“Coesão identitária e diferenciação patrimonial no contexto dos turismos” Agustín Santana‐Talavera (
[email protected]) Instituto Universitário de Ciências Políticas e Sociais Univ. La Laguna (Tenerife, Espanha) (Tradução em português do texto: Santana‐Talavera, Agustín “Patrimonio cultural: ¿entre diferenciación y cohesión identitaria?” Em Tourismes, Patrimoines, Identités, Territoires. pp. 23 ‐ 33. Presses Universitaires de Perpignan, 2010. ISBN 978‐2‐35412‐059‐7) No decorrer dessas páginas não existe a pretensão em realizar um esforço de esclarecimento teórico ou metodológico, muito menos considerar as bases para uma pesquisa, nem sequer revisar sinteticamente as diferentes aproximações ao Patrimônio Cultural, à identidade ou ao turismo. Simplesmente irei questionar e questionar‐me em algumas afirmações, para usá‐las, observar por quem são utilizadas e se são válidas. O único objetivo é fomentar o debate, contradizer o marco ou simplesmente refletir sobre as ideias já expressas e aprender em forma de ensaio. Para muitos, chegou o momento em que os cidadãos do Ocidente, os quais possuem os meios necessários para configurar seu ócio como necessidade, podem encontrar experiências, emoções, memórias ainda não vividas através do consumo, da admiração, da apropriação simbólica de paisagens selvagens ou primitivas e de manifestações culturais, todos na medida da configuração estética demandada. Consumidos pela crise econômica global, pela aparente confusão de identidades, presos nos discursos da multiculturalidade real ou fingida, a materialização do direito de viajar e as férias fora da área do cotidiano se torna indispensável. Desse modo então, o turismo foi incorporado à cultura das pessoas, olhando para a aldeia global, promovendo ameaças de perdas imediatas, concentrando‐se no localismo e se opondo a hibridação cultural. Tudo isso, na combinação de ideias, de essências e relações materiais, de significados e estruturas fundidas ao uníssono. Esse sentido da não existência de uma identidade absoluta é indiscutível e aceito pela maioria dos não essencialistas da cultura, pelas identidades sociais e pelo patrimônio que serve e justifica a mudança. A identidade é a filha de seu tempo histórico, de seus narradores e deve ser sempre contextualizada. O interessante é descobrir como ela e suas referências patrimoniais são afetadas pela globalização e pelo turismo. Deve‐se descobrir o que é e o que não é patrimônio, incluindo o que é e o que não constitui o conjunto de elementos de uma cultura que podem chegar a identificar os membros (e consequentemente aos não membros). Mais uma vez, será interessante descobrir, através de estudos de caso, quais são as múltiplas variáveis que afetam as decisões; como eles se relacionam entre si; quais delas faz bem colocar um valor social e porque não econômico. As respostas a estas questões devem contribuir para uma melhor compreensão das situações de mudanças e conflitos de negociação intra e intercultural, dos processos de geração e aplicação com os 'outros' de normas estereotipadas. Enquanto isso, a partir da objetividade literária do éden, historicamente presente e quase universal uma vez sonhado e contado como jardim, camaleônico Olimpo cultural adaptante e adaptável aos rigores e rumores de cada sociedade e momento histórico, encontra‐se hoje invadido, cheio de redes de descanso, de pessoas que olham como atores e câmeras fotográficas que mostram e lembram‐se do caminho imortalizado. Nem a guerra nem fome, nem ansiedade reprodutiva moveu a humanidade como fez a atividade turística, nem a melhor literatura romântica pensou na enorme variedade de sonhos, crenças, mas ou menos filtradas que fizeram a outra parte do paraíso particular, quase um para cada turista e para cada um daqueles que gostaria de ser turistas. Mas também para cada um daqueles que desejam ou dependem da visita desses seres de limbo cultural que se encontram no consumo turístico. 1
O que os une, o que os separa? A suposição, contextualizada historicamente de elementos específicos de uma cultura através da experiência cotidiana e social, assumidas coletivamente, sintetiza‐se no que alguns chamam de patrimônio cultural, de síntese simbólica de valores identitários e do nó que ata à sociedade com o seu ambiente (Casasola, 1990). Apreendemos aqui como eixo identitário, mas não é tão simples. Como os indivíduos chegam a gerenciar e reproduzir é além da simples escolha consciente. O patrimônio não é um bem hereditário, embora em muitas ocasiões seja confundida como herança cultural. Sustenta‐se a partir de gerações anteriores e está prestes a serem transmitidos para as gerações futuras com itens culturais que a comunidade com acesso a informações consideram sociopoliticamente corretos. Esquece e afasta de tudo que não o seja, tudo que não se ajuste aos interesses do tempo vivido. No final, sempre será recuperado, de maneira não física, mas sim como recordação, tudo o que foi deixado para trás (Santana Talavera, 2006). É possível aceitar que os sistemas e processos gerados pela atividade humana e os decorrentes da natureza que nos rodeia, são mais tíbios, mais dinâmicos, mais abertos, às vezes mais vivos, que a frigidez simplificada em sua análise, que as vivisseções que fazemos, que estudamos, que pretendemos conhecer e em certa medida prevê‐los. As classificações e tipologias, cuja essência citou os cientistas sociais das taxonomias naturalistas, devem ser entendidas exclusivamente como formas e meios para começar a ver as pequenas e grandes mudanças, os movimentos e os efeitos de e sobre nossos objetos de estudo, raramente causados não só por um único fator variável ou elemento. A antropologia tem no contexto a consideração da disciplina holística, tais como teologia, mas também na redescoberta e complexidade dos objetos e sujeitos que estudamos e negamos a princípio e cada vez mais, deixando tal holismo reduzido a mero enunciado introdutório. A subdivisão filha de movimento taxonômico, geralmente é feito por conveniência, por vezes acadêmica e outras não menos importante ao interesse pessoal do pesquisador. Neste contexto as separações são inseridas, um tanto irracionais, como a subdivisão legal e mental do patrimônio por áreas de interesse acadêmico vigilante ou econômico. Seguindo as diretrizes das tradições nacionais a este respeito, fala‐se do patrimônio documental, histórico, artístico, arqueológico, etnográfico ou etnológico, natural, etc. E só recentemente começam a vislumbrar novos termos como Patrimônio Cultural. Não vemos com o que fomos aculturados? Para o bem ou para o mal os seres humanos são o que são através das culturas, cada um com sua cultura e mais ou menos abertos a possíveis relações com outras. A cultura motriz é mais que o seu reflexo material, são as relações, os conhecimentos, os estreitos canais da vizinhança e do parentesco e muitos não são unicamente afetados pela presença do outro, do diferente e do estrangeiro. Assim são as estratégias produtivas, as esperanças no futuro de perto e de longe, o desejo de viver mais confortavelmente e imitar aqueles que podem gastar e aproveitar o tempo livre. Massivamente orientada para a identidade vivificadora, os grupos humanos fazem uma releitura dos recursos e ativos que compõem sua cultura, os seleciona, os agrupa, os impõe e caminha para sua própria regeneração, mais ou menos institucionalizada, protegida em longo prazo em uma dinâmica constante quase em espiral. O patrimônio é um conjunto integral, dissecados apenas para melhor compreensão, mas deve ser gestionado com uma visão harmoniosa e sem inclusões hierárquicas. Outra divisão aceita é a que corresponde a patrimônios tangíveis e intangíveis², na maneira de corpo e espírito, referindo ao patrimônio cultural e a própria cultura, observando tais entidades separadas de seu contexto, seus atores e atividades, com suas anomalias e regularidades. Os indivíduos interagem em meios complexos fornecidos, aos quais seus componentes materiais ou não, tangíveis ou não, são midiatizados pela cultura a partir do momento que um indivíduo percebe e se relaciona. O antropólogo, como qualquer outro cientista ou gestor social não está interessado em espiritualismo ou em coisas paranormais, 2
ele analisará as situações usando as ferramentas de campo e relações multidisciplinares relevantes, baseando seu estudo sempre em alguém, em um ou alguns sujeitos, que interpretam, percebem e operam sob a égide de uma cultura e / ou subcultura determinada, atendendo uma ou umas funções específicas e ostentando o status social também determinado. Através deles é que podemos observar o intangível ou imaterial. É com essa visão que o intangível ou imaterial se torna físico e não pode ser entendido fora dele. Caso contrário se não for referido nessa cultura ou subcultura e vivido por um ou alguns indivíduos, simplesmente não existe. Uma ideia, um ritual, um sistema de relações de parentesco, também de habitação, uma floresta ou uma catedral só são o que são através de seus atores, com diferentes lógicas e fontes de legitimação, envolvido em vários sistemas e processos, com poderosas capacidades para regular as necessidades e adaptações em mudança. Dessa forma se aceita implicitamente que o princípio fundamental do Patrimônio está ligado às necessidades ilustradas e românticas de fixar identidades, de diferenciar a uns e outros como um grupo, de fechar e delimitar territórios. Assim, os indivíduos se identificam através de seu pertencimento a um grupo cultural (às vezes étnico) dado. Isto é favorável, mas também permite estar ciente de um passado e de uma herança mais ou menos mítica e aparentemente imutável. O reconhecimento de um passado próprio estimula sua valorização não por um transito histórico em si, mas sim porque que o separa dos outros. Forja‐se assim uma fronteira, uma linha de fronteira imaginária que limita o pertencimento e rejeita os limites do desconhecido aos estrangeiros. Este princípio de precaução, além das características próprias, será o que forma a identidade por oposição desigual a outras identidades. A institucionalização das coincidências em relação aos desiguais denotam a preservação e salvaguarda de seus identificadores, manifestos através de práticas culturais e muito mais especificamente na caracterização da aparência estática e neutra de seu patrimônio. Este de novo passa formar algo próprio do grupo comum. Uma fronteira de diferenças frente ao outro. Contudo, nem a linha traçada é contínua, nem o olhar do estrangeiro é de nenhuma maneira padrão³. O Patrimônio não está esperando para ser descoberto, mas passa a constituir como tal por uma série de ações (Kirshenblatt‐Gimblett, 1998) de processos de grupo de construção sociocultural, e, portanto, sujeita às flutuações de sua forma e conteúdo. A fronteira se torna um espaço de conflito (García Canclini, 1999) na luta silenciosa de poderes, em que alguns grupos se tornam visíveis e outros anônimos. A simples ideia de seleção de recursos ou marcos do passado envolve o silêncio de alguns grupos sobre outros, promove a memória e o esquecimento, e ainda existem exceções envolvendo sistemas de verticalização consciente na tomada de decisão. Todas as sociedades tentam passar inadvertidamente pelo o que foi patrimônio e hoje são incomodo, por atrasos do passado que obscurecem os interesses do presente, por divisões internas que mostram a falta de homogeneidade estática. Precisamente é de certa qualidade discriminatória que se nutrem as estratégias de patrimonialização mais comum: a recuperação ______________________________________ ²Ver a Convenção para a Salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, aprovada em 2003 pela UNESCO (disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540s.pdf) e a convenção sobre a proteção de patrimônio mundial, cultural e natural (disponível em http://whc.unesco.org/archive/convention-es.pdf). Último acesso 2008/01/03. ³O conceito de estrangeirice, de alteridade, só pode ser explicado a partir da existência de uma figura oposta: a de identidade (...) o resultado de inscrições familiares, sociais e históricas (Blank-Cerejido e Yankelevich, 2003), impossível de estabelecer em curtos episódios temporais. O outro, sob a figura do turista ou de cooperação (exceto raras exceções) parte do grupo identitário, que protege como tal e procura sua reprodução. 3
nostálgica, que adoça o esforço e sofrimento, exaltando os valores que são considerados destacáveis, pela revindicação de direitos que glorifica princípios étnicos ou territoriais, pela alegoria romântica, ecológica ou aventureira que facilita o acesso a todos. Delas emanam significantes diversos, simbolismos para destinatários concretos, representações específicas que atendam as necessidades delimitadas expressamente. São aqueles valores de uso do patrimônio vistos diariamente, aos quais são vantagens políticas, serviço identitario e a exploração empresarial‐institucional. Em todos são identificáveis uma gestão do patrimônio como fronteira, mas dependendo do momento e do requerimento estará mais ou menos influenciado por planos de marketing (Schouten, 1995) e bloqueará o estranho. A transgressão de fronteiras: globalização e turismo. Em um momento de dificuldade nas motivações para a viagem, justo quando a massa de potenciais de turistas começou a ficar preocupado e sobrecarregado pelos problemas ambientais, pela perda de seres vivos e cultura, se populariza termos como intangível e a sustentabilidade, o multiculturalismo e o respeito. Cronologicamente situado no final dos anos 80 "(Relatório Brundtland" Nosso futuro comum “(1987)”) e no início dos anos 90 do século passado (Auge da Terra (Rio de Janeiro, 1992)), esta situação conduz a um conjunto de produtos que até então eram minoria como o ecoturismo, agro turismo, turismo cultural, turismo rural, turismo étnico, e geoturismo, etc. (Alguns dos trabalhos que desenvolveram a análise dessas formas turísticas são: Cater e Lowman, 1994; Chambers, 1997, Smith e Eadington, 1994, Smith e Brent, 2001). A nova segmentação de mercados, partindo de produtos mais ou menos concretos, aparentemente atendem as necessidades vivenciais dos indivíduos, suas preocupações socioambientais e contribuem para o sustento do ambiente e culturas. Esta resposta do sistema de turismo em conjunto, mostra o seu grande dinamismo e capacidade de adaptação, que acaba por introduzir e firmar o turismo como uma atividade para a conservação, a planificação e as estratégias dos territórios. Ela não só são voltadas a políticos, gestores, planejadores e empresariado de alguns argumentos socialmente aceitos, para justificar a exploração turística de áreas e populações que até o momento, estavam à margem da atividade ou totalmente dependente dela. Também se generaliza um conceito do turismo que se torna essencial nos planos de desenvolvimento na proteção do patrimônio e na comunicação entre os povos. Em suma, o sistema turístico mostra sua extrema eficácia, sua capacidade de agir de maneira inovadora como negócio e por que não como um motor do desenvolvimento econômico gerador de necessidades e de paliativo de consciências coletivas entristecidas. O recurso inclui um mito de retomada do bom selvagem, que agora abriga o indígena, o agricultor, o artesão, o pescador, as sociedades pastoris desafiando as imaginações coletivas. Em paralelo a exploração, a industrialização em declínio, as artes, os monumentos, as cidades e as praias ainda podem ser exploradas fazendo compatível o modelo de sustentabilidade. Isto é possível porque o moderno turismo de massa rejuvenescido com a adição de versões ad hoc da natureza, da cultura e da experiência como atividades complementares, é capaz de suportar o peso econômico ainda mostrando a rentabilidade para os operadores e Estados turisticamente dependentes. No entanto, o eixo maior de grande parte da inovação turística move sobre a possibilidade de apresentação, esteticamente correta e suficientemente acessível, de estilos de vida “tradicionais" e "identidades" que se manifestam através das práticas cotidianas em ambientes equilibrados (uma funcionalidade diferente para a dicotomia tangível‐intangível). 4
Útil para uns e outros, a motivação experiência‐cultural, promovida com grandes investimentos diretos e indiretos na imagem e campanhas de marketing, favoreceu a incorporação da atividade turística a micro‐planos de desenvolvimento para as áreas deprimidas. Departamentos institucionais, agências não governamentais e fundações (muitas delas ligadas a grandes corporações bancárias) se verteram globalmente com propostas de geração de micro‐destinos, pequenos e respeitáveis produtos, que tentam ouvir as vozes dos afetados, gestionar conjuntamente, colocar limites em certos desenvolvimentos, etc, mas sem perder de vista que devem ser mostrados e adaptados para obter a aprovação de uma clientela supostamente ávida pelo contato com outras culturas e estilos de vida. Tal é a importância dada à "experiência" do visitante como uma medida de sucesso, que a Carta Internacional sobre o Turismo Cultural, aprovada pelo ICOMOS em 1999 em seu terceiro principio, indica que “o planejamento da conservação e do turismo em lugares com Patrimônio, deveria garantir que a experiência do Visitante seja útil, satisfatória e agradável”. São essas práticas culturais particulares e as condições materiais em que se exercem que concedem o dom de ser atraente. O conjunto reproduzível como produtos consumíveis por sua espetacular idade, exotismo diferencial, refresco das mentes, rotina turística ou pelo simples prestígio que dar o mostrar que "esteve lá", constitui em grande medida o patrimônio compartilhado com os outros, o patrimônio exitoso e com maiores possibilidades de ser transmitido às gerações futuras. No final, um processo de produção cultural que leva a um produto que pela forma de apresentação e consumo conduz a um novo processo cultural. As seleções de mercado levadas nos planos de ação ao patrimônio cultural passam a se tornar as próprias pessoas que determinarão qual tipo de abertura, de fronteiras culturais sejam estabelecidas. As opções se movem em um lado cujas extremidades estão entre mantê‐ los abrindo‐os para o uso recriacional das novas formas de turismo de massa (democratizar seu consumo) e mantê‐los com o uso recriacional de um turismo minoritário e capaz de pagar somas elevadas (o protegido para o desfrute das elites socioeconômicas). Tem que reconhecer que em ambos os casos concorrem formas de apropriação do bem comercializado (o patrimônio e por extensão a identidade), também em grau variável, para sua utilização estética, experimental e em alguns casos cultural (Urry, 1992), separando os ecossistemas ‐em sentido amplo‐ da reprodução primária e ligando‐os diretamente a seu consumo com bens e serviços associados4. Paradoxalmente pode ser visto como o local ou o feito patrimonial varia de significado e expressão dependendo do tipo de turista que considera como objeto, de sua proximidade e seu interesse, suas expectativas e demandas concretas. Entende‐se que a aculturação produzirá sempre que exista um encontro5 entre duas culturas e que esta será maior quanto mais pressão exerça uma sobre a outra (não limitada exclusivamente pelo número de indivíduos, mas também pelo poder que se manifestam sobre o outro). Este processo em ocasiões se torna irreversível, com transtornos patrimoniais e com distúrbios nas identidades coletivas "tradicionais". A bolha se rompe, mas o recurso turístico pode prevalecer. É importante considerar o direito destes outros, o moderno nobre selvagem usado como um _______________________________________ 4 É comum encontrar modelos de uso turístico que se refere à atividade complementar às atividades produtivas tradicionais, mas o que serão relegadas estacionalmente e em mais ocasiões que a desejável acaba sendo mantidas somente como parte do cenário. 5 Os encontros turísticos, a combinação direta e indireta dos grupos participantes no sistema(analisados entre outros por (Brunt e Courtney, 1999, Long e Wall, 1993; Pizam, Uriely et al, 2000.; Ratz, 2001; Reisinger, 1994, Stanton e Aislabie, 1992; Sweeney, 1996; Tierney, Dahl et al, 2001.; Wheeller, 1994) caracterizam-se, em suma, por sua tendência para a relação comercial, em que a pessoa-turista é visto mais como um recurso econômico, um fornecedor de bens, que como o visitante em sentido estrito. 5
recurso turístico, apesar das mudanças que o espetáculo de sua cultura e ambiente pode ter, para conseguir melhorar sua qualidade de vida (Santana Talavera, 2004). Torna‐se vulnerável, quase uma ofensa, tanto o essencialismo cultural como o conservadorismo se resultam porque se priorizam os atores (tema da identidade) o patrimônio (objeto de identidade), mas também é possível interpretá‐lo como uma volta nas periferias que cedem à pressão do centro, das economias domésticas que se dobram as pressões da economia global. São os comportamentos, no fim de tudo, que poderia degradar e subverter o patrimônio cultural ou exaltá‐lo a posições nunca vistas antes na história da humanidade. Precisamente por esta razão, existem instituições dedicadas à preservação patrimonial, as leis que promovam limitações e modos de utilização, campanhas de conscientização de importância social e cultural para manter esse legado. Mas também consagradas a sua comunicação, a transmissão de uns (locais) para os outros (não residentes locais e turistas), e volta a favorecer novamente a possibilidade comercial. Tudo indica que a mercantilizarão torna‐se um processo de apropriação metafórica pelas instituições, organizações ou empresas (locais ou estrangeiros) que se vê favorecido quanto mais distante são da propriedade da população local. Por isso os agentes responsáveis pela sua reativação (ou valorização econômica) não encontraram espaços de conflito mínimos, para adornar e reinventar alguns conteúdos atrativos para seus demandantes. Do estilo de camponeses rurais com conhecimento além do território, histórias de amor, heróis, atlas, momentos épicos, renúncias à modernidade, ou qualquer outra ideia sedutora do momento. Apenas uma seleção certa de características exóticas ou chamativas, de convívio propicia a muita imaginação mais ou menos coerente e outros de fundos de investimento (geralmente públicos). Em comparação com outras ativações patrimoniais, de modo a colocar em valor um bem ou um conjunto de bens com fim e destinatários determinados, o uso turístico desse recurso que conhecemos como patrimônio cultural, destaca por isso, pela facilidade de seleção e combinação dos elementos de um grande estoque, com o objetivo de obter um produto facilmente aceitável pelo mercado. Uma boa interpretação esta baseada em conexões realizadas com ideias e experiências que sejam familiares e sobre o aumento da curiosidade dos visitantes (Schouten, 1995). O produto, este pacote de componentes tangíveis e intangíveis percebidos como uma experiência e disponível a uma mudança de valor (Middleton, 1994), ditarão em muitas ocasiões os elementos culturais ou agregados destes que se consideram dignos de representar a identidade simbólica, apagando em grande medida a memória de seu uso, ou valor de uso, que o fundamentava (Ake Nilsson, 2002). No entanto, à medida que são analisados alguns estudos de casos essenciais, torna‐se notório que o indivíduo local atualmente tem voz e capacidade de ação (com menor ou maior riqueza) diante do turismo. Enquanto os atores do sistema turístico se tornam parte ativa na manipulação de signos (Featherstone, 2000), produzindo, reproduzindo e consumindo, a modo de imitações intemporais, as formas culturais que são consideradas em efeito patrimonializadas. Os bons produtores destes serviços simbólicos, do produto turístico‐ patrimonial são verdadeiros intermediários culturais, capaz de entresecar do comum ao escasso (o maior, o menor, o único dentro de uma área geográfica de referência) com imagens e cenas, com detalhes e discursos mutáveis e adaptáveis aos consumidores. O visitante agora visto por muitos como post‐turistas (Galani‐Moutafi, 2000, Harkin, 1995, Jules‐Rosette, 1994; Nuryanti, 1996; intérpretes, 1995, Selwyn, 1990; Tucker, 2001; Wang, 1999), foram creditados com o aumento do seu papel ativo na criação de significado. Teria de ver quem oferece esses significados ou pelo menos as diretrizes básicas para inferi‐los ou gerar "de forma inovadora” estas novas versões de significados e usar em outras áreas. A originalidade não é exatamente o que prevalece nos destinos turísticos, sejam estes culturais ou de massa ou de qualquer outro tipo. O grau em que esta geração contínua de significados afeta as identidades locais, o fim sempre presente no encontro turístico, poderá por vezes nos fazer pensar que a identidade dos povos ou turistizados ou por turistizar deveria ser estudada 6
desde a ótica do consumo. Mas também neste sentido deve‐se considerar que toda tentativa de criar e recriar produtos com base na "localização", no original, é uma tentativa de impor a autoimagem, ou retardar a assimilação do outro em uma espécie de processo de tensões e imposições entre os diferentes atores. A atividade turística propícia ao turista uma forma de consumo transitório, efêmero, em que se prima pelo prazer de sentir mais do que a própria apropriação de bens e serviços. Assim que os estudos de eficiência ecológica têm chamado de “transumo”6 contrasta com o ponto de vista dos moradores em geral e da população local em particular, que observam como se dá uma apropriação de bens, territórios e serviços através da alta frequência daqueles transumos. Considerar a apropriação a partir dessa perspectiva renovada facilita a aproximação ao que chamamos de apropriação estética, na promoção e venda de performances patrimoniais e meio ambientais (Leslie, 2007) que são enquadradas no conjunto de sentimentos e experiências que parecem centrar a nova produção turística, e o por quê de seus efeitos sobre as populações anfitriãs. Pode‐se pagar o preço, o sistema pode chegar a atingir o fantástico, o sonho impossível, o desejo da alternativa. Um processo que promove e incentiva a individualidade e a criatividade interpretativa, embora nele o patrimônio se torne uma alegoria da cultura, inseparavelmente ligado a ele, mas com o nível suficiente de abstração para permitir uma imagem, discurso e significado não estável. Este é o único sentido para termo “patrimônio turístico" ultimamente na moda. No final, todo o patrimônio é socialmente produzido e todas as tradições são potencialmente consumíveis (AlSayyad, 2001). Conclusões O patrimônio cultural, homenageado como um complemento no nirvana dos produtos turísticos majoritários, quando não constitutivo da própria corte celestial, se mostra seletivo, mutável e sujeito a terremotos na sociedade ocidental, isto é, baseado em características culturais e suas materializações são socialmente processadas através dos mitos contemporâneos‐ou as leituras renovadas de mitos clássicos‐, as ideologias, os nacionalismos que enaltecem o orgulho local e os interesses do mercado. Estes filtros ligados necessariamente com a formação‐recriação das identidades, mas também com a educação, a política, a economia e o desfrute do tempo de lazer, permitindo, entre outras coisas, o salto a partir dos elementos puramente cultural para a produção de bens culturais, que foram denominados de produtos turístico‐culturais. Que esta comercialização do patrimônio cultural tem suas consequências isso é inegável, e os relatórios de pesquisas mostram claramente que os custos e os impactos tanto da chegada quanto do cessamento no fluxo de turistas. Mas tudo indica que em conjunto, os residentes expressam atitudes positivas sobre ele (Andereck e Vogt, 2000; Menning, 1995) estando disposto a suportar o componente que os analistas consideram negativos. Assim, a baixa qualidade do trabalho, o aumento do custo de vida e competição por serviços compartilhados com os turistas, seriam os custos mais óbvios para o residente, que ficam sobrepostos pelo progresso econômico, por mais ridículo que possa parecer a um observador estrangeiro que traz turistas para a população receptora. As alterações nos padrões culturais, valores, cultura material, etc. são sobrepostos e só ocasionalmente em épocas de escassez de turista ou em conflitos sociais, são ansiados e / ou reconstruídos. ___________________________________ 6 Daly (1980) acredita que transumo é o fluxo físico entrópico de matéria e energia a partir de fontes naturais que atravessam a economia humana e regressam aos sumidouros da natureza. Uma minimização destes maximizará a eficiência ecológica. 7
Finalmente, eu gostaria de dizer sem dúvida que o turismo é algo maravilhoso, que o Patrimônio Cultural que une os povos, que as fronteiras são apenas linhas no papel e que o multiculturalismo é fácil. Mas quando se observa as múltiplas realidades que nos cercam, quando se leem centenas de estudos de casos que estão disponíveis hoje, o conto de fadas fica apenas como um reflexo literário. O turismo é um negócio e dependerá de sua gestão para que os efeitos gerados sejam mais ou menos propícios para os atores em cena. O patrimônio sobe aos altares da sociedade porque realça as diferenças e liga a membros de um determinado grupo, e é através de sua utilização turística que se torna algo comum globalmente. No entanto, a relação simbiótica da atividade turística com o patrimônio tende a modificar este último, para se adaptar às demandas e até mesmo para reinterpretá‐lo nele as identidades que os ligam. Então, os que antes eram diferenças que hoje são separadas servem para tornar visível, para juntar‐se na metáfora da desigualdade própria de visitantes, não homogeneizados. Aquele paraíso Patrimonial, híbrido e mutante, apenas estático na memória, foi marcado pelo que poucos podem controlar, a moléstia que as pequenas ou grandes multidões causam às autenticidades. Ambos condicionados pela percepção individual e inseridos em uma carreira que parece forçar interdependência enquanto se aguardam respostas ainda não dadas. Referências citadas Ake Nilsson, Per 2002 "Staying on farm: An ideologial background". Annals of Tourism Research, 29(1): 7‐24. AlSayyad, Nezar (Ed.) 2001, Consuming tradition, manufacturing heritage: Global norms and urban forms in the age of tourism. London: Routledge. Andereck, K.L. y Vogt, C.A. 2000 "The relationship between residents' attitudes toward tourism and tourism development options". Journal of Travel Research, 39: 27‐36. Blank‐Cerejido, Fanny y Yankelevich, Pablo (Eds.), 2003, El otro, el extranjero. Buenos Aires, Ar.: Libros del Zorzal. Brunt, Paul y Courtney, Paul 1999 "Host perceptions of sociocultural impacts". Annals of Tourism Research, 26(3): 493‐ 515. Casasola, Luis 1990 Turismo y ambiente. México: Trillas. Cater, E. y Lowman, G. (Eds.), 1994, Ecotourism: A sustainable option? Chichester UK: John Wiley & Sons. Chambers, Erve (Ed.) 1997, Tourism and culture. An applied perspective. Albany, USA: State University of New York. Daly, Herman, E. 1980 "La economía en estado estacionario: hacia una economía política del equilíbrio biofísico y el crecimiento moral". En Daly, Herman, E. Economía, ecología, ética. Ensayos hacia una economía en estado estacionario México: Fondo de Cultura Económica. Featherstone, Mike 2000 Cultura de consumo y posmodernismo. Buenos Aires: Amorrortu. Galani‐Moutafi, V. 2000 "The self and the other ‐ Traveler, ethnographer, tourist". Annals of Tourism Research, 27(1): 203‐224. García Canclini, Néstor 1999 "Los usos sociales del Patrimonio Cultural". En VV.AA. Patrimonio etnológico. Nuevas perspectivas de estudio. (pp. 16‐33) Granada: Instituto Andaluz de Patrimonio Histórico. Consejería de Cultura. Junta de Andalucía. Editorial Comares. Harkin, Michael 1995 "Modernist anthropology and tourism of the authentic". Annals of Tourism Research, 22(3): 650‐670. Jules‐Rosette, Bennetta 1994 "Black Paris. Touristic simulations". Annals of Tourism Research, 21(4): 679‐700.
8
Kirshenblatt‐Gimblett, Barbara 1998 Destination culture: Tourism, museums, and heritage. Berkeley: University of California Press. Leslie, David 2007 "The missing component in the `greening' of tourism: The environmental performance of the self‐catering accommodation sector". International Journal of Hospitality Management, 26(2): 310‐322. Long, Veronica H. y Wall, Geoffrey 1993 "Balinese 'homestays': An indigenous response to tourism", 13th International Congress of Anthropological and Ethnological Sciences. Mexico. Menning, N.L. 1995 "Traffic and tourism in the Bitteroot: Tourism promotion, development, and management." Montana Business Quarterly, 33(2): 2‐7. Middelton, V.T.C. 1994 Marketing in travel and tourism. Londres: Butterworth. Nuryanti, W. 1996 "Heritage and postmodern tourism". Annals of Tourism Research, 23(2): 249‐260. Pizam, Abraham; Uriely, Natan y Reichel, Arie 2000 "The intensity of tourist‐host social relationship and its effects on satisfaction and change of attitudes: the case of working tourists in Israel". Tourism Management, 21:395‐406. Pretes, Michael 1995 "Postmodern tourism. The Santa Claus Industry". Annals of Tourism Research, 22(1): 1‐15. Rátz, Tamara 2001 "The socio‐cultural impacts of tourism". Budapest: Budapest University of Economic Sciences. Reisinger, Y. 1994 "Social contact between tourists and hosts of different cultural backgrounds". En Seaton, A.V. Tourism: State of art. (pp. 743‐754) London: Wiley. 10 Santana Talavera, Agustín 2004 "Antropologia del turisme cultural". En Munilla Cabrillana, Glòria. Patrimoni CulturalBarcelona: UOC. Santana Talavera, Agustín 2006 "Os olhos tambén comem: imagens do património para o turismo". En Peralta, Elsa y Anico, Marta. Patrimónios e Identidades. Ficçoes contemporâneasLisboa: Celta Editora. Schouten, Frans F.J. 1995 "Heritage as historical reality". En Herbert, David T. Heritage, tourism and society. (pp. 21‐31) London: Mansell Publishing. Tourism, Leisure & Recreation. Selwyn, Tom 1990 "Tourist brochures as post‐modern myths". Problems of tourism, 13(3‐4): 13‐25. Smith, V.L. y Eadington, W.R. (Eds.) 1994 Tourism alternatives: Potentials and problems in the development of tourism. Chichester UK: John Wiley & Sons. Smith, Valene L. y Brent, Maryann (Eds.), 2001, Hosts and guests revisited: Tourism issues of the 21st century. New York: Cognizant Communication. Stanton, John y Aislabie, Colin 1992 "Up‐market integrated resorts in Australia". Annals of Tourism Research, 19(3): 435‐ 449. Sweeney, Adrienne 1996 "Socio‐cultural impact between visitors and the local community". En Robinson, Mike; Evans, Nigel y Callaghan, Paul. Tourism and cultural change. (pp. 257‐280) Sunderland (Gran Bretaña): Centre for Travel and Tourism. Business Education Publisher. Tierney, Patrick T.; Dahl, Rene y Chavez, Deborah 2001 "Cultural diversity in use of undeveloped natural areas by Los Angeles county residents". Tourism Management, 22(3): 271‐277. 9
Tucker, H. 2001 "Tourists and troglodytes ‐ Negotiating for sustainability". Annals of Tourism Research, 28(4): 868‐891. Urry, J. 1992 "The tourist gaze and the 'environment'". Theory, Culture & Society, 9: 1‐26. Wang, Ning 1999 "Rethinking authenticity in tourism experience". Annals of Tourism Research, 26(2): 349‐370. Wheeller, B. 1994 "Egotourism, sustainable tourism and the environment ‐ a symbiotic, symbolic or shambolic relationship". En Seaton, A.V. Tourism. The state of the art. (pp. 647‐654) Chichester: John Wiley and Sons.
10