COGITANDO SOBRE AS AUTARQUIAS PROVINCIAIS EM TRÊS PERSPECTIVAS

July 26, 2017 | Autor: Dércio Tsandzana | Categoria: Political Science, Frelimo, Renamo, Moçambique, Tsandzana
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COGITANDO SOBRE AS AUTARQUIAS PROVINCIAIS EM TRÊS PERSPECTIVAS1 O artigo procura abordar o assunto em epígrafe em três perspectivas por forma a encontrar possíveis explicações sobre as implicações que poderá ter a proposta ora submetida pela Renamo à Assembleia da República para o debate. Segundo o projecto de lei são Autarquias Provinciais - pessoas colectivas de direito público de população e território, dotadas de órgãos representativos e executivos, que visem, de modo autónomo, prosseguir interesses próprios das correspondentes comunidades. 1. Descentralização No que diz a essa perspectiva, Canhanga (2007: 09) refere que as bases legais que assentam sobre o processo da descentralização alicerçam-se num conjunto de reformas iniciadas através da Constituição de 1990 que consagraram o Estado de Direito, introdução de princípios de Igualdade, Legalidade, Controle de Constitucionalidade e definição de passos para um novo reordenamento da relação Estado-Sociedade. Com as reformas introduzidas no ordenamento jurídico do Estado, iniciou-se um Programa e Reforma dos Órgãos Locais (PROL), lançado em 1991 e financiado pelo Banco Mundial. A lei n° 3/94 criou assim as primeiras bases legais para o processo da descentralização em Moçambique e um novo quadro institucional para a reforma dos órgãos locais foi aprovado pela emenda constitucional em 1996 (Lei n° 9/96, de 22 de Novembro de 1996).

As premissas acima nos mostram que a questão da Autarquias Provinciais deve ser analisada numa perspectiva onde o país encontra-se ainda em processo de descentralização, onde devemos nos questionar ate que ponto essa proposta influi sobre este processo iniciado em 1994. Essa descentralização baseia-se num gradualismo, onde o cresciemnto populacional, a criação de condições infra-estruturais e de capacidade de colecta financeira são fundamentais para o sucesso do processo.

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O artigo é fruto do projecto de lei submetido pela Renamo cujo debate está agendado para o dia 31 de Março

Dércio TSANDZANA - Março 2015

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Segundo o projecto de lei da Renamo, as autarquias de nível provincial irão operar uma mudança profunda no método de organização da Administração Pública, de modo a responder aos princípios preconizados pelo artigo 250 da Constituição, nomeadamente a descentralização, modernização, eficiência, simplificação e aproximação dos serviços às comunidades e aos cidadãos em particular. Assim, não temos hipótese de cogitar sobre as autarquias provinciais sem olhar para a descentralização actualmente me vigor em Moçambique, tendo em conta que é uma forma linear a transferência de poder do nível macro para o local, uma vez que o próprio projecto de lei refere no seu artigo 71 que constituem normas subsidiárias as Leis n.° 2/97, de 18 de Fevereiro e n.° 1/2008, de 16 de Janeiro, atinentes ao processo de descentralização no país. Contudo, há um perigo quando o projecto de lei propõe-se a revogar outras leis que dizem respeito ao processo de descentralização em Moçambique, sem no entanto analisar-se a sua implicância a situação actual. 2. Perspectiva Económica Aqui, podemos procurar associar a proposta da Renamo como uma ameaça ao poderio económico para o partido Frelimo. Esse elemento pode encontrar explicação no artigo intitulado ''A economia do political settlement em Moçambique: contexto e implicações da descentralização'' de Bernhard Weimer, José Jaime Macuane e Lars Buur publicado em 2012, onde se refere que um dos aspectos mais interessantes da organização do poder em Moçambique é o facto de ser o mesmo partido e, mais ou menos, o mesmo grupo de líderes sénior do Partido Frelimo a governarem desde a independência. Na sua maioria, eles têm sido capazes de manter-se unidos ao longo das mudanças ideológicas dos meados dos anos 80, a dispensação multipartidária da década de 90 e a primeira parte do novo milénio, apesar de diferenças substantivas, conflitos e tensões no seio da coligação.

O factor crucial do sucesso da organização do poder dentro e à volta do Partido Frelimo é o controlo exercido pelo partido sobre o Estado. Conforme defendido por Sumich, ‘o Estado tem permanecido a fonte primária ou garantia do poder da classe da elite da Frelimo’ (Sumich, 2008: 114), garantindo a capacidade do partido de liderar o governo e de gerir a economia. Assim, o poder do partido e a garantia da coesão suficiente interpartidária têm Dércio TSANDZANA - Março 2015

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estado intrinsecamente ligados ao controlo sobre o Estado feito pelo partido. Isto implica a mitigação contínua do potencial de competição e conflito no seio e fora da Frelimo. O resultado tem sido a realização de ajustamentos à estrutura do poder em resposta às crises económicas e políticas, através de arranjos políticos, ou seja, de political settlements, às vezes conflituosos, entre fracções e segmentos do partido (como organização), alinhados às elites constituintes do partido no poder. A forma particular como o political settlement moçambicano é organizado – à volta do Partido Frelimo e do controlo sobre o Estado e a economia, bem como as formas de governação institucional fraca com práticas legalmente questionáveis (por exemplo, o conflito de interesse e incompatibilidades institucionais no seio de detentores de cargos públicos) – têm prováveis implicações no processo da descentralização do poder e dos recursos. Ora, o projecto das Autarquias Provinciais na perspectiva em apreço, prevê no artigo 58, número 5 como receitas próprias, o percentual de impostos cobrados pelo Estado na ordem de 50% das receitas geradas na extracção mineira na autarquia local onde se localizam os respectivos projectos mineiros e 50% das receitas geradas na actividade petrolífera na autarquia local onde se localizam os respectivos projectos petrolíferos. Diante dos factos acima, podemos concluir que a criação das autarquias provinciais (ao se concretizar) põe a nu uma das fontes de poder ou de sobrevivência da Frelimo, porque o Estado continua sendo essa fonte de poder, e algumas províncias que se prevê “autonomizar” são detentoras de grandes reservas de recursos naturais. Mas, temos aqui um perigo no pensamento da Renamo, uma vez que um dos princípios da orçamentação é da não consignação das receitas, e essa proposta viola esse princípio, sem contar que os recursos colectados numa determinada área não são de forma obrigatória usados somente naquela área ou província (compensação financeira).

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3. Derrota política da Frelimo Politicamente, a proposta da Renamo sugere que a governação seja feita nas províncias onde este partido saiu vencedor nas últimas eleições, o que equivale dizer que as províncias de Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa (Cabo-Delgado e Niassa) irão ser governadas pelo partido de Afonso Dhlakama conforme se apresenta no artigo 65 do projecto de lei. Esta configuração traria para a Frelimo uma pesada derrota política, uma vez que tendo já se provado que a Renamo e o seu candidato foram vencedores nessas províncias viria agudizar ainda mais uma possível recuperação dessas províncias por parte da Frelimo. A ser aprovada a proposta da Renamo, teremos um contraste em relação a o que foi registo nos últimos pleitos eleitorais, ou seja, com as vitórias de Armando Guebuza em 2004 e 2009, respectivamente, viu-se um ascender da Frelimo em províncias como Nampula e não só, ou seja, a Frelimo tinha feito ''um grande trabalho de casa'' que lhe tinha possibilitado ganhar um espaço em relação a Renamo no mínimo em províncias onde a Renamo hoje reclama a sua autonomia. O exemplo evidente é trazido por Pereira e Nhanale (2014: 7) em um estudo intitulado “As eleições gerais de 2014 em Moçambique: Análise de questões fundamentais” onde é ilustrado um quadro comparativo do partido dominante por Distrito em Sofala em que em 1994, 1999 e 2004 a Renamo dominou todos (13) distritos de Sofala, mas, em 2009, a Renamo dominou apenas dois distritos, o MDM um distrito e a Frelimo 10 distritos, facto também constatado no número de assentos para a Assembleia da República como ilustram as tabelas a seguir tendo como exemplo a Província de Sofala pelo facto desta ser o centro das atenções e tensões políticas em todas eleições, sem contar que é o bastião do partido Renamo e do MDM. Tabela 1: Partido dominante por distrito em Sofala Distrito Beira Buzi Caia 2

1994 RENAMO RENAMO RENAMO

1999 RENAMO RENAMO RENAMO

2004 RENAMO RENAMO RENAMO

2009 MDM FRELIMO RENAMO

20142 RENAMO RENAMO RENAMO

2014 - Preenchido pelo autor

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Chemba RENAMO Cheringoma RENAMO Chibabava RENAMO Dondo RENAMO Gorongosa RENAMO Machanga RENAMO Maringue RENAMO Marromeu RENAMO Muanza RENAMO Nhamatanda RENAMO Fonte: Tollenaere (2013: 02)

RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO

RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO RENAMO

FRELIMO FRELIMO RENAMO FRELIMO FRELIMO FRELIMO FRELIMO FRELIMO FRELIMO FRELIMO

RENAMO RENAMO RENAMO

RENAMO RENAMO

Tabela 2: Resultados das eleições gerais e presidenciais de 1994-2009 Nº de assentos parlamentares em cada ano Partidos

1994

1999

2004

2009

20143

FRELIMO 129 RENAMO 112 4 MDM 9 Fonte: Nuvunga e Salih (2013: 14)

133 117 0

160 60 0

191 60 8

144 89 17

Escrito por Dércio Tsandzana Activista – cidadão repórter - bloguista Março, 2015

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2014 - Preenchido pelo autor

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O MDM só competiu em cinco círculos eleitorais nas eleições de 2009, depois de as suas listas de candidatos para os outros grupos terem sido rejeitadas, alegadamente porque não tinha cumprido os requisitos legais a formação das listas. Depois das eleições, o MDM surgiu com oito deputados, que era menos do que o mínimo necessário (11) para a formação de um grupo parlamentar. Teve que contar com a ajuda da comunidade internacional em Moçambique para mudar as regras para que pudesse formar o terceiro grupo parlamentar com os seus oito deputados.

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