do povo”, que o Clube da Esquina buscava resgatar, não era a mesma que os representantes da ordem acreditavam ser os “verdadeiros valores da nação brasileira”. O que se quer dizer é que a apropriação da memória é política, bem como sua utilização na criação de uma identidade. Dentro dessa perspectiva pode-se mesmo falar em identidades, um jogo marcado por conflitos e consensos em torno do que é ou não cultura. Mesmo dentro do Clube da Esquina, o resgate da história do movimento foi revivida de maneira diferente pelos integrantes. Desde as primeiras análises percebeu-se que heterogeneidade, complexidade e diversidade marcaram não só o movimento, como a integração de seus componentes a ele. Toninho Horta, por exemplo, esteve sempre mais 16

“A memória pode existir em elaborações socialmente construídas, mas são os indivíduos os únicos capazes de lembrar”. MAIA, Andréa Casa Nova. O controle da memória ou o imaginário operário em Nova Lima: entre a alienação e a resistência (década de 20, 30 e 40). Belo Horizonte: UFMG/ FAFICH/Mestrado em História, 1998. Mimeo. p. 4. 17

“A memória, ao constituir-se como fonte informativa para a história, constitui-se também como base da identidade, por meio de um processo dinâmico, dialético e potencialmente renovável, que contém marcas do passado e as indagações e necessidades do tempo presente” (NEVES, 2000, p. 113).

27 preocupado com sua guitarra. Lô Borges, como ele próprio disse em entrevista recente, esteve mais próximo da música pop, do que da música engajada. Márcio Borges, Fernando Brant, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, parecem ter tido um comprometimento maior com o contexto sócio-político, através de um lirismo politizado e antenado às questões conjunturais pelas quais atravessava o país. Portanto, uma análise generalizante poderia levar à incorreção. Em suas memórias, Márcio Borges lembra que se sentia cansado da cobrança existente na cidade de Belo Horizonte e que em certos momentos ele preferia estar no Rio de Janeiro, onde a praia criava uma descontração maior, que de certa forma, o livrava de pensar o tempo todo em política. Em certos momentos, as temáticas trabalhadas nas músicas de Lô Borges se mostravam extremamente críticas, como, por exemplo, na música As Ruas da Cidade de seu primeiro disco. Beto Guedes, ao mesmo tempo que se mostrou extremamente utópico e politizado em canções como Sal da Terra, gravou uma versão dos Beatles intitulada Quando Te Vi que o aproxima da música pop daquele momento. O conceito de romantismo revolucionário abarca estas ambigüidades que estão presentes no Clube da Esquina e permite uma análise mais complexa, abrindo espaço para as contradições inerentes ao movimento. 5 Estrutura da dissertação A presente dissertação tem três capítulos. No primeiro é discutida a formação do grupo na cidade de Belo Horizonte. A partir da apresentação do processo de industrialização ocorrido em Minas Gerais, procura-se analisar o aparecimento do romantismo revolucionário na cidade. Busca-se identificar as origens diversas dos integrantes e também a forma como a efervescência cultural observada na cidade de Belo Horizonte possibilitou o surgimento do Clube da Esquina, através da criação de redes de sociabilidade e convivência que se ligaram ao pensamento romântico-revolucionário a partir do final da década de 60. No segundo capítulo busca-se resgatar os elementos da memória coletiva de Minas Gerais, presentes em muitas composições do Clube da Esquina. Procura-se discutir como a questão da identidade é tratada por alguns integrantes, tendo em vista as transformações ocasionadas pelo processo de migração do interior para a capital. Verifica-se uma dialética que funde elementos da modernidade aos da tradição folclórica do interior. No terceiro capítulo a questão da modernidade no Clube da Esquina assume o centro da análise. Procura-se discutir como o Clube da Esquina se relaciona com os movimentos de resistência na música popular brasileira, buscando demonstrar que o Clube da Esquina

28 contribuiu para que a cultura popular foi redescoberta na cidade, tornando-se um foco de resistência ao autoritarismo vigente na sociedade brasileira.

29

CAPÍTULO 1 - O CLUBE DA ESQUINA E A CIDADE DE BELO HORIZONTE:

FORMAÇÃO

TRANSFORMADOR

E

SUA

DO

PENSAMENTO

INFLUÊNCIA

ROMÂNTICO-

NAS

OBRAS

DO

MOVIMENTO

1.1 A diversidade no Clube da Esquina, a industrialização mineira e o processo migratório dos jovens do interior para a cidade de Belo Horizonte As diferentes origens dos integrantes do Clube da Esquina acabaram por gerar uma certa diversidade nas composições do grupo. Este fato pode ser explicado pela convergência da população do interior de Minas Gerais para a cidade de Belo Horizonte, que passou por um grande processo de transformação a partir da década de 4018. A forma como se delineou o crescimento populacional de Belo Horizonte provocou uma mudança qualitativa na vida cultural da cidade. Segundo Luciana Teixeira de Andrade, já a partir da década de 20, “a ampliação dos meios de comunicação e o incremento da economia possibilitaram o aparecimento de espaços de cultura e lazer que se concentravam nos limites da avenida do Contorno” (ANDRADE, 1996, p. 72). Naquela conjuntura, a cidade já apresentava “o ambiente intelectual das universidades, dos cafés e das livrarias; uma vida social mais diversificada e livre” (ANDRADE, 1996, p. 72). No entanto, o processo de industrialização e o crescimento populacional observados a partir da década de 40 em Minas Gerais provocaram um salto qualitativo na vida cultural e artística da cidade. Na falta do mar, o belorizontino foi criando espaços de sociabilidade que se tornaram locais de discussão sobre a cultura, política e sobre o cotidiano.

18

Segundo Celina Borges Lemos “pode se considerar que a capital se integra às transformações dos anos 40 a partir da administração ousada de Juscelino Kubistchek (1940-1945). Como um segundo Aarão Reis, o prefeito implementa um programa de remodelação urbana, objetivando resgatar o sentido da modernidade. O processo de verticalização, ainda incipiente, se expande, modificando a escala da paisagem central. Tal processo é incentivado por Juscelino, que, aliado aos interesses dos especuladores, define um gabarito mais permissivo para os prédios. LEMOS, Celina. Determinações do espaço urbano: a evolução urbanística e simbólica do centro de Belo Horizonte. 1988. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais, 1988. p. 189.

30 A verticalização19 do centro de Belo Horizonte, a partir da década de 50, fez com que a cidade recebesse um grupo de habitantes de alto e médio poder aquisitivo. O centro ganhou uma nova configuração: [...] à medida que a capital se metropoliza, o centro vai recebendo os impactos deste fenômeno, levando a uma transformação da sua paisagem, vocação, mentalidade coletiva, etc. [...] o processo de demolição/renovação se instala ao mesmo tempo em que são definidas novas articulações entre o centro e as áreas periféricas (LEMOS, 1988, p. 214).

Se a vida cultural ainda não podia ser comparada à movimentação das grandes metrópoles do país, Rio de Janeiro e São Paulo, a verdade é que Belo Horizonte passou a ter mais importância naquela conjuntura efervescente. O contexto sócio-político nacional contribuiu para uma nova configuração da

vida

setores

cultural da

da

juventude

cidade local,

de

Belo Horizonte 20. Floresceu, entre consideráveis

um desejo de produzir arte e de se opor tanto ao

regime militar quanto aos costumes da “tradicional família mineira”. A concentração de jovens

advindos

principalmente do interior de Minas Gerais 21, associada ao

crescimento do ideário transformador gerar

da

juventude

por todo planeta, acabou por

uma nova conjuntura, que buscava contestar o tradicionalismo vigente na 22

cidade . Portanto, Belo Horizonte vivia uma contradição. Se, por um lado, o conservadorismo da “tradicional família mineira" foi um dos elementos que compôs o cenário do golpe militar em 6423, esse contexto acabou por possibilitar a mudança qualitativa no modo de pensar de

19

A industrialização fez com que, na década de 50, a cidade contasse com uma população de mais de 300.000 habitantes, vendo crescer as favelas e vilas que demarcavam as diferenças sociais entre seus habitantes. Por outro lado “Os anos 50 são decisivos para o centro, que passa a confirmar em seu espaço a transição para a metropolização” (LEMOS, 1988, p. 214). 20

“A euforia instalada também abre possibilidades ao surgimento de grupos de vanguarda no nível da literatura, teatro, música, artes, etc [...] A agitação literária é grande e passa a ser veiculada nos jornais da época. Os principais eram a Folha de Minas e o Binômio, [...] Última Hora e o Estado de Minas” (LEMOS, 1988, p. 218). 21

Segundo dados do Censo Demográfico de Minas Gerais, a faixa etária de indivíduos de 15 a 29 na capital era de 26,75% na década de 60, enquanto a faixa etária que ia de 30-70 tinha 31,47%. Se pensarmos proporcionalmente, poderíamos detectar que era maior a concentração de jovens. 22

Os anos 50 marcam o início da formação de uma geração que se mobilizou pela vanguarda cultural e pela política de oposição. “Ao contrário das anteriores, que de alguma maneira, estavam vinculadas ao poder, esta parte para o rompimento definitivo com as concepções conservadoras” (LEMOS, 1988, p. 218). 23

Vale lembrar que o empresariado mineiro, através do IPES, articulava, desde a década de 50, a cruzada

31 setores da juventude engajada daquele contexto. Se nas décadas anteriores o modernismo literário já tinha dado sinais de que Belo Horizonte estaria caminhando para essa mudança, os acontecimentos sócio-políticos ocorridos, principalmente a partir da década de 60 (tanto em nível nacional quanto mundial), constituiriam uma nova realidade que viria revelar toda uma geração de músicos, artistas plásticos, escritores e jornalistas, que passaram a ter uma postura mais crítica frente à realidade nacional. O ideário romântico que nasceu do desejo da vanguarda esquerdista24 de transformar a realidade brasileira, passou a ser adotado por diversos segmentos da intelectualidade e dos meios artísticos em Belo Horizonte, tornando-se um ponto de convergência de vários segmentos da juventude daquele momento. O Clube da Esquina, nasceu e se firmou nesse processo histórico. Este capítulo propõe-se a apresentar as diferenciadas origens de seus integrantes, analisando o encontro daqueles jovens em Belo Horizonte-cidade aglutinadora do movimento-e relacionando-as com a conjuntura que influenciou o processo de formação do grupo. 1.2 Clube da Esquina: as origens diferenciadas dos artistas Personagem central do grupo, Milton Nascimento (ou Bituca) nasceu no bairro das Laranjeiras no Rio de Janeiro em 1942, mudando-se para Três Pontas aos dois anos de idade. Seu contato com a música vem de muito cedo: Lá em casa você podia ouvir música clássica, operetas, sambas, música espanhola, música de qualquer lugar do mundo. E ao mesmo tempo as músicas que a gente ouvia no rádio, músicas dos filmes, rock n‟roll, uma canção de Dolores Duran. Meu primeiro grande parceiro de música foi Wagner Tiso, era meu vizinho (Jornal do Brasil, 22 jul. 1997).

O emprego de locutor na rádio de Três Pontas proporcionou um maior envolvimento com a arte e cultura, onde teve oportunidade de escutar e apreciar os mais variados ritmos da

anticomunista que resultou no golpe de 1964. Por outro lado, a LIMDE, movimento feminino que tinha por trás o IPES, fez ressoar o apoio da opinião pública mineira que se mostrou, hegemonicamente, a favor do golpe. Como nos lembra Heloísa Starling, “a imagem de bandos de mães e donas de casa, ao lado de seus filhos e netos, cercando portas de hotéis ou deitando-se em pistas de aeroportos, consistia no mínimo em uma cena incomoda e violenta, capaz não só de espicaçar o orgulho masculino, como também de incitar os homens a agir, nem que fosse somente em nome deste orgulho masculino” STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os senhores das gerais. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 17. Na verdade, naquela conjuntura, havia ficado claro para Magalhães Pinto e para o empresariado mineiro que o conservadorismo e o machismo observado na cidade seria um ponto de apoio para a resistência que esperavam. 24

Principalmente dos Centros Populares de Cultura (CPC) e da União Nacional dos Estudantes (UNE) que influenciaram, decisivamente, a vida cultural brasileira a partir da década de 50.

32 música popular daquele momento. Por outro lado, também naqueles anos, passou a viajar com a banda de baile, que também era composta por seu amigo de infância Wagner Tiso, seu primeiro parceiro.

33

O menino Milton que tantas vezes o artista iria retomar nas composições. Reprodução: Álbum Milagre dos Peixes.

O bebê Milton Nascimento, Em Três Pontas, já com um instrumento de percussão nas Mãos. Reprodução: Jornal do Brasil: 31-6-1996

34 Ao chegar na cidade de Belo Horizonte, estabeleceu moradia no Edifício Levy, localizado na Avenida Amazonas. Milton Nascimento parece ter se adaptado bem à cidade, como ele próprio relata: Belo Horizonte teve duas fases em minha vida: a primeira quando eu vim de Três Pontas, me deixou muito feliz porque as coisas aconteciam como eu esperava. BH era tão importante quanto o Rio ou São Paulo, com a vantagem de ter pessoas sérias, mais profissionais. Na música, mesmo, a coisa era muito unida (Estado de Minas, 31 jul. 1990).

A seriedade, lembrada por Milton Nascimento nesta passagem, revela algumas características que os migrantes artistas advindos do interior trouxeram em sua bagagem cultural. Contrapondo-se ao Rio de Janeiro, o imaginário criado entre aqueles jovens se caracterizou, em parte, pela austeridade 25, diferenciando-se do despojamento que a esquerda carioca acabou assumindo. Milton Nascimento trabalhou como datilógrafo nas Centrais Elétricas de Furnas, cuja sede funcionava na Praça Sete de Setembro, no centro de Belo Horizonte. Trabalhava como músico em casas noturnas com Wagner Tiso, sem maiores pretensões: Uma coisa que eu acho muito importante na minha vida foi o fato de ser cronner. Por que eu cantava todo tipo de música, em várias línguas e colocava a voz muito bem. Mais o baile, que durava no mínimo cinco horas, era a maior escola para mim. [...] Eu não queria compor. Gostava de fazer arranjos para as músicas dos outros, cantar em cima, e me sentia feliz assim (Estado de São Paulo, 07 set. 1996).

Este fato revela, para além desta pequena menção biográfica do artista, o seu desejo de ganhar a vida na cidade de Belo Horizonte, sonho individual de uma grande parcela de jovens que para ela migraram. A vinda de Milton Nascimento para essa cidade, tal como ocorreu com vários outros integrantes do Clube da Esquina, demonstra uma tendência de

25

Segundo Tanya Pitanguy de Paula “a palavra austero, significa aquele que é severo, rigoroso, rígido em caráter ou em costumes, que mortifica os sentidos”. Para ela, “o valor austeridade é visto (em Minas Gerais) como uma rigidez nos costumes e nas opiniões que leva a uma contenção de gestos, a uma interdição da imaginação, do riso e de tudo aquilo que não está ligado ao útil. Esse valor surge da decorrência da cerimônia, em que as relações são estruturadas de acordo com a hierarquia social. Como já é sabido, durante a colonização e a ocupação da terra, as necessidades dos proprietários foram bastantes reduzidas, dadas as condições de isolamento e auto-suficiência que foram obrigados a enfrentar.Isto fez com que estes se tornassem cada vez mais rigorosos e rígidos, para o que contribuía a forma despojada e simples de viver. Ressalta-se nisso a idéia de sacrifício e de labor contínuo” PAULA, Tânia Pintaguy. Abrindo os baús: tradições e valores de Minas e das Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 126. Talvez fosse importante relativizar esta proposição. A austeridade, que de certo caracterizou a chegada dos imigrantes, teve um contraponto que foi a boemia. Desta forma seria por demais categórico, aqui, dizer que a austeridade cria uma rigidez nos costumes e nas opiniões. A diversidade e a pluralidade cultural que vivia Belo Horizonte naquele período mostrava, por um lado, esta austeridade e, por outro, a criatividade e a liberdade no momento da criação. O próprio Milton, que sempre se mostrou tímido nas entrevistas, vivia intensamente os bares e a noite.

35 atração da população do interior para as grandes cidades do país. Em Belo Horizonte, esta atração acabou por gerar contradições e peculiaridades que, de certa forma, caracterizaram o movimento. Wagner Tiso também fixou-se em Belo Horizonte no início da década de 60, também advindo de Três Pontas. Tal como Milton Nascimento, o contato com a música inicia-se na infância quando, aos quatro anos de idade, tocava piano a quatro mãos com seu irmão Gileno Tiso. Na maioria dos grupos que formou com Milton Nascimento, Tiso tocava piano e acordeão, enquanto seu parceiro tocava xilofone. Segundo ele, já na época que realizavam bailes pelo interior de Minas, foram construídos os laços que formariam o chamado Clube da Esquina: O que acontecia na década de 60 foi uma extensão dos sonhos da gente. Depois eu e Milton fomos para Belo Horizonte. Eu vim para o Rio e criei o Som imaginário. Já conhecia a nova linguagem que vinha de BH e ajudava a quem chegava aqui (Jornal do Brasil, 22 jul 1997, p. 6).

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Acima à esquerda, Wagner Tiso na casa de Egberto Gismont. Acima à direita, Wagner Tiso aos nove anos de idade. Ao lado, o artista tocando piano no Automóvel Clube de Três Pontas. Abaixo o W’ boys, conjunto que tinha a participação de Milton Nascimento e Wagner Tiso. 1960. fonte: Site Oficial de Wagner Tiso

37 O mais importante para essa discussão talvez seja a expressão “linguagem que vinha de BH” utilizada por Tiso. O instrumentista parece perceber que a música produzida nesta cidade tinha uma especificidade que a diferenciava da grande variedade de grupos que se concentravam no Rio de Janeiro e em São Paulo. Esta frase comprova que Belo Horizonte, centro aglutinador de uma população que vinha das mais variadas regiões de Minas Gerais, acabou por criar uma música original, que, se tinha ligação com o processo evolucionário da música popular brasileira, guardava um nível de inovação só comparado à Bossa Nova. Não muito diferente foi o caso de Fernando Brant. O letrista nasceu em Caldas em 9 de outubro de 1946, mesmo dia em que nasceram Mário de Andrade e John Lennon. Também no mês de outubro foi deflagrada a Revolução Bolchevique na Rússia, em 1917. Por esses motivos, este mês foi tema de algumas de suas composições. Brant tem poucas lembranças da sua cidade natal, onde morou até os quatro anos de idade. Seu pai era juiz e sua mãe professora. A profissão itinerante do pai fez com que Fernando Brant mudasse para Diamantina, onde “brincou” até os dez anos de idade. Nesse período a vida do compositor foi marcada pela vivência da rua, local do lazer dos meninos do interior. Várias de suas composições são referências a este período de sua vida. As ruas capistranas de Diamantina influenciaram de forma decisiva a construção ético-moral do compositor, mais até que o jardim de infância ou o grupo escolar. O menino Brant foi levado para a cidade de Belo Horizonte em 1956, quando sua família fixou residência na rua Grão Pará. O processo de adaptação parece ter ocorrido sem maiores impactos. Se a cidade mostrava-lhe elementos novos, as velhas brincadeiras do interior permaneciam. Segundo ele, a vida em Belo Horizonte era muito parecida com a do interior: Belo Horizonte era muito grande, mas com relação a hoje é uma bobagem. Então era bonde, pelada na rua, bentealtas. [...] minha infância era bem de rua, eu era menino de rua. A vida era muito mais calma [...] a gente andava de bonde, era amigo do motorneiro e ficava lá na frente com ele. Tinha estas coisas de menino.

Mesmo em Belo Horizonte, portanto, a rua continuou sendo um ponto de referência na sua infância. Jogava futebol, finca (brincadeira em processo de extinção nas grandes cidades) e bolinha de gude. Trepava nos ficus e nas árvores frutíferas da Avenida do Contorno, uma das principais da cidade. Mesmo vivenciando a rua dessa forma, Brant era um bom aluno. Fez a quarta série

38 no Grupo Escolar “Barão de Rio Branco”. Para fazer o ginásio (correspondente às séries finais do atual ensino fundamental), Brant transferiu-se para o Colégio Arnaldo. Segundo ele, aquela instituição era extremamente conservadora e as aulas de educação sexual tinham um caráter repressivo. Fez o curso clássico (atual ensino médio) no Colégio Estadual Central que lhe abriu a cabeça. Freqüentou o Colégio por dois anos e lá teve contato com a vida cultural da cidade de Belo Horizonte. O alto nível dos professores e dos alunos o estimulou a conhecer o universo literário, a música e o cinema. Brant conta em depoimento que “corria atrás” dos outros alunos que lá estudavam, conhecendo os clássicos da literatura modernista do Brasil. No terceiro ano de seu curso clássico, transferiu-se para o Colégio Universitário. Continuou, no entanto, assistindo às aulas de Affonso Romano de Sant‟Anna no Estadual Central por dois meses. Nesta época conheceu a maioria dos integrantes do Clube da Esquina. Optou pelo curso de Direito por considerar que os outros cursos não haviam ainda se firmado. Participou do movimento estudantil e das passeatas sem, no entanto, filiar-se a nenhum movimento efetivamente. Nunca exerceu a sua profissão, apesar de receber a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil. Para sobreviver, trabalhou como jornalista, na revista Cruzeiro, e posteriormente como publicitário. A partir de 1974, decidiu viver somente de suas composições. Tavinho Moura nasceu em Juiz de Fora em 9 de agosto de 1947. Sua vinda para Belo Horizonte, oito anos depois, foi marcada por uma série de inseguranças com relação à cidade: “Eu cheguei em Belo Horizonte e fui morar na Floresta. E para mim que morava em Juiz de Fora, sabendo que eu iria morar na Floresta, eu achei que eu iria morar no meio dos índios”. Como ele próprio diz, lia de forma desordenada os filósofos gregos, a Divina Comédia e outros clássicos. A literatura brasileira, no entanto, foi fundamental em sua formação: A literatura brasileira... foi o barro que eu vim amassar depois. Li sobre os cangaceiros [...], Guimarães Rosa, um pouco de Machado de Assis e algumas coisas que agente descola: um cordel aqui, um negócio ali, que vai dando uma linha geral. Eu li muito sobre cinema, muito ensaio, muita coisa que se escrevia no primeiro caderno do Jornal da Manhã. Era um caderno muito bom de cultura. Então agente tinha um nível de informação muito bom lendo jornal, por exemplo.

Na música, Tavinho Moura foi influenciado pela música clássica, como também

39 ocorreu com outros integrantes do movimento. Por outro lado, as valsas e as modinhas, ritmos do cancioneiro popular de Minas Gerais (influências da colonização portuguesa no país) também estiveram presentes, tanto em sua formação, como na formação de outros membros do Clube da Esquina. Eu era garoto e via minha mãe tocar com meu pai. Tinha aqueles saraus. Meus irmãos mais velhos já dançavam, cantavam. Sempre ouvia muito música clássica, modinhas, valsas, coisas que vinham da minha mãe e de meu pai. [...] Então eu sempre gostei de música clássica, de orquestração. Minha mãe dizia que eu tinha alguma coisa com a música.

Como será visto posteriormente, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e outros modernistas foram recorrentemente citados pelos letristas e, pode-se dizer, viriam a influenciar as suas composições. Não é objetivo deste capítulo discutir a relação do Clube da Esquina com o movimento modernista brasileiro, mas é importante enfatizar que, em seu processo de formação, os modernistas foram fundamentais na formação do Clube da Esquina. A poesia também teve grande influência na trajetória de Tavinho Moura, assim como de outros compositores do movimento: “A minha geração foi marcada pela poesia, pelos poetas. No meu caso, um poeta que me marcou muito foi o João Cabral de Melo Neto, que eu li mais do que Drummond. O Drummond eu achava meio indigesto, mas hoje eu leio com o maior prazer”. O artista chamou sua formação musical de autodidata. Obteve, no entanto, as primeiras noções de música na Fundação de Educação Artística, local em que também estudou Flávio Venturini. Posteriormente, tomou aulas com o professor Toninho Horta, que também ensinava harmonia para Lô Borges: “Depois tive umas aulas com o Toninho Horta, tive umas aulas com o Juarez Moreira, tive aula com o Gilvan de Oliveira, tive aula com o Beto Lopes com quem aprendo até hoje [...]. Agora eu sou um inventor de músicas. Então eu invento música”. Tavinho Moura se considera um inventor de músicas. Esta postura revela um traço interessante na sua trajetória e na trajetória do grupo. A liberdade de criação é uma marca em todos os integrantes. O processo de industrialização não havia ainda atingido o meio cultural e a expressividade dos artistas parece ter sido menos afetada pelas regras da indústria cultural. O experimentalismo, que marcou a trajetória de Tavinho e que também caracterizou a constituição do grupo tem relação com um tipo de educação cultural que a maioria dos

40 integrantes acabou adquirindo na cidade de Belo Horizonte, uma formação humanista e pacifista que nasceu com a geração do pós guerra. Por outro lado, essa formação autodidataobservada nos músicos e letristas acabou por criar elos de identidade entre eles. Beto Guedes também veio do interior de Minas, mais precisamente de Montes Claros. Interessante é perceber que a origem de sua família é nordestina, já que Godofredo Guedes, seu pai, e Júlia, sua mãe, são de Riacho de Santana, no estado da Bahia. Segundo Stella M. Caymmi26, a família Guedes mudou-se para Belo Horizonte devido ao desgosto da mãe com relação a uma das irmãs de Beto Guedes. No entanto, pode-se ventilar a hipótese de que esta família não difere de outras tantas que se deslocaram para Belo Horizonte em busca de melhores condições de sobrevivência 27. A família Guedes, como tantas outras, seguiu o fluxo migratório observado que expulsou milhares de pessoas do interior para Belo Horizonte, cidade que passou a conviver com o caldo cultural das várias Minas Gerais28. Assim, pode-se dizer que, discordando de Caymmi, a trajetória da família Guedes tem relação com o processo migratório que se observou naquele momento. O crescimento industrial a partir das décadas de 40 e 50 atraiu um contingente populacional considerável para Belo Horizonte nas décadas de 60 e 70, advindos principalmente do interior de Minas Gerais. Beto Guedes chegou à cidade em 1961, estabelecendo moradia na rua Tupis, no centro da cidade, e muito próximo à família Borges, que há pouco mudara-se para a região, depois de morar por muitos anos no bairro Santa Tereza. Interessante é perceber o estranhamento de Beto Guedes para com as novidades que a cidade, ainda muito provinciana em 1961, apresentava. Dentre elas, estaria um grupo que iria marcar toda sua trajetória, como lembra Stella Caymmi (1997, p. 14): “De cara, Beto ficou muito chocado com os longos cabelos e as camisas de cores extravagantes dos Beatles. „Aquilo era coisa de mulher, não passam de maricas‟, disse para si mesmo”.

26

CAYMMI, Stella T. Sem medo de ser livre. In: ALVES, Luciano (Org.). O melhor de Beto Guedes. São Paulo: Irmãos Vitale, 1997. 27

Concordamos com Elisabeth Guerra Parreiras Baptista Pereira quando ela diz que “no conjunto geral dos processos imigratórios, os motivos impulsionadores da saída são muitos: Perseguições políticas, crises econômicas, lutas religiosas, guerras das mais variadas razões, problemas familiares ou, até mesmo, o espírito de aventura. No entanto, subjacente a todos esses motivos, está a busca do trabalho, por que ele é a condição básica de sobrevivência, principalmente em terras estrangeiras” (PEREIRA, 2001, p. 38). 28

Segundo dados do Censo demográfico de Minas Gerais, a população total de Belo Horizonte de 1970 (contando a região metropolitana) era de 1.424.981. Deste total 1.285.282 vieram do interior de Minas Gerais.

41 E os Beatles passaram a ser uma referência do então jovem artista, assim como era para maioria dos garotos daquele período. O que pode parecer uma contradição, não é mais do que o resultado do tipo de sociabilidade que foi se desenvolvendo entre a juventude daquele momento. A medida que se socializavam, Beto Guedes, Lô Borges, Yé Borges e outros meninos, criavam novos modos de vida que significaram pontos de identidades entre estes adolescentes, que formariam a segunda geração do Clube da Esquina. Os Beatles eram, portanto, um fator de agregação cultural entre boa parte dos adolescentes do início da década de 60 na cidade, como o próprio Beto admite: Quando mudamos para Belo Horizonte, fomos morar a uns 100 metros da casa do Lô Borges, cuja família já morava no Levy. Eu era um menino que ficava muito assustado aqui na capital e chorava muito. Então conhecer o Lô, o Telo e o Marcinho [...] foi uma coisa muito boa, mas a música nos ajudou. Éramos fissurados com os Beatles e chegamos a formar um conjunto, os Beavers, com todo repertório dedicado a eles (Jornal do Brasil, 17-01-1999).

Como demonstram os depoimentos dos artistas, a adaptação dos integrantes do Clube da Esquina à cidade de Belo Horizonte foi diferenciada. No entanto, é fato que novas formas de sociabilidade foram sendo desenvolvidas por eles, formas estas ligadas ao florescimento das mais variadas manifestações artísticas na cidade de Belo Horizonte e do pensamento libertário no país. Ao se encontrarem em Belo Horizonte, os integrantes do Clube da Esquina passaram a vivenciar aquilo que Gilberto Velho chamou de definição comum de realidade29,interagindo em uma rede de significados, dividindo crenças e valores. Ao chegar à cidade, os integrantes vindos do interior contribuíram com sua cultura e, ao mesmo tempo, tiveram que aceitar novos papéis, que não faziam parte da rotina de seu local de origem30. Essa dialética resultou, na década de 60, na pluralização das manifestações artísticas, filosóficas e culturais que começavam a crescer na cidade e que se mostravam novas, contradizendo o conservadorismo que era notório na provinciana cidade de Belo Horizonte das décadas anteriores. Este pensamento libertário e pluralista teria sido, portanto, o ponto de

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VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1994. 30

Pereira percebeu a necessidade dos imigrantes portugueses de criar um tipo de identidade de sobrevivência. Segundo ela, “a construção da identidade de sobrevivência parece ter processos diferentes, dependendo da variedade das circunstâncias do deslocamento. A reconstrução identitária do imigrante, no sentido de identidade de sobrevivência, não tende a produzir homogeneidade, nunca o imigrante assumirá a identidade do nativo, não haverá nunca uma anulação de si próprio, através de uma assimilação mimética do outro, por que isso significa um suicídio cultural insuportável” (PEREIRA, 2001, p. 47).

42 ligação entre um grupo de indivíduos na cidade de Belo Horizonte, formando a consistência cultural de que fala Gilberto Velho31. O Clube da Esquina é o resultado das diferentes culturas, crenças e tendências político-sociais que afloraram na década de 60. Por isso o romantismo revolucionário contribui para que se possa melhor explicar a formação do grupo. À medida em que crescia a heterogeneidade, crescia também uma dinâmica-que Ridenti reconheceu nas principais cidades do Brasil - e que também pôde ser observada em Belo Horizonte. Flávio Venturini, por exemplo, nasceu, nesta cidade, em 23 de julho de 1949. Sua formação artística é mais formal do que a da maioria dos outros integrantes do Clube da Esquina, tendo estudado percepção musical e piano na Fundação de Educação Artística de Belo Horizonte. Como a maioria dos músicos da cidade, participou de várias bandas de baile e Festivais de Inverno nas décadas de 60 e 70. No início da década de 70 fez vários shows com outros integrantes do Clube da Esquina, dentre eles o famoso Fio da Navalha, que percorreu o país numa turnê. A família Borges, por outro lado, contribuiu em muito para a constituição do Clube da Esquina. Marilton Borges é o primeiro da enorme prole de onze irmãos. Nasceu no sobrado dos Borges no bairro Santa Tereza, na esquina das ruas Paraisópolis e Teresópolis. Desde pequeno interessou-se por música. Em sua adolescência viu nascer a Bossa Nova e foi influenciado por ela. Com vinte anos já freqüentava o “Ponto dos Músicos”, mercado musical que funcionava informalmente na avenida Afonso Pena e que servia como ponto de sociabilidade (e de conflitos) entre músicos, que ali negociavam bailes, festas e shows. Segundo Márcio Borges, Marilton foi o que exerceu papel mais importante para o grupo. O artista foi o primeiro parceiro de Milton Nascimento em Belo Horizonte e também responsável pelo primeiro contato do artista com a família Borges. Nesse período, Marilton formou com Bituca o Evolussamba, que reproduzia os grandes sucessos da Bossa Nova daquele momento (CORRÊA, 1998). Lô Borges estudou harmonia com Toninho Horta, que morava nesta época no bairro do Horto. Com Beto Guedes, amigo inseparável de Lô Borges, passou a infância nas esquina das ruas Divinópolis e Teresópolis, que acabou por dar nome ao movimento cultural que

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Para ele “símbolos compartilhados, linguagem básica comum, (construídas) gramaticalmente no processo de interação e negociação da realidade, expectativas e desempenhos de papéis congruentes, tudo isso configurava um quadro do que poderíamos chamar de consistência cultural” (VELHO, 1994, p. 17).

43 nascia na cidade. O Clube da Esquina é um mito. Este nome extrapolou, virou uma idéia além do que era realmente. Sua origem é banal: era uma esquina da casa da minha mãe, onde eu ficava tocando violão com pessoas que não necessariamente eram músicos, eram pessoas ali do bairro. Eu era garoto e ficava ali tocando violão. O Milton, muito amigo da minha família há anos, sempre que voltava para Belo Horizonte, ia para Santa Tereza, perguntava para minha mãe: onde está o Lô e ela dizia „ele está na esquina, lá no clube da Esquina‟. Era um lugar de onde eu não saia. Destruía minha bunda e minhas calças nesse lugar. Aprendi a tocar violão nessa esquina (http//artbrasil.art.br./instrumental-agosto/solo.htm).

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Acima à direita, Marilton Borges no início da década de 70. Acima à esquerda, Toninho Horta na gravação do disco Clube da Esquina 1.Fonte: Clube da Esquina 1. Ao lado, Beto Guedes e Lô Borges. Abaixo, a Família Borges e Elis Regina: Partindo da direita, Marilton Borges, Márcio Borges, Elis Regina e Yé Borges. Em baixo a partir da esquerda: Lô Borges, Telo Borges , e Nico Borges. Reprodução de Os Sonhos Não Envelhecem.

45 Toninho Horta veio de uma família simples da zona leste de Belo Horizonte. De lá vieram os Borges e para lá foi Tavinho Moura, depois que chegou de Juiz de Fora. Na verdade, a zona leste da cidade sempre foi um foco produtor do artistas da capital mineira: Eu nasci no Horto onde estou até hoje como minha família. Morei dez anos em Nova Iorque, Dez anos no Rio. Mas Minas nunca deixou de ser minha residência, pela ligação de família, amigos e tal [...]. Depois criei meus próprios filhos aqui, que são adolescentes.

Com dez anos de idade Toninho Horta já tocava violão. A musicalidade já parecia se delinear desde muito cedo, tamanha a paixão pelo aparelho de 78 rotações que tinha em sua casa. Sua mãe tocava bandolim e seu avô era maestro, além de tocar vários instrumentos. Seu pai aprendeu com o sogro: Eu era garoto e via minha mãe tocar com meu pai. Tinha aqueles saraus. Meus irmãos mais velhos já dançavam, cantavam. A gente sempre ouvia muito música clássica, modinhas, valsas, coisas que vinham da minha mãe e de meu pai. Meu irmão Paulinho Horta, que foi músico profissional durante muitos anos, é 15 anos mais velho do que eu e teve uma importância fundamental. Ele (que veio de uma geração anterior à nossa) e outros três músicos, mostraram o que tinha de melhor da música americana em termos de jazz.

O irmão de Toninho Horta, Paulo Horta, foi responsável por apresentar o jovem guitarrista a Milton Nascimento, que, na época, formava o Evolussamba com Marilton Borges: Meu irmão levou o Bituca lá em casa na Floresta. Ele tocava contrabaixo e cantava. Era crooner do Marilton Borges, irmão mais velho do Lô Borges. Eu me lembro claramente que ia ter uma hora dançante e ele falou “eu vou trazer a banda do Marilton e tem um rapaz que canta muito bem e que tem algumas composições. Eu queria que você mostrasse suas composições para ele.

Portanto, os artistas vieram a se encontrar numa cidade que fervia em manifestações culturais e em contestação. Se os integrantes do Clube da Esquina trouxeram o caldo cultural das mais variadas regiões de Minas Gerais, o pluralismo observado em Belo Horizonte iria converter este ecletismo cultural em um modo de vida específico que caracterizou a vivência e a ação de um considerável setor da juventude politizada do Brasil. Na construção da identidade ocorreu um processo de hibridização (PEREIRA, 2001) entre seus integrantes que possibilitou a formação do movimento.

46 1.3 Colégio Estadual Central O Colégio Estadual Central32 foi uma mais tradicionais escolas de ensino médio da cidade de Belo Horizonte. Dessa escola saíram governadores, professores universitários, sindicalistas, políticos, escritores, artistas plásticos, cinéfilos e neste caso, músicos dos mais variados. Grande parte dos integrantes do Clube da Esquina, estudaram ou, de alguma forma, estiveram ligados àquele colégio, tal como ocorreu com Márcio Borges, Fernando Brant, Tavinho Moura e Toninho Horta. Brant, inclusive, dedica boa parte de seu depoimento às lembranças de seu curso clássico que, segundo ele, foi fundamental em sua formação. Nos dois anos em que freqüentou o colégio, esforçava-se para acompanhar os outros alunos que ele chamou de excelentes. O nível das discussões filosóficas, políticas e sociais, naquele contexto de contestação, mostrava-se elevado, segundo seu relato. No Estadual eu comecei a ter acesso a tudo. Oswald de Andrade eu conheci em 65. Quando o Tropicalismo saiu, o Oswald de Andrade já era. Eu gostei muito do João Miramar. Mas quando o Caetano e o povo pegou isto, já era uma coisa superada pra mim. Eu já tinha passado adiante. Eu fui conhecendo um monte de coisa. Quanto mais você conhece mais você quer conhecer.

Outra questão interessante refere-se ao fato do Estadual Central ser um dos ícones da arquitetura modernista na cidade de Belo Horizonte. O projeto de construção foi assinado por Oscar Niemeyer na década de 50, período que a cidade passou a conviver com crescimento acelerado e a receber um grande número de migrantes advindos das mais variadas regiões de Minas Gerais. Surgia uma escola pública inovadora e progressista que contradizia a lógica das grandes escolas católicas daquele período (tal como o Colégio Arnaldo) ou mesmo dos colégios laicos (como era o caso do Colégio Anchieta), que são citados, respectivamente por Brant e Márcio Borges, por se caracterizarem pela subserviência ao regime militar. Os alunos do Estadual Central caracterizaram-se por uma forte mobilização. Dentro

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Segundo Luiz Roberto da Silva, em 1954 “JK, como governador do estado, inaugurava o terminal de passageiros do Aeroporto da Pampulha e o Colégio Estadual Central no Bairro de Lourdes, onde ficava o batalhão de cavalaria da Polícia Militar, que foi transferido para o DI no Prado. O prédio do colégio foi projetado por Oscar Niemeyer, representando uma régua, um mata borrão e um giz. Até aquela época o colégio funcionava na avenida Augusto de Lima, no prédio que ficou conhecido como Ginásio Mineiro. A partir dos anos 80, esta escola passou a se chamar Escola Estadual Governador Milton Campos” SILVA, Luís Roberto da. Doce dossiê de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Gráfica Editora CW, 1991. p. 125.

47 daquela instituição cresceu o sentimento romântico-revolucionário que aflorava no resto do planeta e que contradizia o conservadorismo predominante na cultura política de Minas Gerais: “Por toda parte os estudantes se organizavam. Diretórios ferviam. Camburões se multiplicavam pelas ruas. Soldados montados em cavalos moviam-se por entre os ônibus” (BORGES, 1996, p. 100). No Estadual Central, os alunos parecem ter encontrado um espaço para manifestar sua insatisfação com o regime militar. A busca do povo brasileiro, massacrado pela herança autoritária do país, pode ser notada de forma exemplar entre os estudantes secundaristas daquela escola. 1.4 Quadro musical na cidade de Belo Horizonte e o Clube da Esquina O quadro musical na cidade de Belo Horizonte foi marcado pela efervescência no momento de constituição do Clube da Esquina. O mercado de trabalho dos músicos profissionais se concentrava nos contratos fechados com os clubes tradicionais (leia-se elitistas)

da

cidade,

para

realização dos bailes da burguesia que se beneficiava do

crescimento industrial da cidade de Belo Horizonte. Esses contratos eram fechados no Ponto dos Músicos, tradicional local de encontro daquele segmento artístico que funcionava informalmente em frente ao cine Royal, tal como nos lembra Márcio Borges (1996, p. 65): “Uma calçada da avenida Afonso Pena onde os profissionais de ramo se encontravam para

fechar

contratos

de

bailes,

arregimentar

instrumentistas

ou

simplesmente

confraternizar”. Essa parece não ser a visão de Toninho Horta. Em sua opinião, a desconfiança e a falta de união, por ele considerada como típica do mineiro, caracterizavam as relações dos freqüentadores daquele local. Mais importante, no entanto, é o fato de que, para ele, os músicos que freqüentavam o Ponto dos Músicos eram jazzistas. O jazz era a música americana que, ao lado da bossa nova e da música clássica, esteve muito presente na formação da primeira geração do Clube da Esquina, como nos lembra Toninho Horta: O mais importante era que tinha muito músico talentoso que impressionava. Eu tenho a convicção de que os músicos da geração dos anos 60, que freqüentavam o Ponto dos Músicos eram jazzistas que sobreviviam com o baile. Hoje é raro você ver um músico que só toca Jazz, porque não existem Clubes de Jazz.

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O pessoal da Bossa Nova em Belo Horizonte: dentre eles Wagner Tiso, Milton Nascimento e Pacífico Mascarenhas. Fonte: Site Oficial de Wagner Tiso

Além do Jazz, a febre beatlemaníaca também chegara em Belo Horizonte. Esta efervescência atingiu a geração mais nova do Clube da Esquina, contaminando posteriormente o grupo em seu conjunto. Toninho Horta, Marilton Borges e Milton Nascimento ainda apresentaram uma certa resistência, já que estavam mais ligados à Bossa Nova e ao Jazz, ao contrário do que ocorrera com Lô Borges e Beto Guedes: Os Beatles eu já conhecia nos anos 60, quando eles pintaram. Mas eu tinha uma resistência muito grande por causa de I Wanna Hold Your hand. Tinha um compasso na música que não fechava e a música era quebrada. Mas depois, ao longo do tempo, quando apareceu aquele disco „Revolver‟ que tinha a música Here, there and Everywhere (que é lindíssima) eu comecei a ficar fã dos Beatles. Mas eu era ligado mesmo ao pessoal da Bossa Nova e do Jazz (HORTA, 2001).

Os festivais regionais foram muito importantes tanto, para o Clube da Esquina, quanto para a maioria dos músicos profissionais que tiveram um relativo sucesso naquele momento na cidade de Belo Horizonte. Desde os anos 50, esses festivais, muito pouco estudados, transformaram músicos amadores em profissionais. Dentre os mais importantes festivais podem ser citados os realizados no Instituto da Educação (outra grande instituição educacional da cidade), os festivais realizados em Juiz de Fora e os realizados na Secretaria de Saúde e Assistência, onde funciona hoje o Minascentro. Para o Clube da Esquina, esses festivais possibilitaram um salto na carreira de alguns integrantes que, pela primeira vez, puderam experimentar o convívio com o público, tal como lembra Toninho Horta: O festival do Instituto da Educação, o da antiga Secretaria de Saúde e Assistência, que hoje é o Minascentro e onde eu fiz minha primeira aparição como profissional com 16 anos, acompanhando os cantores da época e cantando minhas próprias canções. Tudo através do meu irmão.

49 Tavinho Moura, se não participou, acompanhou a primeira aparição de Toninho Horta e recordou aquele momento: “Eu assisti a um festival que foi no Instituto da Educação e me lembro vagamente [...] vi uma três ou quatro coisas lá. O Toninho Horta tinha uma música. O Tavito tinha uma música que até ganhou o primeiro lugar”. Mais importante para Tavinho Moura, no entanto, parece ter sido o festival de Juiz de Fora, que também contou com a participação de Toninho Horta: Interessantes foram os festivais de Juiz de Fora. Eu ia só para ver, mas o Toninho Horta concorria. A gente ia na farra. Toninho tocou „Manuel o Audaz‟ e outras músicas que eu não me lembro. Lá eu conheci a Suely Costa. Eu me hospedava na casa de Suely, nós ficamos muito amigos. A Suely ajudou a fazer minha cabeça por que ela tocava violão muito bem. Me deu muita dica de passagens: „você tá pulando, precisa passar por aqui primeiro‟.

Para Tavinho Moura, esses festivais possibilitaram o contato com os músicos do Rio de Janeiro e de São Paulo, que eram cidades concentradoras de artistas e que tinham uma estrutura midiática muito mais desenvolvida que a de Belo Horizonte, onde o processo de divulgação cultural ainda se apresentava incipiente: Os festivais de Juiz de Fora eram muito importantes, por que vinha gente do Rio e de outros lugares. Aí veio o festival daqui de 69 que foi o bacana. Foi o FEC que tinha orquestra no palco. Aí eu escrevi a música „Como vai minha Aldeia‟. Ela foi classificada, ganhou o segundo lugar. O Marilton Borges defendeu com arranjo do Nivaldo Ornelas.

Nesse contexto, a indústria cultural da cidade de Belo Horizonte caminhava para afirmação, ao contrário do que ocorria nas duas principais cidades do país, onde ela já caminhava a passos largos. Se isso acarretou a fuga dos artistas do Clube da Esquina para o Rio de Janeiro, a partir da década 70, acabou por determinar uma especificidade para a música produzida na cidade. A distância relativa da indústria cultural deu uma maior liberdade aos músicos que desenvolveram a fusão de elementos das mais variadas culturas, como relata Toninho Horta: “Hoje, todo novo artista que pensa em estudar música, sabe que é importante a organização em termos de negociar, de se produzir. Naquela época nós éramos músicos pelo prazer. Até a geração do Clube da Esquina era assim”. 1.5 Clube da Esquina e o cinema de Belo Horizonte O cinema parece ter sido um ponto de interlocução entre os vários integrantes do Clube da Esquina. Belo Horizonte, cidade que acabou por aglutinar esse movimento, foi muito responsável por esta aproximação. De maneira direta ou indireta, os integrantes do

50 movimento participaram de curtas e longas-metragens, na direção, na realização de trilhas sonoras ou como atores. Para Márcio Borges, o cinema foi fundamental na consolidação de sua amizade com Milton Nascimento, como frisou várias vezes no livro Os sonhos não envelhecem: Bituca era apenas um no meio de tantos, mas eu sabia que com meu melhor amigo, com meu parceiro [...] faríamos filmes, Bituca comporia os temas, seríamos famosos, o mundo falaria de nós [...] poderíamos influir no destino dos seres humanos, uma verdadeira revolução aconteceria no planeta, conduzida pela juventude e pelo movimento estudantil, voltariam as emoções de 1917 na Rússia [...] Tudo estava por acontecer, aquela ditadura desmoralizante, que tentava transformar uma grande nação numa republiqueta de bananas, estava com os dias contados [...] (BORGES, 1996, p. 69).

As portas dos cinemas tornaram-se locais de discussão sobre as novas concepções estéticas, filosóficas e artísticas dos filmes. Os grandes cinemas e os cine-clubes tiveram importância fundamental na formação cultural do Clube da Esquina, como lembra Fernando Brant: “A gente entendeu no cinema um tipo de obra de arte que englobava todas as outras. Por que você tinha a palavra, você tinha a música, você tinha a imagem, o teatro. E realmente muita gente não fez cinema, mas todo mundo era um cineasta em potencial”. Na visão de Márcio Borges (1996, p. 121): “grande parte da vida cultural da cidade girava em torno do Malleta e do CEC e, portanto, provincianamente, todos se conheciam ou acabavam se conhecendo num desses dois lugares”. As discussões se concentravam nos movimentos que surgiam na Europa, que buscavam uma linguagem experimentalista e realista. A Nouvelle Vague parece ter influenciado bastante Milton Nascimento e Márcio Borges. Segundo Guy Hennebelle, a Nouvelle Vague surgiu em 1958 na França, retomando o combate ao cinema holywoodiano. Por outro lado, a sua contribuição em nível nacional está ligada à negação do cinema conservador francês, trazendo as câmeras para rua. Citando Paul Bonitzer, Hunnebelle diz que a Nouvelle Vague reaproxima o cinema das técnicas usadas na reportagem filmada (televisão e noticiários) e, portanto, da história viva33. Para José Américo Ribeiro, o cinema fazia-se muito presente na cultura brasileira naquele momento e uma grande quantidade de jovens se sentiu impelida a trilhar esse

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“A montagem acelerada típica da Nouvelle Vague confere leveza à narrativa e tende a uma autenticidade maior que a montagem paralela ou em contraponto, que caracterizava o cinema tradicional” HENNEBELLE, Guy. Os cinemas nacionais contra Hollywood. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 73.

51 caminho. A desvinculação com os padrões clássicos facilitava a realização cinematográfica. Dois cine-clubes destacaram-se em Belo Horizonte: O Centro de Estudos Cinematográficos34 (CEC, com uma postura liberal e leiga) e o Cine-Clube Belo Horizonte (CCBH, de orientação católica) (RIBEIRO, 1997). O CEC teve diferentes fases: ora se caracterizou pelo formalismo, ora teve uma maior preocupação com as questões sociais do país. A geração que se vinculou ao Centro, na metade década de 60, distanciou-se do cinema hollywoodiano, ligando-se ao cinema francês, através da revista Cahiers du Cinéma e da Nouvelle Vague. Depois da transferência do CEC para o Colégio Estadual Central, mudou também a perspectiva de análise. A realidade brasileira, através do Cinema Novo, passou a ter um maior espaço nas discussões sobre cinema, principalmente depois da visita de Glauber Rocha à cidade. “O momento político era, sem dúvida, completamente diferente e a motivação para se fazer cinema muito maior” (RIBEIRO, 1997, p. 38). Márcio Borges participou das discussões do Centro nesse período, quando seu sonho adolescente de se tornar cineasta começava a se tornar realidade: Ainda bem que existia o cinema para preencher as tardes de emoções, as tardes provincianas cheias de tédio. Ainda bem que existiam Godard, Truffaut, Orson Welles, John Ford, a Nouvelle Vague e o cinema americano, Misogushi e Satiajit Ray, Cahiers du Cinéma, Humberto Mauro, Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos. Ainda bem que eu vira Deus e o Diabo (BORGES, 1996, p. 65).

O filme Joãozinho e Maria de Márcio Borges foi premiado no Segundo Festival de Cinema Amador JB/Mesbla. Rodado em 16 mm, foi realizado improvisadamente devido à proximidade com o festival que o premiaria. Márcio optou por contar uma estória que ele chamou, naquela época, de “estritamente física”, aproximando-se do Décor. Propôs discutir os valores da família pequeno burguesa e sua visão de mundo preconceituosa. Segundo ele, o curta metragem buscava compreender seus ritos e tabus: “O personagem, que era considerado alienado para usufruir direitos na sociedade, é condenado e executado por ela, sumariamente,

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Para Fonseca o CEC “não era um clube, não era um centro erudito de estudo, não era nem mesmo um cine clube como os que surgiram depois por todo o Brasil. Era um fenômeno-único no país- de aglutinação de personagens diversas, de pequenas ambições culturais, de sonhos diurnos movidos por esta incrível maneira de analisar tudo, de assumir o cerco da montanha através das escavações até o fundo das coisas, de vencer uma natural timidez buscando o diálogo com todos”. Na sua visão, “o CEC foi realmente o grande iniciador do pensamento cinematográfico mineiro daquela época. Não era apenas um grupo de cinema, era um centro cultural na acepção mais ampla. Você tinha desde o lançamento de filmes e debates, como debates de ordem política; era muito aberto. O CEC foi considerado, naquela época, como uma posição de Vanguarda” FONSECA apud RIBEIRO, José Américo. O cinema em Belo Horizonte: do cineclube à produção cinematográfica na década de 60. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997. p. 44.

52 sob forma de linchamento, como ser normal e responsável por seus atos” (BORGES apud GALDINO, 1983, p. 286). Fernando Brant também se interessou por cinema quando entrou para o Estadual Central. Para ele o cinema se diferenciava das outras formas de lazer da cidade. Pode-se dizer que muito mais do que o ponto de encontro, o cinema era um fator agregador daquela geração. Fernando começou a freqüentar o Cine-Clube Santo Antônio, que funcionava no Colégio com o mesmo nome. “Eram os meus amigos lá do Estadual Central que dirigiam este Cine Clube. Tinha uma sessão uma vez por semana. Passava o filme e a gente discutia”. Depois de serem expulsos daquele colégio, por passarem um filme da Brigite Bardot, o cine-clube passou a funcionar nas dependências da União Israelita. O contato com o CEC só ocorreu depois do fechamento do cine-clube. Fernando Brant, em sua entrevista, relembra, um pouco confusamente, a produção cinematográfica daquele momento: No CEC por, exemplo o pessoal começou a produzir filmes. O Carlos Alberto Prates fez o primeiro filme que era um longa metragem, sua primeira exibição foi no CEC. O filme chamava o Pai e a Moça, não, O milagre de Lourdes. Era a história de um padre que estava vendendo coisas e aí o povo vai contra ele, pegando dinheiro do povo. Aí o pessoal foge atrás dele e aí ele entra na Zezé. E a Lourdes faz o milagre.

O Milagre de Lourdes, na verdade, é um curta metragem de 11 minutos, de produção do CEMICE (Centro Mineiro de Cinema). A direção é de Carlos Prates Correia e tem como intérpretes Maurício Lansky, Suzy Carvalho e Schubert Magalhães. Narra a história de um padre que vendia rifas em um conjunto residencial. O tema liberdade, que é um dos preferidos por Fernando Brant em suas composições, também pode ser encontrado neste curta de Carlos Prates Correia. Segundo Maurício Gomes Leite: a perseguição ao padre („ele é comunista) é um movimento que condensa duas exigências, a econômica e a social: (o padre pedia auxílio em dinheiro) e a moral (pois afinal, se o padre não é padre, há que se resolver o mistério do padre;) que este tipo de exigências, numa sociedade é que fazem correr os homens (a mulheres); que para interpretar a prostituta que abriga o padre, só poderia servir uma prostituta, Suzy Carvalho (LEITE apud GALDINO, 1983, p. 261).

O cinema unia os letristas do Clube da Esquina. Márcio Borges relata que seu encontro com Milton se deu através do cinema: “Eu era apenas um baixista com veleidades cinéfilas. Ele era um cronner que queria ser escriturário. Nossa idéia era fazer trilhas de filmes. E então começamos a aglutinar pessoas em torno da gente” (Estado de São Paulo, 31 jun. 1996).

53 O cruzeirense Milton Nascimento, dentre vários outros filmes, fez a trilha sonora do filme Tostão a Fera do Ouro. O documentário foi produzido por Antônio Calmon, Geraldo Linhares, Marcelo Albuquerque, Rubens G. Leite e Tairone Feitosa. Neste filme, Milton Nascimento e Fernando Brant participaram com duas músicas. Uma delas era O Homem da Sucursal: Nestes Noventa minutos De emoção e alegria Esqueço a casa e o trabalho A vida fica lá fora A fome fica lá fora E tudo fica lá fora

Para Tavinho Moura o cinema foi imprescindível. Na primeira vez que entrou em um estúdio, gravou a trilha sonora de o Homem de corpo Fechado com a direção de Schubert Magalhães. Várias foram as vezes em que ele abandonou projetos musicais para realizar trilhas sonoras, ou mesmo para atuar como ator. Como ele próprio disse em depoimento, o cinema era o que mais queria fazer. Na época em que freqüentava o Malleta, Tavinho Moura esteve envolvido com cineastas do CEMICE, com quem viria trabalhar posteriormente. Com Carlos Alberto Prates Correia, Tavinho Moura fez A Perdida, a estória de uma empregada que fugia do interior de Minas Gerais, depois de ser agredida pelos patrões. Este filme tinha a duração de 80 minutos e foi rodado em 1975. Posteriormente, em 1981, Tavinho fez a trilha sonora de Cabaret Mineiro, um marco em sua vida, devido ao sucesso, tanto da trilha quanto do filme. Também com a direção de Carlos Alberto Prates Correia, o filme tinha no elenco Nelson Dantas, Tâmara Taxman, Tânia Alves e Louise Cardoso. A trilha sonora de Tavinho Moura foi premiada no festival de cinema de Brasília, em 1980, e no festival de Gramado, em 1981. Além destes dois filmes, Tavinho fez a trilha sonora de Noites do Sertão (1984), Minas Texas (s.d.), Por trás das câmaras (s.d.), A Idolatrada (1983), Vivos ou Mortos (1982), O Bandido Antônio Dó (1980), dentre outros. Portanto, vários integrantes do movimento participaram ativamente da produção cinematográfica belorizontina, em Minas Gerais e também brasileira, a partir da década de 60. Muito mais do que um movimento exclusivamente musical, o Clube da Esquina se mostrava eclético, participando e produzindo as mais variadas manifestações culturais que floresciam naquele contexto.

54 1.6 Os bares e o Clube da Esquina O Edifício Ângelo Arcanjo Malleta – o popular Malleta - foi um dos mais importantes locais de convivência da juventude da cidade de Belo Horizonte a partir da década de 60, sendo até hoje um dos pontos de encontro da „rapaziada‟. Nos bares do conjunto de prédios que formam o Malleta podiam ser encontrados hippies, estudantes, gays, prostitutas, feministas, artistas, jornalistas e outros grupos, cuja boemia e os ideais libertários incomodavam a “tradicional família mineira”35. O conjunto surgiu com a demolição do Grande Hotel, ocorrida em 1957. O Hotel “tornou-se referência para políticos e visitantes que vinham para a capital”, um espaço de sociabilidade da elite belorizontina (FERREIRA, 2000, p. 33). O hotel foi palco de encontros de personalidades tais como Cristiano Machado, Arthur Bernardes, dentre outros. Também por ele passaram artistas e escritores como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsília Amaral, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Di Cavalcanti. Com a construção do novo edifício, surgiram restaurantes, bares e “inferninhos” que em nada lembravam o glamour elitista do Grande Hotel 36. Na visão de Airton Guimarães, repórter do Estado de Minas: O fim da década de 50 e início da década de 60 foi marcado pela inauguração do Malleta, um edifício no centro da cidade que teve a ousadia de colocar inferninhos e barzinhos no coração da tradicional família mineira. Tempo de efervescência de pensamento, de novos rumos filosóficos e políticos. E as universitárias resolveram quebrar o tabu. [...] Foram-se sentando nas mesas dos bares, pegando no copo de chope, ante alguns olhares incrédulos ou reprovadores (Estado de Minas, 29 nov. 1980).

Nas décadas de 60 e 70, o Malleta passou a ser visto com maus olhos pelos setores conservadores da sociedade belorizontina. Segundo Ferreira, a má conservação e as confusões freqüentes no Conjunto, “conceituavam o local cada vez mais próximo do marginal, da

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Segundo Rodrigo de Almeida Ferreira o edifício “[...] tornou-se um ótimo ponto para se residir[...]também seu saguão parecia convergir aquelas pessoas que estavam interessadas no contexto político do país, especialmente jornalistas, professores, estudantes e artistas, que iam ajudando a fundar os bares e demais estabelecimentos do edifício” FERREIRA, Rodrigo de Almeida. A história brinda: os bares do edifício Archângelo Malleta como espaço de discussão política e de sociabilidade na cidade de Belo Horizonte (1964-1998). Belo Horizonte: PROBIC/PUC-MG, 2000. p. 33. 36 “Os anos 50 marcam o início do desmoronamento de alguns “nichos de sociabilidade”. Da antiga rua da Bahia, no seu trecho mais movimentado, restam apenas alguns estabelecimentos tradicionais. O Teatro Municipal [...] foi transformado em cinema... os restaurantes, em sua maioria, desapareceram. [...] Mas se o centro entra em liquidação, mostra sinais de uma nova perspectiva e de novos papéis da cidade em via de metropolização” (LEMOS, 1988, p. 199).

55 esbórnia, chegando ao ponto de algumas pessoas omitirem o seu endereço em algumas situações” (FERREIRA, 2000, p. 81). Márcio Borges parece confirmar o estigma criado em torno do edifício: O Malleta era o reduto dos notívagos e boêmios de Beagá. Ali funcionavam, espalhados pelos corredores do térreo e da sobreloja, dezenas de bares, restaurantes e inferninhos. Durante o dia apresentava um movimento comercial recatado, digno de suas livrarias e escritórios de representações, lojas de armarinho. [...] À noite porém, as galerias do edifício eram invadidas por hordas e clãs de artistas, músicos, jornalistas, prostitutas e bêbados de variados escalões que ocupavam todas as mesas disponíveis no local. Quem pisava no Malleta depois das seis tinha uma reputação a zelar. Ou a perder, mais freqüentemente (BORGES, 1996, p. 45).

O espaço congregava diferentes grupos. Dentre eles podem ser citados artistas plásticos, literatos, escritores, professores, cinéfilos, e, evidentemente, músicos que em conjunto, formavam um bloco de resistência ao regime militar que se estabelecera no país naquele período: Ao chegar ao Malleta, dirigi-me à Cantina do Lucas e me acomodei numa mesa do lado de fora. A Cantina do Lucas era o bar restaurante dos cinéfilos, assim como o bar Lua Nova era o ponto do pessoal do jornal (os amantes da música iam para a sobre loja, território das boates: Oxalá, Sagarana, Berimbau) (BORGES, 1996, p. 108).

O Malleta foi fundamental no processo de formação do Clube da Esquina. Se o cinema teve importância para a formação cultural do grupo, o Malleta foi responsável pela consolidação das amizades entre seus integrantes. Para Tavinho Moura, o Malleta também foi extremamente importante: Pra mim foi muito importante eu ter ido trabalhar no trânsito. Eu fui trabalhar no trânsito num serviço de engenharia. [...] e tinha muito artista. Eu trabalhava de desenhista com estudantes de arquitetura e de engenharia que também eram artistas. Todo mundo gostava muito de música. Levava-se cadernos de música. A gente ficava desenhando, mas cantando. A gente brincava que era rádio planejamento de tráfico. Aí eu descia do trânsito e parava no Malleta. No Malleta começou uma coisa maior.

No Malleta, Tavinho se tornou amigo de Márcio Borges (com quem viria compor várias músicas como Como Vai Minha Aldeia), Schubert Magalhães e outros personagens que produziram arte naquele período. “Conheci o Schubert foi no Malleta. E o Schubert, quando me viu tocando, disse: Faz o favor de compor que você vai compor as músicas de meu filme. Então eu comecei a antenar mais para esta coisa de inventar música”. Com Schubert Magalhães viria trabalhar em vários filmes de curta e longa metragem. Na visão de Tavinho Moura, o Malleta foi importante não somente para o Clube

56 da Esquina, mas também para toda uma geração de intelectuais e artistas daquela época. Se o Malleta tinha tal diversidade, já que seu espaço congregava vários segmentos intelectuais e artísticos daquele momento, não se pode pensar o Clube da Esquina como um bloco monolítico, sem contradições, ou produtor de um tipo restrito de musicalidade. O grupo é fruto do pensamento transformador que se gestou nos bares, nos cinemas, nas ruas de Belo Horizonte. O Clube da Esquina teve relação com o cinema, com a dança, com o teatro e com a literatura que se desenvolvia na cidade. O Clube da Esquina foi um movimento musical, mas trazia dentro de si toda essa movimentação cultural que crescia em Belo Horizonte, pólo agregador do movimento, como confirma Fernando Brant (2001) em depoimento: Ele (o Clube da Esquina) começou de um encontro de pessoas da mesma idade, que moravam na mesma cidade e que tinham preocupações comuns. Não saiu assim „vamos fazer um movimento‟. Na realidade a gente gostava de música, cinema, literatura. Juntava pra ouvir a música dos outros. Depois o Milton já fazia as músicas. O Marcinho já fazia a letra. Um dia o Milton me pediu [...] e eu acabei fazendo, depois nós encontramos o Ronaldo Bastos. Quer dizer, as coisas foram se agregando [...] O Lô cresceu, começou a mostrar umas músicas... aí trouxe o amigo dele, o Beto [...] Já tinha o Toninho Horta que já estava [...] Quer dizer, foi uma coisa que cresceu espontaneamente. Minas Gerais é muito forte em música. Mesmo nesta época, quando o Milton foi pro Rio, foram uma enormidade de músicos que fizeram e que fazem sucesso até hoje no Brasil. A coisa musical aqui é muito forte. É uma coisa que nasce naturalmente, mas há muito fruto.

Depois do Malleta, outros bares começaram a surgir na cidade que ia ganhando, aos poucos, um ar mais cosmopolita. Dentre estes bares podemos citar o Bucheco: “O Malleta criou espaços para abertura de outros barzinhos como o Bucheco (ponto da intelectualidade mineira da época) e as mulheres, agora não só as universitárias [...] abriam a bolsa tiravam um cigarro e fumavam em público” (Estado de Minas, 29 nov. 1980). O Bucheco, foi lembrado por Márcio Borges no livro Os sonhos não envelhecem: O Bucheco era demais, como bem eu podia constatar. Pequeno demais, enfumaçado demais, despojado demais para um bar. Numa vitrola velha demais, o pomposo tema central de Carmina Burana era tocado ad nauseam, como se o som fizesse parte do cenário. As pessoas se espalhavam, copos a mão, por uma estreita escadaria e um exíguo Hall, pois não havia muitas mesas. Era tudo meio improvisado, até com alguns caixotes de madeira. Nenhum balcão ou coisa parecida.[...] Afora isto nenhuma placa que avisasse que se tratava de um bar público. Existia algo ali que não era exatamente público e nem pra ser tornado público de todo (BORGES, 1996, p. 39).

Esses bares foram freqüentados pela elite intelectual da cidade que abraçou o ideal revolucionário naquele momento. Nesses estabelecimentos aquela juventude politizada sentia-se livre para problematizar o cotidiano e as questões políticas do país. Portanto, se não

57 eram espaços democráticos e acessíveis à maioria da população, esses bares clandestinos cumpriam a função de alimentar os sonhos daquela geração romântica. Os botecos37 proliferavam e serviam como centros de convivência das classes trabalhadoras. Esporadicamente se tornavam a solução da classe média, principalmente dos estudantes, que, na falta de dinheiro, tomavam pinga e comiam “tira gosto”. Como lembra Toninho Horta, os botecos do centro da cidade eram pontos de encontro dos músicos depois dos shows: “Fim da noite, nós íamos no Kibe Lanche, que era o cu sujo da madrugada, tomar aquela sopa e a saidera. Tinha a Boate que era do Célio Mallova onde é hoje a casa da pamonha. Mas eu me lembro deste bar A Veia Poética que a gente ia demais”. Milton Nascimento e Fernando Brant, por exemplo, celebraram sua amizade com um ovo cozido e duas cervejas, em um boteco em frente ao Malleta. Na verdade, a gente sempre se encontrava no bar. Além disso, tem a música Conversando no Bar (Saudades do avião da Pan Air) que é bem uma conversa de bar. Cada um falando uma coisa [...]. No „Saudade do Avião da Pan Air‟“ a gente fala: nada existe neste planeta que não se fale aqui na mesa de bar.

À medida em que a cidade crescia, também crescia sua movimentação cultural com diversidade e efervescência. Essa movimentação se mostrava, de certo, ainda muito incipiente se comparada a cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, mas já representava uma realidade concreta: A Belo Horizonte de 1964 apresentava-se para citar apenas sua parte central - o tenor engolidor de espadas Iorga na Churrascaria Palácio, o guitarrista malabarista Nazário Cordeiro na Churrascaria Camponesa (ambas situadas no território dominado pela temida turma do Mexe Mexe) o Adão, nos limites da zona de prostituição, famoso por seu feijão tropeiro servido madrugada adentro, entre putas e rufiões, os bares das imediações da Feira de Amostras, o restaurante Scotellaro, na Avenida Paraná, as boates da praça Raul Soares, o sofisticado Le Chat Noir, no alto da Avenida Afonso Pena, de onde se via toda a cidade como num Belvedere, A boate Lanterna Azul, numa quebrada da lagoinha, a Boate Pampulha [...] o Montanhês, o Dancing vivendo o final de sua antiga glória, quando chegou a ser freqüentado por figurões da política, sem falar no Malleta e nas dezenas de botequins infectos que se escondiam em esquinas insuspeitas ou mesmo becos escuros aparentemente abandonados, como o caso do Mocó da Iaiá a poucos metros da praça Sete. Ou seja, a noite no centro era extensa e cheia de opções (BORGES, 1996, p. 63).

37

“O botequim „por excelência‟ representa uma categoria especial no centro. Em sua maioria, apresentam algum grau de especialização, chegando a se consagrar com termos específicos: bares da esquerda festiva (grupos que discutiriam a revolução brasileira em bares e reuniões sociais), da juventude Coca-Cola (jovens orientados para símbolos de consumo de massa importados dos países desenvolvidos), badalação (reuniões de intelectuais inconseqüentes, mais preocupados com a moda dos assuntos do que seu conteúdo) Somam-se a essas categorias os bares freqüentados por homossexuais e prostitutas que funcionam sobretudo no período da noite” (LEMOS, 1988, p. 284).

58 Ou ainda como mostra Márcio Borges (1996, p. 91): “Os palcos eram as boates de Jazz, como o Berimbau, ou os pequenos festivais locais, realizados em lugar modesto e sem muitos recursos”. O Berimbau também foi lembrado por Toninho Horta: “Nos anos 60, tinha o bar chamado Berimbau, que era um Clube de Jazz naquela época”. No entanto, Toninho parece ter sido marcado, especialmente, por um bar chamado A Veia Poética que reunia parte de intelectuais e artistas da cidade. Este bar não foi um ponto de interlocução entre os artistas do Clube da Esquina, mas não é menos importante para a discussão etílica sobre o Clube da Esquina: Nos anos 70, já era a época do Colégio Estadual Central. Nunca tive uma atitude política, mas acabei conhecendo todo mundo. Tinha um bar que chamava „A Veia Poética‟, que ficava na Contorno, saindo do Estadual Central pra Marília de Dirceu. Era uma casa que iam os poetas, os músicos.

Interessante, também, é a relação de Toninho Horta com o Colégio Estadual Central. Mesmo que tenha parado de estudar mais cedo que a maioria dos letristas do grupo, Toninho Horta parecia estar ligado fortemente àquela movimentação cultural que contagiava o colégio e que o transformou em um dos centros irradiadores de cultura na cidade de Belo Horizonte.

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Intervalo da gravação do primeiro disco de Beto Guedes em 1978. O bar sempre foi um espaço de convivência dos integrantes do Clube da Esquina. Fonte: O melhor de Beto Guedes.

Partindo da esquerda, Flávio Venturini, Novelli, Beto Guedes, Ronaldo Bastos, Toninho horta e o técnico de som. Fonte: Site Oficial de Beto Guedes

60 1.7 O inaudito: a questão da harmonia no Clube da Esquina A questão harmônica foi preciosa para o Clube da Esquina. Essa preocupação com a forma musical indica a importância do seu papel na arte naquele período e como o movimento se colocava diante dessa questão. Qual foi o papel do desenvolvimento harmônico na evolução da música popular brasileira? Quais concepções tinham os artistas no momento da produção das composições? Segundo Henri Lefebvre (1969), existe uma intrínseca relação entre harmonia e o novo humanismo surgido naquele momento. Segundo ele, “no cume do romantismo libertário indica-se uma estranha antologia musical” (LEFEBVRE, 1969, p. 352). Sob esse ponto de vista, a harmonia musical, técnica e historicamente, prolonga a polifonia e o contraponto, desenvolvendo-os e transformando-os. Dessa forma, possibilitou a renovação dos antigos sentidos da música ao promover, através das dissonâncias, a formação de um universo cósmico, que foi tão caro ao romantismo em sua fase libertária no século XVII. A harmonia para Lefebvre é, portanto, a dialética que resulta no novo. “Ela retoma antigas tradições e muda-as numa metafísica nova” (LEFEBVRE, 1969, p. 352). O conceito de harmonia musical ultrapassa, portanto, as proporções simétricas e numéricas que caracterizaram a visão de mundo do classicismo e que ajudaram na construção do tecnocracismo do século XX. A harmonia musical se desenvolve para “além do espaço, no tempo absoluto, ou no canto divino”, criando tempos múltiplos que quebram a linearidade racionalista e reacionária da arte burguesa. Mais do que uma sucessão de acordes, a harmonia desenvolvida no final do século XVIII pelo romantismo libertário rompia com a coerência conservadora do classicismo, que lhe deu um conceito arquitetônico, fundamentado na imitação e na repetição. O conceito advindo da música, ao contrário, caracterizava-se pela criação do novo, pelo conflito que produz a sua negação dialética. Tem-se aqui, portanto, dois conceitos que diferem drasticamente entre si: o conceito de harmonia visual, uma herança do mundo grego, vinculando-se “ao domínio das artes plásticas, pintura e sobretudo da arquitetura e esgota-se com o classicismo” (LEFEBVRE, 1969, p. 311) e a harmonia musical que, por seu lado, “cria um mundo, o do inaudito” (LEFEBVRE, 1969, p. 311). Dessa forma, o jogo dialético e inovador da harmonia possibilita o inesperado: o novo.

61 A arte se realizará, em todos os seus domínios, a harmonia que multiplica as sensações e intensifica-as misturando, num acordo que resolve suas dissonâncias, o inaudito, a loucura e a razão, a ficção ao sensível e o possível ao impossível (LEFEBVRE, 1969, p. 311).

Dentro dessa perspectiva, o novo humanismo proposto por Lefebvre resgata a subjetividade e combate a tecnocracia ideológica presente no capitalismo da mesma que esteve nas experiências socialistas de matiz stalinista. A arte deveria ser a intensificação dos prazeres da vida: “ela não tem outros elementos – outra matéria ou material – senão a vida na sociedade” (LEFEBVRE, 1969, p. 312). A arte “metamorfoseia porque intervém a paixão, a imaginação, a ficção e o sonho” (LEFEBVRE, 1969, p. 312). A harmonia, sob esse ângulo, cria combinações e timbres surpreendentes. A arte tem a função de instaurar o novo, de contribuir para a revolução a partir da subjetividade. Essa posição de Lefebvre contrapõe-se ao dogmatismo do realismo socialista, marcado pela disciplina partidária. O marxismo humanista, no qual insere-se esse pensador, procurava combater a “stalinização” da luta revolucionária e a restrição das capacidades subjetivas de emancipação do ser humano, que estavam presentes no jovem Marx. O novo homem, renovado e livre: esta deveria ser a grande revolução que iria derrubar o capitalismo e suas estruturas. Estas determinações do realismo socialista são perfeitamente claras e coerentes(um pouco demais: lógicas demais). Elas engajam – se aprofundadas – uma tática e uma estratégia culturais. Nessa qualidade, pode-se aceitá-las ou recusá-las. Mas essas determinações não correspondem senão às formas mais elementares, numa concepção mais larga, a de Sthendhal. Este julgava que a arte e a literatura podiam e deviam servir à juventude francesa e a nação revolucionária. Ele não extraia nenhum critério, nenhuma definição, nenhum método fixo. Esses elementos, ele os integrava a outros, mais altos, que deviam subordiná-los e orientá-los: o gosto, a beleza e o prazer. No seu sentido, um não impedia ao outro, e se por acaso um impedia o outro, seria preciso preferir a beleza à utilidade e ao serviço [...] mas o principal, no que concerne ao método realista-socialista é que ele mude – ou arrisque mudar - o parcial em total, o elementar em absoluto e o meio em fim (LEFEBVRE, 1969, p. 311).

Lefebvre temia que a falta de conexão entre as dissonâncias, aqui num sentido mais amplo, impossibilitasse uma perspectiva mais global do processo histórico. O eterno conflito que se delineava entre as forças históricas daquele período causavam a fragmentação

da

discussão

sobre

o

processo

revolucionário.

Por outro lado, o

dogmatismo partidário e tecnocrático - que caracterizou a arte depois de Stalin - provocou a cisão entre o espírito e a ação, elementos indissociáveis nos primeiros escritos antropológicos de Marx. A prática revela o tédio provocado por estas obras, uma vez passado o interesse que

62 suscita seu conteúdo. Esse interesse dura estranhamente pouco. Ele acaba com a atualidade política, como o interesse provocado pelas obras burguesas, acaba como a moda (LEFEBVRE, 1969, p. 315).

Que se esclareça: Lefebvre nunca quis negar as contradições do capitalismo. Muito pelo contrário, seu método é a dialética radical que leva ao uno e a sua negação. Por esse motivo ele lembra que “aquele que pressente a harmonia não teme o caos” (LEFEBVRE, 1969, p. 351). Rompendo com o realismo socialista ele ousa, e por isso não foi escutado, quebrar a dicotomia entre o belo (que passou a se traduzir por conservador) e a arte revolucionária que primava pelo realismo, recusando a forma. A arte é a expressão da “harmonia inaudita, não entendida, não escutada; inacessível às orelhas dos anti-poetas. Ao mesmo tempo é, sem dúvida, luz e música – música visível aos olhos e ao espírito – tem mais poder que a contradição” (LEFEBVRE, 1969, p. 351). Enfim, Lefebvre compara o conceito de harmonia no classicismo e no romantismo. Para ele a condição principal da existência da harmonia é a subordinação do possível ao real. As relações sociais de dominação são representadas pela mimese totalitária presente tanto no capitalismo quanto no socialismo real. O conceito de harmonia liga-se aqui, portanto, à simetria, à aceitação da ordem, ao culto à igualdade alienada, à massificação. O romantismo, por outro lado, tem por condição principal o conflito, a contradição. A subjetividade ganha aqui o espaço que não existe no classicismo A recusa toma o lugar da aceitação. A originalidade se contrapõe à imitação. A afetividade aflora. O romantismo é então “um protesto racionalizado contra a razão e a ordem banal tornando-se discurso” (LEFEBVRE, 1969, p. 374). Enquanto o classicismo se baseia na organização do cosmos (sol e planetas numa órbita conservadora), o romantismo é comparado a uma onda, uma vibração contagiante que ressoa nas profundezas deste cosmos, transformando-o. O romantismo é a harmonia musical criadora do inaudito, reveladora do novo, promotora do possível-impossível supremo, atravessando as dissonâncias e resolvendo-as. Pode-se dizer que a música brasileira, no momento do rompimento com a visão de arte restrita do stalinismo, encontrou nesta perspectiva a possibilidade da realização do inaudito criador, rompedor do conservadorismo da arte burguesa e do dogmatismo do realismo socialista. Por essa razão, não se considera o Clube da Esquina aqui apenas sob a dimensão

63 restritiva da dicotomia forma/conteúdo. A harmonia no Clube da Esquina é dialética, é dissonância que leva ao consenso, ao novo que se renova eternamente. Relaciona-se com a perspectiva humanista proposta por Lefebvre. Milton Nascimento gravou várias vezes algumas de suas composições. Suas gravações, no entanto, nunca se repetiram. O mesmo pode ser dito de Toninho Horta, que afirmou recentemente: Eu sempre tentei fazer músicas. Mas não músicas em série, músicas parecidas umas com as outras. Sempre tentei fazer uma coisa nova. Tanto que eu componho super pouco. Mas cada música que sai é uma estória diferente e isto tem um valor muito grande (http://www.aic.se/toninho/).

Nas dissonâncias e nos ritmos quebrados estão implícitos novos horizontes, novas perspectivas, a unidade transformadora, a negação da rigidez. A música é fluida, diz não à mesmice. É inegável a presença do Jazz, que influenciou tanto a musicalidade de Toninho Horta quanto de Milton Nascimento. Mas a música do Clube da Esquina está muito além de qualquer classificação. Corresponde à fusão de muitos elementos, brasileiros e estrangeiros. A música de Minas Gerais, principalmente a feita pelo Milton, pelo Toninho, pelo Beto, pelo Lô e posso me incluir também, é muito mais importante do que a música feita pela Tropicália. A Tropicália mexeu com os costumes. As letras eram muito importantes, mas musicalmente [...] A música deu um salto harmônico e melódico que não obedecia regras, inteiramente inusitada. O primeiro acorde da música do Nelson Ângelo, você toma um susto. Aí vem coisas que você nem imagina (BRANT, 01-05-2001).

Esta revolução musical é, no entanto, contestada por Márcio Borges (1996, p. 194): O fato é que, para uma mentalidade demasiado conservadora como a mineira, era mais fácil aceitar uma revolução da harmonia musical, afinal uma coisa que atingia apenas os estritamente interessados, do que aceitar uma revolução no comportamento geral, mil vezes mais perigosa e de conseqüências mais imprevisíveis.

Mas quando se pensa nos elementos que uniram os integrantes enquanto um grupo, pode-se contestar essa visão de Márcio Borges, já que o Clube da Esquina, no seu conjunto, incorporou elementos de resistência à aculturação que se observava com o avanço da indústria cultural. Isso, por si só, não politiza as ações de Toninho Horta, mas liga suas composições à representação coletiva criada em torno do ideal de construção do novo humano, do ser humano pleno. Sob esse ponto de vista, não se pode fazer uma análise do movimento a partir

64 da dicotomia forma e conteúdo, pois ambos estão amalgamados em uma única realidade. A harmonia no Clube não era conclusiva, ela apontava para vários caminhos. Ela era uma transformação para além da outra. Sob esse ponto de vista ela é moderna. Por outro lado, ao gerar sua própria negação contribui, para dentro dos limites de qualquer objeto artístico, para o enriquecimento das possibilidades do ser humano, ou do novo ser humano, que já estava nos trechos antropológicos de Marx. Veja-se o depoimento de Milton Nascimento na década de 70. Eu não me prendo a esquema de música de tantos compassos. Temos um modo de tocar violão, de cantar, uma harmonização. O tipo de música que fazemos é a toada. Toada é uma espécie de carro de boi, um negócio que vai desenrolando, uma cantiga. Geralmente a letra é uma estória. A toada é diferente devido `a região. A de Dorival Caymmi é marítima. A minha tem ligação com a região de Três Pontas. Não a considero regional. A harmonia não tem nada de regional, nem mesmo a melodia. Tem grande influência eu ter morado o tempo todo em Minas, mas eu acho que o Jazz tem muita importância na minha música (NASCIMENTO apud MARIZ, 1977, p. 286).

A comunicação musical se faz de forma direta, sensitiva. A harmonia coloca as contradições no lugar das aparências. A dissonância é o caminho para o processo de instauração do novo, da síntese que une elementos aparentemente dispersos. O caos é o elemento ativador da harmonia. Reconhecida, a harmonia torna-se “embriaguez, êxtase, perda da consciência do incriado - criador - criado, trindade sagrada inacessível ao profano e acessível ao poeta, ao músico e ao filósofo” (LEFEBVRE, 1969, p. 312). Milton Nascimento, como ele próprio disse, não se prende aos compassos da música. Escreve as notas como se fossem poesias. “Uso divisões diferentes dentro da música: Por exemplo um 6/8 dentro de um 4/4. Sempre há dificuldade de passar minhas músicas para o papel, por causa dessas quebras rítmicas, do desenho do violão” (MARIZ, 1977, p. 288). Esse trecho parece demonstrar que a música desenvolvida por esse artista tende à fragmentação. Mas, completando, Milton diz: “Penso no desenho do violão com a voz, tudo sai junto. Minha música precisa de muito ritmo. Então são três coisas: o ritmo, o desenho do violão e a melodia” (NASCIMENTO apud MARIZ, 1977, p. 286). A visão globalizante do processo musical é a alegoria de um tempo marcado pela busca incessante de liberdade. Milton Nascimento e Toninho Horta foram os principais

65 articuladores da criação de uma linguagem musical no Clube da Esquina. Essa linguagem tem relação com o processo histórico do Brasil e com as mudanças que floresceram na juventude do mundo inteiro.

66

CAPÍTULO 2 - O CLUBE DA ESQUINA E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA EM MINAS GERAIS

Você já ouviu conversa de caboclo? Menino ou gente grande? De repente esta pessoa vem, diz uma frase, em meio a tantas, e aí se dá conta. Ele se revela. É sabedoria, é mais moderno, profundo que tudo. Dá arrepio. Sua base é a simplicidade. Milton Nascimento, contracapa do disco Noites do Sertão, 1984

2.1 A atualidade do conceito de memória coletiva A questão da memória coletiva tem sido muito discutida nas Ciências Sociais e tem estimulado a aproximação dessa área do conhecimento com a história e com a psicologia social. Para Jacques Le Goff (1994, p. 473), o conceito de memória coletiva “sofreu grandes transformações com a constituição das Ciências Sociais e desempenha um papel importante na interdisciplinaridade que tende a instalar-se entre elas”. A necessidade de se estudar a questão da memória a partir de uma perspectiva múltipla deve-se ao fato de que o conceito de memória coletiva possibilita compreender como, na dialética da história da humanidade, tem se reconstruído utopias e atmosferas longínquas, reacendido a chama na política e, principalmente, como a memória contribui para a formação da identidade do indivíduo e da coletividade. Dessa forma, a questão da memória coletiva envolve a complexidade da existência humana e não se restringe a uma área de conhecimento. Memória, identidade e história se relacionam. Como lembra Lucília de Almeida Neves (2000, p. 109), “na busca da construção da identidade, os sujeitos individuais e sociais mergulham na profundidade de suas histórias, em uma dinâmica que pode apresentar um caráter espontâneo ou direcionado”. A memória individual tem a função de inserir o indivíduo na coletividade para que este não se perca em meio ao esquecimento que é fruto do processo de aceleração da história38. Pierre Nora, ao discutir esta aceleração, mostra que marcos testemunhais constroem uma identidade social, afirmando “o que fica no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem

38

NORA, Pierre. Entre a memória e a História: a problemática dos lugares. Projeto História-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, n. 10, dez. 1993.

67 do passado” (NORA apud LE GOFF, 1994, p. 473). Dessa forma, a História Nova, quando discute a questão da memória, procura quebrar a linearidade temporal que caracterizou a perspectiva positivista de história e construir um novo conceito, propondo uma leitura da memória coletiva a partir da multiplicidade e que rompa com a dicotomia que contrapõe indivíduo e sociedade. Como diz Jacques Le Goff (1994, p. 473): A história dita nova, que se esforça por criar uma história científica a partir da memória coletiva pode ser interpretada como uma revolução da memória, fazendo-a cumprir uma rotação em torno de alguns eixos fundamentais: uma problemática completamente contemporânea [...] e uma iniciativa decididamente retrospectiva, a renúncia a uma temporalidade linear em proveito dos tempos vividos múltiplos nos níveis em que o indivíduo se realiza no social e no coletivo(lingüística, demografia, economia, biologia, cultura) história que fermenta a partir dos lugares da memória coletiva.

Existem, portanto, lugares onde a memória se faz presente 39, lugares que são a representação do universo memorial do indivíduo e também da coletividade que lhe é inerente. A lembrança é, portanto, uma reconstrução do passado com elementos que fazem parte do presente de quem a vive. As impressões da infância, por exemplo, podem ser retomadas por algum adulto, mas, de nenhuma forma, esse retorno se faz de forma mimética, tal como pensava Bergson40. Falta em Bergson um tratamento da memória como fenômeno social 41. Esse tratamento foi dado de forma pioneira por Halbwalchs42, que considera que “o passado não subsiste apenas na memória individual mas em toda a sociedade” 43. O ato de lembrar é provocativo na reconstrução a partir da lembrança dos outros indivíduos 44. Bosi percebeu, a partir da discussão de Halbwalchs, que a “memória não é sonho, é trabalho que tem por

39

“Lugares topográficos, como os arquivos, as bibliotecas e os museus: lugares monumentais como os cemitérios ou as arquiteturas; lugares simbólicos como as comemorações, as peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares funcionais como os manuais, as autobiografias ou as associações: estes memoriais tem sua história.. [...] Estados, meios sociais, políticos, comunidades de experiências históricas ou de gerações levadas a constituir seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da memória”(NORA apud LE GOFF, 1990, p. 473). 40

BERGSON, Henri. Matiére et memórie. In: ______. Oeuvres. Paris: Presses Universitaires de France, 1959.

41

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança dos velhos. São Paulo: Companhia da Letras, 1995.

42

HALBWALCHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

43

Como diz o próprio Halbwalchs: “Para nós, ao contrário, não subsistem, em alguma galeria do subterrânea de nosso pensamento, imagens completamente prontas, mas na sociedade, onde estão todas as indicações necessárias para reconstruir tais partes de nosso passado, as quais nós representamos de modo incompleto ou indistinto, ou que, até mesmo, cremos que provêm completamente de nossa memória” (HALBWALCHS, 1990, p. 77). 44

“A lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada” (HALBWALCHS, 1990, p. 71).

68 substrato a linguagem” (BOSI, 1995, p. 17). Através da linguagem, o homem cria representações que se constituem enquanto memória coletiva. Já que a memória é construção e reconstrução, não se pode deixar de comentar sobre seu caráter político. A apropriação dos espaços, ou especificamente aqueles reservados simbolicamente à memória, faz-se através de um jogo de interesses. A memória não é, por assim dizer, única, tal como não é a identidade. Os lugares da memória fazem parte da dinâmica da sociedade. É nesse ponto que história se relaciona à memória, pois somente uma leitura crítica da realidade pode explicar as escolhas dos atores envolvidos na dinâmica da história. A crise do conceito de memória coletiva 45 relaciona-se, sob esse ponto de vista, à incapacidade de se ter uma única memória, partindo do princípio de que a sociedade é marcada pela diversidade. Concorda-se com Niethamner quando diz que as relações entre memória e indivíduo passam pela intermediação de grupos culturais e que a memória é plural, mas diverge-se quanto à afirmação de que a memória coletiva seja a base dos “fundamentalismos de todos os tipos, e está aberto a todos os tipos de manipulação, por que sugere que os membros de um grupo e o Estado ou uma nação seriam de alguma forma idênticos” (NIETHAMNER, 1997, p. 138). O Clube da Esquina é o maior exemplo de que consensos podem ser criados de baixo para cima, a partir da implementação de formas de sociabilidades coletivas onde os indivíduos não perdem sua individualidade. Por esse motivo pode-se assumir ser apropriada a utilização do conceito de memória coletiva como um dos elementos explicativos para o Clube da Esquina. 2.2 A migração e a memória Grande parte dos integrantes do Clube da Esquina migraram do interior para a capital. A industrialização ocorrida em Minas Gerais a partir da década de 40 provocou transformações substanciais no processo de constituição das identidades dos migrantes que

45

Crise anunciada, por exemplo, por Lutz Niethamner: “O ponto central da experiência é ter-me tornado cético acerca do conceito de identidade coletiva, por que eu acho simples demais.[...] Não existe um coletivo se formando, mas existem tradições, existem instituições que reproduzem certos valores e se elas não estão presentes, então elas não os reproduzem.[...].Creio, então, que o interessante é que a identidade coletiva deveria ser plural, deveria levar em consideração os muitos lados que devem estar em harmonia nos indivíduos, e, quando se trata da coletividade, você não pode simplesmente saltar do indivíduo para o coletivo, mas precisa passar por estágios intermediários de análise cultural” NIETHAMNER, Lutz. Conjunturas de identidade coletiva. Projeto História-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, n. 15, p. 119-144, abr. 1997. p. 138.

69 adotaram novos modos de vida e cultura na capital. Para Ecléa Bosi, o migrante perde, no processo de expulsão do campo, suas múltiplas raízes. “Perde sua paisagem natal, a roça, as águas, as matas, a caça, a lenha, os animais, a casa, os vizinhos, as festas, a sua maneira de vestir, o entoado nativo do falar” (BOSI, 1987, p. 17). Pode-se pensar, dentro dessa perspectiva, num processo de desenraizamento desse homem que, ao se deparar com a nova realidade, tem de reconstruir sua identidade. Ainda para Bosi, a estrutura capitalista cria um estado de alienação cultural que completa a alienação do trabalho. Partindo dessa perspectiva, pode-se deduzir que a repetitividade e a fragmentação, características da sociedade tecnocrática, faz com que este homem perca os elos consigo mesmo e com o mundo, e, da mesma forma, a ligação com o transcendente, matéria necessária para uma existência completa. A mudança brusca no ritmo de vida do migrante e a necessidade de deixar de acreditar naquilo que era o esteio de sua existência faz com ele perca, ainda mais, a capacidade de imaginar, tornando-se elemento passivo no processo de reprodução do capitalismo. O enraizamento é, para Bosi, um direito esquecido. Sendo assim, para a autora, participar de uma coletividade é essencial para qualquer ser humano. “Esta coletividade conserva alguns tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro” (BOSI, 1987, p. 27). No entanto, esta necessidade enraizadora não alimenta a idealização acrítica do passado. Na visão de Bosi, a tradição também é substrato da revolução. Portanto, o passado é uma entidade dinâmica e dialética e pode servir tanto para a conservação de padrões, quanto para a afirmação da dinâmica das transformações sociais. O passado não se opõe ao futuro. A sua apropriação crítica é elemento fundador para a construção do “novo homem”. O romantismo revolucionário tem por base esta dialética. Ao mesmo tempo em que propõe uma sociedade progressista e moderna, procura retomar o homem

simples

do

interior,

perdido

num

passado

distante,

esquecido

pelo

autoritarismo que quis fazer uma nação sem povo. Como lembra Tavinho Moura: “Eu acho que uma coisa que não pode existir sem a outra. Eu não gosto muito desta palavra. Modernidade para mim é coisa do Collor. Por que toda vez que tentam modernizar alguma coisa, fizeram foi fuder”. A busca desse universo perdido na urbanidade não significa um regresso às relações de dominação que resultaram na expulsão desse homem do campo, mas na recuperação da

70 possibilidade de criar redes de solidariedade, amizade e amor entre as pessoas. Buscava-se resgatar o elo perdido na frieza das sociedades industriais modernas, que alimentam o narcisismo exacerbado, as novas relações de dominação e o controle tecnocrático. O nascimento do novo homem, segundo a dinâmica do Clube da Esquina, passa tanto pela conquista da modernidade tardia quanto pelo resgate das relações sociais que a cidade parecia não permitir. 2.3 Clube da Esquina e a memória popular Como já foi frisado anteriormente, o Clube da Esquina caracterizou-se pela diversidade. As mais variadas propostas temáticas e musicais podem ser encontradas no movimento que teve três gerações de compositores e artistas. Portanto, não é fácil discutir os elementos que os unem, elementos que perpassem a trajetória de cada artista e que representem pontos de conexão no grupo. Mas como já frisado no capítulo anterior, as gerações de músicos e letristas influenciaram-se mutuamente, construindo um consenso (dentro da diversidade) em torno da descoberta do povo brasileiro através da recuperação da memória popular. Nas composições do Clube da Esquina podem ser encontrados elementos que retomam as tradições populares de Minas Gerais e que deram à música do movimento uma linguagem inédita. Na questão harmônica e melódica, os integrantes buscaram recuperar, antropofagicamente, os ritmos esquecidos do cancioneiro popular do estado, tal como a toada mineira, as suítes populares que se espalham pelo norte de Minas e pelo Vale do Jequitinhonha, as modinhas, as músicas de roda, as modas de viola, dentre outros ritmos. Essa retomada se fez, no entanto, através do processo dialético que marcou a evolução da música popular brasileira, mesclando modernidade e tradição, a partir da década de sessenta. Esse resgate, portanto, tem relação com a proposta de descoberta do povo brasileiro e com a recuperação de elementos da cultura popular que se constrói a partir da fusão das várias matizes étnicas e que resultaram na diversidade que se observa atualmente. O Clube da Esquina pode ser considerado um dos exemplos claros da amplitude e riqueza da cultura popular nacional que, a partir da década de sessenta, foi descoberta pela classe média brasileira.

71 2.4 O trem da tradição O trem e o mar são elementos importantes no imaginário de Minas Gerais e também nas composições do Clube da Esquina. O trem, por sua presença forte e determinante. O mar pela sua ausência. O trem satisfaz o desejo do reencontro, traz as novidades dos centros urbanos e marca relações. O trem é remédio para saudade, para a melancolia, para as mazelas da vida. Faz crescer a fé e possibilita sonhar com o novo. Por trazer as novidades, poderia representar o mundo moderno ou a própria modernidade. Por outro lado, o trem é, em si, um elemento do imaginário popular. O trem possibilita reunir e despedir, chorar de alegria e de tristeza. A relação saudade/tristeza foi discutida na música Encontros e Despedidas por Fernando Brant e Milton Nascimento. Nas duas primeiras estrofes os autores buscam mostrar o cotidiano de uma cidade que recebe o trem: ENCONTROS E DESPEDIDAS (1985) (Milton Nascimento/ Fernando Brant) 62724509 Mande notícias de lá Diz que fica Me dá um abraço Venha me apertar eu tô chegando Coisa que eu gosto é poder partir Sem ter planos Melhor ainda É poder voltar Quando quero Todos os dias é um vai e vem A vida se repete na estação Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais Tem gente que vem e que quer voltar Tem gente que vai e quer ficar Tem gente que veio só olhar Tem gente a sorrir a chorar assim chegar e partir São só dois lados da mesma moeda O trem que chega É o mesmo trem da partida

Mais interessante para análise talvez seja a última estrofe, quando a composição caminha para seu desfecho e quando o cantor repete a frase “é a vida desse meu lugar, é a vida”. Neste momento pode se visualizar a trajetória dos artistas. O trem passa a representar a Diamantina de Fernando Brant, a Três Pontas de Milton Nascimento ou qualquer outra cidade que tinha neste meio de transporte um ponto de interlocução com a vida moderna.

72 A hora do encontro É também da despedida A plataforma desta estação É a vida desse meu lugar É a vida desse meu lugar É a vida. (Milton Nascimento/ Fernando Brant)

Se pensarmos que a opção pela rodovia fez parte do projeto modernizador que foi implementado no Brasil a partir da década de 50 e que os trilhos foram perdendo espaço para as rodovias46, poderíamos afirmar que o trem também representa um elemento da memória popular que os integrantes do Clube da Esquina buscavam resgatar em suas composições. O trem faz parte do imaginário de uma população excluída. Outra composição representativa dessa perspectiva que traz o trem como um elemento de tradição em convívio conflitivo com a modernização é a música Três Pontas: TRÊS PONTAS (1967) (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) 60294590 Anda minha gente, depressa para estação Pra ver o trem chegar É dia de festa e a cidade se enfeita pra ver o trem Quem é bravo fica manso Quem é triste se alegra Velho, moça e a criança Todo mundo vem correndo para ver Rever gente que partiu Pensando um dia em voltar Enfim voltou o trem E voltou contando estórias De uma terra tão distante Do mar vem trazendo esperança Pra quem quer nesta terra se encontrar Filho do senhor vai embora Tempo de estudos na cidade grande

46

Segundo Créso Coimbra, desde a década de 40 este projeto já vinha se delineando: “a segunda Grande Guerra veio despertar a consciência nacional para a necessidade de um sistema interior de transportes apoiado nas rodovias e o decreto no. 15093 de vinte março de 1944 aprovou o Plano Rodoviário Nacional que pretendia fundamentalmente ligar o país no sentido norte – sul e corta-lo em outras direções uma trama de vias de comunicação eficiente” (COIMBRA, Créso. Visão histórica e análise conceitual dos transportes no Brasil. Rio de Janeiro: Centro de Documentação e Publicações do Ministério dos Transportes, 1974. p. 198) Na década seguinte, no entanto, este processo ganhou impulso: “Em 1955, o governo Federal havia fixado como metas rodoviárias a implantação básica e melhoramentos em 10 000 quilômetros e a pavimentação de 3000. Estes objetivos foram ampliados posteriormente para 12600 quilômetros e mais tarde, em face do adiantamento dos trabalhos, para 18000 quilômetros, quando foram incluídos os projetos de construção das grandes rodovias Belém-Brasília, [...] Fortaleza-Brasília,[...] e a Brasília -Acre (COIMBRA, 1974, p. 198). À medida em que cresciam as estradas, diminuíam os investimentos nas ferrovias: “Em 1953, os índices relativos aos nossos transportes ferroviários correspondiam a de um país carente de recursos nesse setor” (COIMBRA, 1974, p. 217).

73 Parte tem olhos tristes Deixando o companheiro na estação distante Não esqueça amigo eu vou voltar Some longe trenzinho, aos Deus dará

Na primeira estrofe, pode se notar que a estação é um ponto de sociabilidade entre os habitantes daquela cidade do interior. “É dia de festa” diz a música, as pessoas se encontram e se despendem diante da máquina mágica que solta fumaça. Gerações se misturam, entendem-se e se desentendem. O trem quebra a linearidade da vida cotidiana transformando a existência dos indivíduos, possibilitando que esses seres humanos estejam mais libertos da alienação massacrante da rotina. Três Pontas poderia ser São João Del Rey, Montes Claros, Nova Lima, Sabará ou qualquer outra cidade de Minas Gerais onde o trem tenha servido como símbolo da permanência da tradição num mundo que se moderniza. Nesse sentido, a imagem do trem representa um duplo e paradoxal sentido: o da convivência entre a tradição e a modernidade. A partida e a chegada também fazem parte da mesma moeda. É a vida que traz a esperança, a bondade, a tristeza, os sonhos, a saudade, a utopia, a fé, enfim, o sentimento. O mar, que tão preciosa falta faz no imaginário de Minas, é a possibilidade da renovação da identidade. Portanto, se na memória de Milton Nascimento, o lugarejo e a estação permanecem intactos, a possibilidade da transformação se faz urgente. A música conclama, através da preservação de um elemento que parece passivo, a dinâmica da vida e da história. Outra música que procura discutir a importância do trem na construção de um imaginário coletivo em Minas Gerais é Roupa Nova: ROUPA NOVA(1979) (Milton Nascimento/ Fernando Brant) Ed. Três Pontas/ Tapajós 60.979.542 Todos os dias toda manhã Sorriso aberto e roupa nova Passarim preto de terno branco Pinduca vai esperar o trem Todos os dias toda manhã Ele sozinho na plataforma Ouve o apito sente a fumaça E ver chegar o amigo trem Que acontece nunca parou Nessa cidade de fim de mundo E quem viaja para capital Não tem olhar para o braço que acenou

74 O gesto humano ficou no ar O abandono fica maior E lá na curva desaparece a sua fé Homem que é homem não perde a esperança Ele vai parar Quem é teimoso não sonha outro sonho não Qualquer dia ele pára E assim Pinduca toda manhã Sorriso aberto e roupa nova Passarim preto de terno branco Vai renovar sua fé

Pode-se dizer que esta música possui todos os elementos que se relacionam à necessidade de ir ao encontro do povo brasileiro, buscando a sabedoria da população excluída pelo projeto conservador de modernização que se fez de cima para baixo. Retomando Ecléa Bosi (1987, p. 28), quando procura discutir a distância existente entre a linguagem culta e a sociedade e diz que “o que torna a cultura universitária tão difícil de ser comunicada às pessoas simples é o fato de que ela, não se nutrindo do concreto, tornou-se pobre a abstrata”, pode-se perceber que, na alegoria de Brant, é o povo que ensina. O artista se torna um interlocutor, uma ponte entre a vida cotidiana e a transformação do homem através da arte. Sobre esta música, fala o próprio Fernando Brant: Na realidade esta história é verdadeira. O „Seu Francisco‟ era um cara que servia café no José Penotti. Tanto que no Maria Maria, a música que tem um homem chama-se Francisco. Sentinela foi por causa dele. Ele era um preto que veio de Ouro Fino, que era uma sabedoria. Ele fazia o café e depois eu sentava com ele no banco e ele falava um monte de coisa. Ele era o carregador de mala da estação. Todos os dias passava este trem expresso 5 horas da manhã e nunca parava. Se um dia ele parar, quem vai carregar a mala dele? Todo dia ele ia lá e (risos) voltava pra casa. Isto é um negócio bem brasileiro, bem do povo. Pinduca é o Bituca. Mas podia ser seu Francisco [...]

A composição traz elementos da vida de seu Francisco, da vida de Fernando Brant e da vida de Bituca (Milton Nascimento, o Pinduca da história). No entanto, relacionando a trajetória dos três personagens ao trem, à paisagem, aos costumes da população e aos elementos que estão presentes naquela composição, pode-se perceber que a memória traduz uma visão coletiva que não se resume à trajetória individual destes personagens.

75

A capa do disco Geraes resume o pensamento do Clube da Esquina. Aqui estão muitos dos elementos alegóricos que foram discutidos neste capítulo.

A capa do disco Durango Kid de Toninho Horta é outro exemplo de como o trem é uma recorrência nas composições do Clube da Esquina.

76 2.5 As pedras, as montanhas: a geografia mítica do Clube da Esquina Outro elemento recorrente no conjunto das composições de vários integrantes do Clube da Esquina, por mais estranho que pareça, é a pedra. Ecléa Bosi, no livro Memória e Sociedade, demonstra como as pedras, tal como o perfume, ou o som, funcionam como ativadores de lembranças individuais. Outro dia, caminhado para o viaduto do chá, observava como tudo havia mudado em volta, ou quase tudo. [...] Nesse momento descobri, sob meus pés, as pedras de calçamento, as mesmas que pisei na infância. Senti um grande conforto [...] as pedras resistiram e, em íntima comunhão com elas, os meninos brincando nos lances da escada, os mendigos nos desvãos, os namorados junto às muretas, os bêbados no chão (BOSI, 1987, p. 363).

Observando a música Itamarandiba, pode-se perceber que as pedras contribuem para a sustentação da memória dos compositores, e dessa forma, para resgatar a memória coletiva: ITAMARANDIBA (1981) (Milton Nascimento/ Fernando Brant) Ed. Três Pontas 61146145 No meio do meu caminho Sempre haverá uma pedra Plantarei a minha casa Numa cidade de Pedra Itamarandiba pedra corrida Pedra miúda rolando sem vida Como miúda e quase sem vida A vida Do povo que mora no vale No caminho dessa cidade Passarás por Turmalina mina Sonharás com pedra Azul Viverás em diamantina No caminho dessa cidade As mulheres são morenas Os homens serão felizes Como se fossem meninos

Se a pedra possui esse poder mágico de ativar a saudade, ela também representa a outra face da memória: a coletividade implícita e presente em cada lembrança. Como explica Halbwalchs, o indivíduo tem duas espécies de memória, uma ligada sua trajetória individual e outra, que faz com esse indivíduo se comporte como um membro de um grupo. Estas duas espécies de memória se interpenetram sem, no entanto, se confundirem (HALBWALCHS, 1990, p. 53). A memória individual não é, portanto, isolada. Seu mecanismo tem duas

77 dimensões e seu funcionamento só é possível na relação com o meio que o cerca. Portanto, as pedras de Itamarandiba, como as pedras capistranas de Diamantina, são elementos simbólicos que contribuem para construir um imaginário coletivo, resistente à modernidade que passa como trator sobre os sentimentos humanos. Mas em Diamantina eu falo de Capistrana, que é a pedra. Mas não fica apenas na questão do religioso. Tem o povo que esquece sua dor para louvar. O povo é o povo mesmo... então, no interior é o pobre, miserável, mas muito solidário. No interior (ou mesmo em bairros de Belo Horizonte) você tem estas relações muito interessantes.

Nessa perspectiva, a pedra liga as lembranças individuais, une, cria solidariedade, registra um momento e projeta um futuro menos sombrio. As pedras simbolizam, portanto, a resistência à desumanização, ao asfalto frio da modernidade. A pedra é a possibilidade da convivência do homem civilizado com a natureza mãe. Além da pedra, o chão é outra imagem recorrente em várias composições do grupo. Naturalmente aqui, o chão não é simplesmente o espaço físico, mas toda a cultura que o envolve e que cria laços entre os indivíduos. Aliás, chão e raiz são palavras que se ligam e que demonstram a necessidade de estar entrelaçado a algo profundo, essencial. Relacionada à história, a memória ganha dinamismo e crítica, como lembra Lucília de Almeida Neves (2000). Voltando à discussão sobre a importância simbólica da palavra chão, pode-se observar nas estrofes da música Carro de Boi: CARRO DE BOI(1976) (Maurício Tapajós/ Cacaso) Que vontade eu tenho de sair Num carro de boi e ir por aí Estrada de terra que só me leva Só me leva nunca mais por trás Que vontade de não mais voltar Quanta coisa que eu vou conhecer Pés no chão e os olhos vão Procurar onde foi que eu me perdi Num carro de boi ir por aí E numa viagem que só trás Barro, pedra, pó E nunca mais

Mesmo não sendo uma música escrita por mineiros, a composição trás os elementos que estão em discussão. Tem-se aqui dois desejos: o de fincar os pés na terra (o chão

78 simbólico) e o de vislumbrar novos horizontes. Se os elementos reforçam a vontade de pertencer a algo ou a algum lugar também sugerem partir. Pode-se, tomando como referência essa composição, perceber um conflito vivido pelo migrante. O sertão não apresenta nesse caso uma conotação mítica. A migração se faz pelo desejo de transformar sua realidade sofrida. Se o migrante procura manter seus valores, o desejo de sair daquele estado de miséria é maior. Se tem consciência daquilo que está perdendo, também quer e precisa experimentar a turbulência das grandes cidades. “Pés no chão e os olhos vão” também poderia ser entendido como minha identidade está aqui, mas não posso ficar preso a ela, preciso construir meu futuro, transformar minha realidade. O sonho individual do migrante, a esperança de dias melhores pode ser notada nesta composição. Mais uma vez o ideário humanista revolucionário está presente marcando elementos que, antes de serem contrapontos, se completam. Os pares contrapontuais modernidade/tradição;

passado/futuro;

permanência/transformação;

enfim,

conflito/

solidariedade se fundem, construindo um imaginário complexo que é tanto a representação do mundo do migrante quanto a da própria trajetória do Clube da Esquina, movimento que se caracterizou pela diversidade. Na última estrofe da composição, são retomados os elementos fundadores da identidade: “barro, pedra, pó”. Na frase seguinte, no entanto, “E nunca mais” é aberta a possibilidade para a transformação da vida, para a dinâmica histórica que reverte a lógica massacrante do capitalismo moderno. A viagem tem só um destino: o futuro, a utopia. Outra canção que retoma estas temáticas é Fazenda de Nelson Ângelo. Em sua primeira estrofe, que de certa forma introduz as lembranças do compositor, faz com que o ouvinte sinta a nítida sensação de estar ligado ao universo imaginário apresentado pela música. Ângelo propõe que o tempo perca em dinamismo, cedendo espaço para a linearidade que busca resgatar um universo mítico, confortante, afável, no qual qualquer ser humano quer estagnar. FAZENDA (1976) (Nelson Ângelo) Água de beber Bica no quintal Sede de viver tudo E o esquecer era tão normal Que o tempo parava

No momento seguinte, no entanto, a música retoma a mobilidade, mas agora já inserida na dimensão mítica, relacionando velhos e crianças. Retomando-se a proposição de

79 Bosi (1987) pode-se perceber que o velho tem uma função social na sociedade: a reconstrução do passado e a garantia de um futuro harmonioso. A importância do velho para as sociedades menos complexas foi resgatada por Tavinho Moura: DONA MARIANA (Domínio público) Lá em cima daquela serra Dona Mariana Tem uma cavalaria Da donzela Teodora Cada cavalo numa sela Cada sela uma senhora Cada senhora daquela Dona Mariana Traz no dedo uma memória

Voltando à música Fazenda, Ângelo procura realçar, alegoricamente, dois personagens, a criança e o velho: a criança de hoje é o velho de amanhã. Um olha para o futuro, tem a vida toda pela frente. O outro direciona esta construção com a sabedoria constituída na sua própria vivência. Os dois personagens estão, no entanto, imbricados. Fazem parte de um mesmo universo. Passado, presente e futuro coexistem, assim como se viu na música Encontros e Despedidas. E a meninada respirava o vento Até vir a noite E os velhos falavam Coisas dessa vida Eu era criança, Hoje é você E no amanhã nós (Nelson Ângelo)

Na segunda parte, é retomada a mesma circularidade que fora observada na primeira parte da música. Interessante é observar que o jipe leva como o carro de boi: o compositor finca os pés na terra, mas volta-se à modernidade. Se o coração permanece naquele universo mítico, a realidade o chama. Água de beber Bica no quintal Sede de viver tudo E o esquecer Era tão normal Que o tempo parava Tinha sabiá Tinha laranjeira Tinha manga rosa Tinha o sol da manhã E na despedida Tios na varanda Jipe na estrada E o coração lá

80 (Nelson Ângelo)

Dentro dessa concepção, o jipe, o trem e o carro de boi são instrumentos do homem, mas não se relacionam com a racionalidade tecnocrática que caracterizou o capitalismo industrial moderno. A indústria distanciou o homem de sua própria essência. A rusticidade destes instrumentos transformam-se em símbolos de combate à fragmentação e à solidão peculiares à modernização. O Clube da Esquina, enquanto grupo, pretende retomar elementos fundadores da identidade coletiva do povo mineiro. Pretende também que esta retomada o liberte da alienação fragmentada da realidade individualista da sociedade moderna. A criatividade, a fé na vida, a utopia, são temas recorrentes nas letras e nas músicas. A constante renovação da vida é remédio para o cotidiano massacrante de um povo que nunca foi escutado. A montanha é outro elemento importante no imaginário coletivo de Minas. Cria laços de identidade entre os seus habitantes. Ao lado dos outros elementos apresentados, a montanha supre a falta do mar na imaginação do mineiro, como disse Milton Nascimento: “O povo diferente em cada parte de Minas, a geografia, o chão como outra espécie de mar – com todos os seus movimentos – são ondas que sobem e descem nas montanhas, a maioria criada por diatrofismos, querendo virar oceano” (Jornal do Brasil, 22 jun. 1985). As pedras, o minério e outros elementos que brotam da terra, refletem a cultura e o jeito de ser do mineiro. Em várias passagens, a questão geográfica foi citada. Para Lô Borges, a arte de Minas é uma contingência cultural, geográfica. O Brasil, culturalmente, é muito rico e Minas Gerais tem sua peculiaridade que é a soma de muitas culturas. Tem um pouco do Brasil em cada parte desse estado, é uma espécie de síntese. O mineiro traz informações próprias de Minas Gerais e também faz, há muitos anos, uma filtragem das coisas brasileiras. Na literatura, nas artes plásticas, na música, o pessoal de Minas tem uma força muito grande e não sei se é por causa do tempero do feijão, ou se são as águas das cachoeiras que a gente usa tanto. O mineiro é voltado para cultura, as pessoas se encontram para conversar sobre música, cinema, desde que eu era menino as coisas são assim (BORGES, In: http//brasil.art.br/instrumental-agosto.htm).

Esta “contingência geográfica” também pode ser encontrada em outros artistas, escritores e intelectuais mineiros. João Guimarães Rosa, no texto “Minas Gerais” explica: Minas é montanha, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, verticalidade esconsa, o esforço estático; a suspensa região que se escala. Atrás das muralhas, atrás de desfiladeiros – passa um, passa dois, passa quatro, passa três – por caminhos retorcidos, ela começa, como um desafio à serenidade (ROSA, 1994, p.

81 1159).

Pode-se, então, trabalhar com a hipótese de que os compositores do Clube da Esquina beberam tanto em Rosa quanto em Drummond. Como exemplo, pode-se citar a declaração de Milton Nascimento: Minas é meio doida. Nem parece que Carlos Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa nasceram e viveram em casas com quintais, jabuticabas, nas grimpas, igrejas e beatas. Só os mineiros sabem. E não dizem nem a si mesmos o irrevelável segredo chamado Minas. Segundo o próprio Drummond „Minas não é palavra montanhosa‟. É palavra abissal. Minas é dentro e fundo. As montanhas escondem o que é Minas (Jornal do Brasil, 22 jun. 1985).

Em Minas, as coisas brotam das pedras, de suas entranhas. É um universo oculto que se revela em profundidade na sabedoria do povo. Minas é “doida” porque se esconde na sua verticalidade, por que liga modernidade e tradição, faz a ponte entre o local e o universal. Por isso é que Drummond e Rosa afirmam a centralidade em Minas Gerais. Em entrevista, Fernando Brant declarou: Eu tenho uma noção que a gente é meio From the Hill, fica no alto da montanha observando o que está acontecendo lá embaixo. Neste sentido a gente tem aquele negócio da tradição, mas tem também muito desse negócio de moderno, do que é contemporâneo, do que está acontecendo. Por isso, a música daqui o pessoal pega logo lá fora, porque ela tem uma coisa universal. Isto é uma coisa muito presente. E eu acho que é naturalmente. Mas isto está mesmo nas palavras da gente. Em Lennon e Mc Cartney falamos isto. Sou do mundo, sou Minas Gerais. Está lá desde o começo. Tem aqui, mas tem o mundo.

Quem observa a vida de um ponto de vista privilegiado corre o risco de se tornar um “flâneur” a observar a cidade de maneira panorâmica47. Em Brant, no entanto, a tradição possibilita a experiência da modernidade. A dialética modernidade/ tradição, é reveladora de um universo abrangente, tanto no Clube da Esquina, como nos dois escritores citados. A modernidade é a crítica da modernização autoritária, a partir da afirmação da diversidade cultural do país.

47

A literatura panorâmica nasceu juntamente com a difusão do ferro na Europa, na metade do século XIX. Segundo Walter Benjamim este tipo de literatura prepara a entrada do Folhetim. “Eles se compõem de vários esboços, cujo revestimento anedótico corresponde às figuras plasticamente situadas no primeiro plano dos panoramas e cujo o fundo informativo corresponde aos cenários pintados. Mesmo do ponto de vista social, essa literatura é panorâmica. Pela última vez o operário aparece fora de sua classe, como um figurante do idílio. [...] Os panoramas anunciam uma revolução no relacionamento da arte com a técnica e são, ao mesmo tempo, a expressão de um novo sentimento de vida. O morador da cidade, cuja supremacia política sobre o morador do campo tantas vezes se manifesta ao longo do século, tenta trazer o campo para a cidade. Nos panoramas, a cidade se abre em paisagem, como mais tarde ela o fará, de maneira ainda mais sutil para o Flâneur” BENJAMIM, Walter. Sociologia. Organizado por Flávio Kothe. São Paulo: Editora Ática, 1985. v. 50. p. 34.

82 2.6 A infância, o lar e a rua: elementos dinâmicos da memória Fernando Brant, por várias vezes, retoma em suas canções sua infância. Em Diamantina, as festas religiosas e as pedras capistranas influenciaram suas letras, como já foi frisado anteriormente. O tema infância também aparece em várias composições de Milton Nascimento. Márcio Borges, por várias vezes, utiliza nas letras elementos típicos que remetem às brincadeiras, ao mundo infantil. VIAGEM DAS MÃOS (1984) (Tavinho Moura e Márcio Borges) 62.243. 241 Céu, Carrossel, a roda ciranda Enrola teu ser ao meu Vejo passar O véu da manhã É tão cristalina luz Ilumina....

O lar também é tema constante nas letras e músicas do Clube da Esquina. Para Bosi (1987, p. 356), “o espaço da primeira infância não pode transpor os limites da casa materna, do quintal, de um pedaço da rua, de bairro. Seu o espaço nos parece cheio de possibilidades de aventura”. Milton disse para o Jornal do Brasil: Mãe e pai, terra e chão são aqueles que nos criam, acolhem e amam. Que guiam nossos passos [...]. Fui adotado. Sou filho verdadeiro. Fui e sou alimentado, querido e protegido por pai mãe, terra e chão e preparado para buscar o mundo. Minas Gerais é meu lar. Como nunca foi de outro jeito e nem me senti diferente. Está no meu sangue, na minha música, nas minhas amizades e no meu amor. (Jornal do Brasil, 22 jun. 1985).

O lar vivenciado pela criança é mítico, heterogêneo, habitado pela magia. Para Bosi (1987, p. 356), a casa da memória chama a atenção por alguns detalhes que são reveladores de um mundo que se perdeu: “As ruas eram gostosas de se ver, nem havia a preocupação de isolamento como hoje, em que os altos muros mantêm a privacidade e escondem a fachada”. Alguns integrantes do Clube da Esquina buscam resgatar os elos de convivência humana. Pode-se verificar que, ao resgatar a infância da memória, buscam também projetar um futuro melhor para a humanidade. A rua é um elemento importante na constituição da memória dos integrantes do Clube da Esquina e, conseqüentemente, da memória coletiva de Minas Gerais ao revelar um universo mítico e confortante que se quer reviver. Por outro lado, como diz Bosi, as ruas da memória “se associavam irresistivelmente

83 com as brincadeiras porque eram o reinado delas”. Ao pensar na música Bola de Meia, Bola de Gude (gravada por Milton, pelo 14 Bis e outros artistas) esta associação parecerá clara no Clube da Esquina: BOLA DE MEIA, BOLA DE GUDE (1979) (Milton Nascimento/ Fernando Brant) Há um menino, há um moleque Morando sempre no meu coração Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão Há um passado no meu presente um sol bem quente lá no meu quintal Toda vez que a bruxa me assombra o menino me dá a mão E me fala de coisas bonitas que eu acredito que não deixaram de existir Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor Pois não posso, não devo, não quero Viver como esta gente insiste em viver E não posso aceitar sossegado Qualquer sacanagem ser coisa normal.

Para Maria Arminda do Nascimento Arruda (1990, p. 201), “as memórias significam um longo processo de imersão característica no passado, cujo ponto terminal é a infância, enquanto repositório das promessas irrealizadas, momento incorruptível da vida”. Dessa forma os memorialistas, “ousam empreender solitariamente essa viagem repleta de percalços, movido pela crença do canto primal, apoiado pela ilusão de deparar-se com a transparência do ser, antes do toque viciado do mundo” (ARRUDA, 1990, p. 201). Contra essa visão estática de memória, pode-se dizer que a busca não é solitária. Nas composições sobre e da infância elaboradas pelo Clube de Esquina, o romantismo-revolucionário vai dar uma nova configuração à passividade da memória. Na visão de Arruda (1990, p. 201), “voltamos para os primeiros anos, procurando afastar-nos de um meio social cujos princípios não compartilhamos, numa espécie de restauração do período de onde brotam as nossas recordações mais pessoais”. No caso do Clube da Esquina e da geração que se caracterizou pelo romantismo revolucionário, a memória tem uma outra conotação. A crítica suplanta o saudosismo do velho humanismo pequeno-burguês.

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Lô Borges, Milton Nascimento, Beto Guedes, Nelson Ângelo, Danilo Caymmi e Luís Alves. Fonte: Site oficial de Beto Guedes

Beto Guedes brinca com seu filho Gabriel na capa do disco Alma de Borracha

85 2.7 O sertão e o Clube da Esquina O sertão é outra recorrência temática no conjunto das composições do Clube da Esquina. Várias são as passagens que retomam este tema. Morro Velho, por exemplo, começa apresentando o sertão simbólico das memórias de Milton Nascimento: MORRO VELHO (1967) (Milton Nascimento) 60294680 No sertão de minha terra Fazenda é o camarada que ao chão se deu Parece até que tudo ali é seu Só poder sentar no morro E ver tudo verdinho lindo crescer Orgulhoso camarada De vida em vez de enxada

Morro Velho bem poderia representar a cidade de Três Pontas, onde Milton passou sua infância. Mas esse universo é mais que um local: são os vários morros velhos existentes no Brasil, localidades de pessoas simples, do homem do povo que o romantismorevolucionário buscava resgatar. O sertão não é uma região árida ou de sofrimento. A terra dá fruto e o trabalhador parece se integrar àquele ambiente. Como disse Milton Nascimento: Fiz pelo fato de um ser um contador de estórias. „Morro Velho é uma estória que apesar de não ser uma biografia, é muito do que vivi, do que percebi‟. É uma estória que gosto de cantar. É a terra e a gente, é Minas Gerais, o interior como eu queria (Estado de Minas, 27 out. 1987).

No universo mítico de Milton Nascimento, a criança está sempre presente: Filho de branco com preto Correndo pela estrada atrás de passarinho Pela plantação adentro crescendo os dois meninos sempre pequeninos peixe bom dá no riacho de água tão limpinha, dá pro fundo ver orgulhoso o camarada conta a história pra moçada (Milton Nascimento)

Também o trem volta a preencher aquele universo mítico criado pelo autor na composição: Filho do senhor vai embora Tempo de estudos na cidade grande Parte tem olhos tristes Deixando o companheiro na estação distante Não esqueça amigo eu vou voltar Some longe trenzinho, aos Deus dará (Milton Nascimento)

86 No último parágrafo, ele retoma a circularidade mítica das lembranças. Esta música retrata a diferença de classes no campo. No entanto, o sertão, apesar de apresentar a universalidade observada em outras composições, parece menos crítico. Quando volta já é outro Trouxe sinhá mocinha para apresentar Linda como a luz da lua Que em nenhum lugar brilha como lá Já tem nome de doutor E agora na fazenda é quem vai mandar E o seu velho camarada Já não brinca Mas trabalha. (Milton Nascimento)

O mesmo não poderia ser dito da composição Noites do Sertão de Tavinho Moura e Milton Nascimento48. Ao contrário da placidez de Morro Velho, esta composição apresenta um dinamismo maior. A temática trabalhada aqui, pode ser considerada dentro da necessidade dos artistas e intelectuais de buscar, na cultura do povo, o substrato para a transformação do país. NOITES DO SERTÃO (1984) (Milton Nascimento/ Tavinho Moura) gra62172310 Não se espante assim, meu moço Com a noite do meu sertão Tem mais perigo que a poesia Do que o jogo da razão atormenta Gera estórias

Interessante por exemplo, é a sensualidade da menina – personagem que a composição apresenta. Ao contrário da virgindade implícita da sinhá mocinha de Morro Velho, a menina de Noites do Sertão é erotizada, necessita do calor das noites quentes e afáveis do sertão. Se a Sinhá Moça de Morro Velho acompanha o menino que cresceu e assumiu as terras do pai, esquecendo-se de seu amigo de infância, a menina de Noites do Sertão é tão perigosa quanto o próprio sertão daquele universo mitológico. É tão vida quanto o sol 48

A música faz parte da trilha sonora do Longa metragem Noites do Sertão que anteriormente iria se chamar “O aventureiro do São Francisco”. Segundo Tavinho Moura, no entanto, as enchentes do ano de 1979 impediram a realização do roteiro original, que contava a estória da convivência de um jogador de baralho com prostitutas, com os homens, com o povo daquela localidade. O filme procurava denunciar a exploração e a destruição do cerrado, depois da instalação das agroindústrias na região e do desmatamento das matas originais pelo Pró– álcool.

87 São cavalos beirando o rio É o corpo da menina Ofegante ali do lado Ansiosa pelo tato Do carinho arrebatado Do calor da tua mão (Milton Nascimento/ Tavinho Moura)

A noite, o sertão e a menina são elementos associados. O sertão idealizado fabrica lendas, produz estórias que possibilitam a transformação. É um local da renovação da vida, assumindo o papel dinâmico da cidade, que se enchia do tecnocracismo pequeno-burguês. O sertão aqui, portanto, se mostra torto, difícil. O sertão é conflito. O silêncio, como a verticalidade das montanhas, é revelador da rotina turbulenta dos centros urbanos. Se a cidade é o local da modernização autoritária, se lá não há respeito pela dignidade humana, o sertão idealizado passa ser a única possibilidade de refúgio para o homem. Por outro lado, a menina sensual e libertária, personagem da música Noites do Sertão, mostra o caminho das transformações: não precisa da inocência conservadora e hipócrita das relações pequenas do mundo moderno. O desejo é transformação, pulsão, vitalidade. Como disse Tavinho Moura, Noites do Sertão é “o sertão com este simbolismo. É o Sertão do Guimarães Rosa, com aquela poesia exarcebadíssima, louca [...]”. Não se engane Que o silêncio não existe no anoitecer Fala mais vida que a cidade Tem mais lenda a oferecer Não demore ela é donzela Mas conhece outra mulher Seu desejo e a madrugada Só esperam teu carinho Quando o ato terminado Olhe fora e olhe dentro A paisagem se molhou. (Milton Nascimento/ Tavinho Moura)

A composição Suíte do Quelemeu faz parte da trilha sonora do filme Cabaret Mineiro, muito importante na carreira de Tavinho Moura. Nele, percebe-se que o sertão resgatado também não tem a inocência de Morro Velho. SUITE DO QUELEMEU (1981) (Domínio público adaptado por Tavinho Moura) 61351591 Vamo dançá tudo nu, tudo nu Tudo com o dedo no cu, menos eu Tudo com a bunda de fora, é agora Você disse que dava e num deu Espora no pé, tá tinindo, tá tinindo

88 Pica no Cu tá sumindo, tá sumindo Larga teu marido, muié E vem fudê mais eu Teu marido é bom, muié Mas num é como ai eu. A foda é boa é de madrugada De manhã cedo num vale nada A pica tá dura que tá danada Ela entra enxuta, ela sai moiada. Ma a muié de cumpadri Mané Pedro Tem cabelo no Cu que faz medo Ela chorava, ela gemia Era os cabelos do Cu que doía Pisei no milho no pilão da sapucaia Que bicho que mata homem Mora debaixo da saia Taca o pingolim no meio ai ai Adonde a pica trabaia Você disse que dava e num deu manda prá cá esse cu que ele é meu

No momento de lançamento do disco, a música foi proibida pela censura que tachou todo o disco de pornográfico. Segundo Tavinho Moura, na defesa da composição constava que ela fazia parte da cultura popular do Brasil: Quando o Ricardo [...] escreveu a defesa da Suíte do Quelemeu e da Bunda Virada para a censura, ele fala claramente “são músicas que fazem parte da cultura brasileira”. Se você pegar o Gregório de Mattos: Adeus Cus Adeus Conas Putas e Madonas.

Esta música retrata os ambientes masculinos, as zonas boêmias do interior de Minas Gerais: A Suíte do Quelemeu é uma baita de uma brincadeira com músicas de Folclore, com versos e palavras que são da língua portuguesa, que existem em qualquer dicionário, mas não é pornografia. Pornografia é uma coisa com uma intenção. A suíte é uma coisa cultural.

Como o Clube da Esquina caracterizou-se pela diversidade e como suas composições não são estáticas, pode-se lê-las de várias formas. Portanto, a inocência juvenil de Milton Nascimento foi se transformando ao longo da década de 70, aproximando-se do romantismo revolucionário que permaneceu no Clube da Esquina até meados da década de 80. A tradição permanece, mas ganha uma nova configuração, mais realista, menos conservadora. 2.8 A religiosidade no Clube da Esquina

89 Finalmente, um último elemento compõe e une a música produzida pelo Clube da Esquina. Religiosidade e memória se entrelaçam nas composições do grupo de maneira dinâmica. Como primeiro exemplo cita-se a música Sentinela, que tem relação com o mesmo “Seu Francisco” da música Roupa Nova. Sobre esta música fala Fernando Brant: Tem a ver com Seu Francisco. Quando o Bituca me mostrou a música era fantástica [...] e eu fiquei com a música na cabeça [...] e memorizei. E falei que ia fazer uma música para o Seu Francisco. Aí, eu viajei mesmo. Porque eu imaginei que, no dia em que ele morresse, (era uma pessoa tão boa ...) poderia falar para as pessoas mais novas. Eu imaginei um velório de uma pessoa dizendo „precisa juntar sua força‟. Dizia do país e do amor entre as pessoas, de juntar todo mundo para fazer a coisa andar. Já vi um cara no jornal um cara dizendo que ela tinha sido feita pro Edson Luís.

A “viagem” de Fernando Brant é reveladora tanto de sua trajetória individual, quanto da memória coletiva de Minas Gerais. A música se inicia, fantasmagoricamente, na voz de Nana Caymmi. Á medida em que vai ganhando corpo, um universo onírico vai se abrindo, ultrapassando a barreira da racionalidade, tornando-se completamente sensitivo. A memória de “Seu Francisco” não morrerá, pois ela faz parte de um universo maior, faz parte de um imaginário coletivo que por várias vezes foi resgatado pelos integrantes do Clube da Esquina. SENTINELA (1980) (Milton Nascimento/ Fernando Brant) 61146048 Morte e vela Sentinela sou No corpo de seu irmão Que já se vai Revejo nesta hora Tudo que ocorreu Memória não morrerá Vulto negro em meu rumo vem Mostrar sua dor plantada no chão Seu rosto brilha em reza Brilha em faca e dor estórias vem me contar Longe, longe, ouço esta voz Que o tempo não vai levar

Na segunda parte, no entanto, a música parece retornar à realidade e transformá-la. A música que levava a uma dimensão onírica agora parece retratar o turbilhão da vida moderna, a vontade de transformar, a utopia da liberdade necessária à vida. Aqui, portanto, o romantismo se faz presente. Letra e música provocam uma angústia existencialista, necessária em qualquer transformação individual e coletiva. Precisa gritar com sua força Eh, irmão sobreviver

90 A morte ainda não vai chegar Se a gente na hora de unir Os caminhos num só Não fugir, nem se desviar Precisa amar sua amiga Eh, irmão e relembrar Que o mundo só vai se curvar Quando o amor que em seu corpo já nasceu Liberdade buscar Na mulher que você encontrou (Milton Nascimento/ Fernando Brant)

A palavra liberdade, inclusive, é muitas vezes evocada por Fernando Brant. A arte, a cultura, a política e a própria liberdade se entrelaçam: Todos os fios se unem para tecer o novelo da história de Minas no século XVIII. É assim e é aí que nasce e cresce a alma de Minas, esse espírito de poesia e música, esse sentimento especulativo e conciliador, esse compreender que a totalidade, o país, está acima de tudo. A liberdade está no sangue dos mineiros assim como o amor à vida, à lua, à cachaça e aos semelhantes. [...] Os montanheses serão sempre livres (Estado de Minas, 18 abr. 2001).

Ao se referir à liberdade, Brant retoma todos elementos aos quais já se referiu anteriormente. A liberdade em Minas relaciona-se com sua geografia, com seus diatrofismos e com a verticalidade que se esconde nas montanhas deste estado. A memória do mineiro está no seu chão, na sua gente. A composição Paixão e Fé também remete à religiosidade do povo de Minas Gerais. A letra procura resgatar a Semana Santa de Diamantina, mas não se restringe a ela, igual deve ser a de São João Del Rey, ou qualquer outra festa religiosa do povo mineiro ou brasileiro, como diz Brant: “Essa é a época da Semana Santa e eu trago dentro de mim a lembrança das sextas-feiras da paixão de minha infância: o dia mais triste do mundo” (Estado de Minas, 18 abr. 2001). A música tinha sido feita anteriormente por Tavinho Moura: Eu fiz para o Áudio-Visual. Eu pedi para o Fernando para que fizesse a letra, (o Fernando morou em Diamantina muito anos), sobre a procissão. E o Fernando fez uma letra, uma coisa que tinha a cara do meu trabalho. Ele fez um refrão, como se fosse um refrão popular „Velejar, Velejei‟ [...] é como se já existisse. Aí vem a parte que é dele „já bate o sino‟ [...] e o pessoal cantava „velejar, velejei‟ [...] foi uma sacada, é como se fosse um verso popular.

Os dois primeiros versos da composição revelam a fé do povo e no povo. Mais uma vez aqui, pode ser notado o desejo de ir ao seu encontro. Se as festas religiosas do período

91 colonial serviam para legitimar a presença portuguesa no país 49 e criavam uma falsa impressão de que a riqueza era compartilhada, aqui elas tem uma outra conotação. Vale lembrar que aquele era o momento em que o povo efetivamente saiu às ruas querendo a democratização do país, o retorno da democracia (segunda metade da década de 70). A fé no povo significava a fé na vida. Brant, sem querer fazer uma música datada, diz de seu tempo: PAIXÃO e FÉ (1978) Tavinho Moura/ Fernando Brant Ed. Três Pontas Já bate o sino, bate na catedral E o som penetra todos os portais A igreja está chamando seus fiéis Para rezar por seu senhor E sai o povo pela rua a cobrir De areia e flores as pedras do chão Nas varandas vejo as moças e os lençóis Enquanto passa a procissão Louvando as coisas da fé Velejar, velejei No mar do senhor Lá eu vi a fé e a paixão Lá eu vi a agonia da barca dos homens Já bate o sino, bate no coração E o povo põe de lado sua dor Pelas ruas capistranas de toda cor Esquece sua paixão Para viver a do senhor

Para além da religiosidade conservadora que se observou em Minas Gerais, a fé é um ponto de ligação com o divino, com a solidariedade, com o amor, com o perdão, com o novo homem que se queria fazer surgir naquele momento. Ser mineiro, para Fernando Brant é, portanto, ter “um sentimento, uma coisa meio religiosa sem ser católico, é uma coisa pesada. Que o pessoal fica achando que aqui é meio [...] que não tem tambor, tem festa, tem tudo, mas tem esta coisa da música mais para dentro, mais introspectiva”.

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Segundo Laura de Mello e Souza: “em 1733 houve em Vila Rica uma festividade religiosa que retirou o Santíssimo Sacramento da Igreja do Rosário e o conduziu Triufalmente para a Matriz do Pilar[...]. As janelas foram adornadas com colchas de seda e damasco, as ruas se enfeitaram com arcos, para além dos quais foi montado um altar „para o descanso do Divino Sacramento, e deliberado ato da pública veneração” SOUZA, Laura de Mello e. Os desclassificados do ouro: a pobreza mineira do século XVIII. 3. ed. Rio de Janeiro: Edições Grall, 1986. p. 19. Ainda segundo Souza, o Triunfo Eucarístico retrata o estado de euforia da sociedade mineradora, escondendo as diferenças sociais daquela sociedade. Dentro dessa perspectiva o que se via era um “falso fausto”, já que a sociedade mineira daquele momento era marcada pela pobreza dos desclassificados que, de maneira alguma, estavam inseridos naquela sociedade.

92 Enquanto, em outros momentos, a seriedade esteve ligada ao conservadorismo da família pequeno-burguesa mineira, naquele, particularmente, representava a atitude necessária para se conhecer a vida com profundidade. Mais uma vez se pode lembrar que Márcio Borges considerava o Rio de Janeiro uma cidade menos sisuda que Belo Horizonte. O romantismo revolucionário assumiu essa característica nesta cidade, devido ao processo de migração do interior para a capital, trazendo o caldo cultural e seus costumes. A Missa dos Quilombos é outro exemplo de como a religiosidade esteve presente entre letristas e músicos do Clube da Esquina. O Álbum é o resultado de um trabalho realizado por várias pessoas. A primeira missa, intitulada Missa da Terra Sem Males, foi realizada com a participação de diversas tribos indígenas e escrita por Dom Pedro Casaldáliga e pelo poeta Pedro Tierra. A segunda missa, A Missa dos Quilombos, também escrita por Casaldáliga e Tierra, teve a participação de Milton Nascimento (que contribuiu com textos e músicas) e de um coro de crianças mineiras. A maioria das músicas foi gravada no colégio Caraça, um lugar da memória religiosa de Minas Gerais. Sobre o disco disse Milton Nascimento: “É bom que se esclareça o que são Quilombos e quem foi Zumbi. Por incrível que pareça, a maioria das pessoas, o povo não sabe disso. Aliás o que aconteceu com a história? [...]” (Estado de São Paulo, 02 maio 1982). Sobre o álbum escreveu Fernando Brant: Novembro de 1981. Eu estava lá no Recife, vendo e ouvindo tudo. Pele e pêlos arrepiados. Dom Helder, Dom Pedro e Dom Zumbi denunciando os crimes cometidos contra os negros e conclamando todos a criar uma nova história. A música de Milton Nascimento ganhava a praça, as pedras e as pessoas. O povo estava ali inventariando o passado para fazer o presente e o futuro mais justos. no dia nacional do negro e aniversário de morte do Zumbi, brasileiros se uniam em torno de música, palavras, crenças e idéias. Éramos todos participantes de um acontecimento inesquecível (Encarte do álbum Missa dos Quilombos).

Na entrada Milton Nascimento canta: Em nome do povo Que se fez em Palmares Que ainda fará Palmares, Palmares, Palmares do povo. (Milton Nascimento)

Segundo Frei Paulo Cezar Loureiro Botas, os Pedros da missa – Casaldáliga e Tierra, transformaram profecia em denúncia, em um momento de ruptura com a ala conservadora da Igreja Católica. O grito das senzalas tinha sido pouco ouvido por aquela instituição. A casa grande esteve sempre mais próxima do Vaticano. Cabia então assumir a negritude,

93 denunciando as injustiças. “Unir contra a opressão, as injustiças, a ausência. Viver é não conceder na morte. Não temer. Resistir. Perseverar. Caminhar para onde se encontra a vida” (álbum Missa dos Quilombos). Ainda, segundo Loureiro Botas, a missa retrata o desejo de que um dia nos amaremos plenamente depois de lutarmos pela liberdade. Além de demonstrar a relação de integrantes do Clube da Esquina com a ala progressista da igreja católica, a missa também revela a relação do Clube da Esquina com o romantismo revolucionário. Segundo Marcelo Ridenti (2000, p. 211) esse pensamento “esteve presente no cristianismo de esquerda, no Guevarismo e em certo desenvolvimento do Maoísmo, todos a valorizar a idéia de um povo em combate à modernização capitalista da sociedade nacional. Ainda, segundo ele, havia uma tendência de ir ao encontro do humilde, de se identificar com o “camponês, tomado como autêntico representante do povo”. Esse ideal iria balizar o pensamento da Teologia da Libertação da década de 70. Portanto, o resgate da negritude através de uma missa católica, não se relaciona com a herança portuguesa que excluiu o povo e que apoiou-se na escravidão. Relaciona-se, então, com o desejo de transformar a realidade, de construir uma nova nação. Finalmente, a música Cálix Bento também é reveladora da configuração que a religiosidade tomou no Clube da Esquina: CÁLIX BENTO (1976) (Tavinho Moura) Ed. Três Pontas Ó Deus salve o oratório Ó Deus salve o oratório Onde Deus fez a morada Oiá meu Deus Onde Deus fez a morada De jessé nasceu a vara De jessé nasceu a vara Da vara nasceu a flor Oiá meu Deus Da vara nasceu a Flor, oiá... Onde mora o Cálix Bento Onde mora o Cálix Bento E a hóstia consagrada E a hóstia consagrada, oiá...

A composição foi importante na carreira de Tavinho Moura, tal como foi o álbum Cabaret Mineiro. Tavinho resgatou a música do cancioneiro popular do interior de Minas Gerais, buscando acrescentar à música original novos versos que, segundo ele, formavam uma

94 estória: “Cálix Bento foi super importante porque eu consegui devolver para o povo uma música que estava super esquecida, que ia desaparecer e numa música que eu acho super fiel ao que poderia ser no original e que virou maior sucesso”. Para ele, Cálix Bento é reveladora de três elementos constituidores da cultura brasileira. Em primeiro lugar a música não é religiosa, é para-religiosa, ou seja, ela não se liga à religião oficial, ela é um canto do povo, dos escravos, dos índios, dos desclassificados da estrutura excludente que se configurou no Brasil. Por ser uma música para- religiosa ela tem a batucada de negro tal como na Missa dos Quilombos. Por último, a composição tem os gizados típicos da cultura indígena. A música é, então, um sincretismo que, para o romantismo revolucionário, era uma das bases da transformação e da afirmação do povo brasileiro. Tavinho Moura teve uma formação católica e também foi influenciado pela música portuguesa. No entanto, ele destacou em seu depoimento a subserviência dos padres portugueses que trouxeram a música religiosa para Minas Gerais. Ele considera que o povo apropriou-se da cultura portuguesa, trazendo para ela novos elementos. Como os modernistas, os integrantes do Clube da Esquina pretendiam rever a cultura do país resgatando criticamente aquilo que foi a base de constituição do povo brasileiro. Eu ouvi muito também estes padres Zé Maurício „da vida‟, Emérito Porto Mesquita, embora eu ache que a música deles tem muito pouco de brasileira. São bons alunos dos Europeus. Mas o povo canta por influência disso. Os padres chegaram cantando aqueles cantos com letras nossas com uma melodia um pouco parecida. Apropriou desta cultura européia e fez coisas maravilhosas. São anônimas às vezes. Aí eu acho que tem algumas coisas interessantes.

Portanto, a religiosidade no Clube da Esquina se distancia, em parte, do tradicionalismo conservador que é herança da colonização portuguesa. A fé toma uma nova conotação: a transformação da realidade, a possibilidade de ter-se um novo homem. A palavra liberdade se liga à religiosidade. Quando Fernando Brant se lembra da Semana Santa de sua memória, só faz confirmar essa hipótese: Esse também é o tempo de se lembrar da história de Minas e seu povo, a construção diária da liberdade; a cultura nascendo nas mãos, corações e mentes: a repulsa eterna à colonização e ao colonizador, a insubmissão. Nada a ver com a hipocrisia de primeiro de abril de 1964. Tudo a ver com a longa tradição de combate a tudo que contrariasse o sentimento de nação que amadurecia (Estado de Minas, 18 abr. 2001).

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Capa do disco Sentinela de 1980

Capa do disco Missa dos Quilombos

96 2.9 A reconstrução dinâmica do passado no Clube da Esquina O Clube da Esquina, ao fundir modernidade e tradição, demonstra como o conceito de identidade é dinâmico e como só podemos pensá-lo a partir da diferença. Á medida em que os integrantes foram criando novas formas de sociabilidade na cidade de Belo Horizonte, a necessidade do enraizamento fundiu-se com o desejo de experimentarem a modernidade que se configurava na cidade. Como nos lembra Gilberto Velho (1988, p. 120), “à medida em que o indivíduo se destaca e é cada vez mais sujeito, muda o caráter de sua relação com as instituições pré- existentes, que não desaparecem necessariamente, mas mudam de caráter”. Sob esse ponto de vista, a memória também tem um caráter dinâmico. Ao resgatarem elementos biográficos do imaginário mineiro, os integrantes se propõem a criar um universo de representações coletivas que rompem com a perspectiva estática do mito. O instrumento que possibilita essa ponte entre o individual e o coletivo é a linguagem. Ecléa Bosi (1987, p. 18) lembra que a linguagem reduz, unifica e aproxima, no mesmo espaço histórico e cultural a imagem do sonho, a imagem lembrada e as imagens da vigília atual. [...] As imagens dos sonhos não são, embora pareçam, criações puramente individuais. São representações, ou símbolos, sugeridos pelas situações vividas em grupo pelo sonhador, cuidados, desejos, tensões.

Pode-se mesmo ver sob esse prisma a composição Sentinela, já referida anteriormente. O clima fantasmagórico criado na composição remete à tensão entre a experiência da vida (e conseqüentemente da modernidade) e o desejo de se tornar eterno (espírito). Por esse motivo, a linguagem utilizada pelos artistas se apropria do passado de forma dinâmica, resgatando elementos que formaram os artistas, elementos que fazem parte do imaginário mineiro. Segundo Maria A. do Nascimento Arruda (1990, p. 131), “a presença da identidade pode dar origem a certas práticas ou comportamentos conformadores de situações sociais”. Dessa forma, ao criar representações, o Clube da Esquina traspassa a barreira do mito e a perspectiva estática do passado, “fundada na relação de similitude entre o seu discurso e os seres sociais que busca identificar”. A representação, por outro lado, “quebra, de alguma maneira, a força de identificação primária, ao propor renovadas operações identificadoras, baseadas na diferença” (ARRUDA, 1990, p. 130). A representação da fé em Fernando Brant (um traço também presente em outros

97 integrantes do Clube da Esquina) não se liga somente ao catolicismo que caracterizou a constituição do Brasil como um todo. A fé de Brant é a fé no povo. Por esse motivo, também, Tavinho Moura chama sua música de “para-religiosa”. O mito da religiosidade mineira foi apropriado e utilizado em um outro contexto. Essa tática utilizada pelos letristas, de certa forma, aproximam esses últimos do povo, de sua linguagem, de seu modo de viver, como disse Tavinho. Por isso, a linguagem é a do povo. E busca-se, sem romper com o formalismo estético, falar de forma simples. Amor, amizade, solidariedade, palavras recorrentes nas composições do Clube da Esquina, são os elementos que integram a geografia memorialística. A memória se faz a partir do povo e para ele. Da mesma forma é o sertão. Ao resgatarem esse universo, os artistas não somente se aproximam do povo, mas também da tradição literária que acabou gerando uma especificidade em Minas Gerais. O retorno à Guimarães Rosa, uma constância nos letristas, é sintomática. O sertão de Rosa é tão universal como o de Milton Nascimento ou como as pedras capistranas de Fernando Brant. “O sertão deixa de ser um lugar, vira um cosmo, uma condição de espírito, onde podem conviver todos os escritores que não romperam com a dimensão mágica e que absorveram, por isso, a ambigüidade da vida” (ARRUDA, 1990, p. 115). Aventura-se mesmo a dizer que o sertão é um lugar, o lugar da memória, que não se resume ao social, mas é parte constituinte dele. Afinal de contas, “sou do mundo sou Minas Gerais”.

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CAPÍTULO 3 - A MODERNIDADE ENGAJADA DO CLUBE DA ESQUINA: DA FANTASMAGORIA DA CIDADE À ESPERANÇA DA ABERTURA

3.1 O lirismo politizado do Clube da Esquina A música popular brasileira encontrou-se no século vinte com a poesia. O modernismo50 é o ponto de interlocução entre estas duas expressões de arte ao adotar, predominantemente, a liberdade formal. Segundo Affonso Romano de Sant‟Anna (1978), desde a década de vinte, a música popular e a literatura vem firmando um namoro que iria resultar em casamento a partir da década de 50. Noel Rosa foi o primeiro compositor a se aproximar do modernismo ao estrear a paródia na música popular, um recurso muito utilizado por escritores e poetas como Mário de Andrade. Aquele poeta, dentre tantas outras atividades, desenvolveu um importante trabalho como musicólogo, resgatando a música folclórica brasileira em vários de seus discos. A espontaneidade na rima, que também foi uma das características do modernismo, pode ser notada em Noel Rosa que, segundo Sant‟Anna (1978, p. 218), inaugura a poesia não-poética: “o cantor parece muito mais estar falando do que compondo um texto literário”. Na década de 50, a música caminhou para um processo de bolerização. Cauby Peixoto fazia aflorar na sociedade brasileira “sentimentos melosos, trágicos e românticos”. Sant‟Anna (1978) que transformaram a narrativa passional em referências para as composições da época. Na Bossa Nova, esses elementos também estão presentes51. Na visão de Tinhorão, a Bossa Nova não rompe com a temática alienante da classe média burguesa. Se, indiscutivelmente, ela causou uma revolução musical ao unir o samba à sofisticação do Jazz,

50

Para Alfredo Bosi, “Foi a expressão poética a que mais pronta e mais radicalmente se alterou com a viragem modernista. Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade haviam rompido com os códigos acadêmicos e incorporando à nossa lírica as formas livres com exemplos tão vigorosos e felizes que aos poetas dos anos de 30 não seria mister inventar ex nihilo uma nova linguagem” BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994. p. 438. 51

Na visão de José Tinhorão “O binômio lírico flor/amor, representado em tantas composições da Bossa Nova, constitui a mais antiga e mais constante marca da influência do romantismo sobre a alienação sentimental das camadas médias das cidades TINHORÃO, Ramos. Música popular: um tema em debate. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 1997. p. 70.

99 permaneceu, predominantemente, na relação individualista “eu e você”. Era o momento da euforia do governo de Juscelino Kubstichek. O Rio de Janeiro, a praia e o mar e a mulher eram temas recorrentes. Partindo de um referencial diferenciado, Sant‟Anna percebe que Vinícius de Moraes resgatou, em suas parcerias com Toquinho, o tom coloquial carioca (SANT‟ANNA, 1978, p. 216), possibilitando o reencontro da poesia com o cotidiano. Ao realizar tal feito, estabeleceu um jogo de “linguagem e alegria” que seria a base das composições daquele movimento. Como em Noel Rosa, músicas como “Desafinado” restabelecem a poesia não poética em que o cantor mais fala do que exprime um sentimento (SANT‟ANNA, 1978, p. 218). Se, no momento anterior, a narrativa prevalece nos textos, na Bossa Nova ela é substituída pela música de situação. Nessa perspectiva, o lírico se sobrepõe ao dramático. A impessoalidade substitui as relações calientes dos boleros. “Enquanto o dramático precisa de um tempo específico e um lugar determinado, o lírico se dá inespacialmente e intemporalmente” (SANT‟ANNA, 1978, p. 219). O tempo das estórias realmente se torna curto e essa é sem dúvida uma importante mudança. Sob esse ponto de vista, a Bossa Nova é intimista, se faz dentro dos apartamentos da zona sul carioca. Não se concorda aqui, no entanto, que ela seja inespacial. Um Rio de Janeiro mitificado é o cenário recorrente. O lirismo tem um tom acentuado de “flaneurismo”. A janela distancia o narrador. Da janela se observa o Corcovado, lindo, sem mácula, sem conflito. Se a Bossa Nova introduz novamente a relação música popular e literatura, permanece, inquestionavelmente arraigada no elitismo de classe média. Muito diferente, mas também significativa, é a permanência de alguns traços dessa inocência lírica na primeira fase de Chico Buarque. Segundo Adélia Bezerra de Menezes, várias canções dos três primeiros discos de Chico Buarque “revelam seu inegável distanciamento,

fruto

de

uma intensa, sincera e adolescente – decepção política”

(MENEZES, 2000, p. 45). A Banda passa diante dos olhos de quem dela não participa. Logicamente, esta visão de mundo não foi predominante no conjunto de suas composições, que traziam a crítica social e a utopia de transformação do mundo. O olhar lírico de Chico também é impessoal, mas politizado, ao contrário do que foi observado na Bossa Nova. No entanto, esse fato demonstra como foi importante a influência deste movimento no início da década de 60. Como nos lembra Ridenti, O Tropicalismo veio retomar a antropofagia de Oswald de

100 Andrade, articulando elementos modernos e arcaicos52. Para Sant‟Anna, o Tropicalismo retoma o humor, a crítica e a tematização do carnaval. O método da colagem pode ser observado no movimento53. O texto literário vai se construindo a partir dessa perspectiva. “O texto é uma extensa paródia. Há aí um texto que comenta outros textos. Seu autor está manipulando os dados de sua cultura criticamente” (SANT‟ANNA, 1978, p. 240). O lirismo é abandonado, em nome da carnavalização da cultura brasileira. Um novo tipo de revolução é colocado em discussão: a do comportamento. Como os letristas do Clube da Esquina se colocam nessa discussão? Em primeiro lugar, é necessário dizer que o Clube da Esquina ultrapassa a dicotomia forma/conteúdo que esteve em voga no debate sobre a arte nos anos 60. Na síntese realizada por esse movimento, estão elementos dos mais variados matizes e movimentos. Não se trata aqui da contraposição entre um movimento e outro, como se quis fazer no início da década de 70. Tal como na Tropicália, o Clube da Esquina forma um pêndulo que vai da tradição à modernidade. Mas esse pêndulo é apenas didático, pois o Clube da Esquina não apresenta uma contraposição clara entre esses dois extremos. Por outro lado se o método da colagem é utilizado pela Tropicália, abrindo espaço para a indústria cultural, o Clube da Esquina caminha para a sofisticação de elementos harmônicos e estéticos, apesar da utilização dos versos livres, que o aproxima do modernismo. Está presentes na Tropicália, tanto quanto no Clube da Esquina, a alegorização da sociedade brasileira, que se remete à herança deixada pelo Barroco. Mas enquanto a inversão praticada na Tropicália retoma o carnaval, o Clube da Esquina reforça a religiosidade. Mas também aqui tem-se uma inversão. A retomada do cristianismo primitivo é sinal de que o mundo tornava-se laico. Como já foi dito anteriormente, a fé não está na instituição religiosa, mas brota do povo. As concessões à industria cultural são bem vindas, tal como na Tropicália. Mas a liberdade sempre foi o compromisso, como pode ser notado neste trecho de Ronaldo Bastos: O letrista é um poeta constantemente se expondo em público, expondo sua vida e expondo as dores do seu povo através de seu trabalho. Ele não tem compromisso com o show-business. Seu único compromisso é com a canção popular, com Ismael 52

“As idéias antropofágicas daquele modernista caíram como uma luva nos pontos de vista dos tropicalistas, porque permitiam conjugar a amplitude cultural da época em escala internacional com outra tradição igualmente importante de sua formação, que tem sido minimizado pelos críticos: a cultura brasileira que gerou o cinema Novo, Os CPC‟s da UNE, a utopia de ligação entre os intelectuais e o povo brasileiro, empenhados na constituição de uma identidade nacional” (RIDENTI, 2000, p. 275). 53

Dentro do processo de colagem, Caetano Veloso coloca em confronto os elementos mais díspares: a cidade e o campo, a cultura e natureza, o civilizado e o primitivo.

101 Silva Geraldo Pereira (BAHIANA, 1980, p. 188).

Fica claro aqui que o caráter de resistência da cultura é privilegiado. Esta resistência remonta à antropofagia do modernismo que pretendeu ser um contraponto ao processo colonizatório brasileiro, através da busca da identidade nacional. De Carlos Drummond de Andrade, o Clube da Esquina herdou, em seu conjunto, a tradição dos versos livres e, em alguns momentos, a ironia54. Veja-se esta letra de Brant: AQUI Ó Fernando Brant/ Toninho Horta Ó Minas Gerais Uma caminhão leva quem ficou Por vinte anos ou mais Eu iria a pé, meu amor Eu iria até, meu pai, Sem um tostão Em Minas Gerais/alegria É guardada em cofres, catedrais Na varanda encontro meu amor Tem benção de Deus Todo aquele que trabalha no escritório Bendito é o fruto dessa Minas Gerais55

Além da utilização da ironia, outros elementos da poesia de Drummond iriam acompanhar a trajetória de Brant e de outros compositores do Clube da Esquina. Já em Alguma poesia, estão presentes a “contenção da emotividade, nostalgia em relação ao próprio passado (cuja síntese é o poema infância), o disfarce do eu através do personagem torto” (BARBOSA, 1988, p. 43). Por outro lado, a dialética local/universal, que tantas vezes esteve presente no Clube da Esquina, também pode ser encontrado no poeta.

54

Segundo Rita de Cássia Barbosa, a obra de estréia do poeta (Alguma Poesia, 1930) “é marcada pelo senso de humor e pela ironia, que se expressam concretamente através do poema-piada, do poema de circunstância e da captura do cotidiano, tornando assunto poético” ANDRADE, Carlos Drummond de. Literatura comentada. Seleção de Textos de Rita de Cássia Barbosa. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1988. p. 43. 55

Perceba a aproximação com ironia utilizada por Drummond neste famoso poema: QUADRILHA João que amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili Que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para titia, Joaquim suicidou-se e lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.

[W91] Comentário: Página: 100

102 “Mediando por essa personagem, numa oscilação entre o trivial e o cósmico, entre a província e a cidade, Drummond contempla a realidade, posta-se acima dela e faz a crítica das aparências e das convenções sociais” (BARBOSA, 1988, p. 43). Milton Nascimento musicou o poema Canção Amiga de Drummond, publicado no livro Novos Poemas. Como composição, foi gravada no disco Clube da Esquina 2 CANÇÃO AMIGA (1978) Milton Nascimento/ Carlos Drummond de Andrade Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam e que fale como dois olhos. Caminho por uma rua que passa em muitos países se não me vêem, eu vejo e saúdo velhos amigos. Eu distribuo um segredo como quem ama ou sorri. no jeito mais natural dois carinhos se procuram. Nossa vida, nossas vidas formam um só diamante. aprendi novas palavras e tornei outras mais belas. Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer crianças.

A composição Cabaret Mineiro é uma parceria de Tavinho Moura com Carlos Drummond de Andrade. Estão presentes aqui tanto a ironia quanto a crítica ao comportamento da classe média, à pequeno-burguesia brasileira: CABARET MINEIRO(1981) Tavinho Moura e Carlos Drummond de Andrade Quilombo A dançarina espanhola de Montes Claros Dança e redança na sala mestiça Cem olhos morenos estão despindo Seu gordo picado de mosquito. Tem um sinal de bala na coxa direita, O riso postiço de um dente de ouro Mas é linda, linda, gorda e satisfeita. Como rebola as nádegas amarelas! Cem olhos brasileiros estão seguindo O balanço doce e mole de suas tetas.

103 Além desta composição, o álbum Cabaret Mineiro, traz a crônica de Geraldo Prates intitulada A Rua de Baixo, uma clara referência ao poema A Puta56 de Drummond. A RUA DE BAIXO Mas a rua de baixo continua como era: Simples, bonita, como sempre foi. Em vez de bares, onde os homens tratam de política, e as mulheres falam de cinema, discutem modas, cores de esmaltes e de batons, penteados e outras tolices; em vez de footings onde as moças exibem pernas nuas; de bailes onde orquestras tocam músicas inexpressivas e pares dançam ritmos modernos e esquisitos – a rua de baixo repele todo esse modernismo idiota para ficar com os serões, as conversas nas portas dos vizinhos, os jogos de prendas, os cafés com biscoitos de fogão, broas e bolos de arroz (álbum Cabaret Mineiro).

Sobre esta crônica disse Tavinho Moura: Na verdade, esta crônica de Geraldo Prates resgata um rua tão mineira, um ambiente, uma forma de vida que parece quase definitiva, entendeu... as pessoas que vivessem o cotidiano daquela rua seriam todas felizes. Mas só que o capeta entra por outro lado. As coisas que deterioram a rua, tem um lado maravilhoso.... são os bailes, o cinema, o footing [...]

Em Noel Rosa e Vinícius de Moraes, o movimento buscou a junção da música com a poesia, como bem relata Ronaldo Bastos apud Bahiana (1980, p. 188): Eu quero fazer uma a cada três meses. Não acho que isso seja preciosismo: é amor, amor ao ofício, ao material com que você lida, a palavra [...] música e letra são uma coisa só. Dois lados de um mesmo objeto. O letrista é um músico, o compositor é um poeta. Manoel Bandeira e Cecília Meirelles, por exemplo, são músicos incríveis.

Também em Tavinho Moura pode ser notada a influência de Vinícius de Moraes: João Cabral de Melo Neto, eu li mais do que Drummond. O Drummond eu achava meio indigesto, mas hoje eu leio com o maior prazer. Mas na época eu gostava muito do Vinícius de Moraes que era um letrista de música popular excepcional e que tinha uns livros também.

Por outro lado, a herança do CPC permanece no movimento. Não que o didatismo da vanguarda esquerdista fosse uma característica das composições. No entanto, o Clube da Esquina, como parte da geração engajada dos anos 60, foi buscar no povo a inspiração para suas composições. É certo que, em alguns momentos, o artista coloca-se na vanguarda do processo revolucionário. No entanto, no conjunto das letras, são os artistas que aprendem com

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A PUTA Quero conhecer a puta./ A puta da cidade. /A única./ A fornecedora./ Na rua de Baixo /onde é proibido passar/ onde o ar é vidro ardendo/ e labaredas torram a língua/ de quem quiser: eu quero/ a puta/ quero a puta quero a puta./ ela arreganha dentes largos/ de longe. Na mata do cabelo/ chupante/boca de mina amanteigada/quente. É preciso crescer esta noite/ a noite inteira sem parar/ de crescer e querer/ a puta que não sabe/ o gosto do desejo do menino/ o gosto menino/ que nem o menino/ sabe, e quer saber, querendo a puta. (ANDRADE, 1988, p. 112).

104 os personagens alegóricos do povo brasileiro. Ronaldo Bastos disse em 1976: Quero ser letrista até achar que disse tudo o que tinha pra dizer e então ter a liberdade de ser chofer de táxi, operário ou vagabundo. O letrista é um poeta constantemente se expondo em público e expondo as dores de seu povo através de seu trabalho (BASTOS apud BAHIANA, 1980, p. 188).

Da Bossa Nova, o Clube da Esquina herdou a sofisticação e a liberdade. Do Jazz, o universalismo. No entanto, as temáticas tratadas pelo Clube da Esquina diferenciam-se em muito das temáticas da Bossa Nova, como lembra Tavinho Moura: chegou uma hora que só o barquinho no mar da Bossa Nova, só florzinha, só os jardins da casa da Nara Leão, não davam mais. Tivemos que voltar atrás. Surgiu um cara como Chico Buarque que todo mundo achava que era Noel Rosa. Isto durante um período de exceção. Qualquer coisa que você resgatasse, se tornava numa bandeira.

Reunindo todos estes elementos acima, pode-se propor uma definição para o conjunto das composições do Clube da Esquina. Elas são um tipo de música engajada socialmente, mas com traços do lirismo romântico, com versos livres e alegóricos. Elas têm, em conjunto, ligações com o universalismo que remontam à Drummond (e que também estão presentes em Guimarães Rosa) e à identidade do povo mineiro. São composições que dizem da realidade do país, mas não querem ser datadas. Têm ligação com o movimento modernista que rompe com o formalismo literário. Pode-se chamar o conjunto das composições como líricas e politizadas, por representarem as angústias dos artistas diante das questões sociais brasileiras e mundiais. Fernando Brant confirma esse tipo de lirismo: “É uma música que joga pra fora os problemas e joga pra frente a vida. Eu acredito muito na vida, nas pessoas, eu acho que a gente está aqui pra viver uma coisa boa e eu quero passar para as pessoas coisas boas”. São composições que tratam a música na relação eu-nós e quase nunca na relação eu-você. 3.2 Clube da Esquina e resistência na música popular brasileira 3.2.1 A apropriação da rua e o Clube da Esquina As ruas, as praças e os locais públicos foram fundamentais para o estabelecimento e afirmação do ideário republicano-burguês no ocidente a partir do século XIX. As cidades passaram então a representar o poder da burguesia, poder expresso nos monumentos em homenagem aos personagens vitoriosos, na luta de classes, que caracterizou a formação do

105 ideário público burguês. Segundo Lefebvre (1969, p. 47), “a cidade tem relações com a sociedade em seu conjunto, com suas composições e seu funcionamento”. Apesar de apresentar algumas características que lhe são próprias, a cidade depende das transformações globais que dialeticamente vão se desenvolvendo localmente. Portanto, as transformações globais, que fazem parte da dinâmica do capitalismo, estão expressas na vida cotidiana das pessoas, que vão construindo significados para aquelas transformações. O processo de produção e reprodução do espaço tem duas dimensões, uma global e outra local. De maneira alguma essas podem ser separadas sem que se incorra no erro de explicações generalizantes, ou, ao contrário, no particularismo de teorias que não contemplam a perspectiva global do processo histórico. Voltando a Lefebvre (1969, p. 47): A cidade depende também, e não menos essencialmente, das relações de imediatice (famílias, corpos organizados, profissões, corporações, etc.); Ela não se reduz mais às organizações dessas relações imediatas e diretas, nem suas metamorfoses se reduzem às mudanças nessas relações.

Para Lefebvre, a cidade fala. A língua da cidade está expressa nas ruas, nas praças, nos monumentos, nos prédios, nos lugares vazios e na própria linguagem cotidiana de seus moradores, uma cultura que não é estática, que vem sendo construída historicamente. O crescimento da pluralidade em Belo Horizonte possibilitou o surgimento de um sentimento comum entre a geração do pós-guerra nascida na cidade. Esse sentimento, por outro lado, é o reflexo das transformações que ocorriam no mundo inteiro. Nessa perspectiva, a rua acabou por se tornar um tema recorrente nas composições do Clube da Esquina. Não se quer afirmar aqui que as letras e músicas do movimento procuravam discutir a dimensão paradigmática a que se refere Lefebvre (que tem relação com o conflito de classe), mas que, na dimensão representativa, tenta construir uma cultura popular resistente, um contraponto ao autoritarismo vigente no Brasil, buscando transformar o país “num lugar bom para se viver”. No entanto, faz-se necessário diferenciar o velho humanismo assistencialista que caracterizou a sociedade liberal burguesa, da nova perspectiva de homem que nasceu com os movimentos da década de 60. Nessa nova perspectiva, explica Lefebvre, a nostalgia da caridade foi sendo substituída por uma nova, que tem como ponto central o desejo de transformar as relações de dominação que estavam presentes no capitalismo.

106 O velho humanismo se afasta, desaparece. A nostalgia se atualiza e nos voltamos cada vez menos a fim de rever sua forma estendida no meio da estrada. Era a ideologia da burguesia liberal. [...] É na direção do novo humanismo que devemos tender e pelo qual devemos nos esforçar, isto é, na direção de uma práxis e de um outro homem, o homem da sociedade urbana (LEFEBVRE, 1969, p. 98).

Mais do que usufruir da sociedade moderna, cabia se apropriar desta, neutralizando a dicotomia entre o campo e a cidade. A rua aqui passou a ter uma conotação mais pluralista, contrariando a lógica das classes dominantes no Brasil. Tomar a rua, muito mais do que olhála com a indiferença (característica da modernidade tecnocrática), era um dos objetivos da boêmia juventude, que se dizia armada de flores e que tinha no Clube da Esquina um de seus exemplos.

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A rua é inspiração de muitas composições do Clube da Esquina. Como exemplo, pode-se citar o Beco do Mota, ponto boêmio de Diamantina. Partindo da direita: Lô Borges, Milton Nascimento, Fernando Brant, Márcio Borges e Duca em 1971. Reprodução do livro “Os Sonhos não envelhecem”, 1996.

Wagner Tiso, Beto Guedes e Milton Nascimento na década de 80. Fonte: Site Oficial de Wagner Tiso.

108 3.2.2 A fantasmagoria do espaço e a perda do halo no Clube da Esquina: A cidade partida na vigência do AI-5 Depois do morte de Edson Luís57, em 1968, seguiram-se várias manifestações, que resultaram na passeata dos Cem Mil, no dia 25 de junho daquele mesmo ano. Desta passeata participaram artistas de renome nacional, além de Milton Nascimento, que compôs com Ronaldo Bastos a música Menino que, como lembra Márcio Borges (1996, p. 180), “era um tributo ao estudante Edson Luís, morto no Rio durante uma manifestação na porta do bandejão universitário”. MENINO (Ronaldo Bastos/ Milton Nascimento) Quem cala sobre teu corpo Consente na tua morte Talhada a Ferro e Fogo Na profundeza do corte Que a bala traçou o peito Quem cala morre contigo Mais morto que estás agora.

Tavinho Moura e Márcio Borges compuseram Adeus, perdão Komarov e Como Vai Minha Aldeia na varanda do casarão dos Borges, como ele próprio lembra em “Os sonhos não envelhecem”. A primeira retratava a morte do astronauta russo, depois de problemas com sua nave. A segunda composição referia-se à morte de Che Guevara na Bolívia. Essas duas composições marcam uma nova fase na trajetória de Márcio Borges, como ele próprio lembra: Tavinho inaugurava também na minha vida a época das canções fantasmas. Tal como as cidades fantasmas dos velhos filmes de faroeste, outrora progressistas e ricas, e que subitamente, por conta de alguma calamidade sobre a qual é melhor calar, vêem seus habitantes irem embora às pressas, uma a uma, largando xícaras na mesa, dentaduras dentro do copo e cachimbos por fumar, assim eu e Tavinho fizemos vigorar por pouco tempo algumas canções como „Aparecidíssima‟, „Corte/palavra‟, „Adeus, Perdão Komarov‟, para logo em seguida desabitá-las de qualquer alma, sem termos contudo alcançado o poder de retirar delas os sinais exteriores denunciadores de sua existência pregressa (BORGES, 1996, p. 217).

Ao utilizar o termo fantasmagoria 58 os compositores unem poesia e história,

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O estudante secundarista foi morto em 28 de março de 1968 por disparos de metralhadora feitos pela Polícia Militar. Estava na época com 16 anos. 58

O termo fantasmagoria é utilizado por Walter Benjamim para explicar o significado da monumental reforma de Haussmann em Paris que transformou a rua em ópio. “A cidade torna-se estranha para os parisienses” (BENJAMIM, 1985, p. 41).

109 compondo uma alegoria que é a representação da conjuntura histórica do final da década de sessenta e início da década de setenta do século passado. COMO VAI MINHA ALDEIA (Tavinho Moura/ Márcio Borges) Ed. Três Pontas Como vai minha cidade Oi minha velha aldeia Canto de velha sereia No meu tempo isso era meu tesouro Um portão todo feito de ouro Uma igreja e a casa cheia, cheia No vazio deste meu Brasil No meio da praça passou Do meio da noite surgiu O meu pai e meu país me mostrou Seu retrato morrendo na rua E seu povo ali parado O meu povo ali parado Minha gente que nunca mudou Minha igreja, minha casa cheia, meu país.

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Acima, Ronaldo Bastos e Lô Borges no início da década de 70. Reprodução do disco Clube da Esquina . Ao lado, Milton Nascimento na passeata dos Cem Mil. Reprodução do livro Em busca do povo brasileiro

111 Pode-se interpretar livremente o “canto da velha sereia” como as sirenes da polícia no “meio da noite”. Fazendo assim, pode-se recriar a tensão que está implícita nessa composição. Como disse o próprio Márcio, a composição não pretende ser poética, pois quer fazer-se árida. Por outro lado, ela se inicia com o fim da inocência dos compositores. “No meu tempo isto era meu tesouro”. A cidade não tem a aura, não é liberdade. Como lembra Walter Benjamim, desde Haussmann, elas se tornaram monumentos de dominação. “As instituições de dominação laica deveriam encontrar sua apoteose no traçado das avenidas” (BENJAMIM, 1985, p. 41). Haussmann tinha por objetivo salvaguardar Paris dos levantes revolucionários que se propagavam de forma perigosa para a burguesia. O ideário burguês se construiu tendo em

vista o controle do meio urbano. A ditadura no Brasil procurava

manter este controle, reprimindo passeatas, desmantelando as guerrilhas urbanas. Nessas condições, a cidade torna-se estranha aos próprios cidadãos, não quer fazer-se libertária, fogem dela seus filhos para o exílio, a cidade é um monumento em homenagem à morte, à solidão. Mas enquanto o “Flanneur”, esconde-se na multidão59, o personagem alegórico da maioria das composições do Clube da Esquina deste momento não tem para onde fugir. A ditadura mantém a solidão da multidão, mas quer eliminar os focos de tensão, de conflitos. Esse conflito está presente na composição San Vicente: SAN VICENTE (Milton Nascimento e Fernando Brant) Ed. Três Pontas Coração americano Acordei num sonho estranho Um gosto de vidro e corte Um sabor de chocolate No corpo e na cidade Um sabor de vida e morte

Quando compôs esta música, Brant estava pensando na realidade brasileira: “Eu estava pensando muito mais aqui”. Naquele momento, no entanto, ocorria um movimento de unidade de vários artistas e compositores latino-americanos, movimento que fez com que a casa de Milton Nascimento se tornasse, como disse o próprio Brant, um “consulado latinoamericano”. Sonhos e frustrações dos povos latino-americanos se encontravam: ditadura, pobreza, injustiça e necessidade de transformar a realidade. Portanto, se a composição não foi 59

“o flaneur ainda está no limiar da cidade grande quanto da classe burguesa. Nenhuma delas o subjulgou. Em nenhuma delas ele se sente em casa. Ele busca seu asilo na solidão na multidão” (BENJAMIM, 1985, p. 9).

112 feita com o objetivo levantar a bandeira da identidade dos povos latinos, como afirma o próprio compositor, ela foi apropriada como tal, como um símbolo de resistência às ditaduras, realidade em vários países do continente. A cidade volta a ser referida: “Um sabor de vida e morte”. A cidade, mais uma vez aqui, não tem alma. É a cidade apropriada pelos tanques do exército, pelo sumiço dos amigos. A fantasmagoria é retomada através do sonho, da representação do fragmento das sociedades modernas. A cidade continua sendo o local do estranhamento, tal como era para o Flanneur. Mas não há local para se esconder: Ame a cidade, tal como ela está, ou deixe-a. Um outro exemplo é a composição Os Povos: OS POVOS (Milton Nascimento e Márcio Borges) Nascimento/ EMI songs Eh! Minha cidade portão de ouro, aldeia morta, solidão meu povo, meu povo Aldeia morta, cadeado, coração E eu reconquistado Vou caminhando, caminhando e morrer Perto de seus olhos A gente aprende a morrer só Meu povo, meu povo Na beira do mundo Portão de ferro, aldeia morta, multidão Meu povo, meu povo Não quis saber do que é novo nunca mais Eh! minha cidade Aldeia morta, anel de ouro, meu amor Na beira da vida A gente torna a se encontrar só

A palavra aldeia é associada novamente à cidade, sugerindo tanto sua modernidade, quanto seu provincianismo. Como em um filme, a linguagem preferida de Márcio Borges, o personagem caminha pela cidade que aparentemente se encontra vazia: “portão de ouro, aldeia morta, solidão”. A multidão é imóvel, fragmentada, amorfa. Não é classe, nem foi à luta. “Não quis saber do que é novo nunca mais”. A modernidade não é louvada. O olhar de Márcio Borges é o olhar da esquerda estarrecida, dos sonhos acabados, da morte dos companheiros, da espera do pior. Um outro exemplo é Homens da Rua, gravado no Clube da Esquina 1:

113 HOMENS DA RUA (Lô Borges) Ed. Três Pontas Sonho do chão E um dia uma estrada Um estranho silêncio na rua Um incêndio calado nos homens Que passa por mim Toda manhã acredito nas histórias Em todas as histórias do mundo E toda vez que o velho sol se apaga Preciso e procuro não me apagar E quando chego na minha cama Eu te imagino melhor Sonho no chão Uma festa não apaga

Na visão de Márcio Borges, a instauração da ditadura representou a introdução do medo nas ruas. No livro Os sonhos não envelhecem, Márcio relembra aquele momento de sua vida e de como a ditadura provocou o espanto de toda uma geração que pretendia transformar a realidade do país: Debaixo do chuveiro, repassava as emoções que sentira ao ver o policial à paisana, armado, desfilando seu corpo ameaçador para fora da viatura. Estremeci de ansiedade, revolta e medo [...] Amava silenciosamente, numa fé entredentes e furiosa, a humanidade dos deserdados e miseráveis; amava a justiça (BORGES, 1996, p. 28).

Noutro trecho, Márcio Borges relembra a passeata realizada em apoio à ditadura, que teve a participação da ala conservadora da Igreja Católica: Tínhamos visto juntos a multidão histérica, mulheres de terço na mãos, homens do TFP enfeitados com seus galardões, desfilando seus enormes estandartes vermelhos com dragões dourados - parecia aqueles filmes sobre Hitler - ocupando a avenida Amazonas desde a praça Sete até a praça Raul Soares. A turba rugia palavras de ordem contra os comunistas e contra a baderna, aplaudindo e apoiando o golpe militar (BORGES, 1996, p. 25).

Os integrantes do Clube da Esquina viviam quotidianamente a rua, especialmente as ruas de Belo Horizonte, como espaço para a contestação e para a boemia.

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Milton Nascimento: alguma rua de uma grande cidade, no início da década de 70. Reprodução do disco Clube da Esquina 1

Yé Borges na época da gravação do Clube da Esquina 1.

115 A rua foi um elemento fundador do grupo, um ponto de afirmação da sua identidade com Minas Gerais e com o país. Contestação e boemia eram elementos que se associavam. Se não tinham um caráter político-revolucionário, se não queriam derrubar o sistema capitalista através da revolução, queriam mudar o comportamento da sociedade burguesa, que em Minas Gerais e em Belo Horizonte estava representada pela tradicional família mineira. “Juntos eu e Bituca andamos a cidade inteira [...] Tentávamos viver e realizar em nossas imaginações juvenis o sonho da amizade perfeita - Jules et Jim na capital das Alterosas” (BORGES, 1996, p. 91). Outros exemplos de composições podem ser citados. Quatro luas foi escrita por Ronaldo Bastos no mesmo contexto de Como Vai Minha Aldeia. QUATRO LUAS (Ronaldo Bastos/Nelson Ângelo) A violência, bandeira que eu vou levar Pensei nunca mais voltar Pensei, pensei No rumo incerto Mas certo de encontrar Meu sonho vivo Perdido em qualquer lugar Eu sei, eu sei.

A temática aqui, ao contrário de canções que vieram posteriormente como Sal da Terra, tende à radicalização. A violência do regime autoritário é respondida no mesmo nível, demonstrando o envolvimento de Ronaldo Bastos com a guerrilha urbana naquele momento. Numa referência clara ao “Brasil, ame-o ou deixe-o”, Bastos divaga, “pensei nunca mais voltar”. No instante seguinte, responde a si mesmo “mas certo de encontrar meu sonho vivo”, como se tentasse ressuscitar a esperança. Mas a ditadura havia matado os sonhos, a esperança, a alegria. A morte vigorava. A sensação de vazio, da perda da identidade pode ser notada quando o autor repete “pensei, pensei”. A luta armada passou a ser tema de algumas canções que queriam expor a realidade brasileira daquele momento. Algumas dessas composições eram comunicações para as guerrilhas, como lembra Tavinho Moura: “Alguém mandava recado pro Var Palmares: Gato de Botas era o código que o Rui Guerra usou na letra que foi censurada. Escreveram lá na censura: isto aqui é código utilizado pelos guerrilheiros do Var Palmares”. Se pensarmos que Ronaldo Bastos esteve envolvido com grupos de esquerda, principalmente com a VAR-Palmares, a música Quatro luas poderia ser considerada uma

116 referência a essa tendência de esquerda, vinculada à guerrilha, que foi extinta em 197260. Se Aquele Abraço de Gilberto Gil foi uma música que marcou a ida dos exilados da Tropicália depois do AI-5, pode-se eleger Nada Será como Antes como uma canção em homenagem a outros ativistas que saíram do país no período Médici: NADA SERÁ COMO ANTES (1972) (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos) Ed. Três Pontas Eu já estou com o pé nessa estrada Qualquer dia em qualquer direção Sei que nada será como antes, amanhã Que notícias me dão dos amigos Que notícias me dão de você? Alvoroço em meu coração Amanhã e depois de amanhã Resistindo na boca da noite um gosto de sol

Márcio Borges relembra os vários amigos sumidos neste período: Tinha aprendido a viajar sem horror, até que pensava em meus amigos desaparecidos. Alguns deles tinham se envolvido em seqüestros espetaculares, assaltado bancos, e tinham seus retratos expostos em lugares públicos, agências de banco e estações rodoviárias. Era horrível para mim dar com os cartazes de PROCURA-SE e ver as fotos de Galeno, Dilma, Inês, Zé Roberto, e outros (BORGES, 1996, p. 179).

Episódio interessante, lembrado por Márcio Borges em Os Sonhos não Envelhecem, foi a prisão e o assassinato de José Carlos Novaes da Mata Machado, a quem havia ajudado a se esconder em 1973. Não demorou muito para termos notícias de José Carlos. Péssimas notícias: Ele caíra em São Paulo. Todos os nossos esforços tinham sido em vão. [...] Na saída da rodovia Fernão Dias, caminhões militares interceptaram a pista e capturaram José Carlos com os outros dois homens. [...] Não constava nenhum registro da prisão de José Carlos. Oficialmente não existia. A família se mobilizou, apesar da rígida censura à imprensa e aos órgãos de comunicação. Todos sabíamos que José Carlos devia estar isolado dentro de um quartel paulista e temíamos o pior. Para a repressão era apenas um procurado. Uma farsa estava sendo montada pelos órgãos de repressão [...] A primeira face da farsa teve a cara da censura e o vídeo da TV Globo. Eu estava com Marilton no apartamento que ele alugara em Copacabana e onde estava morando desde pouco tempo, recém-casado com a mineira Maria Carmem. Era a hora do jornal Nacional, mas só prestei atenção ao locutor Cid Moreira quando seu rosto foi subitamente substituído por uma foto 3x4 que tomou conta de toda a telinha e sua voz adquiriu

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Veja alguns trechos do programa do VAR Palmares escrito em setembro de 1969: “Para se dar continuidade à luta política, ao nível que ela já atingiu no Brasil, é necessário que ela seja sustentada pela luta armada, que ela seja expressa fundamentalmente pelas armas. Isto significa que, no atual estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira, a Revolução só pode se desenvolver se adorar a luta armada como a forma fundamental da luta de classes” apud REIS FILHO, Daniel Aarão. Imagens da revolução. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985, p. 268.

117 um tom dramático e aterrador. Na foto reconheci imediatamente o rosto de José Carlos, enquanto a voz do locutor narrava para todo o Brasil uma mentira absurda, noticiando que nosso amigo tinha sido baleado e morto durante um tiroteio com a polícia, nos arrabaldes ... de Recife, Pernambuco (BORGES, 1996, p. 298).

Neste mesmo ano, e com o mesmo espírito contestador, foi gravada a composição Milagre dos Peixes que deu nome ao disco que Milton Nascimento lançou. MILAGRE DOS PEIXES (Milton Nascimento e Fernando Brant) Eu vejo esses peixes e vou de coração Eu vejo essas matas e vou de coração À natureza Telas falando colorido De crianças coloridas De um gênio, televisor E no andar de nossos santos O sinal dos velhos tempos Morte, morte ao amor Eles não falam do mar e dos peixes Nem deixam ver a moça, pura canção Nem ver nascer a flor Nem ver nascer o sol E eu apenas sou um a mais, uma amais A falar dessa dor, a nossa dor Desenhando nessas pedras tenho em mim todas as cores Quando falo coisas reais E num silêncio dessa natureza Eu que amo meus amigos Livre, quero poder dizer: Eu tenho esses peixes e dou de coração Eu tenho essas matas e dou de coração

Este disco teve algumas composições censuradas, como foi o caso de Hoje é Dia de El Rey que na visão de Márcio Borges “era o conflito de duas mentalidades, duas gerações, pai e filho dialogando num clima de alegorias pesadas e atmosfera musical densa e expressionista” (BORGES, 1996, p. 304). Esta composição merece uma atenção especial, por revelar todo o universo em que estavam imersos os artistas. Primeiramente, o conflito de gerações colocado revela a visão de mundo da juventude naquele momento, como é demonstrado nas duas primeiras estrofes quando, ironicamente, o filho saúda a chegada de El Rey (a representação do estado autoritário que se instalou no Brasil naquele momento). Por outro lado, o pai, a alegoria da classe média alienada do milagre brasileiro, questiona o porquê de tanto ódio. A pergunta poderia ser colocada de outra forma, se direcionada para a realidade brasileira: Por que querem a revolução, não vêem que estamos em pleno desenvolvimento

118 econômico? HOJE É DIA DE EL REY(1973) (Márcio Borges/ Milton Nascimento) Filho: Não pode o noivo ser mais feliz Não pode viver em paz com teu amor Não pode o justo sobreviver Se hoje esqueceu o que é bem-querer Rufai tambores saudando El Rey Pai: Filho meu ódio você tem, Mas El Rey quer viver só de amor Sem clarins e sem mais tambor Vá dizer: nosso dia é de amor

Nas estrofes seguintes, o conflito está posto. Em tom de denúncia, o filho tenta mostrar ao seu pai o disfarce escondido através do véu do crescimento econômico. Tenta mostrar como as mortes estão veladas nas cortinas do amor propagado, da harmonia e do amor falso das promessas que, pode-se interpretar, estavam por trás da ideologia do “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo”, ou, “Brasil: ame- o ou deixe-o”. Filho: Juntai as muitas mentiras Nadas sabeis desta terra Hoje é o dia da lua Pai: Filho cadê teu amor Nosso Rey está sofrendo a tua dor Filho: Leva daqui tuas armas Então cantar poderia Mas nos teus campos de guerra Hoje morreu a poesia Ambos: El Rey virá salvar...

Mais do que isso, estava por trás a desconfiança do jovem com relação ao tecnocracismo que havia resultado em duas guerras mundiais. Por trás daquela música popular (tal como Márcio Borges a definiu) estava a revolução de costumes que vinha se delineando desde a década de 60. Pai: Filho, você tem razão Mas acho que não é em tudo Se o mundo fosse o que pensa Estava no mesmo lugar Pai você não tinha E hoje pior ia estar Filho: Matai o amor, pouco importa

119 Mas outro haverá de surgir O mundo é pra frente que anda Mas tudo está como está Hoje então e agora Pior não podia ficar

A composição termina em um tom de consenso, já prenunciado nas duas últimas estrofes. Ambos: Largue seu dono e procure nova alegria Se hoje é triste e saudade pode matar Vem, amizade não pode ser com maldade Se hoje é triste a verdade procure nova poesia Procure nova alegria Para amanhã

Ao terminar, ela abre espaço para a utopia, diferentemente das outras composições que foram analisadas anteriormente. Depois da morte de José Carlos da Mata Machado, a perspectiva de Márcio Borges parece ter caminhado em direção à construção. Se as composições anteriores aproximavam-se da fantasmagoria, a partir deste momento começa a aparecer o consenso que, nas outras composições, parecia impossível. O fragmento, que aparecia nas temáticas das músicas anteriores, desaparece. A utopia vai se refazendo. O próprio Márcio recorda que a metade daquela década: Foi o período mais aberto de que me recordo de o presenciar vivendo em relação aos aspectos políticos, estéticos e filosóficos da vida. Bituca queria realmente fazer alguma coisa, reagir de alguma forma aos arbítrios da censura, no nosso caso particular, e dos atos institucionais, que tanto mal espalhavam pelo Brasil inteiro. Talvez minha proximidade com a tragédia de José Carlos da Mata Machado possa ter sensibilizado de alguma forma (BORGES, 1996, p. 317).

Como um último exemplo, pode-se citar a composição Fé cega, faca amolada, escrita por Ronaldo Bastos com a música de Milton nascimento: FÉ CEGA, FACA AMOLADA(1975) (Ronaldo Bastos/ Milton Nascimento) Agora não pergunto mais aonde vai a estrada Agora não espero mais aquela madrugada Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser Faca amolada O brilho cego de paixão e fé Faca amolada

Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranqüilo Deixar o seu amor crescer E ser muito tranqüilo

120 Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar Faca amolada Irmão, irmã, irmã, irmão de fé Faca amolada Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia Beber o vinho e renascer na luz de todo dia A fé, a fé, paixão e fé A fé faca amolada O chão, o chão, o sal da terra, o chão Faca amolada

Apesar da afirmação da resistência, que acompanhou a trajetória de Bastos, o tom agora é outro. Isto pode ser confirmado pelas declarações do compositor em 1976: Teve uma época que eu me desiludi com letra de música. Eu estava em Paris com Torquato, e de repente entrei numa de achar a letra de música um troço inútil, sem sentido, sem importância. Hoje a coisa que eu mais quero na vida é fazer letra, ser compositor (BASTOS apud BAHIANA, 1980, p. 187).

A alegoria utilizada já não é mais a da derrota, apesar da afirmação do conflito. A cidade já não é mais vazia. A utopia está renascendo, apesar do período de turbulência. Elementos do cristianismo primitivo demonstram a reaproximação com a utopia. A ditadura começa a dar os primeiros sinais da derrocada61.

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Iniciava-se naquele período a política de distensão do governo Geisel. “Com as crescentes dificuldades agora enfrentadas no plano econômico, o Estado de Segurança Nacional passou a preocupar-se com a criação de novos mecanismos para a obtensão de apoio político e social” ALVES, Maria H. M. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 185. A intenção era cooptar setores de oposição com o afrouxamento das tensões sócio-políticas, através de uma aparente flexibilização do aparelho repressor que tinha como representação máxima o AI-5. “Tratava-se de um programa de medidas de liberalização cuidadosamente controladas, definido no contexto do slogan oficial de continuidade sem imobilidade” (ALVES, 1984, p. 186).

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Capa do disco Milagres dos Peixes de 1973

122 3.2.3 A resistência e o olhar da esperança a partir de 1977 Esse novo momento na trajetória do grupo corresponde, portanto, ao período de distensão e em seguida da abertura política no Brasil, quando o MDB se fortaleceu nas áreas urbanas, principalmente no centro e no centro-sul do Brasil62. Apesar do sucesso da política de distensão do governo Geisel 63, o contexto era outro. Os movimentos sociais ressurgiram com força a partir de 1974, demonstrando que o milagre econômico já não poderia justificar o estado de exceção que se observava na sociedade brasileira. A Igreja passou por um processo de transformação assumindo, principalmente através da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), “a firme defesa dos direitos humanos e a oposição às diretrizes sociais, políticas e econômicas do Estado” (ALVES, 1984, p. 203). A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também se posicionou, a partir de 1974, contrária ao Estado de exceção que se instalou com a decretação do AI-564. A morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, acabou por mobilizar setores importantes da sociedade. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entrou na luta contra a censura, pressão que resultou na “eliminação da censura direta à chamada grande imprensa, em 1975, e posteriormente, em 1978, da própria censura à imprensa alternativa” (ALVES, 1984, p. 217). Esse novo contexto teve seus reflexos nas composições do Clube da Esquina. As temáticas agora trazem elementos que se diferenciam das composições do início da década. Se naquele período elas discutiam o vazio deixado pela ditadura, agora a mensagem é positiva, da certeza da mudança. Em 1977, a União Nacional dos Estudantes (UNE) reorganizou-se e promoveu uma série de passeatas e protestos que resultaram numa nova investida dos aparelhos repressores,

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“Em 1978, o MDB tornara-se um partido de oposição real, tendo logrado reunir amplo espectro de opiniões políticas – das conservadoras às socialistas- numa estrutura unificada” (ALVES, 1984, p. 186). 63

“o Pacote de Abril conseguiu conter a força eleitoral da oposição. Estava assegurada a maioria da ARENA em ambas as casas do congresso. Tal monopólio do poder era elemento essencial da distensão.” (ALVES, 1984, p. 200). 64

“A OAB foi outra instituição da sociedade civil que, a partir de 1974, decidiu contestar a legitimidade do governo revolucionário. Desafiou a estrutura “revolucionária” que os militares da linha dura e seus advogados haviam erigido desde 1968 e apoiou também os esforços em defesa de presos que sofreram brutalidades dos torturadores” SKIDMORE, Tomas. O Brasil de Castelo a Tancredo: 1964 a 1984. Tradução de Mário Salviano Silvia. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 367.

123 demonstrando os limites da liberdade proposta 65. A composição Credo registra este momento de forma exemplar: CREDO (Milton Nascimento/ Fernando Brant) Caminhando pela noite de nossa cidade Acendendo a esperança e apagando a escuridão Vamos, caminhando pelas ruas de nossa cidade Viver derramando a juventude pelos corações Tenha fé no nosso povo que ele resiste Tenha fé no nosso povo que ele insiste E acorda de novo, forte, alegre, cheio de paixão Vamos caminhando de mãos dadas com a alma nova Viver semeando a liberdade em cada coração Tenha fé no nosso povo que ele acorda Tenha fé no nosso povo que ele assusta Caminhando e vivendo a alma aberta Aquecidos pelos sol que vem depois do temporal Vamos, companheiros pelas ruas de nossa cidade Cantar semeando em sono que vai ter de ser real Caminhemos pela noite com a esperança Caminhemos pela noite com a juventude

Como em Milagres dos peixes, o cristianismo primitivo está presente (sempre esteve presente nas composições de Fernando Brant). A fé, mais uma vez, é laica. O peixe e o amor são representações do povo, resgatados da tradição popular, elementos dinâmicos, transformadores, criadores de consensos. Mas estas duas composição, realizadas em contextos diferentes, apresentam peculiaridades interessantes. Sobre Credo, fala Fernando Brant: Credo, por exemplo, eu fiz justamente inspirado na coisa de ir pra frente. Em 77 a universidade começou a sair na rua outra vez. Começou a ter passeata. No começo a repressão era mais ou menos [...]. Durante o ano de 77 os estudantes começaram a sair. [...] Caminhado pela noite desta cidade. Eu estava querendo dizer que bom que a juventude saiu para a rua. Em 78, no outro ano, os estudantes recuaram e aí entrou o ABC. Primeiro o negócio da juventude, depois o negócio do operário. Ali começou o fim da ditadura.

Na primeira estrofe, já se percebe uma importante diferença. A rua não está mais 65

“As manifestações dos estudantes em silêncio nas ruas de São Paulo sofreram violenta repressão policial. No dia 22 de setembro de 1977, os estudantes realizaram assembléia secreta na Universidade Católica de São Paulo para eleger a comissão de representantes que se encarregaria da reorganização clandestina da UNE. Terminada a assembléia, decidiram realizar à noite uma grande comemoração aberta no auditório da universidade. Naquela noite, sob o comando do coronel Erasmo Dias, a polícia invadiu a Universidade Católica.[...] Cinco universitárias ficaram gravemente queimadas por bombas químicas que se acredita terem sido de Napalm. Quarenta e um estudantes viriam ser processados em nome da Lei de Segurança Nacional por desobediência coletiva” (ALVES, 1984, p. 207).

124 vazia. A noite não indica a escuridão provocada pelo regime militar. As cidades já não são fantasmagóricas, como no início da década. A luz da esperança apaga o obscurantismo da ditadura. Por outro lado, a rua já não está mais apropriada pelos camburões da polícia. O crescimento dos movimentos sociais possibilitou esta mudança substantiva nas temáticas das composições. A música Ruas da Cidade de Lô Borges e Márcio Borges, pode ser considerada outro exemplo de como a apropriação da rua pelo povo passou a ser uma necessidade dentro daquele contexto. Nesta composição, os autores resgatam as tribos indígenas, que compõem os nomes das ruas da região central de Belo Horizonte. Mas, contrário do projeto civilizatório da oligarquia brasileira do início do século, Márcio Borges procurou representar, alegoricamente, a dizimação das tribos mineiras que não estavam inseridas no projeto positivista de civilização. O pensamento positivista de matiz francesa desejou construir, em Belo Horizonte, uma Paris dos trópicos e homenageou, ironicamente, os povos pré-colombianos que foram praticamente exterminados pela exploração européia no país. A oligarquia brasileira desejava uma nação sem povo e, contraditoriamente, lembrava, numa espécie de mea culpa, a dizimação de toda uma cultura. Márcio subverte esta lógica, negando o progresso conservador que não possibilitou a inclusão dos cidadãos brasileiros. RUAS DA CIDADE (Lô Borges e Márcio Borges) Guaicurus Caetés Goitacás Tupinambás Aimorés Todos no chão Guajajaras Tamoios Tapuias Todos Timbiras Tupis Todos no chão A parede das ruas não devolveu Os abismos que se rolou Horizonte perdido no meio da selva Cresceu o Arraial Pelo Bonde passa boiada Passa trator, avião Ruas e reis Guajajaras Tamoios Tapuias Tupinambás Aimorés Todos no chão A cidade plantou no coração Tantos nomes de quem já morreu Horizonte perdido na sela Cresceu o arraial

125 A rua voltou a ter relação com a democratização do país, com sua apropriação pelo povo contra a ditadura militar. Portanto, a rua tomou uma outra conotação a partir daquele momento. O ideal de utopia, de apropriação dos espaços e de mobilização popular através da democratização estiveram presentes na maioria das obras dos integrantes do Clube da Esquina. A rua passou a representar o local da criatividade, da amizade, dos sonhos de toda uma geração. O balanço das trajetórias dos artistas também já faz parte do conjunto temático das composições do grupo naquele período e o retorno da utopia se faz através da releitura dos sonhos da geração. Em tom de nostalgia, Elis Regina canta O Que Foi Feito Deverá: O QUE FOI FEITO DEVERÁ (Fernando Brant/ Milton Nascimento) Ed. Três Pontas O que foi feito amigo De tudo que a gente sonhou O que foi feito da vida O que foi feito do amor Quisera encontrar Aquele verso menino Que escrevi há muitos anos atrás Falo assim sem saudade falo assim por saber Se muito vale o já feito Mas vale o que será E o que foi feito É preciso conhecer Para melhor prosseguir Falo assim sem tristeza Falo por acreditar Que é cobrando o que fomos Que nós iremos crescer Outros outubros virão Outras manhãs plenas de sol e de luz

Fazendo uma avaliação das perdas e dos danos de toda uma geração, os compositores realizam uma dialética. A tristeza se transforma em esperança: outros outubros virão, diz o refrão da música. Outubro é o mês de aniversário de Brant e o mês da revolução bolchevique na Rússia. É o mês da afirmação da primavera, do mundo novo, da justiça, do amor. A composição seguinte, uma continuação proposital da primeira, tem como ponto de partida a tensão. Anuncia-se a volta do homem perdido e o fim do período de medo. O que volta não é só a personagem, mas a transformação, a mudança. Como dizia Desesperar

126 Jamais, outra composição que retrata aquele período “cutucou por baixo, o de cima cai”. A ditadura já demonstrava sinais evidentes de necrose. O povo estava na rua, os estudantes, a vida, a utopia. O QUE FOI FEITO DE VERA (Márcio Borges/ Milton nascimento) Ed. Três Pontas Alertem todos alarmas Que o homem que eu era voltou A tribo toda reunida ração dividida ao sol De nossa Vera Cruz Quando o descanso era luta pelo pão E aventura sem par Quando o cansaço era rio E rio qualquer dava pé E a cabeça rodava Numa gira girar do amor E até mesmo a fé Não era cega nem nada Era só nuvem no céu e raiz Hoje a vida só cabe Na palma de minha paixão De Vera nunca se sabe Abelha fazendo seu mel No canto que criei Nem vá dormir como pedra E esquecer o que foi feito de nós

Ronaldo Bastos, que também fez várias canções fantasmagóricas no início da década, parece ter feito as pazes com a poesia, depois do período de auto-crítica e de desilusão com o papel transformador da arte. Teve uma época em que eu me desiludi com letra de música. Eu estava em Paris, com o Torquato, e de repente entrei numa de achar letra de música um troço inútil, sem sentido, sem importância. Foi uma coisa pela qual eu tinha de passar. Hoje a coisa que eu mais quero é fazer letra, ser compositor. Quero que isso seja meu meio de vida, meu sustento (BASTOS apud BAHIANA, 1980, p. 187).

Um claro exemplo dessa mudança de perspectiva é Amor de índio, uma parceria com Beto Guedes. Enquanto no momento anterior, a morte, a violência e a fuga são temas recorrentes, nesse outro, os verbos viver, mover, voar, fazer, reforçam a vida, a esperança, a construção do novo. AMOR DE ÍNDIO (Beto Guedes/ Ronaldo Bastos) Ed. Três Pontas (1978)

127 Tudo que move é sagrado E remove as montanhas com todo cuidado meu amor Enquanto a chama arder todo dia te ver passar Tudo viver a teu lado Com o arco da promessa no azul pintado pra durar Abelha fazendo mel vale o tempo que não voou A estrela caiu do céu o pedido que se pensou O destino que se cumpriu de sentir o calor e ser todo Todo dia é de viver para ser o que for e ser tudo Sim todo amor é sagrado e o fruto do trabalho é mais que sagrado, Meu amor. A massa que faz o pão vale a luz do teu suor Lembra que o sono é sagrado E alimenta de horizontes o tempo acordado de viver

Outra canção representativa desse novo momento é Sol de Primavera. Como em O Que Foi Feito Deverá, o tom de releitura e balanço aponta para um novo momento. Enquanto o outubro é lembrado por Brant, setembro dá nome a esta canção. Os dois meses são a representação da primavera. A primavera é o tempo da renovação da vida. Se a bandeira do início da década era a violência, agora o perdão brota nos corações. SOL DE PRIMAVERA (Beto Guedes/ Ronaldo Bastos) Ed. Tapajós/ Ed. Três Pontas (1979) Quando entrar setembro E a boa nova andar nos campos Quero ver brotar o perdão Onde a gente plantou Juntos outra vez Já sonhamos muito Semeando as canções do vento Quero ver crescer nossa voz No que falta sonhar Já sonhamos muito Muitos se perderam no caminho Mesmo assim não custa inventar Uma nova canção que venha trazer Sol de primavera abre as janelas do meu peito A lição sabemos de cor Só nos resta aprender

Na verdade, todas estas canções demonstram a retomada do espírito romântico revolucionário que caracterizou aquela geração. O espírito coletivista é retomado, mas agora numa outra perspectiva. Diz o autor: já sonhamos muito ... muitos se perderam. Era necessário retomar, com outros sonhos, o processo que foi barrado pelo Estado de exceção

128 que se instalou no país. Tanto em Sol de Primavera quanto em Amor de índio a volta à natureza apontam para o retorno ao romantismo. A partir de 1979, a pressão pela anistia e o aumento significativo dos movimentos sociais provocaram, por um lado, um novo momento de repressão por parte do governo militar, agora sobre a presidência de João Batista Figueiredo e, por outro, uma redefinição da política de distensão proposta durante o governo Geisel. O sistema eleitoral brasileiro foi totalmente reformulado para que se pudesse, tanto “fragmentar e dividir a expressão política dos setores mais conservadores da ampla aliança oposicionista” como,“excluir totalmente as vozes mais radicais do novo movimento popular” (ALVES, 1984, p. 270). Emergia, em um contexto de greve generalizada, o novo movimento sindical compromissado com a redemocratização do país e com a transformação radical da estrutura autoritária da sociedade brasileira. Após o impacto inicial, o PMDB conseguiu congregar elementos e movimentos dos mais variados, que percebiam a bancarrota para qual caminhava o país no início da década de 8066. Enquanto o país caminhava para efetiva institucionalização da democracia política, os integrantes do Clube da Esquina partiam para afirmação de suas carreiras individuais. Essa afirmação não significou o fim das parcerias entre os artistas. No entanto, não mais se reuniram em um álbum, como ocorreu em 72 e 79. Márcio Borges tornou-se um parceiro mais distante de Milton Nascimento. Por outro lado, Fernando Brant e Milton Nascimento engajaram-se na luta pela redemocratização do país. A maioria das composições passou a refletir claramente aquele momento. Como primeiro exemplo, pode ser citado Coração Civil. Sobre esta canção fala Milton Nascimento: Este país só vai virar nação quando tiver consciência da união de todos os tipos de povos deste país que é um continente. Enquanto não houver esta consciência [...] não conseguiremos nosso ideal. Há um sentimento civil no país, como diz a canção „Coração Civil‟. Um sentimento antimilitarista. É um negócio que a gente continua acreditando. As letras falam disso. Acredito na utopia, acredito mesmo (Estado de Minas, 03 out. 1981).

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“Como haviam previsto alguns de seus membros, o PMDB efetivamente renasceu como Fênix das próprias cinzas, conseguindo organizar em um ano quase tantos diretórios regionais e municipais quantos acumulara o MDB em quatorze anos. Até outubro de 1980, o partido cumprira as exigências legais em quase todos os Estados. O PMDB implantava-se como maior partido de oposição e herdeiro oficial da maioria dos membros do antigo MDB e de seus bens. O partido congregou assim, sob a bandeira única da luta pela democracia, grupos que representavam desde grandes capitalistas a camponeses e operários do “novo movimento sindical”. Em termos ideológicos, não era menos variada a composição do PMDB, abrangendo tanto ex- integrantes dos governos militares como antigos participantes da luta armada” (ALVES, 1984, p. 275).

129 O antimilitarismo é tema da composição: CORAÇÃO CIVIL Fernando Brant/ Milton Nascimento Ed. Três Pontas (1981) Quero a utopia, quero tudo e mais Quero a felicidade dos olhos de um pai Quero a alegria, muita gente feliz Quero que a justiça reine em meu país

Mais uma vez o cristianismo primitivo é retomado, mas em um outro contexto. Se na década de sessenta os movimentos culturais tenderam à radicalização do processo de mudança, nesta década, a liberalização contida parece ter dado a tônica ao processo. Quero a liberdade, quero o vinho e o pão Quero a amizade, quero amor, prazer Quero nossa cidade sempre ensolarada Os meninos e o povo no poder Eu quero ver

Os dois últimos parágrafos são uma referência ao processo ocorrido em Costa Rica, que aboliu o exército em 1948, substituído por uma guarda civil: São José da Costa Rica, Coração Civil Se inspire no meu sonho de amor, Brasil Se o poeta é o que sonha o que vai ser real Vão sonhar coisas boas que o homem faz E esperar pelos frutos no quintal. Sem polícia, nem milícia Nem feitiço pra ter poder Viva a preguiça, viva a malícia Que só a gente é que sabe ter Assim dizendo minha utopia Eu vou levando a vida Eu vou viver melhor, doido pra ver Meu velho sonho um dia se realizar

Vale a pena lembrar que naquele momento ocorria o florescimento dos Movimentos Sociais Urbanos67 no país. A transformação dos cidadãos em sujeitos históricos através do associativismo e da discussão sobre o significado das esferas de poder refletiam-se na arte e no pensamento naquele período. Ao poeta cabia reviver as utopias. Ao cidadão cabia, coletivamente, transformar a sua realidade e a de seu país. A mesma temática é tratada na composição Comunhão, que conta com a

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Sobre a questão, ver: AZEVEDO, Sérgio de. Planejamento participativo, movimentos sociais e ação coletiva. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, jan. 1991. Anual.

130 participação de Simone. A primavera é retomada, como afirmação da vida: COMUNHÃO Fernando Brant/ Milton Nascimento Ed. Três Pontas (1982) Todo amor será comunhão a alegria de pão e vinho você pode bem me dar a mão você bem pode me dar carinho mulher e homem é o amor mais parecido com a primavera é dentro dele que mora a luz vida futura no ponto de explodir eu quero paz, eu não quero guerra quero fartura, não quero fome quero justiça, eu não quero ódio quero a casa de bom tijolo

Como último exemplo pode ser citada Notícias do Brasil que, pode ser considerada como resumo do pensamento daquele período. A boa nova é anunciada nas duas primeiras estrofes e remete-se à mobilização popular e ao crescimento do PMDB que agregava as diferenças ideológicas em torno da redemocratização do país. NOTÍCIAS DO BRASIL Fernando Brant/ Milton Nascimento Ed. Três Pontas (1981) Uma notícia tá chegando lá do Maranhão Não deu no rádio, no jornal ou na televisão Veio do vento que soprava lá do litoral De Fortaleza, de Recife e de Natal A boa nova foi ouvida em Belém, Manaus João Pessoa, Terezinha e Aracaju E lá do norte foi descendo pro Brasil Central Chegou em Minas, já bateu bem lá no sul Aqui vive um povo que merece mais respeito E belo é o povo, como é belo todo o amor

As duas estrofes seguintes demonstram a retomada do romantismo. O coletivismo é a utopia necessária para o processo de transformação. O povo é sincero, belo, bom, cultivador da qualidade e da liberdade. Aqui vive um povo que é mar e que é rio Seu destino é um dia se juntar O canto mais belo será sempre mais sincero Sabe tudo quanto é belo será sempre Aqui vive um povo que cultiva a qualidade Ser mais sábio que quem quer governar A novidade é que o Brasil não é só litoral É muito mais, muito mais que zona sul Tem gente boa espalhada por este Brasil Que vai fazer deste lugar um bom país

131 Em 1984, Fernando Brant confirmava a recuperação da utopia e o desejo de reconstrução do ser humano através da arte. “Tudo é político. Eu estou com os olhos abertos para tudo o que está acontecendo no mundo e isso é político. O músico, o artista, pelo fato de trabalhar com a cabeça do povo, com os sentimentos do povo [...] tem de dizer isto” (Jornal de Casa, 02 ago. 1984). O interior do Brasil é o local da afirmação da identidade. O Brasil é a expressão dos diferentes povos, línguas e crenças. O Brasil não é a Europa, não é Portugal, mas não se exclui do mundo. Uma notícia tá chegando lá do interior Não deu no rádio, no jornal ou na televisão Ficar de frente para o mar, de costa para o Brasil Não vai fazer deste lugar um bom país.

O voltar para dentro do país significava repensar toda a nossa cultura, todas as nossas tradições, através da redescoberta do povo. A diversidade é o ponto de referência para esta reconstrução. As culturas são várias, mas não são caóticas. Fazem parte de uma identidade que é construída e reconstruída no interior e na cidade. Ir em busca do povo, ser moderno e ser tradição. Esta é a simbiose que propõe o Clube da Esquina, uma dialética que abarca as diferenças que estão presentes mesmo dentro do grupo.

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Elis Regina nas gravações do álbum Clube da Esquina 2. Reprodução do disco Clube da Esquina 2.

Milton Nascimento em 1978. Reprodução do disco Clube da Esquina 2.

O povo canta: o álbum Clube da Esquina 2 é uma produção coletiva. Reprodução do disco Clube da Esquina 2

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Acima, as capas dos álbuns Sol de Primavera e Amor de Índio

Milton Nascimento e Fernando Brant em 1981, momento do lançamento do disco Caçador de Mim. Reprodução: Estado de Minas: 3-10-1981.

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Milton Nascimento em 1981, utopia renovada e reencontro com a vida. Reprodução: Estado de Minas 4-10-1981.

Wagner Tiso no Show Coração de estudante, a música de mesmo nome tornou-se o símbolo da redemocratização do país. Fonte: Site Oficial do artista.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sintetizar as variáveis apresentadas neste trabalho permite demonstrar que o Clube da Esquina fundiu elementos modernos e tradicionais de uma maneira dinâmica. Essa fusão tem relação com o caráter resistente da música popular brasileira, posição contestadora que vigorou no meio artístico no período em foco. O movimento é fruto do processo de crescimento acelerado de Belo Horizonte, cidade que possibilitou o encontro dos artistas que vieram do interior do estado de Minas Gerais e de bairros da região leste da capital. A forma como ocorreu essa junção acabou por gerar uma linguagem artísticomusical comum entre os integrantes, uma identidade nas composições e nas letras. É necessário frisar, no entanto, que esta identidade fez-se em meio a uma diversidade de influências, já que os artistas trouxeram informações diferenciadas. O consenso gerado resultou no disco Clube da Esquina 1, no ano de 1972. Dessa forma, o Clube da Esquina não foi pensado para ser um movimento. A rua, retomada várias vezes neste trabalho, teve enorme importância nas composições do Clube da Esquina. Como se viu, a rua foi um espaço de convivência dos artistas, de consolidação das amizades e tema de várias composições. A rua tem relação com a entrada da modernidade no Brasil, através do marcante processo de urbanização, e também com a preservação da cultura popular. As ruas de Belo Horizonte, especificamente, tiveram um importante papel nesse processo. Na preocupação de negar o conservadorismo latente em Belo Horizonte e para contestar o provincianismo arraigado nas classes médias urbanas da cidade, os integrantes do Clube da Esquina tomaram as ruas desta cidade como espaços universais. Ao olhar para a sua dinâmica, o que se quis realçar foi a sua modernidade, o novo, a transformação. Desta maneira, em geral, os artistas permitem-se ser cidadãos do mundo, em um cosmopolitismo que reafirma os elos com a sua comunidade. Portanto, local e global fundem-se. A rua é qualquer rua do planeta, do Brasil. É a rua da modernidade, que traspassa o lugar físico para se tornar uma representação do próprio mundo em que se vive ou no qual se quer viver. O encontro inicial dos artistas em Belo Horizonte e a conseqüente inter-relação de

136 identidades, foi fundamental para a configuração do grupo em si. Ao realizar tal processo, os artistas reivindicaram o direito de não se sentirem mais estrangeiros em nenhum lugar. Os estranhamentos são direcionados para os problemas do mundo, a pobreza, a pequenez humana, a injustiça, a morte, as guerras, a ditadura. Estranha-se o mundo para afirmar o compromisso com o outro, com o ser humano. Essa perspectiva dialética de interação entre o local e o universal poderia criar um problema na análise do movimento. Pode-se dizer que as composições do Clube da Esquina são engajadas politicamente? Esta questão não é tão simples, pois não se pode ver o movimento a partir do engajamento participativo dos anos 50, que tinha por referência os Centros Populares de Cultura. Por outro lado a pretensão de “fazer do Brasil um bom lugar para se viver”, frase repetida de várias maneiras pelos letristas, revelam a intenção de afirmar a cultura brasileira, tal como estava posto nas discussões daquela década. Na verdade, a música engajada do movimento não é um discurso automático e defensor da “legítima cultura brasileira”. O nacionalismo engajado do Clube da Esquina não exclui o outro. Por isto, a discussão sobre a utilização de equipamentos eletrônicos ou mesmo das dissonâncias do Jazz já nasceu morta no movimento. A aproximação de Milton Nascimento com os jazzistas americanos, ainda em 1968, demonstra este fato. A palavra liberdade ganha aqui um sentido amplo. Aceitar a influência do Jazz não é permitir que as composições do grupo sejam classificáveis dentro de um segmento da indústria fonográfica. Não é, também, abandonar o resgate da cultura brasileira e as influências da música regional. Mas não se pode dizer que as composições do movimento podem ser classificadas como regionais, tal como consideravam os críticos de Milton Nascimento no início da década de 70. As composições só tem um referencial, a liberdade. Na dinâmica da história do Brasil e da América Latina, o movimento propõe uma aliança entre diferentes povos e nacionalidades, o fortalecimento da cidadania universal. Mas esta universalidade é crítica: Ser do mundo é ser Minas Gerais, ser Minas Gerais é ser do mundo. O resgate das raízes e os braços abertos para o mundo. Eis o que poderia definir o Clube da Esquina. Aceitar a indústria cultural não é se submeter às suas regras. Isso resultou, inclusive, no afastamento estratégico de alguns artistas, como foi o caso de Toninho Horta. Este preferiu

137 investir na carreira internacional, onde tem tido mais espaço depois da consolidação do mercado de bens culturais no Brasil. Por outro lado, a geração mais nova do Clube da Esquina era, declaradamente, beatlemaníaca. Mas isto não significou a reprodução linear do que os artistas de Liverpool faziam. A criação era compromisso primordial entre os integrantes. Por essa razão, as músicas do Clube da Esquina produziram o inaudito. O inaudito é a criação do novo através da harmonia construtiva. O desenvolvimento da harmonização musical é um ponto de conexão entre os integrantes do movimento. Mas a harmonia no Clube da Esquina não significa conservadorismo, tal como a tradição não significa falta de dinamismo. O inaudito é a produção da musicalidade que tem por referência a liberdade. O inaudito é a busca da realização do que o jovem Marx chamou de emancipação do ser humano. Dessa forma a dicotomia forma/conteúdo não é uma questão colocada aos integrantes daquele movimento cultural. Desenvolver temáticas a partir da perspectiva eu-nós representa o tomar-se uma posição diante dos problemas do mundo. A Bossa Nova pretendeu ser sofisticada e herdou o melodrama do período “bolerizante” da música brasileira, na década de 50. O Clube da Esquina também pretendeu ser sofisticado, tanto nas letras quanto nas músicas. No entanto, o romantismo revolucionário da década de 60 contribuiu para que as temáticas tivessem por referencial o engajamento político. O povo, conceito abstrato que se refere neste caso à população simples do interior, é o protagonista da transformação. Por esse motivo, o Clube da Esquina vincula-se ao pensamento romântico- transformador que foi hegemônico nos movimentos culturais daquele momento. Ir em busca do povo, ou ir onde o povo está, significa transformá-lo em agente da transformação. O resgate da memória proposto, demonstrado através das composições, é uma questão que perpassa todo trabalho. Este resgate, também tem ligação com a amplitude da palavra liberdade, recorrentemente citada pelos artistas. Ir em busca do povo e recuperar sua memória não é valorizar as ideologias provenientes do velho humanismo que se reproduzem no cotidiano na memória popular. As representações presentes nas composições são mais alegorias que símbolos. Por serem alegóricas, elas ganham o dinamismo necessário no processo transformador em que os integrantes estavam inseridos.

138 O trem, por exemplo, tem uma conotação ambígua: ele é tanto a representação da tradição quanto da modernidade. Significa tanto a permanência quanto a transformação. Nesta dialética, o novo e o velho fazem parte de um mesmo processo: o da renovação constante da vida. Se a história é um importante referencial, a geografia também é tema das composições. O espaço, no entanto, não é físico. As pedras, as montanhas e as ruas são lugares da memória, são representações da cultura popular, são elementos que reativam a memória coletiva e que reforçam a identidade. Mas nas alegorias das composições, os elementos servem apenas de subsídios para a construção do novo. Quando afirmam os lugares da memória, os letristas e os músicos procuram criar espaço para a reconstrução da vida através da arte. Esses elementos da tradição estão invertidos. O referencial não está no objeto, mas nos agentes que o manipulam. A igreja da composição Paixão e Fé chama os fiéis. O mais importante, na visão dos compositores, são as redes de sociabilidade proporcionadas pelo encontro dos homens. O povo sai às ruas capistranas para louvar o próprio povo e não necessariamente à instituição católica. A religiosidade é uma festa que proporciona a inversão. A religiosidade é a possibilidade do encontro com o outro, da convivência, da solidariedade e do amor. Na composição Encontros e Despedidas o trem é o pretexto para a manifestação das angústias, sonhos, desilusões, tensões, alegrias e esperanças. O trem é a representação da vida. O mesmo pode ser notado em Roupa Nova. Os personagens criados experimentam a vida a partir da simplicidade, da perseverança e da dedicação. Os Franciscos e as Marias são fortes, esperançosos, mulheres de raça, amantes e amados. São homens e mulheres do povo. O Clube da Esquina encontra-se com o modernismo e, portanto, acompanha a tendência da música popular brasileira a partir da década de 50. Dentre os poetas mais citados nos depoimentos e entrevistas, podem ser destacados João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Tendo em vista a dimensão social das composições do Clube da Esquina, não seria estranho pensar nessas influências literárias. Na prosa, o mais citado foi Guimarães Rosa. A dimensão universalista que esteve presente no Clube da Esquina está presente neste romancista e também em Drummond. Mas existe uma tradição literária em Minas Gerais? Bem, este já é um tema para ser estudado com mais profundidade e em outra oportunidade.

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SUMMARY

This study has as an objective analyse a cultural movement named Clube da Esquina seeking to understand how the categories modernity and tradition are inseparable in the musics of the movement. We have searched to comprehend the process of how Clube da Esquina was created in Belo Horizonte, relating the movement with the Revolutionary Romantic thought which was hegemonic during the Cultural movements in the 60 th decade. On the another hand, we have searched to comprehend how the members of the group treat the conception of the collective memory. The ransom of the popular culture is a link among the members as well as it relates the revolutionary context at issue. The movement has created an innovating language of music and it restores the discussion of the function of art in Brazil. Finally, this work aspires to indicate the approximation of Clube da Esquina with other cultural movements as well as with the modernist poetry in Brazil

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Depoimentos BRANT, Fernando. Depoimento [1-5-2001]. Entrevistador: Lucília de Almeida Neves e Luiz Otávio Corrêa, 2001. 1 fita cassete (90 min.). HISTÓRIA DA MÚSICA EM BELO HORIZONTE: Debate [abril, 2001]. Belo Horizonte: Centro de Referência Áudio-Visual, 2001. 1 fita cassete (90 min.) HORTA, Toninho: Depoimento [22-5-2001]. Entrevistador: Luiz Otávio Corrêa. Belo Horizonte, 2001. 1 fita cassete (90 min.). MOURA, Tavinho: Depoimento [19-4-2001]. Entrevistador: Luiz Otávio Corrêa. Belo Horizonte, 2001. 1 fita cassete (90 min.).

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152 http://www. flavioventurine.com.br. http://www.wagnertiso.com.br. http://www.metalink.com.br./cultura/fernandobrant/ http://www.homenagem14bis.hp..com.br/ http://www.wilsonlopes.cjb.net http://www.artbrasil.art.br./instrumental_agosto/ http://www.geocities.com.southbeach/5714/festivais.html http://www.cafemusic.com.br/generosmusicais.cfm. http://www.clubedaesquina.hp..com.br/# http://www.uol.com.br/uptodate/500/1971/html http://www.mpb.net.com.br/musicos/betoguedes/

153

ANEXOS

154 ANEXO 1 - Músicos que participaram do álbum Clube da Esquina 2 Artistas Artistas nacionalmente Chico Buarque reconhecidos que Francis Hime participaram do Álbum. Paulo Jobim Danilo Caymmi Luís Gonzaga Júnior César Camargo Mariano Elis Regina Novelli

Músicas Cancion Por La Unidade Latino Americana; Léo

Cancion Por La Unidade Latino Americana; Nascente; Tanto Olho d‟água; Canoa Canoa; Paixão e fé. Paixão e Fé, Meu Menino O que foi feito de Vera O que foi feito de Vera O que foi feito de Vera Nascente; Paixão e Fé; Olho d‟água; Canoa Canoa; Mistérios; Pão e Água; E daí; Cancion por la Unidad Latino americana; Dona Olímpia; Testamento; Léo; Meu Menino; Toshiro; Que bom, amigo. Ruy Guerra E daí. Paullete (Macarrão); Vilma; Credo Coro. Margareth; Mônica; Dionísio; Lulu; No encarte do Fió; Cecília; Cristian;, Mona;, disco não Ernesto; Cristina, Hulk; Nena; constam os sobrenomes das Murilo; Taninha; Carlinha; Eiras, pessoas do coro. Haroldo; Rafa; Totô; Ronaldo; Muitas vezes são Márcia; Claus; Vicente; Pepê; Toninho; Jorge; identificados pelo Silvinho; Pernanbuco; Tuto; Cafi e Loca. apelido. Rutinha; Maria; Corininha; Tânia; Casamiento de Negros Coro Vilma; Cecília; Fernando; Ingrid; Nelly; Isaurinha; Oliveira; Loca; Cafi; Keller; Gisele; Wagner; Carmem; Suzana; Georgina; Samira; Robert Jose Renato; Fran; Fernando (irmão); Bebeto; Mané; Fritz; Nina; Ernesto; Haroldo; Guidinho; Cássio; Ttoddy; Mudrik; Marden; Totô; Luck Boy; Tonho; Denise; Pantera (Passarinho); Lucy; Novelli; Marcinho; Lô; Telo; Nelsinho; Toninho Horta; Miúcha; Ana Terra; Oscar; Telma Costa; Los Gringos; Nano; Johnny; Sônia; Paullete; Cristiane Bee; Dênis. Grupo Tacuabê Casamientos dos negros Grupos participantes Canarinhos de Petrópolis Olho d‟água; Paixão e fé. (Regência de Frei José Luís) Tavinho Moura Paixão e Fé. Núcleo mineiro Nelson Ângelo Credo; Nascente; Paixão e Fé; Cancion por La Unidad Latino Americana; Tanto; Testamento; Meu menino; Toshiro; Reis e Rainhas do Maracatu; Credo; Nascente; Paixão e Fé; Canoa, Canoa;E daí. Telo Borges Ruas da cidade; Maria Maria Flávio Venturini Nascente; Maria Maria Nenê Nascente; Olho d‟água; Canoa; Canoa; Pão e água; Cancion por La Unidad Latino Americana; Tanto; Dona Olímpia; Testamento; Léo; Toshiro; Que Bom; Amigo Vermelho Maria Maria; Paixão e Fé

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