Coesão identitária e diferenciação patrimonial no contexto dos turismos

July 21, 2017 | Autor: Agustin Santana | Categoria: Cultural Heritage, Identity (Culture), Cultural Tourism
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“Coesão identitária e diferenciação patrimonial no contexto dos turismos”    Agustín Santana‐Talavera ([email protected])  Instituto Universitário de Ciências Políticas e Sociais  Univ. La Laguna (Tenerife, Espanha)    (Tradução  em  português  do  texto:  Santana‐Talavera,  Agustín  “Patrimonio  cultural:  ¿entre  diferenciación y cohesión identitaria?” Em Tourismes, Patrimoines, Identités, Territoires. pp. 23  ‐ 33. Presses Universitaires de Perpignan, 2010. ISBN 978‐2‐35412‐059‐7)              No  decorrer  dessas  páginas  não  existe  a  pretensão  em  realizar  um  esforço  de  esclarecimento teórico ou metodológico, muito menos considerar as bases para uma pesquisa,  nem  sequer  revisar  sinteticamente  as  diferentes  aproximações  ao  Patrimônio  Cultural,  à  identidade  ou  ao  turismo.  Simplesmente  irei  questionar  e  questionar‐me  em  algumas  afirmações, para usá‐las, observar por quem são utilizadas e se são válidas. O único objetivo é  fomentar o debate, contradizer o marco ou simplesmente refletir sobre as ideias já expressas e  aprender em forma de ensaio.            Para muitos, chegou o momento em que os cidadãos do Ocidente, os quais possuem os  meios necessários para configurar seu ócio como necessidade, podem encontrar experiências,  emoções,  memórias  ainda  não  vividas  através  do  consumo,  da  admiração,  da  apropriação  simbólica de paisagens selvagens ou primitivas e de manifestações culturais, todos na medida  da configuração estética demandada. Consumidos pela crise econômica global, pela aparente  confusão  de  identidades,  presos  nos  discursos  da  multiculturalidade  real  ou  fingida,  a  materialização do direito de viajar e as férias fora da área do cotidiano se torna indispensável.  Desse  modo  então,  o  turismo  foi  incorporado  à  cultura  das  pessoas,  olhando  para  a  aldeia  global, promovendo ameaças de perdas imediatas, concentrando‐se no localismo e se opondo  a hibridação cultural. Tudo isso, na combinação de ideias, de essências e relações materiais, de  significados e estruturas fundidas ao uníssono.           Esse  sentido  da  não  existência  de  uma  identidade  absoluta  é  indiscutível  e  aceito  pela  maioria  dos  não  essencialistas  da  cultura,  pelas  identidades  sociais  e  pelo  patrimônio  que  serve e justifica a mudança. A identidade é a filha de seu tempo histórico, de seus narradores e  deve  ser  sempre  contextualizada.  O  interessante  é  descobrir  como  ela  e  suas  referências  patrimoniais são afetadas pela globalização e pelo turismo. Deve‐se descobrir o que é e o que  não  é  patrimônio,  incluindo  o  que  é  e  o  que  não  constitui  o  conjunto  de  elementos  de  uma  cultura que podem chegar a identificar os membros (e consequentemente aos não membros).  Mais uma vez, será interessante descobrir, através de estudos de caso, quais são as múltiplas  variáveis que afetam as decisões; como eles se relacionam entre si; quais delas faz bem colocar  um valor social e porque não econômico. As respostas a estas questões devem contribuir para  uma  melhor  compreensão  das  situações  de  mudanças  e  conflitos  de  negociação  intra  e  intercultural, dos processos de geração e aplicação com os 'outros' de normas estereotipadas.          Enquanto isso, a partir da objetividade literária do éden, historicamente presente e quase  universal uma vez sonhado e contado como jardim, camaleônico Olimpo cultural adaptante e  adaptável  aos  rigores  e  rumores  de  cada  sociedade  e  momento  histórico,  encontra‐se  hoje  invadido,  cheio  de  redes  de  descanso,  de  pessoas  que  olham  como  atores  e  câmeras  fotográficas  que  mostram  e  lembram‐se  do  caminho  imortalizado.  Nem  a  guerra  nem  fome,  nem ansiedade reprodutiva moveu a humanidade como fez a atividade turística, nem a melhor  literatura romântica pensou na enorme variedade de sonhos, crenças, mas ou menos filtradas  que  fizeram  a  outra  parte  do  paraíso  particular,  quase  um  para  cada  turista  e  para  cada  um  daqueles  que  gostaria  de  ser  turistas.  Mas  também  para  cada  um  daqueles  que  desejam  ou  dependem da visita desses seres de limbo cultural que se encontram no consumo turístico.      1   

O que os une, o que os separa?           A  suposição,  contextualizada  historicamente  de  elementos  específicos  de  uma  cultura  através da experiência cotidiana e social, assumidas coletivamente, sintetiza‐se no que alguns  chamam de patrimônio cultural, de síntese simbólica de valores identitários e do nó que ata à  sociedade com o seu ambiente (Casasola, 1990). Apreendemos aqui como eixo identitário, mas  não  é  tão  simples.  Como  os  indivíduos  chegam  a  gerenciar  e  reproduzir  é  além  da  simples  escolha consciente. O patrimônio não é um bem hereditário, embora em muitas ocasiões seja  confundida como herança cultural. Sustenta‐se a partir de gerações anteriores e está prestes a  serem transmitidos para as gerações futuras com itens culturais que a comunidade com acesso  a  informações  consideram  sociopoliticamente  corretos.  Esquece  e  afasta  de  tudo  que  não  o  seja, tudo que não se ajuste aos interesses do tempo vivido. No final, sempre será recuperado,  de  maneira  não  física,  mas  sim  como  recordação,  tudo  o  que  foi  deixado  para  trás  (Santana  Talavera, 2006).           É  possível  aceitar  que  os  sistemas  e  processos  gerados  pela  atividade  humana  e  os  decorrentes  da  natureza  que  nos  rodeia,  são  mais  tíbios,  mais  dinâmicos,  mais  abertos,  às  vezes mais vivos, que a frigidez simplificada em sua análise, que as vivisseções que fazemos,  que estudamos, que pretendemos conhecer e em certa medida prevê‐los. As classificações e  tipologias,  cuja  essência  citou  os  cientistas  sociais  das  taxonomias  naturalistas,  devem  ser  entendidas exclusivamente como formas e meios para começar a ver as pequenas e grandes  mudanças,  os  movimentos  e  os  efeitos  de  e  sobre  nossos  objetos  de  estudo,  raramente  causados não só por um único fator variável ou elemento. A antropologia tem no contexto a  consideração  da  disciplina  holística,  tais  como  teologia,  mas  também  na  redescoberta  e  complexidade  dos  objetos  e  sujeitos  que  estudamos  e  negamos  a  princípio  e  cada  vez  mais,  deixando  tal  holismo  reduzido  a  mero  enunciado  introdutório.  A  subdivisão  filha  de  movimento  taxonômico,  geralmente  é  feito  por  conveniência,  por  vezes  acadêmica  e  outras  não menos importante ao interesse pessoal do pesquisador.               Neste  contexto  as  separações  são  inseridas,  um  tanto  irracionais,  como  a  subdivisão  legal  e  mental  do  patrimônio  por  áreas  de  interesse  acadêmico  vigilante  ou  econômico.  Seguindo  as  diretrizes  das  tradições  nacionais  a  este  respeito,  fala‐se  do  patrimônio  documental,  histórico,  artístico,  arqueológico,  etnográfico  ou  etnológico,  natural,  etc.  E  só  recentemente  começam  a  vislumbrar  novos  termos  como  Patrimônio  Cultural.  Não  vemos  com  o  que  fomos  aculturados?  Para  o  bem  ou  para  o  mal  os  seres  humanos  são  o  que  são  através das culturas, cada um com sua cultura e mais ou menos abertos a possíveis relações  com  outras.    A  cultura  motriz  é  mais  que  o  seu  reflexo  material,  são  as  relações,  os  conhecimentos,  os  estreitos  canais  da  vizinhança  e  do  parentesco  e  muitos  não  são  unicamente  afetados  pela  presença  do  outro,  do  diferente  e  do  estrangeiro.  Assim  são  as  estratégias  produtivas,  as  esperanças  no  futuro  de  perto  e  de  longe,  o  desejo  de  viver  mais  confortavelmente  e  imitar  aqueles  que  podem  gastar  e  aproveitar  o  tempo  livre.  Massivamente  orientada  para  a  identidade  vivificadora,  os  grupos  humanos  fazem  uma  releitura dos recursos e ativos que compõem sua cultura, os seleciona, os agrupa, os impõe e  caminha para sua própria regeneração, mais ou menos institucionalizada, protegida em longo  prazo  em  uma  dinâmica  constante  quase  em  espiral.  O  patrimônio  é  um  conjunto  integral,  dissecados  apenas  para  melhor  compreensão,  mas  deve  ser  gestionado  com  uma  visão  harmoniosa e sem inclusões hierárquicas.           Outra  divisão  aceita  é  a  que  corresponde  a  patrimônios  tangíveis  e  intangíveis²,  na  maneira de corpo e espírito, referindo ao patrimônio cultural e a própria cultura, observando  tais  entidades  separadas  de  seu  contexto,  seus  atores  e  atividades,  com  suas  anomalias  e  regularidades.  Os  indivíduos  interagem  em  meios  complexos  fornecidos,  aos  quais  seus  componentes  materiais  ou  não,  tangíveis  ou  não,  são  midiatizados  pela  cultura  a  partir  do  momento  que  um  indivíduo  percebe  e  se  relaciona.  O  antropólogo,  como  qualquer  outro  cientista  ou  gestor  social  não  está  interessado  em  espiritualismo  ou  em  coisas  paranormais,  2   

ele  analisará  as  situações  usando  as  ferramentas  de  campo  e  relações  multidisciplinares  relevantes,  baseando  seu  estudo  sempre  em  alguém,  em  um  ou  alguns  sujeitos,  que  interpretam, percebem e operam sob a égide de uma cultura e / ou subcultura determinada,  atendendo  uma  ou  umas  funções  específicas  e  ostentando  o  status  social  também  determinado.  Através  deles  é  que  podemos  observar  o  intangível  ou  imaterial.  É  com  essa  visão  que  o  intangível  ou  imaterial  se  torna  físico  e  não  pode  ser  entendido  fora  dele.  Caso  contrário se não for referido nessa cultura ou subcultura e vivido por um ou alguns indivíduos,  simplesmente  não  existe.  Uma  ideia,  um  ritual,  um  sistema  de  relações  de  parentesco,  também de habitação, uma floresta ou uma catedral só são o que são através de seus atores,  com diferentes lógicas e fontes de legitimação, envolvido em vários sistemas e processos, com  poderosas capacidades para regular as necessidades e adaptações em mudança.              Dessa  forma  se  aceita  implicitamente  que  o  princípio  fundamental  do  Patrimônio  está  ligado  às  necessidades  ilustradas  e  românticas  de  fixar  identidades,  de  diferenciar  a  uns  e  outros  como  um  grupo,  de  fechar  e  delimitar  territórios.  Assim,  os  indivíduos  se  identificam  através de seu pertencimento a um grupo cultural (às vezes étnico) dado. Isto é favorável, mas  também  permite  estar  ciente  de  um  passado  e  de  uma  herança  mais  ou  menos  mítica  e  aparentemente imutável. O reconhecimento de um passado próprio estimula sua valorização  não por um transito histórico em si, mas sim porque que o separa dos outros.  Forja‐se assim  uma  fronteira,  uma  linha  de  fronteira  imaginária  que  limita  o  pertencimento  e  rejeita  os  limites do desconhecido aos estrangeiros. Este princípio de precaução, além das características  próprias, será o que forma a identidade por oposição desigual a outras identidades.          A institucionalização das coincidências em relação aos desiguais denotam a preservação e  salvaguarda  de  seus  identificadores,  manifestos  através  de  práticas  culturais  e  muito  mais  especificamente na caracterização da aparência estática e neutra de seu patrimônio. Este de  novo passa formar algo próprio do grupo comum. Uma fronteira de diferenças frente ao outro.  Contudo, nem a linha traçada é contínua, nem o olhar do estrangeiro é de nenhuma maneira  padrão³. O Patrimônio não está esperando para ser descoberto, mas passa a constituir como  tal por uma série de ações (Kirshenblatt‐Gimblett, 1998) de processos de grupo de construção  sociocultural, e, portanto, sujeita às flutuações de sua forma e conteúdo. A fronteira se torna  um  espaço  de  conflito  (García  Canclini,  1999)  na  luta  silenciosa  de  poderes,  em  que  alguns  grupos se tornam visíveis e outros anônimos. A simples ideia de seleção de recursos ou marcos  do  passado  envolve  o  silêncio  de  alguns  grupos  sobre  outros,  promove  a  memória  e  o  esquecimento, e ainda existem exceções envolvendo sistemas de verticalização consciente na  tomada de decisão.                 Todas as sociedades tentam passar inadvertidamente pelo o que foi patrimônio e hoje  são incomodo, por atrasos do passado que obscurecem os interesses do presente, por divisões  internas que mostram a falta de homogeneidade estática. Precisamente é de certa qualidade  discriminatória que se nutrem as estratégias de patrimonialização mais comum: a recuperação      ______________________________________  ²Ver a Convenção para a Salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, aprovada em 2003 pela UNESCO (disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540s.pdf) e a convenção sobre a proteção de patrimônio mundial, cultural e natural (disponível em http://whc.unesco.org/archive/convention-es.pdf). Último acesso 2008/01/03. ³O conceito de estrangeirice, de alteridade, só pode ser explicado a partir da existência de uma figura oposta: a de identidade (...) o resultado de inscrições familiares, sociais e históricas (Blank-Cerejido e Yankelevich, 2003), impossível de estabelecer em curtos episódios temporais. O outro, sob a figura do turista ou de cooperação (exceto raras exceções) parte do grupo identitário, que protege como tal e procura sua reprodução.              3   

    nostálgica,  que  adoça  o  esforço  e  sofrimento,  exaltando  os  valores  que  são  considerados  destacáveis,  pela  revindicação  de  direitos  que  glorifica  princípios  étnicos  ou  territoriais,  pela  alegoria  romântica,  ecológica  ou  aventureira  que  facilita  o  acesso  a  todos.  Delas  emanam  significantes  diversos,  simbolismos  para  destinatários  concretos,  representações  específicas  que  atendam  as  necessidades  delimitadas  expressamente.  São  aqueles  valores  de  uso  do  patrimônio  vistos  diariamente,  aos  quais  são  vantagens  políticas,  serviço  identitario  e  a  exploração empresarial‐institucional.           Em todos são identificáveis uma gestão do patrimônio como fronteira, mas dependendo  do momento e do requerimento estará mais ou menos influenciado por planos de marketing  (Schouten, 1995) e bloqueará o estranho.       A transgressão de fronteiras: globalização e turismo.              Em um momento de dificuldade nas motivações para a viagem, justo quando a massa de  potenciais  de  turistas  começou  a  ficar  preocupado  e  sobrecarregado  pelos  problemas  ambientais,  pela  perda  de  seres  vivos  e  cultura,  se  populariza  termos  como  intangível  e  a  sustentabilidade, o multiculturalismo e o respeito. Cronologicamente situado no final dos anos  80  "(Relatório  Brundtland"  Nosso  futuro  comum  “(1987)”)  e  no  início  dos  anos  90  do  século  passado  (Auge  da  Terra  (Rio  de  Janeiro,  1992)),  esta  situação  conduz  a  um  conjunto  de  produtos  que  até  então  eram  minoria  como  o  ecoturismo,  agro  turismo,  turismo  cultural,  turismo  rural,  turismo  étnico,  e  geoturismo,  etc.  (Alguns  dos  trabalhos  que  desenvolveram  a  análise  dessas  formas  turísticas  são:  Cater  e  Lowman,  1994;  Chambers,  1997,  Smith  e  Eadington,  1994,  Smith  e  Brent,  2001).  A  nova  segmentação  de  mercados,  partindo  de  produtos  mais  ou  menos  concretos,  aparentemente  atendem  as  necessidades  vivenciais  dos  indivíduos,  suas  preocupações  socioambientais  e  contribuem  para  o  sustento  do  ambiente  e  culturas.           Esta  resposta  do  sistema  de  turismo  em  conjunto,  mostra  o  seu  grande  dinamismo  e  capacidade  de  adaptação,  que  acaba  por  introduzir  e  firmar  o  turismo  como  uma  atividade  para  a  conservação,  a  planificação  e  as  estratégias  dos  territórios.  Ela  não  só  são  voltadas  a  políticos,  gestores,  planejadores  e  empresariado  de  alguns  argumentos  socialmente  aceitos,  para  justificar  a  exploração  turística  de  áreas  e  populações  que  até  o  momento,  estavam  à  margem da atividade ou totalmente dependente dela. Também se generaliza um conceito do  turismo que se torna essencial nos planos de desenvolvimento na proteção do patrimônio e na  comunicação entre os povos.          Em  suma,  o  sistema  turístico  mostra  sua  extrema  eficácia,  sua  capacidade  de  agir  de  maneira  inovadora  como  negócio  e  por  que  não  como  um  motor  do  desenvolvimento  econômico gerador de necessidades e de paliativo de consciências coletivas entristecidas.          O recurso inclui um mito de retomada do bom selvagem, que agora abriga o indígena, o  agricultor, o artesão, o pescador, as sociedades pastoris desafiando as imaginações coletivas.  Em paralelo a exploração, a industrialização em declínio, as artes, os monumentos, as cidades  e as praias ainda podem ser exploradas fazendo compatível o modelo de sustentabilidade. Isto  é possível porque o moderno turismo de massa rejuvenescido com a adição de versões ad hoc  da  natureza,  da  cultura  e  da  experiência  como  atividades  complementares,  é  capaz  de  suportar  o  peso  econômico  ainda  mostrando  a  rentabilidade  para  os  operadores  e  Estados  turisticamente dependentes. No entanto, o eixo maior de grande parte da inovação turística  move  sobre  a  possibilidade  de  apresentação,  esteticamente  correta  e  suficientemente  acessível,  de  estilos  de  vida  “tradicionais"  e  "identidades"  que  se  manifestam  através  das  práticas cotidianas em ambientes equilibrados (uma funcionalidade diferente para a dicotomia  tangível‐intangível).   4   

     Útil  para  uns  e  outros,  a  motivação  experiência‐cultural,  promovida  com  grandes  investimentos  diretos  e  indiretos  na  imagem  e  campanhas  de  marketing,  favoreceu  a  incorporação  da  atividade  turística  a  micro‐planos  de  desenvolvimento  para  as  áreas  deprimidas. Departamentos institucionais, agências não governamentais e fundações (muitas  delas  ligadas  a  grandes  corporações  bancárias)  se  verteram  globalmente  com  propostas  de  geração de micro‐destinos, pequenos e respeitáveis produtos, que tentam ouvir as vozes dos  afetados, gestionar conjuntamente, colocar limites em certos desenvolvimentos, etc, mas sem  perder  de  vista  que  devem  ser  mostrados  e  adaptados  para  obter  a  aprovação  de  uma  clientela  supostamente  ávida  pelo  contato  com  outras  culturas  e  estilos  de  vida.  Tal  é  a  importância  dada  à  "experiência"  do  visitante  como  uma  medida  de  sucesso,  que  a  Carta  Internacional  sobre  o  Turismo  Cultural,  aprovada  pelo  ICOMOS  em  1999  em  seu  terceiro  principio,  indica  que  “o  planejamento  da  conservação  e  do  turismo  em  lugares  com  Patrimônio, deveria garantir que a experiência do Visitante seja útil, satisfatória e agradável”.        São essas práticas culturais particulares e as condições materiais em que se exercem que  concedem  o  dom  de  ser  atraente.  O  conjunto  reproduzível  como  produtos  consumíveis  por  sua  espetacular  idade,  exotismo  diferencial,  refresco  das  mentes,  rotina  turística  ou  pelo  simples prestígio que dar o mostrar que "esteve lá", constitui em grande medida o patrimônio  compartilhado  com  os  outros,  o  patrimônio  exitoso  e  com  maiores  possibilidades  de  ser  transmitido  às  gerações  futuras.  No  final,  um  processo  de  produção  cultural  que  leva  a  um  produto que pela forma de apresentação e consumo conduz a um novo processo cultural.        As  seleções  de  mercado  levadas  nos  planos  de  ação  ao  patrimônio  cultural  passam  a  se  tornar  as  próprias  pessoas  que  determinarão  qual  tipo  de  abertura,  de  fronteiras  culturais  sejam estabelecidas. As opções se movem em um lado cujas extremidades estão entre mantê‐ los  abrindo‐os  para  o  uso  recriacional  das  novas  formas  de  turismo  de  massa  (democratizar  seu consumo) e mantê‐los com o uso recriacional de um turismo minoritário e capaz de pagar  somas elevadas (o protegido para o desfrute das elites socioeconômicas). Tem que reconhecer  que  em  ambos  os  casos  concorrem  formas  de  apropriação  do  bem  comercializado  (o  patrimônio  e  por  extensão  a  identidade),  também  em  grau  variável,  para  sua  utilização  estética, experimental e em alguns casos cultural (Urry, 1992), separando os ecossistemas ‐em  sentido amplo‐ da reprodução primária e ligando‐os diretamente a seu consumo com bens e  serviços associados4.       Paradoxalmente  pode  ser  visto  como  o  local  ou  o  feito  patrimonial  varia  de  significado  e  expressão  dependendo  do  tipo  de  turista  que  considera  como  objeto,  de  sua  proximidade  e  seu  interesse,  suas  expectativas  e  demandas  concretas.  Entende‐se  que  a  aculturação  produzirá sempre que exista um encontro5 entre duas culturas e que esta será maior quanto  mais  pressão  exerça  uma  sobre  a  outra  (não  limitada  exclusivamente  pelo  número  de  indivíduos,  mas  também  pelo  poder  que  se  manifestam  sobre  o  outro).    Este  processo  em  ocasiões se torna irreversível, com transtornos patrimoniais e com distúrbios nas identidades  coletivas  "tradicionais".  A  bolha  se  rompe,  mas  o  recurso  turístico  pode  prevalecer.  É  importante considerar o direito destes outros, o moderno nobre selvagem usado como um       _______________________________________  4 É comum encontrar modelos de uso turístico que se refere à atividade complementar às atividades produtivas tradicionais, mas o que serão relegadas estacionalmente e em mais ocasiões que a desejável acaba sendo mantidas somente como parte do cenário. 5 Os encontros turísticos, a combinação direta e indireta dos grupos participantes no sistema(analisados entre outros por (Brunt e Courtney, 1999, Long e Wall, 1993; Pizam, Uriely et al, 2000.; Ratz, 2001; Reisinger, 1994, Stanton e Aislabie, 1992; Sweeney, 1996; Tierney, Dahl et al, 2001.; Wheeller, 1994) caracterizam-se, em suma, por sua tendência para a relação comercial, em que a pessoa-turista é visto mais como um recurso econômico, um fornecedor de bens, que como o visitante em sentido estrito. 5   

  recurso turístico, apesar das mudanças que o espetáculo de sua cultura e ambiente pode ter,  para conseguir melhorar sua qualidade de vida (Santana Talavera, 2004). Torna‐se vulnerável,  quase uma ofensa, tanto o essencialismo cultural como o conservadorismo se resultam porque  se priorizam os atores (tema da identidade) o patrimônio (objeto de identidade), mas também  é  possível  interpretá‐lo  como  uma  volta  nas  periferias  que  cedem  à  pressão  do  centro,  das  economias domésticas que se dobram as pressões da economia global.           São os comportamentos, no fim de tudo, que poderia degradar e subverter o patrimônio  cultural  ou  exaltá‐lo  a  posições  nunca  vistas  antes  na  história  da  humanidade.  Precisamente  por  esta  razão,  existem  instituições  dedicadas  à  preservação  patrimonial,  as  leis  que  promovam  limitações  e  modos  de  utilização,  campanhas  de  conscientização  de  importância  social  e  cultural  para  manter  esse  legado.  Mas  também  consagradas  a  sua  comunicação,  a  transmissão de uns (locais) para os outros (não residentes locais e turistas), e volta a favorecer  novamente a possibilidade comercial.          Tudo indica que a mercantilizarão torna‐se um processo de apropriação metafórica pelas  instituições,  organizações  ou  empresas  (locais  ou  estrangeiros)  que  se  vê  favorecido  quanto  mais distante são da propriedade da população local. Por isso os agentes responsáveis pela sua  reativação  (ou  valorização  econômica)  não  encontraram  espaços  de  conflito  mínimos,  para  adornar  e  reinventar  alguns  conteúdos  atrativos  para  seus  demandantes.  Do  estilo  de  camponeses  rurais  com  conhecimento  além  do  território,  histórias  de  amor,  heróis,  atlas,  momentos épicos, renúncias à modernidade, ou qualquer outra ideia sedutora do momento.  Apenas  uma  seleção  certa  de  características  exóticas  ou  chamativas,  de  convívio  propicia  a  muita  imaginação  mais  ou  menos  coerente  e  outros  de  fundos  de  investimento  (geralmente  públicos). Em comparação com outras ativações patrimoniais, de modo a colocar em valor um  bem  ou  um  conjunto  de  bens  com  fim  e  destinatários  determinados,  o  uso  turístico  desse  recurso que conhecemos como patrimônio cultural, destaca por isso, pela facilidade de seleção  e  combinação  dos  elementos  de  um  grande  estoque,  com  o  objetivo  de  obter  um  produto  facilmente  aceitável  pelo  mercado.  Uma  boa  interpretação  esta  baseada  em  conexões  realizadas  com  ideias  e  experiências  que  sejam  familiares  e  sobre  o  aumento  da  curiosidade  dos  visitantes  (Schouten,  1995).  O  produto,  este  pacote  de  componentes  tangíveis  e  intangíveis  percebidos  como  uma  experiência  e  disponível  a  uma  mudança  de  valor  (Middleton,  1994),  ditarão  em  muitas  ocasiões  os  elementos  culturais  ou  agregados  destes  que se consideram dignos de representar a identidade simbólica, apagando em grande medida  a memória de seu uso, ou valor de uso, que o fundamentava (Ake Nilsson, 2002).         No  entanto,  à  medida  que  são  analisados  alguns  estudos  de  casos  essenciais,  torna‐se  notório que o indivíduo local atualmente tem voz e capacidade de ação (com menor ou maior  riqueza) diante do turismo. Enquanto os atores do sistema turístico se tornam parte ativa na  manipulação de signos (Featherstone, 2000), produzindo, reproduzindo e consumindo, a modo  de  imitações  intemporais,  as  formas  culturais  que  são  consideradas  em  efeito  patrimonializadas.  Os  bons  produtores  destes  serviços  simbólicos,  do  produto  turístico‐ patrimonial  são  verdadeiros  intermediários  culturais,  capaz  de  entresecar  do  comum  ao  escasso (o maior, o menor, o único dentro de uma área geográfica de referência) com imagens  e cenas, com detalhes e discursos mutáveis e adaptáveis aos consumidores.        O visitante agora visto por muitos como post‐turistas (Galani‐Moutafi, 2000, Harkin, 1995,  Jules‐Rosette,  1994;  Nuryanti,  1996;  intérpretes,  1995,  Selwyn,  1990;  Tucker,  2001;  Wang,  1999), foram creditados com o aumento do seu papel ativo na criação de significado. Teria de  ver quem oferece esses significados ou pelo menos as diretrizes básicas para inferi‐los ou gerar  "de  forma  inovadora”  estas  novas  versões  de  significados  e  usar  em  outras  áreas.  A  originalidade não é exatamente o que prevalece nos destinos turísticos, sejam estes culturais  ou de massa ou de qualquer outro tipo. O grau em que esta geração contínua de significados  afeta as identidades locais, o fim sempre presente no encontro turístico, poderá por vezes nos  fazer pensar que a identidade dos povos ou turistizados ou por turistizar deveria ser estudada  6   

desde a ótica do consumo. Mas também neste sentido deve‐se considerar que toda tentativa  de criar e recriar produtos com base na "localização", no original, é uma tentativa de impor a  autoimagem,  ou  retardar  a  assimilação  do  outro  em  uma  espécie  de  processo  de  tensões  e  imposições entre os diferentes atores.          A  atividade  turística  propícia  ao  turista  uma  forma  de  consumo  transitório,  efêmero,  em  que se prima pelo prazer de sentir mais do que a própria apropriação de bens e serviços. Assim  que os estudos de eficiência ecológica têm chamado de “transumo”6 contrasta com o ponto de  vista dos moradores em geral e da população local em particular, que observam como se dá  uma apropriação de bens, territórios e serviços através da alta frequência daqueles transumos.  Considerar  a  apropriação  a  partir  dessa  perspectiva  renovada  facilita  a  aproximação  ao  que  chamamos  de  apropriação  estética,  na  promoção  e  venda  de  performances  patrimoniais  e  meio  ambientais  (Leslie,  2007)  que  são  enquadradas  no  conjunto  de  sentimentos  e  experiências que parecem centrar a nova produção turística, e o por quê de seus efeitos sobre  as populações anfitriãs.               Pode‐se pagar o preço, o sistema pode chegar a atingir o fantástico, o sonho impossível,  o  desejo  da  alternativa.  Um  processo  que  promove  e  incentiva  a  individualidade  e  a  criatividade  interpretativa,  embora  nele  o  patrimônio  se  torne  uma  alegoria  da  cultura,  inseparavelmente  ligado  a  ele,  mas  com  o  nível  suficiente  de  abstração  para  permitir  uma  imagem,  discurso  e  significado  não  estável.  Este  é  o  único  sentido  para  termo  “patrimônio  turístico" ultimamente na moda. No final, todo o patrimônio é socialmente produzido e todas  as tradições são potencialmente consumíveis (AlSayyad, 2001).      Conclusões            O  patrimônio  cultural,  homenageado  como  um  complemento  no  nirvana  dos  produtos  turísticos majoritários, quando não constitutivo da própria corte celestial, se mostra seletivo,  mutável  e  sujeito  a  terremotos  na  sociedade  ocidental,  isto  é,  baseado  em  características  culturais  e  suas  materializações  são  socialmente  processadas  através  dos  mitos  contemporâneos‐ou as leituras renovadas de mitos clássicos‐, as ideologias, os nacionalismos  que  enaltecem  o  orgulho  local  e  os  interesses  do  mercado.  Estes  filtros  ligados  necessariamente com a formação‐recriação das identidades, mas também com a educação, a  política, a economia e o desfrute do tempo de lazer, permitindo, entre outras coisas, o salto a  partir  dos  elementos  puramente  cultural  para  a  produção  de  bens  culturais,  que  foram  denominados de produtos turístico‐culturais.          Que esta comercialização do patrimônio cultural tem suas consequências isso é inegável, e  os relatórios de pesquisas mostram claramente que os custos e os impactos tanto da chegada  quanto do cessamento no fluxo de turistas. Mas tudo indica que em conjunto, os residentes  expressam  atitudes  positivas  sobre  ele  (Andereck  e  Vogt,  2000;  Menning,  1995)  estando  disposto  a  suportar  o  componente  que  os  analistas  consideram  negativos.  Assim,  a  baixa  qualidade do trabalho, o aumento do custo de vida e competição por serviços compartilhados  com  os  turistas,  seriam  os  custos  mais  óbvios  para  o  residente,  que  ficam  sobrepostos  pelo  progresso  econômico,  por  mais  ridículo  que  possa  parecer  a  um  observador  estrangeiro  que  traz turistas para a população receptora. As alterações nos padrões culturais, valores, cultura  material,  etc.  são  sobrepostos  e  só  ocasionalmente  em  épocas  de  escassez  de  turista  ou  em  conflitos sociais, são ansiados e / ou reconstruídos.       ___________________________________  6 Daly (1980) acredita que transumo é o fluxo físico entrópico de matéria e energia a partir de fontes naturais que atravessam a economia humana e regressam aos sumidouros da natureza. Uma minimização destes maximizará a eficiência ecológica. 7   

        Finalmente,  eu  gostaria  de  dizer  sem  dúvida  que  o  turismo  é  algo  maravilhoso,  que  o  Patrimônio  Cultural  que  une  os  povos,  que  as  fronteiras  são  apenas  linhas  no  papel  e  que  o  multiculturalismo  é  fácil.  Mas  quando  se  observa  as  múltiplas  realidades  que  nos  cercam,  quando se leem centenas de estudos de casos que estão disponíveis hoje, o conto de fadas fica  apenas  como  um  reflexo  literário.  O  turismo  é  um  negócio  e  dependerá  de  sua  gestão  para  que os efeitos gerados sejam mais ou menos propícios para os atores em cena. O patrimônio  sobe  aos  altares  da  sociedade  porque  realça  as  diferenças  e  liga  a  membros  de  um  determinado  grupo,  e  é  através  de  sua  utilização  turística  que  se  torna  algo  comum  globalmente. No entanto, a relação simbiótica da atividade turística com o patrimônio tende a  modificar este último, para se adaptar às demandas e até mesmo para reinterpretá‐lo nele as  identidades que os ligam. Então, os que antes eram diferenças que hoje são separadas servem  para  tornar  visível,  para  juntar‐se  na  metáfora  da  desigualdade  própria  de  visitantes,  não  homogeneizados.               Aquele  paraíso  Patrimonial,  híbrido  e  mutante,  apenas  estático  na  memória,  foi  marcado pelo que poucos podem controlar, a moléstia que as pequenas ou grandes multidões  causam às autenticidades. Ambos condicionados pela percepção individual e inseridos em uma  carreira  que  parece  forçar  interdependência  enquanto  se  aguardam  respostas  ainda  não  dadas.    Referências citadas    Ake Nilsson, Per  2002 "Staying on farm: An ideologial background". Annals of Tourism Research, 29(1): 7‐24.  AlSayyad,  Nezar  (Ed.)  2001,  Consuming tradition, manufacturing heritage: Global norms and urban forms in the age of tourism. London: Routledge. Andereck, K.L. y Vogt, C.A.  2000 "The relationship between residents' attitudes toward tourism and tourism development  options". Journal of Travel Research, 39: 27‐36.  Blank‐Cerejido, Fanny y Yankelevich, Pablo (Eds.), 2003, El otro, el extranjero. Buenos Aires,  Ar.:  Libros  del  Zorzal.  Brunt,  Paul  y  Courtney,  Paul  1999  "Host  perceptions  of  sociocultural  impacts".  Annals of Tourism Research,  26(3):  493‐  515.  Casasola,  Luis  1990  Turismo y ambiente. México: Trillas.  Cater, E. y Lowman, G. (Eds.), 1994, Ecotourism: A sustainable option? Chichester UK: John  Wiley & Sons.  Chambers,  Erve  (Ed.)  1997,  Tourism and culture. An applied perspective.  Albany,  USA:  State University of New York.  Daly, Herman, E. 1980 "La economía en estado estacionario: hacia una economía política del  equilíbrio biofísico y el crecimiento moral". En Daly, Herman, E. Economía, ecología, ética.  Ensayos hacia una economía en estado estacionario México:  Fondo  de  Cultura  Económica.  Featherstone,  Mike  2000  Cultura de consumo y posmodernismo. Buenos Aires: Amorrortu. Galani‐Moutafi, V. 2000 "The self and the other ‐  Traveler, ethnographer, tourist". Annals of Tourism Research, 27(1): 203‐224.  García Canclini, Néstor 1999 "Los usos sociales del Patrimonio Cultural". En VV.AA. Patrimonio etnológico. Nuevas  perspectivas de estudio.  (pp.  16‐33)  Granada:  Instituto  Andaluz  de  Patrimonio Histórico. Consejería de Cultura. Junta de Andalucía. Editorial Comares.  Harkin, Michael  1995 "Modernist anthropology and tourism of the authentic". Annals of Tourism Research,  22(3): 650‐670.  Jules‐Rosette, Bennetta  1994 "Black Paris. Touristic simulations". Annals of Tourism Research, 21(4): 679‐700. 

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