Coletânea de ensaios revela precisão e suavidade de Alexandre Eulálio

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Coletânea de ensaios revela precisão e suavidade de Alexandre Eulálio JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA ESPECIAL PARA A FOLHA – 22/04/2017

Os Brilhos Todos é um livro precioso, que colige ensaios de Alexandre Eulálio publicados entre 1952 e 1987. Essa antologia, primorosamente organizada, vale por um retrato de corpo inteiro, pois coloca à disposição do leitor desde artigos do jovem de 20 anos até textos produzidos um pouco antes de sua morte. Consulte-se a matéria de 1953, "A Morte de Graciliano Ramos". Aí se encontra o esboço do método ao qual o ensaísta permaneceu fiel. Trata-se do modelo de um convívio intenso e ao mesmo tempo contido, definidor de uma perspectiva ambiciosa, porém avessa à eloquência. Eis a cena: em 1947, o estudante do Colégio São Bento se emocionou com "o inspetor federal Graciliano Ramos [...] entrando nas salas de aula antes do início das provas". Exame concluído às pressas; afinal, como perder a oportunidade de obter a assinatura do autor nos exemplares treslidos de Caetés e São Bernardo? No ano seguinte, o adolescente colecionou o autógrafo em Angústia e Vidas Secas. Experiência marcante, desdobrada em visitas interessadas à livraria José Olympio –meca dos admiradores de Graciliano. Discreto, Alexandre buscava seu herói (outros muitos à espreita): "Arriscava o olho para as cadeiras do fundo. De vez em quando ele estava lá". Claro: nunca o incomodou. Os textos dedicados à obra borgiana demandam um comentário à parte. Em "O Bestiário Fabuloso de Jorge Luis Borges", saído em 1958, pincela o perfil do argentino com precisão: "Numa compilação das invenções alheias, revelase (confirma-se) insuperável inventor". Num artigo incisivo, "A Ampulheta de Borges", publicado em 1979, lamenta certas omissões do escritor. Reserva justa, mas que não o impede de fixar uma fórmula definitiva: "Borges havia ousado [...] reinstalar em Buenos Aires a

biblioteca de Alexandria com técnicas mais modernas". É de tirar o chapéu! Mais: Alexandre Eulálio joga com adjetivos numa dicção propriamente borgiana. No texto de 1963, "Borges em Inglês", o comentário, levemente irônico, sobre a tradução de seus títulos, expõe uma dificuldade sempre atual: "Nossa curiosa balança de valores das diferentes autoridades a que apelamos [...] encontra excelente, malicioso espelho na obra de Borges". Reflexão explicitada no artigo do mesmo ano, "Marienbad: Uma Invenção de Morel". Tudo está dito na desenvoltura do título: Alain Resnais e Alain RobbeGrillet "devem muito aos metafísicos de Buenos Aires, que eles leram com espanto em traduções francesas". O brasileiro aludia ao romance do escritor Adolfo Bioy Casares A Invenção de Morel. Repare na malícia: livro lido por Resnais e Robbe-Grillet em tradução... Ora, entre outros idiomas, os metafísicos portenhos dominavam o francês. Recordo, por fim, o autorretrato involuntário que se insinua em "Guignard, o Manso", redigido em 1962. O pintor teria uma "vocação mozartiana: clareza, finura, precisão, suavidade, argúcia". Adjetivos que bem poderiam emoldurar os 41 textos deste livro memorável.

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