COLECIONADORES BRASILEIROS DE DISCOS DE VINIL E O WEBSITE DISCOGS: UTILIZANDO A ANTROPOLOGIA DO CONSUMO PARA IDENTIFICAR DIFICULDADES DOS BRASILEIROS NESTA PLATAFORMA VIRTUAL

May 29, 2017 | Autor: Luceni Hellebrandt | Categoria: Vinyl records, Antropologia do Consumo
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COLECIONADORES BRASILEIROS DE DISCOS DE VINIL E O WEBSITE DISCOGS: UTILIZANDO A ANTROPOLOGIA DO CONSUMO PARA IDENTIFICAR DIFICULDADES DOS BRASILEIROS NESTA PLATAFORMA VIRTUAL

LUCENI HELLEBRANDT1; CARMEN RIAL2 1Universidade

Federal de Santa Catarina – [email protected] Federal de Santa Catarina – [email protected]

2Universidade

1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, a mídia – sobretudo a especializada em música, vem noticiando uma volta dos discos de vinil. Estas reportagens começam a circular nos jornais brasileiros no ano de 2010, e se intensificam a partir de 2013. Apesar de descrito apenas como uma volta deste formato de musica analógico, o vinyl revival (como é denominado este movimento de ascensão na venda de discos de vinil novos) apresenta elementos mais complexos. Um destes elementos é a contribuição da internet e seus espaços virtuais, ampliando as possibilidades de comércio e propagando a cultura dos discos de vinil. O Discogs é um website com papel protagonista neste contexto, e é um exemplo da forma como FERREIRA (2016) interpreta e aplica aos meios digitais e plataformas de web 2.0 o conceito de prosumer (prosumidor), alcunhado por Alvin Tofler no livro The Third Wave (1980). O prosumidor trabalha ativamente para produzir os bens que compra e consome, deixando de ser passivo no processo linear produção → consumo. O Discogs é uma plataforma alimentada por dados de usuários, cujo a maior funcionalidade é o e-commerce. Foi criado em 2000, nos EUA, e conta atualmente com mais de 26 milhões de itens para comercialização, proveniente de 300 mil usuários cadastrados ao redor do mundo. As mídias de música comercializadas são variadas, incluindo CD, Cassete, CDR, e DVD, mas a mídia principal é o Vinil, representando 77% dos itens cadastrados no website (DISCOGS, 2016a). É hoje o principal website de comércio exclusivo de música em mídia física no mundo, amplamente difundido e utilizado por colecionadores, comerciantes e consumidores de vinil na Holanda, tanto para comércio direto, como para outras funcionalidades como regulação de preços e troca de informações (HELLEBRANDT, 2016; HELLEBRANDT & RIAL, 2016). No Brasil o Discogs ainda é pouco utilizado, sendo desconhecido por colecionadores que trocam informações sobre vinil em redes sociais como Facebook e Instagram. Além das negociações diretas nas redes sociais, o website mais utilizado para o comércio de discos de vinil no Brasil é o Mercado Livre, mas há indícios de algumas alterações neste quadro. De acordo com o relatório anual do Discogs, enquanto a participação de Holandeses na publicação de informações no website cresceu 10,22% de 2014 para 2015, a contribuição de Brasileiros chegou a 38,49%, colaborando para o que analisaram como “outros países descobrindo o Discogs” (DISCOGS, 2016b). Frente a importância do Discogs no mercado mundial de discos de vinil e o crescimento da plataforma no Brasil, este trabalho tem por objetivo apresentar dados iniciais sobre o website no contexto brasileiro, diagnosticando alguns empecilhos que dificultam um uso maior do Discogs por brasileiros. Para realizar esta pesquisa, o referencial teórico parte da abordagem da Antropologia do Consumo, e da noção de cultura material, de acordo com Daniel Miller, de que “a

melhor maneira de entender, transmitir e apreciar nossa humanidade é dar atenção à nossa materialidade fundamental” (MILLER, 2010, p. 10). Ainda, reflexões fundamentais para a concepção desta pesquisa são baseadas na discussão de CANCLINI (1997) a respeito da relação entre globalização e cidadania. Se, por um lado a globalização permite uma grande oferta de produtos de qualquer parte do mundo, por outro lado, só está apto a ser um cidadão globalizado quem tem poder aquisitivo. Nesta linha, as ideias destes dois autores permitem analisar a participação brasileira no Discogs, tanto quanto a relação entre consumidores de discos de vinil e seus objetos de desejo, quanto as dificuldades que a plataforma bem sucedida em alguns países encontra para ser também bem sucedida no Brasil. 2. METODOLOGIA O ambiente em que esta pesquisa se realiza é no ciberespaço, portanto o método que melhor se adapta para a coleta de dados é a etnografia virtual. Conforme HINE (1994), a proposta da etnografia virtual é “desenvolvida como resposta à necessidade de estudar comunidades em que o uso de comunicações eletrônicas, tais como as que acontecem por meio de computador, são rotineiras” (HINE, 1994, p. 1). Algumas considerações fazem-se necessárias quanto à coleta de dados quantitativos em plataformas alimentadas por usuários, como é o caso do Discogs: devido ao grande fluxo de informações, estes dados são alterados em grande velocidade, sendo necessário portanto estabelecer um momento para a coleta e ter como verdade que em qualquer momento anterior ou posterior à coleta realizada, os dados quantitativos serão diferentes. Os dados quantitativos apresentados aqui foram coletados no período entre 20:00h do dia 07 de julho de 2016 e 01:00 do dia 08 de julho de 2016. Cabe ainda observar que, como o foco da pesquisa é em consumidores de discos de vinil, os dados quantitativos analisados referem-se somente a esta mídia de música. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os primeiros resultados da pesquisa apresentam uma caracterização de como o Brasil está presente no Discogs. 3.1. Itens vendidos a partir do Brasil Para analisar a representatividade da participação do Brasil no Discogs, busquei entre os itens para a venda, quantos partiam do Brasil. Os números brutos são apresentados na Tabela 1. Conforme pode ser observado, a participação do Brasil na oferta de discos de vinil no Discogs corresponde a 0,17% do total. Estes discos foram ofertados por 261 perfis de usuários. Tabela 1 - Comparativo de discos de vinil ofertados no Discogs1 Mundo Brasil Discos de vinil ofertados 20.318.409 34.232 3.2. O grupo “Brasil”. O website Discogs está estruturado em duas seções: Marketplace e Community, representando as duas principais funcionalidades do website, Números referentes ao momento da coleta de dados quantitativos, conforme descrito no item Metodologia. 1

comércio e troca de informações, respectivamente. A troca de informações entre usuários se dá em espaços denominados Grupos, dentro da seção Community. Ao explorar estes Grupos, constatei a existência de um grupo denominado “Brasil”, o qual destaco as seguintes características: - Único grupo do Discogs em que o idioma oficial é o Português (BR); - Criado em 2006; - 234 membros; - 115 tópicos de discussão. A partir destas características, algumas considerações são válidas para pensar a proposta desta pesquisa de investigar o Discogs no Brasil. Primeiro, a questão do idioma. Como expresso no tópico de inauguração do grupo (Figura 1), a falta da opção do idioma Português no Discogs pode indicar a existência de uma barreira de resistência dos usuários Brasileiros em utilizar o Discogs. O website apresenta versões em 6 idiomas: Inglês, Alemão, Espanhol, Francês, Italiano e Japonês. Também o tópico de inauguração fornece a informação de quando o grupo foi criado, destacando que a participação de Brasileiros neste website acontece há pelo menos 10 anos (Figura 1). Figura 1 - “Bem vindos!!!”: tópico de inauguração do Grupo Brasil no Discogs

Quanto ao número de membros, é importante considerar que os 234 membros não são obrigatoriamente Brasileiros ou residentes no Brasil, uma vez que o Grupo apresenta a seguinte descrição: “Oi pessoal! Criei este fórum para falarmos de artistas brasileiros de qualquer estilo, bate-papo e qualquer coisa mais. But if you are not from Brazil you are welcome as well!”2. Como o formulário de criação de perfil de usuário deixa o campo Geographic Location opcional, nem todos usuários o preenchem. No grupo Brasil, quase metade dos participantes não apresentam qualquer informação sobre localização geográfica (102 dos 234), e para os que apresentam, é possível perceber que, além da maioria localizada no Brasil, existem também participantes de outros países (Alemanha, Áustria, Estados Unidos da América, França, Polônia, Portugal, Reino Unido, Suécia e Uruguai). Esta variedade geográfica dos participantes do grupo pode indicar o grande interesse mundial na música brasileira. Por fim, os 115 tópicos de discussão apresentam diversos conteúdos, com destaque para o auxílio de como preencher corretamente os dados para cadastro 2

Ver https://www.discogs.com/group/537

de um item, dúvidas sobre edições semelhantes e curiosidades sobre artistas, selos e edições brasileiras. Para fins desta pesquisa, dois tópicos são relevantes: “Como encontrar vendedores brasileiros?”3 e “Me ajudem! Posso usar cartão nacional?”4 , pois indicam outra possível barreira aos usuários brasileiros, uma barreira econômica. Poucos itens são ofertados em Reais (R$), sendo a maioria em Euro (€) ou Dólares Americano ($), além disso há a exigência do usuário possuir uma conta no PayPal5 para realizar as transações, serviço que chegou ao Brasil somente em 20106 . 4. CONCLUSÕES O trabalho apresentado, embora em fase inicial, apresenta alguns dados importantes para a compreensão da baixa participação de brasileiros no website Discogs. Ainda que o website seja bem difundido ao redor do mundo, os brasileiros consumidores de discos de vinil preferem outras plataformas de comércio virtual e esta preferencia pode ser baseada nos resultados apontados neste texto, tais como a barreira de idioma e a barreira econômica, por exemplo. Num espectro mais amplo, este texto é ainda um exemplo de como estudos de antropologia do consumo podem auxiliar empresas, neste caso o Discogs, a compreender usuários de diferentes contextos geográficos para subsidiar açōes. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANCLINI, N. G. Consumidores do século XXI, cidadãos do século XVIII. In: CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. p. 13 - 47. DISCOGS. Website. Acessado em 7 jul. 2016. Online. Disponível em: http:// www.discogs.com. 2016a. DISCOGS. State of Discogs 2015. Report. Acessado em 27 fev. 2016. Disponível em: http://media.discogs.com/StateOfDiscogs_2015.pdf. 2016b. FERREIRA, D. O prosumo no contexto digital: reflexão teórica. In: VI CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ANTROPOLOGIA. Coimbra, 2016. Livro de Resumos. Universidade de Coimbra. 2016. p. 43. HELLEBRANDT, L. A Cultura dos Discos de Vinil em Amsterdã: vinyl revival e a convergência entre passado e modernidade. In: RIAL, C. (org.) O poder do lixo: abordagens antropológicas dos resíduos sólidos. Brasilia, editora ABA, 2016. p. 151 - 173. HELLEBRANDT, L.; RIAL, C. Vinyl Revival em Amsterdã. In: VI CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ANTROPOLOGIA. Coimbra, 2016. Livro de Resumos. Universidade de Coimbra. 2016. p. 43. HINE, C. Virtual Ethnography. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM: WHEN SCIENCE BECOMES CULTURE. Montreal, 1994. Acessado em 08 jul. 2016. Disponível em http://www.cirst.uqam.ca/pcst3/PDF/Communications/HINE.PDF. MILLER, D. Treco, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. 3

Ver https://www.discogs.com/group/thread/692759

4

Ver https://www.discogs.com/group/thread/492161

5

Ver https://www.paypal.com

6

Ver https://tecnoblog.net/37274/paypal-chega-ao-brasil-ainda-em-2010/

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