Com que Roupa Eu Vou? Marketing Segmentado para Mulheres

June 23, 2017 | Autor: Celso Figueiredo | Categoria: Marketing, Communication, Advertising, Women, Luxury Brands
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Descrição do Produto

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Com que roupa eu vou?

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Adolpho Queiroz

Com que roupa eu vou?

Piracicaba-SP – 2015 –

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© 2015 Adolpho Queiroz (organizador), Celso Figueiredo, Francisco Ramirez, Gabriela Rosa, Júlia Cerqueira Marcos Camppomar, Maria de Lourdes Bacha, Natani Carolina Silveira, Paola Armani e Vanessa Molina

1ª edição – agosto/2015 – 1.000 exemplares projeto gráfico e diagramação

| Victor Augusto Benatti

| Gabriela Rosa Victor Augusto Benatti Revisão | Editora EME Capa

Lei nº 10.994 de 14/02/2004. Impresso no Brasil em 2015.

Ficha catalográfica

Adolpho Queiroz

Adolpho Queiroz(organizador), Celso Figueiredo, Francisco Ramirez, Gabriela Rosa, Julia Cerqueira, Marcos Campomar, Maria de Lourdes Bacha, Natani Carolina Silveira Paola Armani e Vanessa Molina.

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Com que roupa eu vou? / Adolpho Queiroz(organizador), Celso Figueiredo, Francisco Ramirez, Gabriela Rosa, Júlia Cerqueira, Marcos Campomar, Maria de Lourdes Bacha, Natani Carolina Silveira, Paola Armani e Vanessa Molina – 1ª ed. ago. 2015 – Piracicaba, SP: Editora Nova Consciência. 208 p.

ISBN 978-85-63448-56-9

1. Estudos de marketing segmentado. 2. Marketing de luxo. 3. Marketing de moda. 4. Marketing de higiene pessoal. 5. Marketing político. I. Título. CDD 362

Sumário

Prefácio........................................................................................ 7 Mulheres, entre o luxo, a moda e a política. Prof. Dr. José Mauricio Conrado Moreira da Silva, Prof. Dr. Eneus Barreto Trindade Filho, Prof. Dr. Roberto Gondo Macedo.

Apresentação............................................................................ 11 Guilherme Camargos

Marketing da moda................................................................ 13 Marketing de moda, uma revisão de literatura sobre o tema Paola Armani

Marketing de luxo................................................................... 29 O comportamento do consumidor do mercado de luxo no Brasil no século xxi: um estudo exploratório e comparativo

Marketing de higiene pessoal.............................................. 63 Construção e re-construção da marca Dove Gabriela do Couto Rosa

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Júlia Matavelli Cerqueira

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Marketing de luxo para a terceira idade............................. 95 Luxo em moradias especializadas em idosos: o caso do Solar Ville Garaude Natani Carolina Silveira, Maria de Lourdes Bacha, Celso Figueiredo Neto, Marcos Campomar

Marketing da moda.............................................................. 123 Identidades consumidas: Tatuagens de mães Vanessa Aparecida Franco Molina

História do marketing.......................................................... 141 Marcas que definem comportamentos: o caso Chanel nº 5 Celso Figueiredo Neto Maria de Lourdes Bacha

Marketing político................................................................ 185 Dilma, com que roupa? Francisco Ramirez Martins Junior Adolpho Queiroz

Adolpho Queiroz

Sobre os autores:................................................................... 201

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Prefácio

Mulheres, entre o luxo, a moda e a política.

O samba de Noel Rosa serve de guia e inspiração para esta nova publicação, articulada pelo prof. Adolpho Queiroz, do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Mackenzie em parceria com professores e estudantes do curso, da ESPM, USP e SENAC. São sete ensaios que têm a mulher como objeto de pesquisa e o marketing como interface. Os artigos têm origens diversas. Um deles surgiu a partir da disciplina “Tópicos avançados em marketing”, que Queiroz ministrou como disciplina optativa aos alunos do Curso de Publicidade. Paola Armani, aluna do curso, fez um grande inventário bibliográfico sobre obras mais recentes publicadas sobre a moda como temática, entre autores nacionais/internacionais. Dois outros são fruto de nova experiência que o Curso de Publicidade do Mackenzie tem experimentado, com as

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Prof. Dr. José Mauricio Conrado Moreira da Silva, Coordenador do Curso de Publicidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Prof. Dr. Eneus Barreto Trindade Filho, Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da USP e Diretor Administrativo da ABP2, Associação Brasileira dos Pesquisadores de Publicidade e Propaganda, Prof. Dr. Roberto Gondo Macedo, Presidente da POLITICOM, Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Comunicação e Marketing Político

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orientações monográficas como atividade de conclusão do curso. Júlia Cerqueira e Gabriela Rosa, mais do que grandes amigas durante a graduação, buscaram nesta iniciativa metodológica, sobre a orientação da profa. Ines Mainardi, temas que igualmente ajudaram a inspirar este livro. Júlia foi buscar no marketing de luxo, origens e impactos no Brasil, a sua temática de pesquisa, enquanto Gabriela, atualmente trabalhando no atendimento da Agência Ogilvy & Mather – uma das mais respeitadas do país e do mundo – estudar o “case” da Dove, um dos vários Leões conquistados pela agência, em nível internacional, nos Festivais de Cannes. Da parceria entre dois grandes pesquisadores da casa e da área, os profs. Celso Figueiredo e Maria de Lourdes Bacha, vieram mais dois artigos tendo mulheres-moda e luxo como referências. Num deles, Figueiredo e Bacha recorrem a marca Chanel, para fazer uma competente leitura sobre os anúncios da marca. E noutro, com, Natani Silveira e Marcos Campomar, os mesmos Bacha e Figueiredo apresentam um estudo sobre uma marca de luxo diferente: um abrigo para idosos localizado na cidade de São Paulo, mostrando uma importante discussão social sobre o conceito do “luxo”. Há ainda, no conjunto dos textos, uma leitura curiosa e instigante, também tendo como eixo a semiologia, assinado pela profa. Vanessa Molina, sobre tipos de tatuagens feitas por mulheres em diversos estágios da vida. Moda nova, costumes igualmente, sinais emitidos com despreendimento e coragem para um novo jeito de se comunicar com a vida. E, por fim, Queiroz e seu ex-aluno do mestrado na Universidade de Marília, Francisco Domingues, inspirados por Noel, perguntam num artigo entre bem-humorado e altamente simbólico, “Com que roupa eu vou?”, parodiando o samba, mas focados nas roupas da presidente Dilma Rous­ sef, a partir do momento em que assumiu o mandato pela primeira vez. Com ela, as editorias políticas dos jornais, re-

vistas, blogs, sites, viram-se impelidas a falar sobre tons, sapatos, cabelos, bolsas, vestidos, maquiadores, figurinistas, criadores de moda, costureiros... e política. O resultado deste livro, portanto, intitulado Com que roupa eu vou? traz à discussão um pouco da produção científica contemporânea dos atores docentes/discentes do Curso de Publicidade do Mackenzie e de outras instituições parceiras, feita em casa, difundida em congressos e ora agrupada numa publicação, onde o papel da mulher na sociedade contemporânea é destacado e sublinhado. E sua interface com o marketing, do luxo à política, é vista de forma especial, entre o bom humor e a semiótica, para nos dar um panorama crítico sobre o assunto. Por fim, o apoio formal de duas associações importantes de pesquisadores como a ABP2, Associação Brasileira dos Pesquisadores de Publicidade e Propaganda e da POLITICOM, Sociedade Brasileira dos Pesquisadores de Comunicação e Marketing Político, foram decisivos para que esta empreitada intelectual chegasse até aqui. Agora é com você, caro leitor!

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São Paulo, agosto de 2015.

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Apresentação

Guilherme Camargos Redator Sr. Ogilvy & Mather

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Como se diferenciar no mundo de hoje? Como diferenciar sua marca? Essas são as perguntas que uma estratégia de marketing, quando bem feita, pode responder. Aqui você vai conhecer, através de sete estudos, exemplos que mostram de forma interessante e clara como criar diferenciação para o mercado de luxo, da moda e beleza. Uma leitura mais do que recomendada para quem quer estar por dentro de alguns dos assuntos mais comentados no marketing hoje. Para você usar não só na sua profissão, mas na vida pessoal também.

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MARKETING DA MODA

Marketing de Moda, uma revisão de literatura sobre o tema

O conceito de moda surgiu no século 15 com o fim da Idade Média, quando a nobreza sentiu a necessidade de diferenciar-se da burguesia. A moda trata-se basicamente de uma forma de se vestir, que é comum para muitos em determinado momento. Isso faz com que ela tenha grande influência no comportamento e nos hábitos da população, e por isso, podemos através dela identificar o estilo de vida, ocupação e costumes de pessoas. O mercado da moda movimenta atualmente bilhões de dólares ao redor de todo o mundo. No Brasil, o varejo de moda nunca vendeu tanto quanto nos últimos 10 anos. O país está em quinto lugar no ranking dos maiores consumidores mundiais. Os primeiros dois lugares pertencem respectivamente à China e aos Emirados Árabes. Assim como existe um grande número de consumidores, existe também uma grande variedade de lojas e marcas no mercado da moda, por esse motivo o varejo deve preocupar-se em inovar e tornar as experiências de compras cada vez mais prazerosas e assim tornarem-se inesquecíveis para os consumidores. É aí que entram as funções do marketing de moda. Este artigo tem por objetivo entender o que é moda e quais os conceitos existentes sobre o Marketing de Moda segundo diversos autores. Serão estudados pontos de vista

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Paola Armani Aluna do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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de autores como Marcos Cobra, Mike Easey, Tim Jackson, David Shaw e outros.

Metodologia: A ideia deste artigo surgiu após o desenvolvimento de uma apresentação sobre o livro Fashion Marketing escrito pela autora Gloria Kalil. O livro fala mais especificamente sobre o mercado da moda no Brasil, contrapondo com a moda no exterior. O tema nos chamou atenção e será abordado neste artigo de maneira mais global. Ele foi elaborado em forma de uma revisão de literatura, com o objetivo de desenvolver a respeito das contribuições teóricas sobre o assunto abordado, e foi feito com base no livro Metodologia do trabalho científico, de Antônio Joaquim Severino. Segundo ele, a Revisão de Literatura é: “... o processo necessário para que se possa avaliar o que já se produziu sobre o assunto em pauta, situando-se, a partir daí, a contribuição que a pesquisa projetada pode dar ao conhecimento do objeto a ser pesquisado.” (SEVERINO, 2007, p. 130)

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Inicialmente foi realizado um levantamento de fontes e documentos nos quais foi baseado e estruturado todo o artigo. As fontes serão basicamente livros e artigos sobre o tema Marketing de Moda.

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“O trabalho de pesquisa deverá dar conta dos elementos necessários para o desenvolvimento do raciocínio demonstrativo, recorrendo assim a um volume de fontes suficientes para cumprir essa tarefa, seja ela relacionada com o levantamento de dados empíricos, com ideias presentes nos textos

ou com intuições e raciocínios do próprio pesquisador.” (SEVERINO, 2007, p. 133)

Após o levantamento de fontes e documentos, foi feita então a pesquisa bibliográfica com base nas fontes escolhidas. A pesquisa bibliográfica foi baseada em materiais já existentes, principalmente livros e artigos científicos. A partir de uma leitura atenta e sistemática dos livros e artigos, informações foram colhidas e usadas na fundamentação do trabalho. “A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados.” (SEVERINO, 2007, p. 122)

“Não trata propriamente de um trabalho de elaboração, mas de um trabalho de extração de ideias, de um exercício de leitura que nem por isso deixa de ter enorme utilidade didática e significativo interesse científico.” (SEVERINO, 2007, p. 204)

Dimensões teóricas sobre a moda: A palavra moda vem do latim modus, cujo significado

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Por fim, com base nos documentos, fontes e nas pesquisas realizadas, foram criadas sínteses de trabalhos, sendo estes livros e artigos publicados. Os resumos são uma síntese das ideias dos textos e não das palavras, o objetivo é transmitir as ideias dos autores de maneira sintetizada.

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é modo. Existem diversas definições e compreensões de moda, que variam de acordo com determinados autores. Segundo Erika Palomino “A moda é um sistema que acompanha o vestuário e o tempo, que integra o simples uso das roupas no dia a dia a um contexto maior, político, social, sociológico.” (PALOMINO, 2003, p. 4) Paul Nystrom, grande e renomado estudioso da moda a definiu como “nada mais, nada menos que o estilo predominante em qualquer período específico. Já Oscar Wild, tem uma percepção diferente e diz que a moda é “uma forma de feiura tão intolerável que temos que alterá-la a cada seis meses”. No dicionário brasileiro encontramos a seguinte definição:

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Moda, s. f. (fr. mode). 1. Uso corrente. 2. Forma atual do vestuário. 3. Fantasia, gosto ou maneira como cada um faz as coisas. 4. Cantiga, ária, modinha. 5. Estat. O valor mais frequente numa série de observações. 6. Sociol. Ações contínuas de pouca duração que ocorrem na forma de certos elementos culturais (indumentária, habilitação, fala, recreação etc.). S. f. Pl. Artigos de vestuário para senhoras e crianças. Antôn.: anti-moda. (Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 1980, p. 1156)

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De uma maneira mais simplificada e abrangente, podemos dizer que moda significa basicamente uma maneira ou costume mais predominante em um determinado grupo em um determinado momento. Ou seja, uma palavra bastante comum e geralmente usada para expressar uma forma de se vestir, que é comum para muitos ou apreciada por muitas pessoas. Contudo, ao contrário do que pensamos, a moda não é algo universal. Ainda existem povos que desconhecem tal conceito, enquanto os franceses por exemplo, são conhecidos como as pessoas mais sofisticadas em relação à moda.

Pode se considerar também que a moda não existe há muito tempo, as roupas egípcias, por exemplo, não tiveram quaisquer modificações em três mil anos. Hoje, se olharmos para o passado podemos ver a evolução a partir de como as pessoas se vestiam ao longo das décadas. São essas mudanças que se denominam de moda, pois refletem a sociedade à sua volta. “É possível entender um grupo, um país, o mundo naquele período pela moda então praticada” (PALOMINO, 2003, p. 4) O conceito de moda surgiu apenas no século XV ao fim da Idade Média. Com o nascimento das cidades, aconteceu uma aproximação entre o povo e a corte, os burgueses passaram a “copiar” as roupas dos nobres, e com isso, os nobres surgiam constantemente com novas roupas para diferenciarem-se dos burgueses. Isso criou um ciclo – sempre que os burgueses imitavam, os nobres criavam algo novo. A moda nessa época era portanto, uma indicação estilista de status.

Ao longo do tempo essas mudanças foram se tornando cada vez mais constantes. Os grupos de pessoas sentiam a necessidade de se distinguirem umas das outras e até hoje pessoas e sociedades usam roupas, acessórios e outros adornos como uma forma de comunicação não verbal com o intuito de mostrar sua posição social, ocupação e hábitos.

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“Aos poucos, a velocidade das mudanças no vestuário foi aumentando. Na sociedade democrática do século 19, apareceram necessidades mais complexas de distinção; a moda se prestou a deixá-las tão evidentes quanto possível e, daí, se espalhou por todas as camadas sociais. A moda passou também a atender às necessidades de afirmação pessoal, do indivíduo como membro de um grupo, e também a expressar ideias e sentimentos.” (PALOMINO, 2003, p. 4)

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Antigamente o conceito de moda tratava-se basicamente dos artigos de vestuário, e principalmente o vestuário feminino. Porém, nas últimas décadas o conceito de moda tem se tornado cada vez mais abrangente, tratando agora de diversos outros segmentos, como cosméticos, perfumes, artigos de decoração, móveis, automóveis, destinos de viagem, música e muitos outros. Por isso a moda pode ser também compreendida como um reflexo do estilo de vida de determinadas pessoas que vivem em determinados contextos sociais. É importante lembrar que é o mercado que faz com que algo seja “da moda”. O mercado sim é o grande responsável pelo sucesso dos produtos. Coco Chanel certa vez afirmou que uma moda que não vai para as ruas, não é moda. Compreender, o que estimula e incentiva as pessoas a comprar é fundamental para a gestão do negócio da moda. Somente através do conhecimento e da compreensão é que poderemos prever e gerir o mercado da moda. O primeiro livro estudado em nossa revisão chama-se Marketing & Moda, escrito pelo autor Marcos Cobra. Segundo Cobra, a mídia hoje é uma das grandes influenciadoras da moda. Atualmente a internet e as outras mídias possibilitam que notícias e informações circulem pelo mundo em grandes velocidades. Onde quer que estejam, consumidores são bombardeados constantemente por informações, sejam elas via e-mail, televisão, jornais ou revistas. A comunicação torna-se capaz de estandardizar, diferenciar e influenciar no comportamento das pessoas. O consumidor pode ser considerado então cidadão de uma grande aldeia global, e por esse motivo marcas buscam ser globais. Ações de marketing são essenciais para produtos de moda, pois uma vez que seu ciclo de vida é curto, suas vendas devem ser maximizadas também em um curto período de tempo. O marketing possibilita que a demanda de mercado seja administrada e além disso, seduzida. Consu-

midores não buscam produtos apenas para a satisfação de suas necessidades básicas, mas buscam também a satisfação de seus desejos, sendo eles conscientes ou inconscientes. O marketing deve identificar quais são essas necessidades e desejos, para assim desenvolver produtos que sejam atraentes para seus clientes, deve também comunicá-los e levá-los até eles de maneira adequada e com o menor preço possível. Para que a comunicação de moda tenha um maior alcance, seu público deve ser segmentado, afinal, consumidores são pessoas diferentes. A segmentação deve levar em conta dados demográficos, geográficos e, principalmente, psicográficos. A maneira mais correta de segmentar o mercado de moda é através de uma pesquisa de mercado. “O produto certo no lugar certo pode ser a razão de sucesso de um posicionamento de mercado.” (COBRA, 2009, p. 122). Após a segmentação, grandes esforços devem ser empreendidos nas vendas. É muito importante no mercado da moda que o vendedor consiga conquistar o cliente, portanto, a qualidade da força de vendas é considerada a base do sucesso. Vendedores devem ser capazes de entender as necessidades de seus clientes e associá-las ao seu produto, além de ser capaz de transformar problemas em oportunidades de negócios.

Segundo Mike Easey, autor do segundo livro estudado, Fashion Marketing Third Edition (Marketing de Moda Terceira Edição), o mercado global de vestuário, acessórios e luxo teve o valor estimado de U$1.217 bilhões em 2009, quando o referido autor publicou seu livro e atualizado em U$ 200 bilhões, dos quais U$ 2,3 bilhões só no Brasil, segundo informações mais recentes em 2015. O setor de moda é

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“O produto de moda tem valor na medida que proporciona satisfação ao cliente. O cliente satisfeito tende a ser leal. E a lealdade é o melhor meio de obter lucratividade em vendas.” (COBRA, 2009, p. 138)

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um dos maiores e mais competitivos setores do mundo. O marketing pode ajudar no fornecimento de conhecimento e habilidades para garantir que a criatividade seja usada da melhor maneira, trazendo sucesso e crescimento ao negócio. O marketing de moda é a aplicação de uma série de técnicas e filosofia de negócios que gira em torno dos clientes de moda a fim de cumprir com os objetivos da organização. Podem existir duas visões do marketing de moda; uma onde o centro é o design e outra onde o centro é o marketing. De acordo com a visão centrada em design, o marketing é compreendido como sinônimo de promoção. Aderentes dessa visão acreditam que os designers são a verdadeira força, e que o marketing deve agir como mero ajudante na hora de vender as ideias ao público. Já na visão centrada em marketing, o designer é visto como alguém que deve responder às especificações dos requisitos dos clientes, conforme estabelecido por pesquisas de marketing. Existe, no entanto, uma terceira visão, chamada de Fashion Marketing Concept, que tenta abranger os aspectos positivos do foco em design, clientes e lucro, ao reconhecer a interdependência do marketing e do design.

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Se os designers compreenderem como o marketing pode agregar ao processo criativo e se o pessoal de

O terceiro livro estudado chama-se Fashion Marketing – Contemporary Issues (Marketing de Moda – problemas contemporâneos). Segundo os autores Tony Hines e Margaret Bruce a moda é um negócio global dinâmico e criativo. Trata-se de autoexpressão, emoção e identidade. Designers, desenvolvedores de produto, produtores têxteis, fabricantes, comerciantes, compradores, marqueteiros, técnicos, especialistas, gestores da cadeia de suprimentos de logística, estrategistas e varejistas estão todos envolvidos na entrega do melhor produto para o mercado no tempo mais rápido, e com o preço mais competitivo. A indústria se preocupa com todos os aspectos da concepção, fabricação, comercialização e distribuição do produto de moda. Além disso, todos estes processos devem ser geridos através de grandes e complexas redes de fornecedores e outros intermediários que estão espalhados ao redor do mundo, levando mercadorias aos consumidores. O crescimento da “nova economia” afeta a estrutura do negócio da moda. Novas empresas “pontocom” oferecem produtos de moda através da Internet, e agora, para competir com esse mercado até as varejistas mais tradicionais também vendem seus produtos pela internet. Paralelamente a isto, os consumidores estão cada vez menos leais. Os consumidores buscam agora o melhor negócio, com base em preço, qualidade, conveniência ou a notoriedade da marca, mas a forma com que compram produtos de moda pela internet não é previsível. Os antigos paradigmas de gestão na indústria da moda estão sendo desafiados. O quarto documento a ser estudado trata-se de um artigo chamado Gestão de Varejo de Moda. Segundo os au-

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marketing compreender que dentro da indústria da moda o design pode liderar assim como responder ao requisitos dos clientes, progresso pode acontecer. (EASEY, 2009, pg. 10)

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tores Garrafoni, Keppler e Giuliani o varejo de moda não se restringe apenas a itens de vestuário, mas todo o varejo, onde ciclo de vida dos produtos pode ser considerado extremamente dinâmico e influenciável por fatores externos. Os consumidores dos produtos de moda buscam não apenas o produto em si, mas buscam no produto a satisfação de seus desejos e a materialização de sua identidade, valores e estilo de vida. Para que seus produtos consigam alguma vantagem no varejo, os empresários devem constantemente repensar suas estratégias, sempre baseando-as em todo o mix de marketing. O varejista terá que trabalhar estrategicamente o atendimento, posicionamento, distribuição, preços e promoção para que possa se diferenciar e assim sobreviver neste mercado extremamente competitivo. A fidelização dos clientes é uma das estratégias mais importantes neste setor, portanto empresários devem entender que o mais importante é o foco nos clientes. No entanto, antes de entender o mix de marketing do mercado de moda é preciso fazer uma análise do ciclo de vida do mercado da moda, para que possa aumentar a precisão de suas ações. Na fase de introdução de uma coleção, seu caráter inovador pode até ser considerado indecente. Na fase de crescimento o consumidor típico pode ser considerado excêntrico ou extravagante, já na fase de maturidade o cliente visado é considerado esperto ou inteligente. Quando o produto está em fase de declínio o consumidor é considerado desalinhado e fora de moda. E por fim existe a fase de obsolescência, no qual o consumidor pode ser considerado retardatário ou até mesmo ridículo. Juntamente à essa análise, é necessário ter em mente os principais fatores que influenciam ou retardam o movimento da moda, por meio de uma análise SWOT. Segundo Tim Jackson e David Shaw, autores do quinto livro estudado, Mastering Fashion Marketing, a indústria da

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moda é diferente das outras indústrias, pois, as preferências dos consumidores são bastante inconstantes e voláteis, principalmente graças a fatores incontroláveis, como por exemplo, o tempo, a influência dos formadores de opinião e a grande influência da mídia. Sabe-se que a moda irá mudar constantemente ao longo de um ano, geralmente de acordo com as estações, mas atualmente, no mundo da moda existem muito mais que quatro estações, portanto os varejistas atendem à essa demanda com micro mudanças sazonais. Tais mudanças tão frequentes criam um problema para o consumidor, o qual precisará comprar mais produtos e mais constantemente, para que continue “na moda”. Por esse motivo é fácil compreender porque a moda é um grande problema para várias pessoas, mas esta atividade de criação de problema e criação de solução é central à atividade de marketing. A ideia de que o consumidor compra produtos e serviços para resolver problemas que ele acredita que existam, sugere que problemas possam ser criados ou gerados pelo marketing para vender produtos e serviços. O termo marketing tem um contexto bastante específico dentro da moda, e é geralmente usado para descrever funções de comunicação ligada à promoção de produtos e serviços e a criação de uma identidade. Em sua interpretação mais abrangente refere-se às atividades de negócio relacionadas à compreensão de necessidades, a definição de demanda, desenvolvimento de promoção e venda dos produtos aos consumidores. A identificação de consumidores e suas necessidades é um fator importante que envolve o uso de pesquisas de mercado e a compreensão do comportamento de compra do consumidor. O desenvolvimento de novos produtos e serviços exige a compreensão dos benefícios buscados pelos consumidores. Em seu trabalho acadêmico Marketing em Moda, a autora Sabrina Leães afirma que a estratégia de marketing tem se tornado cada vez mais importante no universo da moda.

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Um dos desafios do marketing da moda está no processo de integração das estratégias e atividades das áreas de marketing, design e de comunicação. A boa comunicação entre estes diversos profissionais torna-se um elemento fundamental para um bom trabalho de construção de identidade de marca, assim como para fortalecer a relação entre marca e seu público-alvo. Uma das principais maneiras de se operacionalizar o conceito de marketing é a segmentação do mercado. A segmentação do mercado oferece “diretrizes” para a estratégia de marketing de uma empresa e assim para uma melhor alocação dos recursos. Uma estratégia de segmentação envolve três etapas: identificar e analisar os segmentos em um produto-mercado; decidir quais segmentos serão selecionados; desenhar e implementar um programa de posicionamento de marketing para cada segmento-alvo. Assim, cada esforço específico de marketing será direcionado para cada segmento escolhido. O desenvolvimento de um posicionamento estratégico requer uma combinação de estratégias de produto, distribuição, preço e promoção. Com todas as mudanças no comportamento empresarial, o desenvolvimento comercial das marcas tem sido acelerado, e o ciclo de vida dos produtos, que já são curtos na moda, tendem a diminuir cada vez mais. Portanto é importante que a área de design, em conjunto com outros setores da empresa, defina as estratégias de mercado, de criação e de produção constantemente. Já no que diz respeito à comunicação, o grande problema não é a falta de informações, mas sim o excesso. Por essa grande quantidade de informações é importante a diferenciação, para que seja reconhecida e valorizada pelo consumidor. O autor Nickolas Xavier, em seu artigo, afirma que o conceito de marketing vem sendo aperfeiçoado ao longo dos anos. No início as definições preocupavam-se majoritariamente com questões de administração, distribuição e

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maximização de vendas, mas com o passar do tempo essas definições passaram a abranger os conceitos de promoção, troca e distribuição física de bens e serviços, produtos, sendo eles tangíveis ou não. Já a definição de varejo não teve muitas modificações, e trata-se basicamente da ação de compras de mercadorias de fabricantes e atacadistas ou a venda direta dessas mercadorias aos consumidores finais. Os dos componentes do mix de marketing mais importante para o varejo é a distribuição, pois ela é capaz de afetar o custo de um produto tanto para o fabricante quanto para o consumidor final. O posicionamento é extremamente importante para o valor que será atribuído pelo consumidor. As empresas devem diferenciar seus produtos de todos os outros já existentes no mercado para assim conquistar seu público-alvo. Para que isso seja possível é preciso um grande planejamento desde a etapa de criação do produto e sempre levando em conta as variáveis tanto internas, quanto externas, até chegar ao consumidor final. Produtos podem ser diferenciados apenas por suas características físicas, mas também por fatores como distribuição, preço, valor agregado e percepção dos consumidores. As empresas podem ainda adicionar fatores intangíveis ao seu posicionamento, como por exemplo, tecnologia, qualidade, status, podendo assim torná-lo mais eficaz. Sabe-se que o ser humano possui necessidades básicas, mas nem sempre essas necessidades são a maior motivação de compra para os consumidores. Pode-se dizer que as necessidades secundárias estão sobrepondo as primárias. No varejo da moda, consumidores pagam preços elevados por roupas, por exemplo, satisfazendo a necessidade básica de vestir-se, mas além disso, satisfazendo um desejo. “Os objetos extrapolam suas funções básicas e passam a fazer parte do ser possuidor, o consumidor procura no objeto qualidades que quer para si mesmo.” (XAVIER, 2006, p. 10)

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Considerações finais

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Por muitos anos, teorias e conceitos de marketing mais genéricos foram usados no estudo do mercado da moda, no entanto, por ser uma indústria extremamente volátil e única, sentiu-se a necessidade do desenvolvimento de conceitos de marketing próprios. Ações de marketing de moda são essenciais, pois produtos de moda possuem um curto ciclo de vida e por isso suas vendas devem ser maximizadas em um curto período de tempo. A melhor maneira de se operacionalizar ações de marketing, é por meio da segmentação do mercado, que deve levar em conta dados demográficos, geográficos e psicográficos. Através da segmentação apropriada é possível empreender esforços corretamente, voltados ao público-alvo desejado. Depois da decisão de segmentação será criado então o posicionamento da marca. O posicionamento é importante para que a marca seja diferenciada de todas as outras, para assim chamar a atenção de seu público-alvo, seja por características físicas, por preço, valor agregado ou outros fatores. O marketing e a comunicação devem ser utilizados para atrair e seduzir seu público-alvo. A grande maioria dos autores citados ressaltou que consumidores não buscam apenas a satisfação de necessidade, mas também a satisfação de seus desejos, portanto o marketing pode ser utilizado para identificar quais são estes desejos e necessidades, mesmo que inconscientes, para então desenvolver produtos que sejam atraentes para seus consumidores.

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Referências bibliográficas e webgráficas

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COBRA, Marcos. Marketing & Moda. 3. ed. São Paulo: Senac São Paulo e Cobra Editora e Marketing, 2009. EASEY, Mike. Fashion Marketing. 3. ed. Oxford, Uk: Wiley -blackwell, 2009. HINES, Tony; BRUCE, Margaret. Fashion marketing - Contemporary issues. 2. ed. Oxford Uk: Butterworth-heinemann, 2007. JACKSON, Tim; SHAW, David. Mastering fashion marketing. 1. Ed. UK: Palgrave Mcmillan. 2009 JUNIOR, Atílio Garrafoni; KEPPLER, Eugenio Vila; GIULIANI Carols. Gestão no varejo de moda. 2003 LEÃES, Sabrina Durgante. Marketing em moda. Portugal. 2008 PALOMINO, Erika. A Moda. São Paulo: Publifolha, 2003. RODRIGUES, Nickolas Xavier. Comportamento do Consumidor no Varejo de Moda. Belo Horizonte. 2006. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007. STEVENSON, NJ. Cronologia da moda. São Paulo: Zahar, 2012.

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MARKETING DE LUXO

O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DO MERCADO DE LUXO NO BRASIL NO SÉCULO XXI: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO E COMPARATIVO JÚLIA MATAVELLI CERQUEIRA é publicitária formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Quando pensamos em mercado de luxo, logo nos vem à cabeça países como Estados Unidos, França e Itália. Contudo, nos últimos anos, o setor passou a sofrer mudanças que impulsionaram o consumo de bens de luxo nos países em desenvolvimento e o enfraqueceram nos países desenvolvidos. Os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são vistos como os países mais promissores e o Brasil, vem aumentando sua participação no mercado de luxo global devido a alguns fatores os quais serão abordados no decorrer deste artigo, como a abertura de novas lojas nas principais capitais brasileiras e a adesão das marcas de luxo ao sistema de pagamento parcelado – existente apenas em solo brasileiro. Assim, além dos consumidores antigos que eram acostumados a viajar para consumir luxo, o país aumentou e modificou a sua gama de clientes no decorrer do tempo. A relação mais próxima entre o brasileiro e o luxo deu-se no início da década de 1990 quando a economia abriu-se para as exportações. Com isso, iniciou-se um processo de aceitação e adesão ao consumo de luxo, visto até hoje, e que foi apoiado pela estabilidade econômica do país dos últimos anos.

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Introdução

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Diante desse rápido acesso a novos produtos, o brasileiro identificou o objeto de luxo como algo para se ostentar, mas, de acordo com alguns autores estudados no decorrer desta pesquisa, o mercado está amadurecendo e fazendo com que variem as motivações de compra. Hoje, já é possível identificar consumidores que compram pela qualidade dos produtos, outros que consomem pela história da marca, aqueles que veem o luxo como troféu de merecimento e, ainda, aqueles que desejam mostrar seu status social. Contudo, vale destacar que o processo é longo e demorado. Por outro lado, ainda temos muitas dificuldades e barreiras a serem rompidas. A primeira delas, é a alta taxa de impostos cobrados no Brasil, o que multiplica o valor real dos produtos importados. Com isso, os principais concorrentes das lojas de luxo no Brasil são as matrizes da Europa e dos Estados Unidos, o que faz com que percamos dinheiro internamente. Outro desafio é atender as altas exigências do consumidor brasileiro, que precisa de um serviço atencioso, personalizado e impecável. Para conquistar o consumidor brasileiro e mostrar que ele pode sim realizar suas compras dentro do seu país de origem, as grifes de luxo precisaram entender os hábitos nacionais e se adaptar aos nossos costumes. A maneira mais rápida e atrativa que as empresas acharam, foi a adesão ao sistema de pagamento parcelado, que possibilitou ao cliente comprar luxo em cinco, ou até mesmo, 10 parcelas, o que não acontece em nenhum outro lugar do mundo. Ou seja, as marcas entenderam que o brasileiro gosta de parcelar, mesmo que não precise. A segmentação do perfil de clientes também é outra arma das empresas de luxo e também usada pelos estudiosos da área. Atualmente, segundo alguns autores estudados, temos dois principais perfis: o “rico tradicional” e o “novo rico”. Enquanto o primeiro é mais comum em países europeus e nos Estados Unidos, o segundo destaca-se em

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mercados como dos BRICS. É justamente tal comparação que constitui o tema central deste artigo. Outro ponto a ser abordado no decorrer desta pesquisa, é o conceito de “Novo Luxo”, que é como o luxo ficou conhecido nos últimos anos. As marcas que atuam nesse novo universo oferecem ofertas premium de produtos ou serviços com uma diferenciação genuína a fim de atingir a massa consumidora por meio de apelos emocionais (SILVERSTEIN, FISKE & BUTMAN). Juntamente com esse novo conceito de Novo Luxo, a “democratização do luxo” aparece cada vez mais forte no cenário atual baseada, principalmente, em fatores psicológicos do consumidor e também nas estratégias de mercado das marcas. De acordo com Danzinger (2005), o campo experiencial, que vem sendo amplamente abordado pelas grifes, oferece significados profundos e intangíveis ao ser explorado pelos clientes. Sambrana (2007) comenta a respeito da expressão “masstige” (mass + prestigie = “massificação do prestígio”) que definiu um novo movimento aonde “Empresas voltadas para o grande público estão adotando estratégias da indústria do glamour para ganhar mercado”. O autor analisa que o luxo tradicional é impactado diretamente por essa democratização do novo luxo. Isso acontece pois as empresas do segmento do luxo tradicional preferem destacar-se completamente dos outros segmentos e buscam atingir o topo da pirâmide do prestígio além de revelar uma grande resistência em agregar a massa de consumidores. Com isso, essas empresas voltam às premissas básicas do luxo: produtos inacessíveis, alta qualidade de materiais e obra-prima, tradição e forte controle do processo de distribuição. Enquanto as empresas do novo luxo buscam estabelecer a ligação emocional entre o produto e o cliente sem deixar de lado a qualidade superior e a inovação, as do luxo tradicional têm como desafio manter o universo do sonho atrelado aos seus produtos e serviços.

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Também será analisado o fato de que os profissionais de marketing precisam entender as necessidades, desejos e as preocupações do cliente. Segundo Kotler (2006) eles também devem observar quem os clientes admiram, com quem interagem e quem os influencia. Sendo assim, O Mercado do Luxo no Brasil está em expansão e registra um marco importante na economia do país. Expandir o conhecimento e compreender melhor esse mercado são ferramentas fundamentais para os profissionais e empreendedores que nele atuam. (MCF CONSULTORIA, 2011)

“Nem todas as empresas podem ou devem ser de Luxo, mas todas elas podem aprender com o negócio do Luxo” (FERREIRINHA, sem data).

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O luxo e sua história

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Este artigo concorda com Alléres (2006) que dividiu o universo do luxo em três diferentes níveis de privilégio e de exclusividade: luxo acessível, luxo intermediário e luxo inacessível. Primeiramente, o luxo acessível é aquele que diz respeito à classe média atual e a produtos de entrada e/ou itens de série, por exemplo, itens de beleza, higiene e cuidados pessoais. Tais clientes realizam compras ocasionalmente baseados na influência direta que recebem das classes superiores. Já o luxo intermediário refere-se a uma classe social mais bem-sucedida – relativo à classe B brasileira – que usa produtos exclusivos capazes de os diferenciar da classe inferior a ele. Por outro lado, também imita a classe superior a ele. De acordo com Strehlau (2008), essa categoria abran-

ge artigos de couro, acessórios e produtos com uma menor produção em série. Por fim, o luxo inacessível reflete aqueles produtos que são consumidos pela classe mais distinta socialmente, a classe A, que é responsável por impulsionar o consumo das classes inferiores e ditar tendências. Compreende produtos e serviços raros, seletos, de alta qualidade e tradicionais. Em relação à definição de produtos de luxo, Produto de luxo é toda criação fora do comum ou do trivial, extraordinária, sinônimo de beleza, de estética, de refinamento, produto mágico, com as marcas da sedução, objeto lúdico, evocativo de sonho, de prazer, promessa de felicidade, qualificada como prestigiosa, de alta classe, peças que se aproximam do perfeito. São bens que justificam as altas somas investidas em função da gratificação sensorial que proporcionam aos seus usuários (ALLÈRES, 2006).

Lu.xo sm (lat luxu) 1 Magnificência, ostentação, suntuosidade. 2 Pompa. 3 Qualquer coisa dispendiosa ou difícil de se obter, que agrada aos sentidos sem ser uma necessidade. 4 Tudo que apresenta mais riqueza de execução do que é necessário para a sua utilidade. 5 O que é supérfluo, que passa os limites do necessário. 6 Aquilo que apresenta especial conforto. 7 Capricho, extravagância, fantasia. 8 Viço,

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Mas, afinal, o que é luxo? “Etimologicamente, a palavra “luxo” possui duas principais interpretações quanto à sua origem: a primeira delas consiste do latim “lux”, que significa “luz” (BRAGA 2004 apud MATTA, 2010). Tal definição nos transmite sensações de magnificência, poder, luminosidade. No Dicionário Michaelis,

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vigor. 9 Esplendor. 10 Dengue, melindre. 11 Afetação, negação afetada, recusa fingida.

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Como cada pessoa tem uma visão diferente do que é luxo, sua definição torna-se relativa. Contudo, em um âmbito geral, o termo “luxo” refere-se a um objeto mais duradouro e melhor acabado do que a maioria, além de mais belo. Esses objetos devem ser caros, raros e exclusivos, pois se forem acessíveis a várias pessoas, deixam de ser considerados luxuosos. Desde muito tempo atrás até hoje, o luxo serve para simbolizar a distinção social e a soberania entre classes sociais, além de transmitir poder, estilo e privilégio. O luxo encontra-se relacionado com o universo da beleza e aos momentos de felicidade. Aparece como um sonho capaz de embelezar a vida através de uma perfeição produzida pelo ser humano (2005 LIPOVETSKY, ROUX apud FRASSON; 2013) De acordo com Strehlau (2008), o luxo é diretamente relacionado com as marcas fortes e reconhecidas no mercado atual, o que torna a dissociação muito difícil de ser realizada ao buscar-se os significados do luxo. Marcas como Chanel, Hermès, dentre outras, possuem uma história tão forte em suas raízes, que se utilizam dessa história para renovar-se a cada ano. Em seu texto, Frasson (2013) apresenta o luxo como sendo um elemento distintivo e indicador social. Defende que as pessoas querem ascender socialmente e buscam isso através do consumo de bens de luxo. Sendo assim, as marcas de luxo, aparecem como uma recompensa e um símbolo de elevação social e econômica. Diniz (2013) relata a importância em classificar o valor de um produto ou serviço de acordo com a percepção existente sobre ele, tanto durante a compra quanto em seu uso relacionando-o com um sentimento e uma satisfação pessoal, social, emocional ou financeira. Ou seja, o valor do produto de luxo não diz respeito apenas ao resultado da soma dos

Luxos para casa: Obras de arte, objetos decorativos, antiguidades, tecidos, móveis, louças, talheres, utilidades domésticas, objetos eletrônicos, dentre outros. Luxos pessoais: Automóveis, produtos de beleza e higiene pessoal, cosméticos, sapatos, perfumes, roupas e acessórios de moda, joias e relógios. Luxos experienciais: Turismo, gastronomia e restaurantes, entretenimento, spas, serviços de massagem, serviços de luxo para casa, etc.

Diniz (2013) conceitua o luxo de dois modos: “tradicional” e “contemporâneo”. O luxo tradicional condiz com

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elementos de produção, matéria-prima e custos de produção, mas sim na subjetividade encontrada pelo consumidor. Rosa (2010) aponta o luxo como algo que está diretamente relacionado às emoções. Ele aparece como algo exclusivo por natureza e que proporciona ao consumidor valores criativos, experimentais e emocionais. Também evoca sensações de deslumbramento, encanto, poder e esplendor além de remeter ao difícil acesso e ao desejo, ao invés da necessidade. As necessidades e os desejos são duas vertentes essenciais ao ato do consumo. De acordo com Diniz (2013), enquanto a necessidade obedece à premissa da satisfação, o desejo, situa-se na lógica da insatisfação incessante. Por isso, existem algumas visões negativas sobre a cultura do consumo, principalmente sobre o consumo do luxo, identificando-o como uma alienação por parte de seus consumidores. Contudo, o consumo abrange um esforço criativo e crítico dos seus consumidores e, assim, leva à geração de significados. Passarelli (2010) é claro ao traduzir o mercado de luxo como o “império dos desejos”. Vale apresentar, como os setores do luxo estão distribuí­ dos atualmente perante o mercado consumidor, de acordo com Diniz (2013):

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aquele serviço ou produto que é raro e exclusivo, desenvolvido para poucos, cuja confiança está implícita na marca. Possui um caráter objetivo, relacionado ao materialismo e a tudo aquilo que o dinheiro pode comprar. Traz destaque pessoal perante a sociedade. Já o luxo contemporâneo possui um caráter subjetivo ao caracterizar o luxo simbolicamente como algo raro, exclusivo e de difícil acesso. Carrega uma carga emocional advinda da necessidade humana de obter um significado pessoal. O novo luxo surge da ideia do “não se ter” o necessário – diferentemente do luxo tradicional, que surgiu como o “se ter”. Diniz (2013) continua ao afirmar que, em tempos de globalização, o luxo contemporâneo vai ficando cada vez mais em evidência sem deixar que o luxo tradicional deixe de existir. Ambos irão conviver juntos em todos os mercados globais de luxo. Na Europa, já houve a transição do luxo tradicional para o contemporâneo, enquanto no Brasil apenas algumas pessoas já perceberam essa mudança. Como já analisado anteriormente, o brasileiro ainda está aprendendo a consumir luxo o que impacta na maneira como vemos o luxo por aqui. Oliveira (2010) cita Lipovetsky (2004) ao relatar que jamais alguma sociedade tenha rejeitado o luxo e seus significados sendo que, desde a pré-história, o homem apresentava comportamentos ligados ao luxo como o uso de adornos. A organização de festas magníficas caracterizadas pelo excesso e pelo consumo também remetia ao luxo. Ainda sobre a história do luxo,

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O surgimento do universo do luxo decorre da necessidade de uma classe social distinta. Isso é fácil de ser visualizado se lembrarmos dos reis que pertenciam ao topo da pirâmide social, com um poder ilimitado para governar o seu Estado. Para se distinguirem, usavam produtos que davam maior imponência, através do

seu símbolo, brilho, peso e unicidade – como coroas, brasões, anéis e ornamentos (DINIZ, 2013).

Lipovetsky (2004 apud OLIVEIRA; 2010, p. 61), afirma mais adiante que: Foi com o surgimento do conceito de Estado, 4.000 anos a.C., que surgiu a separação social entre ricos e pobres. Nesse novo momento histórico, passou-se a dedicar objetos de alto valor – inclusive mágico – aos mortos. Nesse sentido, o luxo se tornou um elo entre os vivos e os mortos. Do mesmo modo, o luxo se tornou uma maneira de traduzir a soberania dos reis. O luxo passou a ser o traço distintivo do modo de viver, de se alimentar e até de morrer entre os ricos e pobres. Assim, fixou-se a ideia de que os soberanos deveriam se cercar de coisas belas para mostrar sua superioridade, o que gerou a obrigação social de se distinguir por meio das coisas raras. Na escala dos milênios, se sempre houve algo que jamais foi supérfluo, foi o luxo. Era totalmente imbuído da função de traduzir a hierarquia social, tanto no aspecto humano quanto no mágico.

O luxo, segundo a concepção dos gregos na antiguidade, pelo seu próprio caráter de excesso e fartura, era concebido como um valor um tanto positivo, ligado à ideia do esplendor e da magnificência quando associado ao luxo público. No sentido privado, da vida individual ou familiar, era carregado de um senso negativo de corrupção das virtudes pessoais e da família. Isso se deve ao fato de que, numa socie-

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Na linha do tempo, sobre a Grécia Antiga, os autores citados afirmam que:

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dade onde se valorizava o bem-estar público e a cooperação mútua, vangloriar-se numa escala privada era o mesmo que se imergir num poço de egoísmo. Assim sendo, festas e presentes eram as principais formas de demonstrar uma opulência individual, chamando a atenção ao compartilhar e dividir com seus pares (OLIVEIRA, 2010, p. 59).

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Ainda de acordo com Oliveira (2010), passando para a Roma Antiga, o luxo tornou-se mais ligado ao universo feminino e aos prazeres físicos da carne, em especial às comidas e bebidas. Isso aconteceu devido à forte priorização das virtudes físicas e intelectuais entre os homens daquela sociedade. Perante a tradição religiosa Ocidental, o luxo era visto como fonte de prazer terreno, oposto dos valores espiri­ tuais. Essa condenação ao luxo veio influenciada pelo pensamento judaico-cristão que o relacionava ao prazer sensorial, oposto da fé e do trabalho (OLIVEIRA, 2010). Para Castarède (2005) o Renascimento é a época que deve ser considerada de grande desenvolvimento para o luxo no que diz respeito a roupas, mobiliário e arte. Nesta época, aparece uma nova forma de luxo ligada à beleza e baseada em coleções de obras de arte que tornaram-se instrumentos de prestígio. Rosa (2010) apresenta esse período como quando a arte e a moda surgiram como importantes manifestações das sociedades ocidentais e viriam a ocupar um lugar de extrema importância no chamado “Luxo Moderno”. Por fim, foi nesse período, que o luxo recuperou seu conceito associado à glória mortal. Para Alléres (2006), o luxo entrou no seu apogeu durante o século XVIII, ao assumir o conceito que conhecemos hoje em dia. Foi no decorrer deste século, que a burguesia tentava imitar os hábitos da aristocracia. Para isso, os burgueses compravam objetos de distinção social sem se im-

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portar com o desejo de possuir bens preciosos mas sim, de fazer parte das classes mais poderosas. O século XIX, época marcada pelo desenvolvimento industrial, induziu o luxo à democratização desde a Revolução Industrial e, através do avanço da produção em série, proporcionou um acesso maior dos produtos de luxo para um maior número de pessoas. O luxo é visto como algo necessário ao bem-estar e recompensa ao sucesso de uma vida prática e funcional. A Revolução Industrial do século XVIII trouxe consigo o desenvolvimento técnico que foi o responsável por impulsionar o luxo moderno na chegada do século XX. De acordo com Alléres (2006), a nova classe social superior passa a ser considerada importante, tanto socialmente quanto economicamente, devido às suas atividades profissionais. Ela seleciona suas aquisições baseada em um estilo de vida que varia em função de pertencer a um grupo social e alimentar sua história pessoal, seus sonhos e fantasias. Contudo, somente na segunda metade do século XX começa a ser definido o modelo de consumo tal qual conhecemos hoje em dia e que teve seus alicerces no desenvolvimento da classe média que se recuperava após a Segunda Guerra Mundial. Na década de 1970 surgiram grandes marcas referências do mercado de luxo mundial, como Yves Saint Laurent, Paco Rabanne e Cacharel. Mas foi a década de 1980 que tornou-se conhecida como a “década dourada do luxo”, devido ao fato de que 2,5% da população americana voltou a consumir bens de luxo após o fim da crise do petróleo (DINIZ, 2013). Rosa (2010) afirma que a sociedade buscava se autodeterminar e, para isso, investia em produtos diferenciados e que promovessem êxito social. Aqui, a demanda era maior do que a oferta e refletia a busca dos consumidores pelo status social e não por experiências. Os anos 90 diferem-se da década anterior por gerar um consumo mais seletivo. Castarède (2010) diz que a extra-

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vagância deixou de ser o motor que alavancou o consumo de luxo. Chegou-se a pensar que poderia ser o “desaparecimento do luxo”, mas era apenas uma década marcada por um novo foco. Com o início do século XXI, nota-se uma explosão consumista que ficou conhecida como “democratização do luxo”. Rosa (2010) destaca a tecnologia, o lazer e a moda como os principais setores afetados. Diniz (2013) revela que a partir dos anos 2000, a democratização do luxo fez com que as marcas de luxo criassem novas categorias de produtos com novos preços para atingir e conquistar um novo público. Diversas marcas criaram submarcas com identidade e posicionamento diferentes e produtos premium com preços mais acessíveis, como por exemplo a italiana Valentino (1959) que deu vida à RED Valentino em 2003. Para Justino (2015), as marcas precisam estar globalizadas e dispostas a dialogar com novos consumidores. Isso porque a democratização do consumo não concentra-se apenas no poder econômico que a classe média tem para adquirir bens de luxo, mas também no dever das marcas de oferecer o mesmo tratamento para todos seus clientes, independentemente da classe social a qual se encontram. Numa era onde a democratização se choca com a premissa da exclusividade que define os produtos de luxo, os consumidores constroem uma relação emocional com as marcas e com os valores disseminados por elas. Para Carlos Ferreirinha (2012),

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A internet já deixou de ser novidade, com acesso cada vez mais democrático, mas ainda é um desafio para empresas de consumo de massa, e é desafio ainda maior para empresas do segmento do Luxo. As empresas de consumo de massa têm como principal foco o custo, sendo que o seu maior desafio é

se fazer presente junto ao seu consumidor, o que é completamente diferente do desafio das empresas do segmento do Luxo. As marcas do Luxo precisam contar uma história, envolver o consumidor, criar uma experiência para o seu cliente, o que torna a web um ambiente inóspito e difícil para estas empresas. Mas é um desafio que elas precisam e irão superar, dado o crescimento e a dimensão que a internet está tomando na vida das pessoas.

Lipovetsky (2005 apud Diniz 2013, p. 17) relata que,

Com essa delimitação de perfis tão díspares, cabe a cada empresa atuante no mercado de luxo conhecer muito bem o perfil do seu consumidor, seus gostos e suas pretensões para que, dessa forma, consiga mantê-lo junto a si em uma época que é tão difícil falar-se em fidelidade. Para isso, o bom atendimento continua sendo o melhor caminho ao construir relações e parcerias que vão muito além das vendas.

Quem é o consumidor de luxo no Brasil Sendo o principal pilar deste estudo, conhecer profundamente o comportamento do consumidor de luxo no Bra-

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Antigamente, os ricos tinham obrigação de usar joias e viver em mansões para se diferenciar das outras classes sociais. Essa obrigação acabou – ou está em vias de [...] O luxo contemporâneo não é alimentado pela vontade de despertar inveja no outro, de ser reconhecido pelo outro, mas pelo desejo de admirar a si próprio, de deleitar-se consigo mesmo. É essa dimensão narcísica que se tornou dominante e está mudando o conceito do luxo.

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sil, a construção desta definição passa pela necessidade de conhecimento das suas características pessoais, psicológicas, geográficas, culturais e econômicas. É sabido que o mercado do luxo no Brasil está vivendo um momento mágico. Diniz (2013) relata que 78 marcas de luxo de moda chegaram ao país na última década. Em 2012, a Bain & Company na 11ª edição do “Luxury Goods Worldwide Market Study” projetou um crescimento – no médio prazo, até 2017 – de 25% do mercado de luxo brasileiro. Diniz (2013) enumerou dois principais fatores para o desenvolvimento deste mercado nos últimos anos, além de eventos pontuais como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, que são: Bônus Demográfico com início em 2007 e o Grau de Investimento. O Bônus Demográfico, de acordo com o IPEA (2010), acontece quando a população em idade produtiva de um país é maior do que a população que não está em idade produtiva, ou seja, crianças e idosos. Isso gera um aumento da expectativa de vida além de um desenvolvimento econômico. Com início em 2007, a previsão é de que esse bônus acabe em 2030 quando a taxa de dependência dos idosos voltará a subir no Brasil. Em relação ao Grau de Investimento,

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O grau de investimento ou “investment grade” é uma nota concedida pelas agências de classificação de risco que indicam a capacidade de um país em pagar sua dívida interna e externa. Vários indicadores são avaliados como o índice de reservas internacionais, solidez da economia, estabilidade política, entre outros fatores sociais, como liberdade de imprensa e distribuição de renda entre a população (PORTAL UOL ECONOMIA, 2008).

Ainda de acordo com o Portal UOL Economia (2008), as

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agências Standard & Poor’s e Fitch Ratings inseriram o Brasil no grupo dos países com Grau de Investimento em 2008. Essa avaliação é de extrema importância para que o governo e as empresas brasileiras consigam obter empréstimos com melhores condições de pagamento. Outro dado importante, fornecido por Diniz (2013), é que o número de brasileiros com ativos que ultrapassam US$ 1 milhão cresceu 47,9% entre 2009 e 2013 – quando atingiu o patamar de 191 mil. Até 2018, a previsão é de que o país ganhe mais 43 mil novos milionários. Pesquisas mostram uma tendência da diminuição da idade dos milionários no Brasil. Isso acontece graças ao surgimento de novas áreas de negócios, inclusive da internet, que são realizadas com um baixo investimento e fornece retorno rápido, influenciando no aumento do número de jovens milionários no país. Além disso os jovens empreendedores colocam a carreira em primeiro lugar (LOES; AQUINO, 2011). Mesmo diante de um cenário econômico pessimista em 2015 para o Brasil, o mercado de luxo parece não estar sendo afetado. Tanto que a previsão de crescimento se mantém até – pelo menos – 2019. A demanda de produtos importados e com alto valor agregado continua aumentando devido não só a satisfação prática no uso do produto, mas sim ao status oferecido. O Portal UOL Economia é enfático ao afirmar que “as empresas de luxo também veem no Brasil um potencial de crescimento”. O que condiz com as informações de que, em 2015, a Apple abrirá sua segunda loja no Brasil, Saint Laurent a primeira, a Cartier a terceira e Jaguar Land Rover a sua primeira fábrica. É evidente que São Paulo é a cidade brasileira que mais consome luxo. De acordo com Diniz (2013), a cidade concentra 70% desse mercado. Contudo, o autor relata que foi preciso desenvolver outras regiões brasileiras, portos e rodovias para que o país não se tornasse tão dependente de

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São Paulo. Assim, temos o Rio de Janeiro e Brasília como locais estratégicos para o futuro do mercado de luxo, sendo Brasília a cidade mais promissora ao excluir São Paulo e Rio de Janeiro. O alto interesse em Brasília acontece devido ao fato de que a cidade possui o maior PIB per capita do país além de ser o centro político do Brasil e ter sofrido um boom no mercado após a chegada do Shopping Iguatemi. Uma pesquisa mostrou que o Rio de Janeiro foi a cidade que mais cresceu como destino de investimentos das operações de luxo, passando de 30% para 62%. Curitiba aparece com um crescimento de 13% para 27% nos últimos anos enquanto Brasília e Belo Horizonte aparecem empatadas com 23%. São Paulo registrou uma queda de 5%, mas ainda se mantém na liderança como foco de expansão. Essa é uma consequência da descentralização do mercado de luxo brasileiro (GFK e MCF CONSULTORIA, 2013). Para acentuar estas informações, referentes às classes sociais brasileiras, segundo Paduan:

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Apesar de se tratar de um grupo ainda pequeno ante os quase 200 milhões de habitantes do país, a elite econômica brasileira se espalha por um espectro gigantesco: vai dos bilionários das finanças e dos negócios a uma família com renda de 7.000 reais por mês, o mínimo para integrar a classe B (PADUAN, 2011).

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De acordo com Paduan (2011), estudos da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto de Pesquisas Data Popular apontaram que entre 2003 e 2007 quase sete milhões de pessoas atingiram o patamar da alta renda, o que registra um marco de 20 milhões de brasileiros pertencentes à elite econômica do Brasil. Isso faz com que os limites entre as classes sejam redefinidos com melhores oportunidades de ascensão. A pesquisa também constatou que quase metade das pessoas

entrevistadas das classes A e B são da primeira geração da família a estarem inseridas nesses grupos, fazendo com que os consumidores tenham poder de compra referente ao da classe A, mas mantenham pensamentos e hábitos de consumo da classe C como, por exemplo, pesquisar preços e basear-se no custo benefício do produto ou serviço. Sobre as características do mundo do luxo,

Diniz (2013) continua comparando os emergentes e os tradicionais ao diferenciá-los não apenas pelo valor econômico dos produtos e serviços consumidos, mas, principalmente, pelo bom gosto e pela harmonização de usos. A respeito da atual ostentação narcísica, Justino afirma que: É possível dizer que o luxo hoje, era do exibicionismo nas redes sociais, corresponde mais a uma ferramenta de promoção pessoal que uma imagem de classe.

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Uma das particularidades está relacionada à sensação, onde o “ter” é mais importante do que o “ser”. Isso quer dizer que, para a falta de conteúdo no “ser”, investe-se no “ter”, que representa a senha e dá status para estar em um grupo social. Entretanto, esse “ter” reflete dois lados do consumismo: a satisfação de uma necessidade pessoal e a ascensão social, pertencendo a um grupo. Esse grupo de elite econômica é formado por dois subgrupos: os emergentes (“new money”) e os tradicionais (“old money”), sendo que, normalmente, este último se distingue do outro por possuir um gosto mais refinado. A elite tradicional, fundamentada na prerrogativa social, tem um comportamento muito interessante quando começa a ser imitada: ela assume uma nova postura para manter a sua distinção social (DINIZ, 2013, p. 73-74).

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Plataformas como o Instagram nos aproximaram do cotidiano de celebridades e milionários como nunca. Com poucos cliques no celular, podemos saber as marcas que eles vestem, restaurantes que frequentam e as viagens que fazem. Essa super exposição cria objetos de desejos, cada vez mais palpáveis ao consumidor comum e atrai para as empresas clientes que antes se mantinham distantes de suas lojas. Porém, afasta os mais tradicionais que viam no luxo um sinônimo de diferenciação (JUSTINO, 2015).

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O Credit Suisse (2014 apud G1 ECONOMIA 2014) constatou que, assim como outros países da América Latina, o Brasil tem mais pessoas na faixa de riqueza entre US$ 10 mil a US$ 100 mil. A estimativa é que o número de milionários entre os brasileiros – em 2014, eram 225 mil – siga crescendo e que, em 2019, esse grupo conte com 332 mil pessoas. Além disso, o Brasil ganhou 200 novos “ultrarricos” no último ano, passando de 1.700 para 1.900 o número de pessoas com mais de US$ 50 milhões. “A cidade de São Paulo será, em 2025, a sexta mais rica do mundo, atrás de Tóquio, Nova York, Los Angeles, Londres e Chicago, e à frente de Paris.” (SHOPPER EXPERIENCE, 2014). Em 2011, São Paulo ocupava a décima posição deste ranking e era vista como a mais promissora capital da América Latina no que diz respeito ao consumo de bens de luxo. O consumidor do mercado do luxo no Brasil é totalmente diferente dos consumidores dos outros países e o mercado soube se adaptar a essa realidade. A venda a prazo nas marcas de luxo, por exemplo, só existe no Brasil – o que é um case de sucesso – já que pagar parcelado no cartão de crédito é um costume exclusivamente nacional. Além disso, o consumidor brasileiro é emocional, impulsivo, exigente e tem afinidade com logotipos. Porém, sofremos com um alto índice de ostentação que é resultado de uma história com

elevadas taxas de importação e inflação que geraram um baixo poder de compra (DINIZ, 2013). Como o mercado de luxo ainda é prematuro no Brasil, é de extrema importância para as marcas conhecerem esse tipo de consumidor e saber alinhar perfeitamente seus desejos e necessidades. Sendo assim, a seguir será apresentada uma pesquisa realizada pela empresa Cognatis Geomarketing, encomendada pela revista Exame e apresentada por Diniz (2013), que mapeou o consumidor do mercado de luxo brasileiro e apontou as seguintes características: Faixa etária – Até 29 anos (5%) – Entre 30 e 39 anos (16,7%) – Entre 40 e 64 anos (62,9%) – Acima de 65 anos (15,4%) Sexo – Mulheres (58%) – Homens (42%)

Renda No que diz respeito à renda familiar dos brasileiros pertencentes às classes A e B, praticamente 80% dessas famílias possui um ticket mensal de R$15.950,00 e estão subdivididas conforme as denominações a seguir: – Família moderna madura (ambos os cônjuges traba-

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Segmentação geográfica – Sudeste (61%) – Sul (15%) – Nordeste (13%) – Centro-Oeste (7%) – Norte (4%)

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lham, pelo menos um tem mais de 45 anos e têm filhos com menos de 18 anos): 8 milhões de pessoas. – Família moderna (ambos os cônjuges trabalham, têm menos de 45 anos e possuem filhos com menos de 18 anos): 4,2 milhões de pessoas. – Solteiros com filho adulto (homem ou mulher solteiros, separados ou viúvos, com filho maior de 18 anos): 1,8 milhões de pessoas. – Família tradicional (casal com menos de 45 anos, em que só um trabalha e com filho menor de 18 anos): 1,2 milhões de pessoas. – 4,8 milhões pertencem a outros grupos. Atratividade da marca – Glamour/Tradição (40%) – Exclusividade de produtos e serviços (35%) – Atendimento personalizado (15%) – Variedade de produtos e serviços (5%) – Localização (4%) – Preço (1%)

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Na pesquisa, realizada em 2011 pela Shopper Experience, foram entrevistadas 930 pessoas consumidoras de luxo, entre homens e mulheres, de 18 a 55 anos, pertencentes à classe A paulistana. Tal pesquisa apontou as marcas de luxo mais desejadas que serão listadas resumidamente a seguir.

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– Marcas de moda feminina: Chanel (15%), Gucci (7%), Dolce & Gabanna (6%), Prada (7%). – Moda masculina: Giorgio Armani (20%), Lacoste (19%), Diesel (10%). – Bolsas femininas: Louis Vuitton (30%), Chanel (17%), Prada (9%), Hermès (9%), Marc Jacobs (5%), Gucci (4%), Balenciaga (3%). – Cosméticos: Lâncome (20%), MAC (18%), Chanel (10%).

– Joias: Tiffany&Co (27%), H.Stern (23%), Bulgari (6%), Cartier (6%). – Carro off road/SUV: Land Rover (29%), BMW (16%), Porsche (13%). – Carro sedan de luxo: BMW (17%), Mercedes-Benz (16%), Lamborghini (12%), Porsche (12%). – Bebidas: Dom Pérignon (23%), Veuve Clicquot (21%), Moet & Chandon (11%). – Destinos: Dubai (14%), Paris (14%), Nova York (9%), Londres (5%), Istambul (3%), Cote D’Azur (3%), Tóquio (2%), Ilhas Maurício (2%), Tahiti (2%), Aspen (2%). Já no que diz respeito às marcas brasileiras de luxo, o Brasil vê surgir uma identidade fortalecida na cultura social. Se antes imitávamos, agora começa-se a construir um novo cenário visto sob perspectiva nacional. Como exemplo de marcas de luxo brasileiras, temos: H.Stern, Fasano, Patrícia Bonaldi e Glória Coelho. A GFK e MCF Consultoria (2011 apud Diniz 2013), apresentaram uma lista com as marcas de luxo brasileiras preferidas pelos brasileiros que será resumida a seguir:

Na mesma pesquisa, também foram listadas as empresas globais de luxo preferidas pelos brasileiros: – Louis Vuitton (30%) – Hermès (12%) – Chanel (8%)

Com que roupa eu vou?

– H.Stern (24%) – Daslu (20%) – Fasano (5%) – Osklen (4%) – Victor Hugo (3%) – Ricardo Almeida (2%)

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– Giorgio Armani (6%) – Gucci (5%) – Tiffany&Co. (5%) – Cartier (3%) – Dior (3%) Em suma, o cliente brasileiro é ávido por consumo, inclusive no que diz respeito aos bens de luxo. Com uma oferta cada vez mais crescente de novas marcas, produtos e serviços, é natural a aproximação dos consumidores com esse mercado. Por fim, o brasileiro tem o desejo de pertencer a um universo mais sofisticado e exclusivo no mundo inteiro (DINIZ, 2013).

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Como conquistar e fidelizar o consumidor brasileiro de luxo

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No Brasil, assim como em todo o mundo, os ricos tradicionais e os novos ricos têm comportamentos diferentes diante do consumo de luxo. “O consumidor da Classe A é avesso à exposição e preza pela exclusividade até na hora de ser abordado para a divulgação de produtos e serviços”. (2011 Susskind apud Shopper Experience 2011). Perante este novo cenário as grifes que atuam diretamente com a elite tradicional optam por realizar os desejos de seus clientes por meio de experiências únicas e personalizadas. Desta maneira, a experiência de compra aparece como algo “tão ou mais importante do que o produto em si” (2011 Susskind apud Shopper Experience 2011). Por outro lado, o diálogo das marcas centenárias com a nova elite demanda um novo posicionamento e um novo comportamento. A Shopper Experience (2011) detectou que, perante a tendência da democratização do luxo, surgem novas estratégias: muitas grifes têm investido em estilistas vanguardistas como estratégia para construir um diálogo com

– Eventos (77%) – E-mail marketing (71%) – Segmentação de clientes (56%) – Desenvolvimento de canais de comunicação (47%) – Gifts (47%) – Data Base Marketing (41%) – Comunicação via Web (36%) – Pesquisas de satisfação (35%) – Catálogo (1%) – Não realiza nenhuma ação (3%) Em relação ao uso das mídias sociais pelas empresas de luxo, Nota-se também uma divulgação crescente do mercado de luxo via mídias sociais. A pesquisa afirma que as

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esse consumidor e também começaram a criar submarcas para atingir potenciais consumidores, com linhas de produtos mais acessíveis. Assim, as marcas de luxo conseguem manter a aura da exclusividade, mas possibilitam outra nova gama de produtos mais acessíveis a este novo consumidor. No segmento do luxo, a comunicação é uma ferramenta de extrema importância para transmitir a mensagem desejada pela marca e manter um relacionamento com o cliente. Ela tem a função de despertar sentimentos, mostrar uma visão, um conceito e um estilo de vida ao invés de, apenas, vender um produto. Diniz (2013) apresenta as principais e mais eficientes ações adotadas pelas grifes de luxo na comunicação com seus clientes, seguidas de suas respectivas representatividades no setor, de acordo com a MCF Consultoria e a GFK. Contudo, vale destacar que algumas marcas utilizam-se apenas do marketing boca a boca e encontros individuais entre seus representantes e imprensa especializada.

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empresas brasileiras do segmento de luxo fazem mais uso da divulgação por meio das redes sociais do que as empresas estrangeiras (90% contra 70%). A maior divulgação é via Facebook (98%), seguido do Twitter (64%). [....] Percebe-se que o cliente tem sido educado para consumir o luxo em um status mais avançado. […] Deste público, 77% é atraído pelo glamour, pela tradição da marca e pela exclusividade, segundo apontam as empresas. Em 2010, a situação era inversa (GFK, 2013).

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Dentre os principais veículos de comunicação utilizados pelas empresas de luxo destacam-se: revistas como Vogue, Elle, Luxus Magazine, Go Where, Audi Magazine e Iguatemi; sites como Chic, Glamurama e Vogue online (DINIZ, 2013). Blogueiras de moda como Thássia Naves, Helena Bordon e Lala Rudge ganharam um espaço enorme, pois atingem diversos públicos, inclusive o público jovem. As redes sociais como Instagram e Facebook também estão sendo amplamente utilizadas para divulgação das marcas de luxo. Para Ana Andjelic (2015),

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As marcas de luxo, que estão enfrentando uma ruptura histórica graças à colisão entre mídia e tecnologia, devem trocar a estratégia e, em vez de jogar na defensiva, tomar a ofensiva, mesmo que isso signifique descartar antigas abordagens de sucesso. Para ganhar em um novo cenário no qual a Apple é tão forte quanto a Chanel, marcas de luxo já estabelecidas precisam pensar em como fazer rupturas, colocando o comportamento humano firmemente no centro de suas estratégias.

Perante este novo cenário, Ana Andjelic (2015) apresenta quatro maneiras para que as empresas de luxo mantenham-se mais próximas dos seus clientes:

E, por fim, a mesma autora concluiu que: O consumo na gestão de Luxo é emocional. Numa era onde o desejo está ligado ao emocional, realização pes-

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1. Crie um caminho sem atalhos entre a inspiração e a compra: a Net-a-Porter, varejista inovadora de luxo, entende que o consumidor contemporâneo demanda uma forte abordagem multicanal que une serviço, experiência e produtos. Dessa forma, ela funde conteúdo e comércio; pontos físicos e digitais; pontos de venda e marketing. 2. Faça a sua marca ser acessível, intuitiva e imersiva: as empresas que atuam no luxo moderno devem adotar e transmitir um estilo de vida único que servirá como base para criar uma experiência global envolvendo os produtos. Combinar uma forte narrativa com tecnologia, a exemplo da Burberry, mostra aos consumidores uma iniciativa aonde a compra está em segundo plano. 3. Evoque em seu consumidor a sensação de pertencimento e de ser especial: as marcas devem passar um ponto de vista forte fortalecido em crenças convincentes e valores empolgantes – todos expressados com paixão. É comum que comunidades ao redor do mundo reúnam-se por uma causa ou ideia – seja cultural, artística ou natural. 4. Sirva e recompense: uma rica base de dados permite que as marcas de luxo mais antenadas surpreendam e agradem os seus consumidores com ofertas personalizadas baseadas em suas procuras individuais e seus históricos de compra. Cada vez mais é imprescindível manter a excelência em todas as partes do processo de compra não linear, inclusive no pós-compra.

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soal, experiências são fundamentais. Experimentar, sentir, despertar sensações que só podem ser proporcionadas através de experiências. No mercado atual a diferenciação leva ao destaque, e esse a oportunidades de expansão de uma empresa. Vivemos a “Era da Experiência” onde cada vez mais o cliente procura oportunidades de experimentar novas emoções, e assim sentir-se especial e único (FERREIRINHA, 2011).

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Considerações finais

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A seguir serão feitas algumas considerações finais sobre a pesquisa realizada durante a monografia que resultou neste artigo, que teve como principal objetivo delimitar os principais perfis dos consumidores brasileiros de luxo evidenciando as diferenças entre o rico tradicional e o rico emergente no Brasil no século XXI. Este estudo comprovou a principal hipótese defendida pela autora de que o novo rico gosta de ostentar e comprar logotipos e marcas que a sociedade conhece como sendo de luxo e que o rico tradicional conhece a história das marcas e realiza suas compras baseado em seu estilo de vida. Contudo, em geral, o consumidor de luxo ao redor do mundo prioriza experiências otimizadas tanto na loja física quanto na virtual e também no pós-venda. Hoje em dia o cliente está mais exigente e, com isso, coloca as marcas de luxo em constante alerta no que diz respeito ao atendimento personalizado. É preciso um consumo quase ritualístico coberto por experiências que inspirem o consumidor e formem uma relação tanto física como vivencial com as marcas, para que as pessoas disponham-se em pagar mais. Novos estudos apontam uma tendência que tira os logotipos do topo e coloca a discrição como a meta a ser atingida. De acordo com Halzack (2015), grandes marcas de luxo como

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Louis Vuitton, Gucci e Prada viram suas vendas caírem no último ano e, agora, correm atrás de novas táticas para rea­linhar o uso dos logotipos, a quantidade de lojas e o acesso aos produtos de luxo. Hoje em dia, percebe-se que as pessoas não querem vangloriar-se do seu dinheiro, estampando-o na cara dos amigos através de logotipos enormes. Isso deve-se a um abismo econômico e social cada vez mais evidente em vários países, além de uma aversão às marcas popularizadas. Neste novo cenário, empresas menores como a Saint Laurent, Miu Miu e Bottega Veneta, destacam-se e alcançam excelentes níveis de crescimento, por conseguirem controlar a oferta e se adequarem ao gosto do mercado. Contudo, estudiosos e empresários do setor divergem opiniões ao se referirem ao uso dos logos, pois alguns deles defendem que uma empresa que demorou anos para construir sua identidade através de um logotipo, não pode simplesmente esquecê-lo baseada em uma tendência que diz que isso deve ser feito. Além disso, através de dados secundários apresentados nesta pesquisa, confirmou-se que as mulheres dominam o mercado de luxo no Brasil representando 58% dos consumidores de produtos e serviços deste segmento. No que diz respeito à faixa etária, a pesquisa apontou que a geração baby boomer ainda é a que mais compra produtos de luxo sendo que 62,9% dos consumidores de luxo no Brasil têm entre 40 e 64 anos. A geração Y é muito promissora e tende a ultrapassar os baby boomers em breve com a ajuda do avanço tecnológico que é responsável por nutrir a tendência da diminuição da idade dos milionários no Brasil. No que diz respeito à delimitação geográfica, comprovou-se que a região com maior poder e frequência de compra é a Sudeste que detém 61% dos consumidores de luxo. Mesmo a cidade de São Paulo estando em evidência, a pesquisa apontou um forte crescimento do poder de compra de outras capitais como Rio de Janeiro, Brasília e Curitiba, sendo Brasília a região mais promissora.

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Por fim, buscou-se entender as motivações de compra do consumidor de luxo no Brasil e estudar o desenvolvimento deste mercado nos últimos anos. Com o Bônus Demográfico e o Grau de Investimento, os brasileiros se voltaram às compras de luxo e, influenciados pelo exibicionismo nas redes sociais, utilizam os produtos e serviços de luxo como escada para pertencer a determinado grupo social. Enquanto os ricos tradicionais estão cada vez mais resguardados, os ricos emergentes – geralmente pertencentes à primeira geração da família com alto poder de compra – querem mostrar ao mundo suas conquistas materiais vindas de muito trabalho. Para atender a esses dois perfis tão diferentes e complexos, as marcas de luxo tiveram que fortalecer seu posicionamento. A pesquisa apontou os eventos como o principal meio que as marcas encontraram para se relacionar com seus clientes. Contudo, enquanto algumas se abriram ao novo consumidor, outras se fecharam ainda mais. Cabe a cada marca defender seus ideais e saber aonde quer chegar. Quanto mais exclusiva, mais tradicional. Quanto mais conhecida, mais emergente. O comportamento do consumidor é o melhor ponto de partida para começar a pensar no futuro. Ele oferece um mapa para o caminho da sobrevivência das companhias de luxo estabelecidas. As marcas de luxo precisam olhar para como sua próxima geração de consumidores se comporta e focar nos atritos existentes hoje em dia durante a experiência de marca. Então, elas precisam se tornar a solução para esses atritos.

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MARKETING DE HIGIENE PESSOAL

CONSTRUÇÃO E RE-CONSTRUÇÃO DA MARCA DOVE

Este artigo tem como tema a construção e re-construção da marca Dove através da análise da Campanha “Retratos da Real Beleza” de Dove, no Brasil, veiculada na internet no período de 2013 a 2014. A campanha global da marca “Real Beleza” que surgiu há 10 anos busca encontrar o real significado de beleza e propõe a quebra de estereótipos da imagem da mulher disseminada pela mídia contemporânea, utilizando em sua comunicação mulheres comuns, ao invés de modelos profissionais. A ideia de Dove não teria tanta aceitação e repercussão nos dias de hoje, se ao longo dos anos não tivesse existido uma evolução das mulheres na cultura brasileira, resultando em uma mudança de mentalidade e comportamento da sociedade. A mulher antes vista como um ser inferior, sem direitos e espaço na política e no mercado, submissas às decisões familiares e subordinadas às vontades do homem eram também representadas assim na publicidade. Com o tempo e as revoluções as mulheres foram conquistando e ganhando espaço na sociedade, passando a integrar o mesmo mundo que os homens e, portanto, virando uma grande consumidora e público-alvo das empresas. Inicialmente, as empresas atraíam o público feminino com o apelo estético da beleza, anunciando mulheres bar-

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GABRIELA DO COUTO ROSA Publicitária formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e atendimento da Agência Ogilvy & Mather

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bies, europeizadas, loiras, magras e de olhos azuis, consumindo os produtos felizes e realizadas. E por muito tempo até os dias de hoje, as publicidades destinadas a esse público usam como referências modelos de beleza difíceis de alcançar, distantes e irreais. Contra-argumentando com toda comunicação das marcas do mesmo segmento, Dove resolve colocar em sua comunicação mulheres reais e explorar a diversidade brasileira mostrando para essa mulher que ela é muito mais bonita do que ela pensa. Através do filme viralizado na internet: “Dove Retratos da Real Beleza” no ano de 2013, a marca conseguiu impactar milhões de mulheres ao redor de todo o mundo, inclusive no Brasil. Esse filme foi usado como case de sucesso e serviu de modelo para entender a psicologia e comportamento da mulher contemporânea.

O mito da Beleza

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A beleza sempre foi uma preocupação na vida das mulheres desde os tempos antigos, os padrões e o conceito de beleza sofreram grandes mudanças ao longo dos anos e continuam sofrendo. O que antes era bonito, admirado e desejado, hoje já não é mais. Em cada época e cultura a beleza era vista e valorizada de forma diferente. Segundo a escritora feminista, Naomi Wolf, em seu livro o Mito da Beleza, a “beleza” passou por muitas mudanças ao longo do tempo e não pode ser considerada universal:

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A “beleza” não é universal, nem imutável, embora o mundo ocidental finja que todos os ideais de beleza feminina se originam de uma Mulher Ideal Platônica. O povo maori admira uma vulva gorda, e o povo padung, seios caídos. (WOLF, Naomi; 1992, p. 15)

A beleza não pode ser considerada uma evolução das espécies, como diz Naomi,

Nos últimos 50 anos, se viu nas passarelas muita diversidade de mulheres e estereótipos de beleza. Os mais variados biotipos serviram de inspiração e estamparam armários adolescentes. A atriz Americana, Marilyn Monroe marcou os anos 50 com suas curvas e coxas generosas, logo em seguida a londrina Lesley Lawson, nome artístico Twiggy, modelo, atriz e cantora, apareceu fazendo muito sucesso com seu corpo esquálido, cabelos loiros muito curtos e imensos olhos realçados com camadas de rímel e cílios postiços, a tornaram um ícone da moda e de estilo dos anos 60. Alguns anos depois surgiu a modelo, atriz e cantora americana Cindy Crawford, inaugurando a era das passarelas e dos cachês milionários. Na década de 90, foi a vez de Kate Moss, supermodelo britânica, reformular o conceito do sex appeal e, andrógina, deixando muita gente confusa com sua beleza indefinida. Todas as mulheres citadas, cada qual em seu tempo, foram ícones do mesmo patamar da modelo brasileira Gisele Bündchen. Talvez no futuro, é bem provável que a modelo caia no esquecimento para dar espaço a novas vertentes. O padrão de beleza que a supermodel vende está longe

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Tampouco é a “beleza” uma função da evolução das espécies, e o próprio Charles Darwin não estava convencido de sua própria afirmação de que a “beleza” resultaria de uma ‘’seleção sexual” que se desviava da norma da seleção natural. O fato de as mulheres competirem entre si através da “beleza” é o inverso da forma pela qual a seleção natural afeta outros mamíferos. A antropologia rejeitou a teoria de que as fêmeas teriam de ser “belas” para serem selecionadas para reprodução. (WOLF, Naomi; 1992, p. 15)

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de ser compatível com os largos quadris e fartos seios que as mulheres brasileiras têm como marca registrada. (DIAS, Amanda. Bolsa de Mulher. São Paulo: 2014) A preocupação e a busca pela beleza idealizada na mídia ocupou um papel e tempo importante na vida das mulheres, segundo Naomi, assim como outros papéis sociais que a mulher conquistou e ganhou na sociedade, a busca pela beleza irreal ia contra sua liberdade adquirida: A ocupação com a beleza, trabalho inesgotável porém efêmero, assumiu o lugar das tarefas domésticas, também inesgotáveis e efêmeras. Como a economia, a lei, a religião, os costumes sexuais, a educação e a cultura foram forçados a abrir um espaço mais justo para as mulheres, uma realidade de natureza pessoal veio colonizar a consciência feminina. Recorrendo a conceitos de “beleza”, ela construiu um mundo feminino alternativo, com suas próprias leis, economia, religião, sexualidade, educação e cultura, sendo cada um desses elementos tão repressor quanto os do passado (NAOMI, Wolf, 1992, p. 20)

A beleza não tem uma definição clara e precisa, ela está em constante mudança de acordo com cada época e junto as mulheres cada vez mais estão se esforçando para estarem sempre a par das novas tendências

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Conquistas da Mulher na Sociedade

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Analisando a história da sociedade humana, é possível perceber que os homens e as mulheres possuíam papéis sociais muito diferentes comparados aos dias de hoje. As funções e atividades exercidas por sexo variaram de acordo com o tempo e o contexto histórico e foram determinadas

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conforme diversos fatores, como classe social, posição na divisão social do trabalho, grau de instrução, credo religioso e, principalmente, segundo o sexo. As diferenças sexuais sempre foram valorizadas ao longo dos séculos pelos mais diferentes povos em todo o mundo. Algumas culturas, como a ocidental, associaram a figura feminina ao pecado e à corrupção do homem, como pode ser visto na tradição judaico-cristã. Da mesma forma, a figura feminina foi também associada à ideia de uma fragilidade maior que a colocasse em uma situação de total dependência da figura masculina, seja do pai, do irmão, ou do marido, dando origem aos moldes de uma cultura patriarcal e machista. (RIBEIRO, Paulo, 2014) As noções de feminilidade e masculinidade mudaram ao longo da história na cultura ocidental, berço do modo capitalista de produção e conforme as transformações sociais ocorridas. Com o surgimento da sociedade industrial, a mulher ganhou espaço no mercado de trabalho e assumiu uma posição de operária nas fábricas e indústrias, deixando o espaço doméstico como único locus de seu trabalho diário. Se antes a mulher deveria apenas servir ao marido e aos filhos nos afazeres domésticos, ou apenas limitando-se às tarefas no campo – no caso das camponesas europeias, a Revolução Industrial trouxe uma nova realidade econômica que a levou ao trabalho junto às máquinas de tear. Mesmo com alguns avanços, ainda no início da segunda metade do século XX, as mulheres sofriam as consequências do preconceito e do status de inferioridade. Aquele modelo de família norte-americana estava em seu auge, em que a figura feminina era imaginada de avental e com bobs nos cabelos, no meio da cozinha, envolta por liquidificador, batedeira, fogão, entre outros utensílios domésticos. Foi apenas no transcorrer das décadas de 50, 60 e 70 que o mundo assistiu mudanças fundamentais no papel social da mulher, mudanças que foram significativas para os dias de hoje. O

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movimento contra cultural encabeçado por jovens (a exemplo do movimento Hippie) transgressores dos padrões culturais ocidentais predominantes defendiam uma revolução e liberação sexual, quebrando tabus para o sexo feminino, não apenas em relação à sexualidade, mas também no que dizia respeito ao divórcio. Com o desenvolvimento de novas tecnologias voltadas para a produção e máquinas automatizadas, surgiu a necessidade de um trabalho mais intelectual do que braçal. Consequentemente, criaram-se condições mais favoráveis para a inserção do trabalho da mulher nos mais diferentes ramos de atividade. As mulheres prepararam-se para assumir outras funções no mercado de trabalho, como o comando, liderança, cargos em que antes predominavam o terno e a gravata. A mulher contemporânea possui uma maior autonomia, liberdade de expressão, bem como emancipou seu corpo, suas ideias e posicionamentos. Essa mulher deixou de ser coadjuvante para assumir um lugar diferente na sociedade, com novas liberdades, possibilidades e responsabilidades, dando voz ativa a seu senso crítico. Segundo Lucia San­ taella em sua análise da obra A Terceira Mulher de Gilles Lipovetsky, essa mulher que emergiu em consequência a essa evolução social, é a terceira mulher:

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Lipovetsky discute a emergência de uma terceira mulher. A primeira foi a mulher diabolizada quando sedutora, de um lado; desprezada e depreciada, porque alienada das funções ditas nobres porque masculinas, de outro lado. A segunda mulher, por sua vez, era adulada, idealizada, instalada num trono, mas ainda subordinada ao homem, pensada por ele, definida em relação a ele. Apesar de marcar uma inegável ruptura histórica, a terceira mulher não faz tabula rasa do passado. Trata-se de um novo modelo

que comanda o lugar e destino social do feminino e que se caracteriza por sua autonomização em relação à influência tradicional exercida pelos homens sobre as definições e significações imaginário-sociais das mulheres. Em traços sintéticos, os dispositivos que constroem o modelo da terceira mulher são a desvitalização do ideal da mulher no lar, legitimidade dos estudos e do trabalho femininos, direito de voto, descasamento, liberdade sexual, controle da procriação: manifestações do acesso das mulheres à inteira disposição de si, em todas as esferas da existência. (SANTAELLA, Lucia, 2008, p. 108)

Inseridas no mercado de trabalho hoje as mulheres não ficam apenas restritas ao lar, como donas de casa, mas comandam escolas, universidades, empresas, cidades e, até mesmo, países como a presidenta Dilma Roussef, que foi a primeira mulher a assumir o cargo mais importante da República no Brasil, assim como Cristina Kirchner na Argentina, Michele Bachelet no Chile ou Angela Merckel na Alemanha, entre outras. (RIBEIRO, Paulo Silvino, 2014)

A publicidade adota muitas vezes em sua estratégia estereótipos para atrair seus consumidores, criando um mundo perfeito e um ideal de beleza, onde as pessoas sentem a necessidade de conquistar e ter o produto ou serviço oferecido, se aproximando ao máximo no modelo e padrão estabelecidos. A luta pela desconstrução de estereótipos na publicidade é um trabalho que vem sendo feito por empresas e marcas nos dias de hoje, que conseguiram perceber que para falar com seus consumidores e atraí-los era necessário fazer

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Quebra de Estereótipos na Publicidade

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uma comunicação mais próxima de sua realidade, mais alcançável e mais verdadeira. A primeira grande campanha em busca dessa desconstrução foi realizada pelo fotógrafo italiano Oliviero Toscani, na década de 1990, que acreditava em uma publicidade mais realista e capaz de transformar a sociedade, levando as pessoas a uma reflexão. Quando era fotógrafo tornou-se publicitário ao ser contratado para fazer campanhas realistas da Benetton, suas imagens mexeram com a sociedade e foram alvo de críticas, proibições na época, mas ao mesmo tempo o grande diferencial que o tornou célebre em todo mundo, divulgando a marca de roupas United colors of Benetton. Em seu livro publicado em 1996, “A publicidade é um cadáver que nos sorri”, Toscani relata vários casos de campanhas publicitárias que acabaram criticadas, não aprovadas e mostra a sua visão de publicidade defendendo que imagens jornalísticas podem e devem ser usadas neste meio, afinal mostram a realidade. (SARAIVA, 2015). Para Toscani, “a publicidade raramente ensina alguma coisa. Ela é somente o martelamento infinito destinado a gerar capitais”. Diante disso, o autor foi alvo de críticas e seu trabalho contestado por publicitários em todo o mundo, pois trouxe à tona temas polêmicos, que gerou discussões, representou posicionamentos sem imposições, e com isso fez com que a marca fosse lembrada no mundo todo. (COMUNICADO, Revista, 2014) Por sua estrutura não convencional de anunciar, percebeu-se que a publicidade da Benetton é seduzida pela polêmica, sendo esse o seu ponto diferencial. A proposta de Oliviero era bem interessante, dizia que a publicidade não deve ser utilizada apenas para futilidades, mas que pode ser utilizada também para uma comunicação social, humana, de responsabilidade e ética, a fim de transformar a sociedade a partir de sua realidade.

Na época essa era uma visão inovadora, que a publicidade deveria assumir um caráter social e refletir a verdadeira condição das pessoas contrapondo a publicidade clássica, onde estereótipos são criados e impostos o tempo todo para seduzir e atrair os consumidores. Atualmente as empresas já perceberam essa necessidade e implementaram esse pensamento em sua comunicação. Segundo a publicitária, Christina Carvalho Pinto,

Cada vez mais é exigido pela sociedade uma postura ética diante a publicidade e as empresas estão considerando cada vez mais a implementação de estratégias que considerem, entre outros, o respeito ao ser humano, como ele é, assumindo a transparência e a ética como atributos fundamentais nas suas relações com o consumidor.

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A comunicação vai ser mais e mais sincera. Todos os estereótipos serão definitivamente rejeitados, pois não encontrarão ressonância em nenhuma tribo de consumidores. Homens e mulheres serão cada vez mais retratados na sua imensa capacidade de viver múltiplos e fascinantes papéis. Todos os tipos físicos serão respeitados em sua beleza original e legítima. A morenice das brasileiras vai deixar de se oxigenar por estímulo irracional da mídia. O mundo vai perceber que cerveja e corpo de mulher não são rigorosamente o mesmo assunto. A manipulação das crianças será banida dos comerciais e dos lares. O conteúdo ético de cada peça publicitária será considerado sagrado(...). (PINTO, 2005)

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Marca: Conceito de Branding

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Marca é a representação simbólica de uma entidade, qualquer que ela seja, algo que permite identificá-la de um modo imediato como, por exemplo, um sinal de presença, uma simples pegada. Na teoria da comunicação, pode ser um signo, um símbolo ou um ícone. Uma simples palavra pode referir uma marca. O termo é frequentemente utilizado hoje em dia como referência a uma determinada empresa: um nome, marca verbal, imagens ou conceitos que distinguem o produto, serviço ou a própria empresa. Quando se fala em marca, é comum referir-se, na maioria das vezes, a uma representação gráfica no âmbito e competência do designer gráfico, onde a marca pode ser representada graficamente por uma composição de um símbolo e/ou logotipo, tanto individual­ mente quanto combinados. De acordo com o livro Administração de Marketing de Philip Kotler, marca define-se como:

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A American Marketing Association (AMA) define marca como um nome, termo, sinal, símbolo ou design, ou uma combinação de tudo isso, destinado a identificar os produtos ou serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores para diferenciá-los dos outros concorrentes. Uma marca é, portanto, um produto ou serviço que agrega dimensões, que, de alguma forma, diferenciam de outros produtos ou serviços desenvolvidos para satisfazer a mesma necessidade. Essas diferenças podem ser funcionais, racionais ou tangíveis – isto é, relacionadas ao desempenho do produto. E podem também ser mais simbólicas, emocionais ou intangíveis, isto é, relacionadas ao que a marca representa. (KOTLER, 2006, p. 269)

Além disso, o conceito evoluiu a partir de novas distinções feitas por fabricantes de produtos e de embalagens e, ainda segundo Kotler, O branding existe há séculos como forma de distinguir os produtos de um fabricante dos de outro. Os sinais mais antigos do branding na Europa eram as exigências das associações medievais, de que os artesãos colocassem marca em seus produtos para protegerem a si mesmos e aos consumidores contra produtos de qualidade inferior. Nas belas artes o branding teve início quando os artistas passaram a assinar suas obras. Hoje, as marcas representam diversos papéis importantes que melhoram a vida dos consumidores e incrementam o valor financeiro das empresas. (KOTLER, 2006, p. 269)

Identificam a origem ou o fabricante de um produto e permitem que os consumidores – sejam indivíduos ou organizações – atribuam a responsabilidade pelo produto a determinado fabricante ou distribuidor. Os consumidores podem avaliar um produto idêntico de forma diferente, dependendo de como sua marca é estabelecida. Eles conhecem as marcas por meio de experiências anteriore s com o produto e do programa de marketing do produto. Descobrem quais delas satisfazem suas necessidades e quais deixam a desejar. À medida que a vida dos consumidores se torna mais complexa, agitada e corrida, a capacidade que as marcas têm de simplificar a tomada de decisões e reduzir riscos é inestimável. (KOTLER, 2006, p. 270)

E por fim, avalia os valores e demandas legais estabele-

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Noutra dimensão o mesmo autor avalia que as marcas

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cidos a partir da construção de uma marca. Segundo Kotler,

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Portanto, para as empresas as marcas representam uma propriedade legal, incrivelmente valiosa, que pode influenciar o comportamento do consumidor, ser comprada e vendida e, ainda, oferecer a segurança de receitas futuras e estáveis para os proprietários. Com o aquecimento do mercado em meados da década de 1980, enormes quantias foram pagas por marcas em fusões e aquisições. Esse preço premium muitas vezes se justifica pela premissa dos lucros extras que podem ser obtidos e sustentados com as marcas, assim como pela tremenda dificuldade e despesa envolvida na criação de marcas semelhantes a partir do zero. Wall Street acredita que marcas fortes resultam em melhor desempenho em termos de ganhos e lucros para as empresas, o que, por sua vez gera maior valor para os acionistas. O interesse em marcas por parte da alta administração foi, primordialmente, resultado dessas considerações financeiras conclusivas. (KOTLER, 2006, p. 271)

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O conceito de marca é bem mais abrangente que o desenho da logomarca ou logotipo que a representa. A marca pode ser lembrada não apenas pelo seu logo mas por outros meios (mídias), além das características de diferenciação. No Brasil, os nomes das marcas e logomarcas das empresas são protegidos e registrados no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial – grupo de vendedores, e a diferenciá-los dos concorrentes”. Benefícios e serviços uniformes aos compradores, a garantia de qualidade vem junto com as melhores marcas. Uma marca é um símbolo mais complexo, podendo trazer até seis níveis de significados: Atributos – a marca tem o

poder de trazer à mente certos atributos; Benefícios – estes são traduzidos em benefícios funcionais e emocionais; Valores – a marca também transmite os valores da empresa; Cultura – a marca tem o poder de representar certa cultura; Personalidade – a marca pode projetar certa personalidade; Usuário – a marca sugere o tipo de consumidor que pode usar determinado produto. (KOTLER, 2006)

Presente há 85 anos na vida dos brasileiros, a Unilever é uma companhia anglo-holandesa que produz bens de consumo em 190 países, nas categorias de cuidados pessoais, alimentos, limpeza, refreshment (bebidas de soja e sorvetes) e alimentação fora do lar. Hoje, o mercado nacional é atendido por 700 produtos de 25 marcas – entre elas, nomes consagrados como Omo, Comfort, Fofo, Seda, Lux, Dove, Ades, Close Up e Rexona. Alcançando 100% dos lares brasileiros ao longo de um ano e registrando o consumo de 200 produtos da empresa a cada segundo no País, com liderança em segmentos como os de detergentes em pó, desodorantes e sorvetes. No total, cerca de 13 mil funcionários trabalham na Unilever Brasil. Nos últimos anos, o compromisso com o desenvolvimento sustentável foi fortalecido por meio de práticas de gestão, comunicação e negócios alinhadas ao Plano de Sustentabilidade da Unilever – concebido globalmente e disseminado entre as subsidiárias. Esse compromisso se reflete em ações que vão desde as atividades diretas até a cadeia de valor, envolvendo clientes, fornecedores, consumidores, governos e comunidades. (DOVE, 2014) Todas as mulheres sonham com uma pele macia e hidratada. O lançamento de Dove atendeu à demanda das

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DOVE

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consumidoras brasileiras, cada vez mais exigentes e preocupadas com o cuidado pessoal. Como havia feito em outros países, Dove redimensionou o conceito de sabonete, antes relacionado apenas à higiene e ao perfume, proporcionados pelo banho. Com uma fórmula exclusiva e muito mais suave que as de seus concorrentes, Dove foi além e incluiu a hidratação como um diferencial marcante. Abaixo descrevo os principais momentos da trajetória de Dove no Brasil. Não é por acaso que Dove – do inglês “pomba” – traz em seu nome um símbolo da paz. O sabonete foi desenvolvido nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente para a limpeza da pele dos soldados feridos. Nos anos 50, depois de cumprir sua missão nos campos de batalha, a suave fórmula de Dove foi aprimorada para convertê-lo em produto de beleza diferente de todos os outros, com significativo potencial de crescimento. Conquistado seu espaço entre as norte-americanas, Dove foi levado para vários países, sempre destacando o conceito de sabonete hidratante. O produto chegou no Brasil em 1992 e na época não havia concorrentes diretos. Dove foi o primeiro sabonete a anunciar a propriedade de hidratar a pele, transformando o banho em uma etapa do tratamento de beleza. A proposta ajustou-se perfeitamente às aspirações da mulher brasileira dos anos 90: independente e inserida no mercado de trabalho, continuava vaidosa, mas com tempo reduzido para dedicar aos cuidados do corpo. A campanha de lançamento de Dove dialogava com essa consumidora, enfatizando a eficiência e a praticidade do sabonete que, ao contrário dos outros, era capaz de limpar a pele sem ressecá-la. A receptividade foi grande, e logo a marca teve fôlego para se aventurar em outras categorias, como desodorantes, loções para o corpo e produtos para os cabelos, sempre com creme hidratante em suas fórmulas.

Sem abandonar sua associação direta com a ideia de hidratação, Dove começou a se posicionar, num conceito mais amplo, como marca completa para a beleza da mulher. Com esse foco, relançou toda a sua linha de cuidados com os cabelos e estreou novas variantes, que exerceram papel fundamental na mudança de percepção da consumidora, muito vinculada aos sabonetes. Assim, surgiram os shampoos para tratamento diário do cabelo, os desodorantes com funcionalidades especiais para o cuidado das axilas, e o creme de banho com óleos naturais para hidratação e limpeza da pele. Além de cuidar dos cabelos e do banho da mulher em todas as idades, mais tarde Dove investiu na expansão de suas linhas, focando as partes mais delicadas do corpo feminino. (DOVE, 2014)

Com o propósito de combater os estereótipos e valorizar as diferentes formas de ser bonita, Dove lançou, em 2004, a “Campanha pela Real Beleza”. Esse direcionamento nasceu a partir de uma pesquisa mundial patrocinada pela marca, que investigou como as mulheres encaravam sua beleza e reagiam à pressão dos padrões estabelecidos pela mídia. Gerenciado pela Strategy One, uma das mais sérias empresas de pesquisa dos Estados Unidos, sediada em Nova York, o estudo contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade de Harvard, do Hospital de Massachussetts e da Escola de Economia de Londres. Sua metodologia consistiu de um extenso e denso trabalho de campo, realizado em 10 países (Estados Unidos, Canadá, Argentina, Brasil, Portugal, França, Inglaterra, Itália, Países Baixos e Japão), nos meses de fevereiro e março

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O conceito “Real Beleza”

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de 2004, em que foram entrevistadas cerca de 3.200 mulheres, na faixa etária dos 18 aos 64 anos, obtendo dados quantitativos. Para que pudesse ganhar consistência e melhor se adequar aos distintos padrões estéticos nos diferentes países analisados, além da pesquisa de campo em si, o estudo promoveu uma revisão da literatura mundial sobre o assunto. E examinou pesquisas, ensaios e textos em geral, até então existentes, em 22 idiomas proveniente, com o objetivo de rever o conhecimento público sobre o tema. Os resultados da pesquisa revelaram que “bonita” não é uma palavra que as mulheres voluntariamente associam consigo próprias. No estudo, receberam uma lista que consistia apenas em adjetivos positivos ou neutros para descrever sua aparência (incluindo: “natural,” “normal,” “bonita,” “sexy” e “maravilhosa”) e lhes pediram que escolhessem o adjetivo com que se sentiam mais à vontade. No gráfico 01 é possível ver os resultados desse experimento.

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Gráfico 01: Resultados de autodescritores para a aparência de pessoas Fonte: STRATEGYONE, 2004

Apenas 2% das mulheres no mundo se consideravam bonitas, a palavra “beleza” foi dificilmente empregada pelas entrevistadas. Apenas 11% das meninas no mundo sentiam-se confortáveis em descreverem-se como bonitas, 72% das meninas sentiam-se extremamente pressionadas a ser bonitas e 80% das mulheres concordaram que toda mulher tem algo que é lindo, mas não consegue ver sua própria beleza. O mais relevante é que as mulheres se sentem dessa forma independentemente da idade. Essa situação se relaciona a preceitos da cultura popular que constrói alguns valores de atratividade física muito distantes do que é possível encontrar na sociedade industrial contemporânea. Dove percebeu um contraponto forte – A real beleza, com isso a marca se apropriou desse conceito e conseguiu casar com seus produtos. A pesquisa de 2004 ajudou a perceber que era necessário combater a indústria, pois ninguém fazia isso. Dove detectou o problema e alertou as pessoas sobre ele. Em 10 anos, a comunicação da marca foi baseada no conceito de Real Beleza.

Ao longo do tempo o mundo evoluiu e o conceito de Real Beleza foi se desgastando, pois outras marcas no mercado buscaram mostrar em sua comunicação, a beleza real e uma maior naturalidade. Com isso houve a necessidade de encontrar uma forma de “reciclar” o conceito de real beleza, que já estava muito desgastado e não era mais uma novidade e atrativo para os consumidores. Em 2010, outra pesquisa foi feita, com o objetivo de descobrir o que podia ser trabalhado melhor em cima desse conceito, que era bom, mas estava desgastado, precisavam achar um jeito de renovar o ponto de vista de real beleza,

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A Campanha “Retratos da Real Beleza”

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falando com outra ótica. Também gerenciada pela Strategy One, realizada em junho de 2010, em 20 países com 6.400 mulheres, denominada: “A verdade sobre a Real Beleza, Revisited.” A pesquisa apontou que apenas 4% das mulheres sentiam-se seguras para classificarem-se como belas e, no entanto, 80% das entrevistadas reconheciam facilmente a beleza em outras mulheres. A pesquisa revelou que ainda havia uma “ditadura da beleza”, com a exigência de padrões que pressionavam mulheres em todo o mundo. As mulheres brasileiras foram as segundas mais propensas a dizer: “Eu sou meu pior crítico de beleza”, atrás da Romênia. Em comparação com os EUA, enquanto 72% das mulheres brasileiras concordam com esta declaração, somente 49% das mulheres norte-americanas concordam. As mulheres brasileiras também foram as mais propensas do mundo a dizer: “As mulheres não sabem como elas realmente são bonitas”. Diante desses resultados, Dove tinha um compromisso em inspirar, motivar e trabalhar com as outras 96% das mulheres e uma grande ideia poderia mudar esse caminho. Em 2013 o cenário do mercado era outro comparado a 2003, muitas empresas já trabalhavam com os conceitos de “natural” e “real”, a pesquisa de 2010 revelou que agora era preciso trabalhar com os resultados e consequências do problema anterior: a mulher com baixa autoestima. Dove precisa falar com essa mulher. (2013, PLANEJAMENTO, Departamento Ogilvy & Mather) Claramente, Dove desafiou o ideal de beleza – mas não tinha desafiado a mulher. Era preciso que a marca se posicionasse e reconciliasse essas mulheres com sua ‘crítica de beleza interior’. Era um território perigoso: Embora atacar a representação de beleza da mídia fosse um desafio, lutar contra as ansiedades internas de uma mulher era um campo minado.

Em um território extremamente pessoal, não era possível apenas dizer às mulheres o que pensar – era necessária uma nova abordagem. Então, encontraram uma ideia que permitiria às mulheres descobrir o insight sozinhas e foi esse o papel exercido pela campanha “Retratos da Real Beleza”. (2013, Ficha de Inscrição do Festival de CANNES)

Os objetivos da campanha foram divididos em três partes, todos com a mesma expectativa: provocar uma conversa cultural sobre a beleza natural, criando um conteúdo que as mulheres brasileiras pudessem assistir e compartilhar. O primeiro objetivo era criar repercussão sobre a marca e dominar a categoria de Dove em termos de engajamento. Resultando em mais compartilhamentos que a concorrência, durante o período de veiculação da campanha em dois milhões de reais em mídia espontânea. O segundo objetivo era conectar as mulheres à missão de Dove: “Dove acredita que a beleza é para todos, por isso convida todas as mulheres a mostrarem seu potencial de beleza”. As mulheres conectaram-se intensamente à campanha para “Elevar sua autoestima”. E por fim o objetivo era Revigorar a saúde da marca, recuperando a “Relevância da marca” e a “Convicção do consumidor” na pirâmide de saúde da marca de Millward Brown.

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Objetivos da Campanha “Retratos da Real beleza”

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Os cinco níveis indicam obstáculos que os consumidores têm que superar antes de subir na pirâmide e finalmente estarem ligados à marca. Imagem 2: Pirâmide de saúde da marca de Millward Brown Fonte: 2011, BrandZ_ Millward Brown

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A Grande ideia

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Primeiro a equipe escolheu um lugar aberto, arejado, com uma iluminação natural, a luz do dia, com bastante espaço para as câmeras. O local encontrado foi um galpão na cidade de São Francisco nos Estados Unidos. Produzido pela produtora Paranoid de Los Angeles, e dirigido pelo diretor John Carey, Dove fez uma seleção com artistas forenses do FBI, que passaram por um longo processo e teve o cuidado em escolher, Gil Zamora. Primeiro, porque ele usava uma metodologia exclusiva com testemunhas oculares do crime focada em um estilo intimista e psicológico dos indivíduos da entrevista. E também tinha uma presença de cena e uma voz autoritária que contribuiu bastante para dar mais credibilidade e emoção ao filme.

Imagem 03: Artista Forense do FBI, Gil Zamora. Fonte: 2013, Canal DOVE Youtube

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O artista do FBI, entrevistou várias mulheres ao longo do dia, e desenhou o retrato de cada uma de acordo com sua própria autodescrição. Depois desenhou um segundo retrato da mulher de acordo com a descrição de um estranho, sem jamais pôr os olhos nessas mulheres. No fim, Dove comparou os esboços. As mulheres compartilharam sua percepção de que os retratos baseados na descrição dos estranhos eram mais bonitos, mais felizes e fisicamente ainda mais precisos. O experimento, a exposição e os documentários forneceram uma prova impressionante de que mulheres são mais bonitas do que pensam.

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Imagem 04: Retratos da personagem Florence Fonte: 2013, Departamento de Arte Final da agência Ogilvy & Mather

Imagem 05: Retratos da personagem Kela

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Fonte: 2013, Departamento de Arte Final da agência Ogilvy & Mather

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Imagem 06: Anúncio Revista_Versão Estados Unidos Fonte: 2013, Departamento de Arte Final da agência Ogilvy & Mather

Não era suficiente apenas criar uma campanha pela beleza real. Com a campanha Retratos da Real Beleza, Dove queria provocar uma conversa sobre a beleza natural no Brasil. O cenário de mídia enfrentado era imensamente diferente em relação a 2003, quando a estratégia de Dove era simplesmente lançar uma ideia pensada para ter uma conversa de valor e esperar pelo melhor. Em 2013, era preciso construir um sistema para gerenciar e promover a conversa. Mais do que o dinheiro investido na mídia, a marca precisava de uma estratégia social by design (arquitetada para funcionar em todos os meios) que pudesse difundir rapidamente a mensagem por meio da mídia mais contagiante, veloz e falante lá fora: as próprias mulheres. (2013, PLANEJAMENTO, Departamento da agência Ogilvy & Mather, São Paulo) Uma espiral social foi criada para direcionar o conteúdo a uma massa crítica nas primeiras 72 horas e sustentar a conversa depois. A espiral social começou com um influenciador disseminando essas informações entre blogueiros brasileiros, conhecidos por terem alta afinidade com nosso público feminino. O que foi rapidamente seguido pela forte atividade do Twitter com tweets promovidos e hashtags – um canal conhecido por disseminar rapidamente conteúdos criativos às mulheres que discutem e compartilham. Com um objetivo de orientar o impacto de alcance e do público-alvo na mídia off-line publicaram o conteúdo criativo em ambientes altamente visíveis que têm alta afinidade com o público-alvo externo a fim de aumentar o impacto emocional. Através de spots exclusivos de três minutos em Cinema e TV por assinatura, bem como Revistas muito seletas e locais fora de casa. Além da estratégia de mídia, foi necessário toda uma es-

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A estratégia de comunicação: Da campanha para a conversa

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tratégia de PR (Public Relations). Para lançar a campanha nas redes sociais, o núcleo da estratégia ambiciosa era posicionar o filme como um experimento social e assim provocar uma conversa em torno das mulheres e sua autopercepção. O comunicado na imprensa, foi focado nos elementos da história ao invés da marca, em nenhum momento da história a marca esteve presente com algum produto ou fala, a curiosidade das pessoas em descobrirem da onde vinha aquele filme e a associação aos valores e missão da marca tornaram o trabalho muito mais valioso. Foi necessário também uma parceria com o artista forense e duas das mulheres reais que fizeram seus depoimentos no filme, para contar suas histórias pessoais através de oportunidades de mídia no Brasil e outros países do mundo. (2013, Ficha de Inscrição do Festival de Cannes)

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Cannes

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Depois de ganhar o posto de propaganda mais vista do Youtube, com mais de 170 milhões de visualizações, o vídeo Retratos da Real Beleza, foi reconhecido e premiado pelo júri do 60° Festival Internacional de Criatividade de Cannes. Recebeu prêmios em 10 das 12 categorias julgadas. Cada uma delas tem quatro premiações: Grand Prix e Leões de Ouro, Prata e Bronze e cada um dos Leões ainda pode premiar mais de uma campanha. (2013, EXAME) No total, a campanha de Dove considerada a mais premiada da história do Festival de Cannes, ganhou 19 leões sendo um o Grand Prix de Titanium, nunca antes conquistado na América Latina, 10 leões de Ouro nas categorias: Integrated, Branded, Film, Media, Cyber, Press, dois em Promo & Activation e dois em PR, dois leões de pratas em Direct e Design e quatro leões de bronze para Direct, Media, Cyber e Outdoor. A categoria integrated premia a campanha totalmente

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integrada e executada em várias plataformas, exatamente o que aconteceu com a campanha originalmente lançada em internet e depois desdobrada em cinema, revista e outdoor. Branded avalia a criação de um conteúdo original por uma marca, no case de Dove, foi gerado uma conversa cultural sobre beleza entre as mulheres fazendo com que a marca fosse lembrada, valorizada e associada positivamente com o filme. Já a vitória na categoria de filme, ocorreu devido à veiculação nas mídias tradicionais como cinema e internet. O prêmio em mídia, deu-se pelo uso criativo dos meios de comunicação, onde as ideias de mídia demonstraram compreensão do mercado-alvo, implementaram estratégias de forma inovadora em todos os canais e maximizaram os resultados de negócios para obtenção de bons resultados. O júri avaliou não apenas ideias brilhantes, mas, principalmente, as ideias que funcionam. Em cyber, onde engloba a comunicação da marca online, digital e tecnológica, o case foi premiado por ter tido uma solução digital para a marca utilizando a tecnologia e criatividade de uma maneira perfeitamente integrada e provaram como o seu público-alvo é envolvido e a marca foi valorizada, resultando no aumento de vendas e reconhecimento do negócio. A categoria press onde o conteúdo é destinado à mídia impressa, a campanha ganhou pela sua veiculação em revistas. Outdoor apesar de ser impresso é avaliado em uma categoria à parte e a campanha também foi vitoriosa. A categoria Promo & Activation (Promoção e Ativação) engloba as atividades que se destinam a criar alguma ativação, assim como foi feito com o filme de Dove, que gerou uma ativação através da conversa cultural entre as mulheres ao redor do mundo sobre a beleza iniciada com o filme. A vitória na categoria de PR (Relações Públicas) se deu pelo uso criativo de gestão da reputação pela construção e preservação de confiança e compreensão entre a Dove e seu público-alvo. A campanha envolveu ativamente os consumidores, aumentou a procura pelos produtos e valor per-

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cebido de marca através de um alto nível de planejamento estratégico, criatividade gerando resultados comerciais. Por fim, a vitória na categoria Direct se deu pela inovação no design de comunicação, que gerou uma resposta positiva mensurável e criou um relacionamento de longa duração entre a consumidora que se identificou com o conteúdo e tema abordado e a marca. (2014, CANNES LIONS)

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Resultados da Campanha

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Através de pesquisas realizadas após o lançamento da campanha, monitoramento nas redes sociais da Dove e dados de negócio do cliente foi possível analisar e concluir os resultados da campanha. Primeiramente, Dove conseguiu revigorar o conceito de “real beleza” que estava desgastado e já não era mais uma novidade para o público-alvo. Recuperando a preferência e sentimento com a marca, a marca se tornou novamente significante e motivadora para suas consumidoras. Foi possível concluir que as mulheres se sentiram mais felizes e mais bonitas tendo passado algum tempo com a marca e se engajaram pessoalmente com ela. Houve um desejo em defender a Dove para os outros e disseminar mensagens positivas. Os depoimentos foram a maior força da campanha e seu efeito halo sobre o produto. Houve uma elevação significativa nos Atributos de Imagem do produto, como “Deixa sua pele realmente macia e suave”, “Hidrata sua pele mais do que outras marcas”, “Realmente nutre sua pele”(2013 E.LIFE) Em segundo lugar, Dove teve um papel fundamental na conversa cultural sobre a beleza, ela conseguiu dominar o tempo das pessoas em cultura. O monitoramento das redes sociais se centralizou na “melhora da autoestima” e em comentários mais descritivos: “faz com que eu me sinta melhor sobre mim mesma” e “me vejo de forma diferente”. Os termos

mais mencionados foram: “Amei”, “Emocionante”, “Me arrepiei”, “Chorei”, e “Incrível”. Após assistirem à campanha, as mulheres se sentiram mais felizes e bonitas. (2013, Site Tracking). Em um mundo onde muitas marcas lutam para levar as pessoas para assistirem um comercial de 30 segundos em TV, o filme Retratos da Real Beleza tornou-se a publicidade online mais vista no mundo e um fenômeno da cultura popular.

Imagem 07: Grand Prix Titanium (O primeiro da América Latina)

Imagem 08: Leões de ouro, prata e bronze Fonte: 2013, Ogilvy & Mather

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Fonte: 2013, Ogilvy & Mather

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No Brasil, os filmes foram vistos mais de sete milhões de vezes, os brasileiros gastaram 17 milhões de minutos, equivalente a 31 anos assistindo filmes online, equivalente a 34 milhões de propagandas de 30 segundos em TV. Os 8 vídeos foram vistos 8.176.952 vezes (2013, YOUTUBE DATA). Se a campanha fosse veiculada no cinema, seria a 3ª mais vista na história da bilheteria brasileira, atrás de Tropa de Elite e Dona Flor e Seus Dois Maridos (2013, WIKIPEDIA) Esses resultados acima revelaram que a campanha foi a mais assistida no mundo e a terceira mais compartilhada da história da publicidade. As pessoas queriam falar sobre a campanha e compartilhá-la no mundo todo. Como o New York Times relatou: “Dove tem ido além da pele e tocou um nervo”. No Brasil, a campanha atingiu 915.000 milhões de impressões na semana de lançamento. Por último Dove teve um aumento significante em suas vendas no Brasil. No país sua maior categoria dentro da linha de produtos é desodorante, no primeiro trimestre após o lançamento da campanha teve um crescimento de 26,3% em valor em relação ao ano anterior. Excedendo o valor da categoria cresceu em 35,5 %. O sabonete em barra, aumentou 6,7% nos 4 primeiros meses.

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Aprendizados da Agência e Cliente

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O trabalho só foi possível devido à parceria entre o cliente e a agência, Ogilvy & Mather, São Paulo, a confiança em arriscar e investir no projeto que inicialmente era um experimento e ninguém sabia se daria certo ou não, existiam muitas variáveis, ninguém podia garantir que as mulheres entrevistadas iriam descrever-se da forma que estavam esperando, que a diferença entre os retratos seria tão grande, que seria tão real e funcionaria. De todos aprendizados da Dove e da agência de publici-

dade estão dois mais importantes e reconhecidos. O primeiro aprendizado foi: ser humano em um mundo digital. Em um mundo onde é possível acender um rastilho de pólvora nas mídias sociais, grandes resultados não dependem de grandes investimentos financeiros. Retratos da Real Beleza, lembrou às pessoas que hoje, super conectadas, o que ainda dirige a criatividade é um simples, indescritível e puro insight. Se é possível tocar um nervo hoje, esse nervo se espalha para milhões em segundos impactando com muito mais eficiência as pessoas. Em segundo, o experimento desencadeou conversas reais entre mulheres reais, fruto da estratégia de Dove, que tratou as mulheres como cúmplices ao invés de público-alvo. A marca mudou sua abordagem de entregar uma mensagem em um ambiente controlado, assim como seus concorrentes fazem, provocando conversas e incentivando as pessoas a compartilharem o conteúdo exposto. Finalmente, Retratos da Real Beleza foi uma grande prova de que a grandeza e sucesso de uma campanha vem sem orçamentos gigantes.

O problema de pesquisa, agora transformada neste artigo, levantado foi respondido ao longo da monografia, onde foi possível entender o motivo que levou as mulheres brasileiras, residentes em São Paulo, no período de 2013 a 2014 a serem impactadas, emocionarem-se e engajarem-se com a campanha. A marca soube falar com suas consumidoras, nas mídias certas, na linguagem adequada de uma forma tão simples e profunda, que tocou e sensibilizou essas mulheres. Isso só foi possível devido à maturidade da marca no mercado e na mente dos consumidores. Campanhas com ideias simples e bem executadas como

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Considerações Finais

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essa me fazem lembrar o por quê escolhi essa profissão há quatro anos atrás. No fim o objetivo maior das empresas que investem em propaganda são aumentar as vendas e conhecimento da marca na mente dos consumidores, mas antes disso é preciso estudar, conhecer e saber como falar com esse consumidor. O publicitário tem nas mãos um poder enorme de transformar um objeto em desejo, uma moda em tendência, uma ideia em verdade. Usar essa influência em prol de uma boa ação que faça alguma diferença na vida das pessoas, como essa monografia, foi muito gratificante. Os prêmios conquistados pela campanha, deram ao anunciante maior visibilidade no mercado internacional e impactos vultosos de ganhos, que se refletiram na produção e distribuição mais adequada do produto nos vários países em que a Unilever mantém os seus negócios. E o campo da história da comunicação, me fez voltar às origens do produto estudado, dada quando do episódio da Segunda Guerra Mundial, quando a marca surge como antídoto às dores e agruras dos soldados e, renovadas, voltam para tornar as mulheres mais bonitas. E só agora, quando finalizo esta monografia, vou enxergando os novos caminhos e desafios profissionais que me esperam. E com eles, a necessidade da compreensão do mundo através deste imenso leque de ideias que transformam teorias em práticas e sonhos em conquistas.

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MARKETING DE LUXO PARA A TERCEIRA IDADE

Luxo em moradias especializadas em idosos: o caso do Solar Ville Garaude Natani Carolina Silveira, Maria de Lourdes Bacha, Celso Figueiredo Neto, Marcos Campomar, professores pesquisadores das Universidades Presbiteriana Mackenzie, FEA/USP e Senac.

O envelhecimento populacional é uma tendência mundial, que já pode ser percebida inclusive no Brasil. A população idosa tem aumentado de forma progressiva praticamente no mundo todo. Segundo dados do Department of Economic and Social Affairs (DESA, 2013), a porcentagem de pessoas com 60 anos ou mais avançou de 9,2% em 1990 para 11,7% em 2013, e estima-se que essa porcentagem aumente para 21,1% em 2050. A população mundial de idosos, composta atualmente de 841 milhões de pessoas, em 2050 será de 2 bilhões de pessoas. No Brasil, o número de idosos é de 26,1 milhões de pessoas, representando aproximadamente 13% do total de sua população, de acordo com os dados da pesquisa mais recente realizada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2013) pertencente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A combinação de fatores como inovações na área da saúde, melhoria da qualidade de vida, vacinação e nutrição resultaram no aumento da expectativa de vida, que, juntamente com o baixo índice de natalidade, tornaram-se fatores propulsores para o aumento da proporção da popu-

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Introdução

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lação idosa na sociedade e, consequentemente, no perfil do mercado de consumo. Os números expressivos sobre o envelhecimento da população têm contribuído para o aumento do interesse de vários segmentos de mercado em ampliar a oferta de serviços para essa parcela da população. Além disso, os idosos constituem um importante grupo de consumidores para empresas de serviços, muitas vezes até mais interessantes do que segmentos de pessoas mais jovens, pois são consumidores fiéis (MOSCHIS; BELLENGER; CURASI, 2003) e geralmente gastam uma quantia expressiva no consumo de serviços (MOSCHIS; BELGIN, 2008). Alguns segmentos podem ser destacados como serviços mais atrativos para o mercado de idosos, como por exemplo saúde, qualidade de vida, entretenimento, serviços financeiros, turismo, estética, home care e residenciais especializados em idosos (BACHA; SANTOS; STREHLAU, 2009; SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO, 2014). Este último, mais especificamente, trata-se de um serviço cada vez mais valorizado e procurado por consumidores idosos em países como os Estados Unidos e na Europa (HOBAN, 2012). Em determinadas culturas, a iniciativa de se mudar para moradias especializadas muitas vezes parte do próprio idoso, para que ele possa receber cuidados específicos e também manter-se socialmente ativo. No Brasil, no entanto, o serviço de moradias especializadas em idosos ainda apresenta-se como um serviço pouco conhecido e consumido, principalmente por causa de preconceitos e barreiras culturais instituídas pela sociedade. Durante muito tempo as instituições geriátricas que oferecem este tipo de serviço para idosos foram vistas com certo preconceito pela sociedade e carregavam um estigma social muito grande. Culturalmente, os brasileiros enxergavam essas instituições como locais de abandono, isolamento social e maus-tratos para os idosos, sem contar a comple-

xa gama de sentimentos e emoções envolvidas na colocação de um familiar nestas instituições. Parte da imagem atribuída a estas instituições recai sobre o fato de que muitos estabelecimentos, públicos e privados, oferecem serviços precários e muitas vezes não cumprem as exigências de qualidade determinadas, além de também não existir uma fiscalização mais rigorosa para este tipo de serviço. Este panorama, porém, está mudando. O surgimento de negócios que oferecem novos modelos e formatos de moradias especializadas em idosos está modificando a forma como este serviço é prestado no mercado brasileiro. Diversas instituições geriátricas estão reinventando a forma como oferecem seus serviços e estão implementando conceitos inovadores nos seus processos, mudando assim, o estereótipo deste segmento de mercado. A exigência de padrões de excelência e de alta qualidade demandadas pelos consumidores idosos tem feito com que o segmento de moradias geriátricas se torne uma referência no oferecimento de serviços de luxo no Brasil. As principais justificativas deste artigo se referem à importância crescente do mercado de idosos e na lacuna de trabalhos científicos focados em serviços de luxo para idosos.

Os serviços geralmente são produzidos, distribuídos e consumidos durante a interação entre o provedor de serviços e o consumidor, permeando assim, as principais características que distinguem um serviço de um bem de consumo, que formam o paradigma que tem legitimado o campo de estudos de serviços (HOFFMAN et al., 2009; KEH; PANG, 2010; ZEITHAML; PARASURAMAN; BERRY, 1985):

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A Concepção de Serviços

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• Intangibilidade (o serviço não é palpável, não pode ser tocado); • Inseparabilidade (há uma interconexão entre o provedor do serviço e o cliente no momento da prestação do serviço); • Heterogeneidade (variação da coerência de uma transação de serviço para outra); • Perecibilidade (o serviço não pode ser armazenado).

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Dentre as características que definem o serviço, a intangibilidade é considerada a distinção crítica de onde emergem todas as discussões sobre as diferenças entre bens e serviços, corroborada por praticamente todos os autores da área (BERRY, 1980; GRONROOS, 1980; HOFFMAN et al., 2009; KEH; PANG, 2010; LOVELOCK, 1983; RAFIQ; AHMED, 1995; SHOSTACK, 1977, 1987; ZEITHAML; PARASURAMAN; BERRY, 1985). Além da intangibilidade, outro importante fator diferenciador do serviço é a inseparabilidade. Enquanto bens de consumo são fabricados, vendidos e depois consumidos, em estágios distintos e encadeados, a maioria dos serviços apresenta a característica da inseparabilidade, ou seja, a produção e o consumo dos serviços são atividades realizadas simultaneamente. Esta característica, presente em grande parte dos serviços, força a interação entre o consumidor e o fornecedor do serviço, fazendo com que o cliente seja parte fundamental no processo de produção e entrega do serviço e promovendo, assim, um encontro das duas partes envolvidas (BERRY, 1980; GRONROOS, 1980; HOFFMAN et al., 2009; LOVELOCK, 1983; SHOSTACK, 1977, 1987; ZEITHAML; PARASURAMAN; BERRY, 1985). De acordo com Hoffman et al. (2009 p. 36), a inseparabilidade “reflete interconexões entre o provedor de serviços, o cliente que recebe o serviço e outros clientes que compar-

O Encontro do Serviço A prestação de um serviço requer três elementos de grande importância para o seu acontecimento: as evidências físicas presentes no serviço, que de certa forma contribuem para sua tangibilização; os processos, que determi-

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tilham a mesma experiência”, e é, sem dúvida, a característica mais desafiadora na prestação do serviço, pois a interação com o consumidor muitas vezes determina o processo de execução e entrega do serviço. A terceira característica peculiar de um serviço é a heterogeneidade, que significa a capacidade de variação presente na performance de um serviço. Nesse aspecto, o serviço pode apresentar uma variabilidade dependendo dos fatores envolvidos no processo, ou seja, sua performance pode variar de fornecedor para fornecedor, de cliente para cliente e até mesmo de um dia para o outro (BERRY, 1980; HOFFMAN et al., 2009; SHOSTACK, 1977; ZEITHAML; PARASURAMAN; BERRY, 1985). Zeithaml, Parasuraman e Berry (1985) destacam ainda que a performance do mesmo serviço pode variar inclusive de um consumidor para outro, principalmente quando há a interação com outros consumidores no ambiente de serviços e a influência de funcionários que prestam o serviço. Por fim, o serviço apresenta também a característica da perecibilidade, que significa que o serviço não pode ser estocado ou guardado para consumo posterior. Ele deve ser produzido e consumido imediatamente. Esta característica cria certas dificuldades para a empresa, pois, diferentemente dos bens, que podem ser produzidos em um determinado lugar e comercializados em outro, os serviços são, de certa forma, restritos ao seu ambiente de produção e consumo (BERRY, 1980; HOFFMAN et al., 2009).

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nam o planejamento e o gerenciamento de como o serviço será prestado e as pessoas envolvidas no serviço. Estes elementos são fundamentais para que o serviço atinja seu objetivo, e, principalmente, seja realizado com qualidade. Os processos presentes no desenvolvimento do serviço representam a organização, a elaboração e a entrega do serviço para o consumidor. Neste processo, muitos aspectos complexos podem interferir nesta interação, principalmente quando o consumidor é parte crucial da prestação do serviço. Quanto mais qualidade se associa ao serviço, mais complexos se tornam os seus processos, fazendo com que a entrega de valor para o consumidor também seja maior. A intenção é que o consumidor tenha uma percepção aumentada do valor recebido e também uma percepção positiva da experiência vivenciada, promovidas pelos processos adotados na prestação do serviço (BOOMS; BITNER, 1981). O gerenciamento do fator humano no processo de serviço é uma das atividades mais desafiadoras e exigentes na administração do serviço, pois a satisfação do consumidor e sua percepção de qualidade estão diretamente relacionadas com as interações humanas ocorridas no encontro do serviço. A gestão e o treinamento das pessoas que atuam na linha de frente da empresa, ou seja, lidando diretamente com os clientes, deve empreender o desenvolvimento emocional e psicológico desses funcionários, a fim de evitar conflitos durante o encontro do serviço. Os funcionários também precisam estar muito bem treinados para representar a empresa e transmitir seus valores, pois eles serão a impressão da empresa nos clientes e também pode atuar como uma forte diferenciação competitiva no mercado (BOOMS; BITNER, 1981; BITNER; OSTROM; MORGAN, 2008; RAFIQ; AHMED, 1995). Segundo Hoffman et al. (2009) além dos funcionários que prestam o serviço, muitas vezes as empresas precisam

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gerenciar outros tipos de interações humanas no ambiente de serviços, como as interações diretas entre os profissionais que prestam o serviço para os consumidores, e as interações entre os consumidores que estão no mesmo ambiente recebendo o serviço e interagindo entre si. Conforme abordado anteriormente, em razão da característica da intangibilidade presente nos serviços e pelo fato de que, geralmente, eles não podem ser experimentados antes da compra, o consumidor procura elementos que possibilitem a tangibilização da sua experiência no encontro do serviço, ou seja, buscam evidências físicas do serviço. Sendo assim, o ambiente no qual o serviço será processado e entregue destaca-se por desempenhar um importante papel na formação das expectativas e também na construção da qualidade percebida pelo consumidor (SHOSTACK, 1977). O ambiente do serviço é composto por todos os elementos físicos que fazem parte de sua atmosfera, e eles influenciam no comportamento do consumidor e também na imagem concebida a partir da experiência do serviço. Para Bitner (1992), além de comunicarem tangivelmente a proposição do serviço ao cliente, as evidências físicas também podem promover a qualidade do serviço, influenciando no comportamento e na motivação do funcionário que o presta. Bitner (1992) destaca que o ambiente físico, em geral, representa um dos elementos mais importantes do serviço, pois é nesse contexto que os clientes e os funcionários vão interagir e experienciar as facilidades e os resultados oferecidos pela empresa. A autora destaca ainda que a importância dos aspectos físicos do serviço ganha maior ou menor relevância dependendo da natureza do serviço e da experiência de consumo que ele irá proporcionar. Por isso, nem todas as empresas se encontram diante dos mesmos desafios e questões estratégicas envolvidos no planejamento dos arranjos físicos do serviço. Com relação ao luxo, grande parte de estudos recen-

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tes de marketing de luxo estão organizados em torno das questões: O que é? O que define o luxo? Ou, o que constitui uma marca de luxo? Na revisão da literatura verifica-se que são características dos produtos de luxo: comunicação seletiva (ALLÉRÈS, 2006; STREHLAU, 2008); despertar desejo (ALLÉRÈS, 2006; LIPOVETSKY; ROUX, 2005); distinção social, elegância, marca de notoriedade, preços mais elevados (ALLÉRÈS, 2006); distribuição restrita (ALLÉRÈS, 2006; STREHLAU, 2008); emoção (LIPOVETSKY; ROUX, 2005). Pianaro e Marcondes (2010) concluem que as características ligadas ao luxo como marca forte, exclusividade, qualidade excelente, tradição, sofisticação fazem com que a definição de um produto de luxo se confunda com os atributos de sua marca. Para Keller (2009) as marcas de luxo teriam 10 características entre as quais se podem destacar: imagem premium, produtos e serviços de qualidade, a compra agradável e experiência de consumo e assim por diante. Já Phau e Prendergast (2000) afirmam que as marcas de luxo podem ser definidas em torno de quatro características: exclusividade, identidade de marca bem conhecida, notoriedade da marca, qualidade percebida e lealdade. Beverland (2006) identifica alguns atributos aplicáveis a vários produtos de luxo: o patrimônio e pedigree, coerência estilística, compromissos de qualidade, relação com o lugar, método de produção. O conceito de luxo é amplo, rico de significados culturais, e geralmente, associado ao consumo de marcas que conferem prestígio aos que as utilizam. A renda elevada do consumidor pode induzir à aquisição de produtos de luxo, mas a cultura desempenha papel semelhante, porque triplica o consumo independentemente do nível de rendimentos (DUBOIS; DUQUESNE, 1993). O produto de luxo pode ficar restrito ao próprio indivíduo, permanecendo na esfera do consumo privado, ou pode ser consumido com grande visibilidade. Insinua-se

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assim a posse de certo grau de prestígio social, geralmente atrelado a uma marca, ser reconhecido implica estar presente como um símbolo, ser reconhecido por um grupo de pessoas. Além disso, a comercialização de produtos de luxo depende de um paradoxo fundamental, mesmo que os gestores desejem vender suas marcas o mais amplamente possível, de modo a alcançar o sucesso comercial, na área de bens de luxo, um produto amplamente distribuído pode não ser mais considerado um bem de luxo aos olhos dos consumidores. O conceito de luxo repousa basicamente sobre uma determinada escassez, o que dá origem a um paradoxo quando se trata de vender esses produtos, uma vez que a administração de marca de luxo exige retornos elevados, mantendo a escassez percebida desses itens. O domínio de luxo é, portanto, sem dúvida, ligado com a percepção que os consumidores têm das marcas de luxo. Se a marca é amplamente distribuída, mas mantém a imagem de exclusividade, ela continua a ser percebida como marca de luxo. Qual é o valor simbólico, afetivo ou emocional que garante o alto preço do produto de luxo? Dubois e Paternault (1995) enfatizam a dimensão sonho que um produto de luxo deve incluir. De maneira geral, os trabalhos sobre luxo são baseados em percepções dos consumidores: a pessoa que compra um produto de luxo compra um sonho e os mecanismos subjacentes e reações dos consumidores para produtos de luxo são muitas vezes impulsivos, emocionais ou extravagantes (DUBOIS; PATERNAULT, 1995; DE BARNIER et al., 2006). Um dos problemas associados à definição de produto de luxo decorre de subjetivo, podendo ser ou não considerado uma necessidade ou um supérfluo, dependendo da situação ou de uma sociedade para outra (KEMP, 1998; CHRISTODOULIDES et al., 2009.) De acordo com Nueno e Quelch (1998) o luxo acaba por ser tanto uma qualidade

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intrínseca de um produto e as qualidades imateriais veiculadas pela marca. Apesar destas dificuldades epistemológicas, os pesquisadores concordam sobre o fato de que itens de luxo satisfaçam tanto as necessidades psicológicas, tais como autoestima, e as necessidades funcionais tradicionais. De acordo com Roux (1991), uma marca de luxo é caracterizada por simbólica, imaginária ou social, o valor acrescentado que a diferencia de outras marcas. A marca de luxo satisfaz assim necessidades simbólicas: tem um componente imaginário forte, continua a ser muito consistente em termos de seus vários elementos constitutivos, transmite valores positivos e ações ética ou de estética com o consumidor (ROUX; FLOCH, 1996). Vigneron e Johnson (2004) definem bens de luxo como aquele cujo consumo satisfaz as necessidades funcionais e psicológicas ligadas às características percebidas do produto, tais como a qualidade, a estética, a escassez e o elitismo. Assim, são principalmente os benefícios psicológicos que permitem que as marcas de luxo façam com que o indivíduo seja distinguido de outras pessoas, das quais as mais frequentemente mencionadas são o reconhecimento social e autoestima. Recentemente, a noção de prazer e de forma mais ampla, as emoções, têm aparecido como um fator explicativo importante ligado ao consumo ou posse de marcas de luxo (DUBOIS; LAURENT, 1996; VIGNERON; JOHNSON, 1999). Assim, definir uma marca de luxo seria aquela que tem produtos premium, que proporciona prazer como um benefício central e se conecta com seus consumidores.

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Moradia de Luxo para Idosos: o Caso do Residencial Solar Ville Garaude O Residencial Solar Ville Garaude surgiu em 1998 e está

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localizado em Alphaville, um bairro nobre da cidade de Barueri. Na década de 1990, seu proprietário, Pedro Garaude, vislumbrou a ideia de montar um empreendimento residencial diferenciado para oferecer serviços especializados no cuidado de idosos. A princípio, a concepção do negócio era oferecer um local onde os idosos pudessem morar permanentemente com toda a infraestrutura de um lar, porém, com cuidados especializados, com o conforto, praticidade e comodidade de um hotel. A ideia do negócio foi aprimorada com base em modelos de negócios bem-sucedidos de outros países, visitados pelo senhor Pedro, como França, Espanha e Estados Unidos, onde, como já pontuado anteriormente, a cultura da sociedade vê com bons olhos e apoia a permanência de idosos neste tipo de instituição. Desta forma, o empreendimento trouxe para o mercado brasileiro uma nova concepção de serviços para idosos, diferente dos modelos que eram ofertados no mercado. A ideia do negócio é justamente desvincular a imagem do residencial para idosos da de um asilo, ou de um lugar triste e sinônimo de abandono. O conceito do residencial é justamente o oposto, voltado para idosos ativos e independentes, que procuram qualidade de vida e socialização durante a velhice. Além disso, a ideia primordial do negócio é oferecer um serviço diferenciado, com padrões de qualidade superior, voltados para o luxo. Por isso, o residencial Solar Ville Garaude se posiciona no mercado como um hotel residencial cinco estrelas especializado em idosos, oferecendo altos padrões de qualidade e luxo para seus clientes. O conceito impresso no serviço oferecido no residencial é o mesmo de um hotel luxuoso, onde os clientes podem viver a experiência da hotelaria de luxo. Alguns aspectos do empreendimento denotam seu posicionamento de luxo. Seu público-alvo é segmentado com

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base nas variáveis idade, estilo de vida, renda e classe social. O Residencial aceita apenas moradores com 60 anos de idade ou mais, que sejam pessoas ativas e independentes, e que estejam dispostas a pagar uma mensalidade de aproximadamente dez mil reais mensais para residir e receber os serviços do residencial. Além disso, muitos aspectos do luxo oferecido podem ser percebidos por diversos fatores presentes no serviço, conforme serão apresentados a seguir.

Serviços Oferecidos e a Comunicação com o Mercado Alvo

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É possível notar que o serviço oferecido pelo residencial apresenta características diferenciadas, pautadas em altos padrões de qualidade. O serviço de hospedagem oferecido para os moradores do residencial segue o formato de um hotel de luxo, com todas as facilidades presentes no serviço de um hotel, como: restaurante, salão de jogos, cinema, cafeteria, jardim de inverno, lavanderia, sala de ginástica, salão de beleza, manobrista, entre outros. O aspecto visual do empreendimento, com um atrium com imenso vão interno remete a um dos ícones do luxo paulistano nos anos 80, o hotel Maksoud Plaza que inaugurou esse tipo de arquitetura na cidade.

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Figura 1 – Atrium

O residencial possui um formato vertical, com 54 quartos disponíveis para hospedar seus clientes, sendo todos praticamente do mesmo tamanho. Os quartos são decorados com móveis de primeira qualidade, mas o hóspede pode trazer também alguma mobília que tenha valor pes­ soal para compor a decoração do quarto. Aqui se nota a dificuldade de desapego, típica de idosos que se acostumaram com seus objetos pessoais. A abertura para receber peças de decoração dos hóspedes é uma maneira de driblar a frieza do ambiente de hotel padronizado e emprestar algo de caseiro, familiar ou confortável ao idoso.

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Fonte: site da empresa

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Figura 2 – Acomodações Fonte: site da empresa

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As evidências físicas presentes no serviço do residencial são importantes para salientar a percepção de qualidade do cliente e podem ser destacadas como um diferencial, salientando o oferecimento de um serviço de luxo. Por se tratar de um residencial que oferece um serviço de luxo e adota o conceito de hotelaria cinco estrelas, o mobiliário é diferenciado e apresenta grande imponência e requinte. A escolha e a disposição dos móveis e artefatos utilizados nos restaurantes, cafés e demais dependências do residencial remetem ao luxo e à sofisticação. Além da diferenciação oferecida nos quartos, o lobby do residencial possui um espaço de convivência imponente, com sofás de couro, tapetes, poltronas e uma grande lareira, constantemente utilizada para as reuniões e confraternizações dos moradores. Diariamente são realizadas diversas atividades de entretenimento para os moradores, desde bingos, aulas de pintura e culinária, até excursões para museus e apresentações de teatro.

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Figura 3 - Lobby Fonte: site da empresa

A sala de cinema foi projetada com equipamentos modernos e poltronas semelhantes às de um cinema tradicional, sendo que a seleção de filmes pode ser determinada pelos próprios moradores. Assim também é a biblioteca, que oferece um grande acervo de livros, renovada constantemente de acordo com os pedidos dos moradores.

Figura 4 – Sala de Artes e Biblioteca

No restaurante também é possível perceber o padrão de hotelaria cinco estrelas oferecido, desde seus móveis e estrutura até o cardápio preparado. Todas as refeições são servidas no mesmo horário, e, caso o morador tenha alguma restrição alimentar ou siga alguma indicação da nutricionista, as refeições são preparadas separadamente, seguindo-se todas as orientações necessárias.

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Fonte: site da empresa

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Figura 5 - Restaurante Fonte: site da empresa

Além disso, o residencial oferece um amplo espaço de ginástica e fisioterapia, com equipamentos modernos e também uma piscina aquecida. Possui também um amplo jardim, onde os idosos podem fazer caminhadas, descansar ou realizar atividades ao ar livre. O jardim possui uma infinidade de tipos de árvores e plantas e uma fonte com várias espécies de peixes.

Figura 6 – Jardim e Piscina

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Fonte: site da empresa

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O residencial possui também assistência médica durante 24 horas para seus moradores, sendo este departamento responsável pela administração de medicamentos e outras eventualidades do cotidiano relacionadas à saúde dos moradores.

Figura 7 – Atendimento Médico e Posto de Enfermagem

Todas essas facilidades são oferecidas dentro de um pacote básico de serviços, que é contratado juntamente com a moradia. Caso o hóspede precise ou queira contratar serviços personalizados, como aulas de ginástica, fisioterapia ou serviços psicológicos, o valor da mensalidade é maior (pode variar entre R$ 10.000,00 e 16.000,00). Em relação aos aspectos de comunicação com o mercado, as principais iniciativas são notícias veiculadas em jornais ou revistas que demonstram interesse pelo tema e procuram o residencial proativamente para divulgá-lo, e o site da empresa, que também é uma importante fonte de informação para os consumidores. Contudo, as estratégias de comunicação com o mercado ainda precisam ser aprimoradas e novas possibilidades devem ser exploradas. Os investimentos nesse sentido estão voltados, principalmente, para a manutenção do boca a boca positivo dos familiares e dos próprios residentes, que indicam amigos e conhecidos. Algumas iniciativas já foram tentadas pelo residencial, como anúncio em outdoors, rádios e jornais locais, mas o efeito não atingiu o objetivo esperado. Os entrevistados destacam que a utilização de mídias de massa não surte efeitos positivos para este tipo de segmento, principalmente por que ele envolve sentimentos complexos no processo de compra e também por que o tipo de serviço oferecido, com

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Fonte: site da empresa

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o conceito de luxo, não comporta este tipo de estratégia de comunicação. A ferramenta mais eficiente e que realmente transmite confiança no serviço e que consegue comunicar os parâmetros diferenciados do serviço são as pessoas que já o experimentaram ou que conhecem alguém que já experimentou e que fazem a indicação boca a boca. Grande parte dos atuais moradores do residencial é de amigos do proprietário ou de pessoas indicadas por amigos. Por causa da indicação boca a boca, o residencial já acomodou até três gerações de uma mesma família.

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As Pessoas Envolvidas no Serviço

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Outro diferencial que pode ser destacado no residencial e que é de extrema importância na prestação de qualquer serviço são as pessoas. O provedor do serviço deve ter ciência da importância que as pessoas da linha de frente de um serviço exercem para a realização do procedimento e também para o seu sucesso. As pessoas que efetivamente ficam em contato com os clientes são, de certa forma, os representantes diretos da empresa. Pensando neste aspecto, o residencial se preocupa com o treinamento e com a postura de seus funcionários no momento da prestação do serviço e, por isso, as características pessoais de cada funcionário são muito valorizadas no residencial, pois transmitem segurança e confiança para o idoso e também para seus familiares. Todas as pessoas do residencial lidam diretamente com os moradores, desde o manobrista até o proprietário, que inclusive também mora no residencial. Sendo assim, todos os funcionários recebem constantemente treinamentos sobre como atender bem o cliente e, principalmente, recebem orientações sobre como lidar com os clientes de forma diferenciada. Todos aprendem que o cliente do residencial

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deve receber um atendimento sempre educado, paciente e carinhoso, independente de qual seja a necessidade. Os funcionários estão permanentemente uniformizados e interagem constantemente com os moradores, contribuindo para que o ambiente de serviço esteja sempre agradável e que sua qualidade seja garantida. Trata-se de um fator fundamental. O apoio de profissionais gentis e bem treinados, ainda que firmes na condução do tratamento dos idosos é essencial para que o hóspede não se sinta abandonado. Episódios de delírio ou paranoia não são exceção nessa população. Quadros de complicação neurológica são frequentes e o treinamento para lidar com os hóspedes de modo carinhoso e firme é exigido. Ter esse cuidado particular, para o idoso, passa a ser essencial para sua segurança psíquica. O fato de o proprietário morar no residencial também auxilia muito no processo do atendimento ao cliente, que se sente mais próximo da instituição e muito mais acolhido tendo a presença do dono do empreendimento no seu cotidiano. Além disso, o residencial prioriza a contratação de pessoas da mesma família para compor o seu quadro de funcionários e incentiva a indicação de familiares e de amigos. Segundo o proprietário, esta iniciativa dá um sentido mais profundo ao relacionamento familiar que impera no residencial, além de seus funcionários se sentirem mais motivados com a presença de pessoas próximas no local de trabalho. Para manter seu alto nível de qualidade na prestação do serviço, o residencial exige que seus funcionários tenham as qualificações necessárias para ocuparem seus cargos e também oferece treinamentos constantes e apoio para a realização de cursos de aperfeiçoamento. Percebe-se que os funcionários do residencial são diferenciados na forma como tratam os idosos e como resolvem suas necessidades diárias, sempre com muita paciência e prestatividade. A prestação do serviço do residencial voltada para a hotelaria também promove uma atitude diferenciada de seus

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funcionários em relação ao idoso, pois estes são tratados também como hóspedes. Portanto, os funcionários são treinados para atender os moradores de acordo com essa concepção, oferecendo um serviço de qualidade, com padrões de um hotel cinco estrelas, além, claro, do ambiente familiar.

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Considerações finais

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Este estudo surgiu a partir da observação das expressivas mudanças demográficas apresentadas na contemporaneidade, relacionadas especialmente ao envelhecimento da população. Os consumidores idosos já representam um segmento bastante expressivo e de grande importância para grande parte das organizações, e, futuramente, serão responsáveis pelo aumento considerável no consumo de bens e serviços, principalmente aqueles especializados neste segmento. Diferente de outros países onde as guerras ou mesmo a cultura local produz, há gerações, idosos que vivem sozinhos ou em comunidades, o Brasil é ainda um país muito apegado à tradição da presença dos idosos no seio de suas famílias. A escolha de mudar para um residencial, mesmo que de luxo, envolve um desapego tremendo para um idoso. Um grande desafio, portanto, para a gestão da marca Solar Ville Garaude e de sua comunicação é encontrar modos de expressar o carinho e o acolhimento associados à ideia de exclusividade e de conforto desse residencial cinco estrelas. Buscou-se compreender as dinâmicas presentes na prestação de serviços de luxo para este crescente segmento de mercado, que se mostra tão complexo e ainda pouco conhecido no Brasil, o mercado de idosos. Percebe-se que, assim como em outros processos de consumo, o idoso também prioriza o luxo e a qualidade dos serviços oferecidos em moradias permanentes e que, muitas vezes, a diferenciação promovida pelos aspectos do luxo presentes no serviço

Com que roupa eu vou?

pode ser o critério decisivo na escolha do serviço por parte do idoso e de seus familiares. O caso analisado foi selecionado, pois apresenta um modelo inovador de negócios, que oferece serviços de luxo para o mercado de idosos. Além de representar também um segmento de mercado pouco conhecido e permeado por preconceitos – o mercado das instituições de longa permanência para idosos. Mesmo oferecendo uma nova concepção de serviços, que remeta à qualidade de vida do idoso e ao luxo oferecido no serviço, estas instituições ainda precisam romper os paradigmas da sociedade criados sobre este tipo de serviço, assim como já ocorreu em países desenvolvidos. Um fator que é necessário observar, contudo, é que os idosos de hoje são pessoas que foram formadas dentro de um universo de estrutura social mais rígida, onde o natural seria que todos se casassem e gerassem filhos. A ideia da “família margarina” é uma realidade para pessoas que hoje se encontram na faixa de 70 a 90 anos, público por excelência do Solar Ville Garaude. Cabe também ter em mente que no Brasil dos anos 60 e 70, ou seja, do milagre econômico, a capacidade de ganhar fortunas estava diretamente associada à atividade empresarial. A figura do alto executivo super atarefado, que viaja constantemente e é regiamente remunerado é posterior, surgiu com o crescimento das atividades financeiras nos anos 80. Por essa razão, temos no imaginário do público do Solar Ville Garaude um empresário que fez fortuna em atividade industrial ou agropecuária. Essa construção social foi importante na análise da adequação do serviço ao público como se viu no desenvolvimento do artigo. Na medida em que a população envelhece, é fundamental que se olhe o público de terceira idade como um segmento à parte, com necessidades específicas e para quem é preciso formatar produtos diversificados. A mera oferta de serviços que são objeto de desejo para a maioria da população, não

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será garantia de sucesso para esse público-alvo. Construir identidades de marca que associem carinho, atenção, acolhimento, customização à ideia de luxo, sofisticação e exclusividade ainda é um desafio que se coloca para a maior parte dos negócios voltados para a terceira idade. O estudo do caso do Solar Ville Garaude é relevante por ser uma das primeiras iniciativas voltadas para esse público e cujos desafios deverão ser enfrentados por dezenas ou centenas de novos negócios que surgem no bojo da maturidade de nossa população. O desafio de comunicação poderia ser mais que a escolha da mídia ou a exibição dos ambientes do hotel. A comunicação poderia estar pautada na materialização do conforto e acolhimento, aspectos tão caros aos idosos que, não raro, se sentem abandonados por seus familiares. Mesmo sendo, ou tendo sido, grandes empresários, tendo feito um robusto pé-de-meia que permita a mudança para um ambiente com todos esses confortos, é necessário considerar a solidão e o abandono que frequentemente atingem pessoas nessa faixa etária. A comunicação talvez pudesse ser mais efetiva se buscasse atender essa necessidade emocional ao invés de investir em aspectos de luxo. A ideia de extravagância, ou para usar o termo em voga – ostentação – pode passar longe da realidade de idosos, que costumam ficar mais recolhidos, ruminando suas próprias dores, doenças e carências. Nesse quesito, cabe questionar até que ponto, o serviço superior e o alto padrão de conforto oferecido por instituições como a ora analisada são suficientes para compor o conceito de luxo para uma pessoa que, provavelmente, já vivenciou a sensação de possuir produtos de marcas internacionais de prestígio. Natural que as necessidades vão se alterando ao longo da vida. Entretanto, a ideia de exclusividade, umbilicalmente ligada ao conceito de luxo, deve ser analisada se realmente pode ser considerada como um fator relevante para um ancião que busca conforto e calor humano.

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MARKETING DA MODA

IDENTIDADES CONSUMIDAS: TATUAGENS DE MÃES Vanessa Aparecida Franco Molina É professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Escola Superior de Propaganda e Marketing

Identidade do amor incondicional ‘Eu fiz minha tatuagem quando minha filha fez 15 anos, como forma de homenageá-la e demonstrar o tamanho do meu amor, pois amor de mãe para filho é coisa divina, é inexplicável, é como carregar o coração fora do corpo’, conta a dona de casa Keitty Moraes dos Santos (Vila Mulher, 2014, online).

Com que roupa eu vou?

As mães costumam fazer tudo por seus filhos. E dentro desse “tudo”, surgiu há alguns anos – e vem se valorizando a cada dia – mais uma prova do amor incondicional das mães: a homenagem aos seus filhos através de tatuagens.

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Figura 1: Mãe brasileira com tatuagem do nome do filho no pescoço Fonte: Disponível em: http://www.tattoopinners.com/homenagem-aosfilhos-cinthia-tattoo-picture/i52.tinypic.com*409.jpg/ Acesso em 11/03/2015

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Entretanto cabe destacar que muitas mães brasileiras acreditavam que tatuagens fossem coisa de gente de “baixo nível”, até que tiveram seus filhos e quiseram celebrar a ocasião de alguma maneira eloquente.

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Há uma geração, tatuagens e mães só costumavam coexistir nos bíceps de marinheiros. Mas, à medida que as tatuagens ganhavam popularidade, as mulheres que conseguiram passar pela casa dos 20 anos de idade sem tatuar um golfinho no tornozelo começaram a encontrar novos motivos para se submeter às agulhas: agora elas querem celebrar seus filhos... (Terra, 2014, online).

Figura 2: Angelina Jolie e sua “Tatuagem de Mãe” em homenagem aos seus 6 filhos Fonte: Disponível em: http://www.mundodastatuagens.com.br/ blog/2013/02/a-tattoo-de-angelina-jolie-para-seus-filhos/ Acesso em 11/07/2014

Como a Mídia é tanto uma difusora da mentalidade

Com que roupa eu vou?

Seja com desenhos de coração, estrelas, aqueles que representam os filhos, desenhos feitos pelos próprios, colocando apenas os nomes deles, ou os pezinhos deles ao nascer... pode-se afirmar que hoje as mães fazem, através da tatuagem, declarações de Valores Familiares. Valores são crenças compartilhadas ou normas de grupo internalizadas pelos indivíduos (SOLOMON, 2002) e sendo assim, ao fazer uma tatoo, se pode afirmar que a mulher imagina demonstrar que é uma pessoa com espírito de aventura, mas que ao mesmo tempo, está fazendo agora algo completamente seguro e aceito pela Sociedade. Tudo tão “transgressor” e ao mesmo tempo “certinho”, que só poderia começar a ser chamado já em 2005, de “Tatuagem de Mãe”.

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de consumo quanto viabilizadora da produção simbólica dos sentidos (HOFF in ROCHA & CASAQUI, 2012), o que se comunica pelo sistema midiático é reconhecido como simbólico pelos indivíduos. Desta maneira, o hábito de se tatuar em homenagem aos filhos propaga-se atualmente de maneira muito destacada e positiva através das “mães celebridades”. Praticamente todos os dias podemos ver na imprensa uma foto ou uma menção a uma modelo, cantora ou atriz de sucesso que homenageou o filho através da tatuagem. Contudo, é importante frisar que atrizes famosas como Angelina Jolie (que fez a tatuagem com as latitudes e longitudes de onde nasceram cada um dos seus seis filhos – vide Figura 2) fazem o que querem com seus corpos e mesmo quando fazem tatuagens, ao se caracterizarem para outros personagens as mesmas podem ser apagadas de seus corpos através de manipulação digital e/ou maquiagem. Mas e as mulheres “normais”? Para elas têm valido a pena se espelharem nesses “corpos-mídia” (HOFF, 2009 apud SAMARÃO, 2009) e marcarem seus próprios corpos? Grande parte dos depoimentos mostra que sim. Mesmo porque, como dizem muitas mães tatuadas: “Eu sei que não vou me arrepender, porque eles são meus filhos e vou amá-los para sempre”. E como mais um exemplo desse amor – e talvez o exemplo até então mais extremo – vimos no último mês de fevereiro de 2015 na mídia o fato de um casal inglês que, em total solidariedade à filha de um ano e pouco que nasceu com manchas de nascença na perninha direita, também tatuou manchas parecidas com as da filha nas próprias pernas: “A maioria das pessoas pode pensar que isso é um ato extremo. Mas, para nós, era a coisa mais natural a fazer para garantir que nossa filha nunca se sentisse diferente ou sozinha no mundo”, explicou a mãe (ENTRETENIMENTO R7, 2015, online).

Figura 3: Casal inglês tatuado com as marcas da filha Fonte: Disponível em: http://entretenimento.r7.com/mulher/fotos/ pais-tatuam-manchas-de-nascenca-da-filha-nas-pernas-queremos-que-

Vendo mais uma vez a situação de forma positiva, atual­ mente para muitas mulheres com empregos executivos por exemplo, tatuagens podem se tornar o equivalente a um porta-retrato com fotos dos filhos sobre a mesa. Ainda mais quando os seus desenhos são femininos e delicados tais como flores, fadas, animaizinhos e etc., o que acaba por relacionar melhor os filhos às tattoos. A aceitação nesses casos costuma ser maior. A pesquisa do Pew Research Center publicada em 2007 informa que 40% das mulheres americanas entre os 26 e os 40 anos têm pelo menos uma tatuagem (TERRA, 2014, online). No Brasil existem poucas estatísticas sobre o número de mulheres tatuadas ou de mães que fazem tatuagens, contudo um estudo feito através das redes sociais pela Revista Superinteressante em 2013 e publicado em março de 2014 sobre o perfil dos tatuados brasileiros evidenciou que

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ela-se-sinta-especial-26022015#!/foto/1 - Acesso em 26/02/2015

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60% dos tatuados no Brasil são mulheres e que a preferência atual é de tatuagens “simbólicas” (REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2015, online), o que reafirma o que diz a maioria dos profissionais da área, sobre o fato de que as mulheres são o gênero que mais se tatua e mulheres que fazem tatuagens referentes a seus filhos se tornaram muito mais comuns do que pessoas que escolhem tatuagens em forma de coração que contém a palavra “mãe” (TERRA, 2014, online). Por causa disso, sites, blogs, fóruns e tumbrls especializados surgem a cada dia para mulheres e mães que estão pensando em fazer uma tatuagem. Nesses espaços deixa-se muito claro que as tattoos não devem ser ideias espon­tâneas, impulsivas. As mulheres podem e devem trocar ideias sobre imagens nesses espaços, antes de procurar um tatuador, além de se informar sobre as questões de segurança e dos riscos e desconfortos de receberem uma agulha cheia de tinta por sob a pele. “Gostaríamos que as mães e seus bebês não fossem tão diferentes do resto das pessoas...” (GUTMAN, 2012, p. 35). Por isso – com a aprovação da Sociedade que quer que as mães e bebês sejam iguais às outras pessoas – talvez a sensação da mãe ao se tatuar em homenagem aos filhos seja parecida com a de comprar uma camiseta do Ramones para o seu bebê. Mas será que restaria ainda alguma coisa realmente mais “radical” para essa mãe fazer em sua vida, já que a aceitação das mães às tatuagens pode ser o passo final para uma forma de arte que em apenas 20 anos migrou dos navios da marinha e das prisões para as escolas particulares, programas de TV a cabo e etc., descartando em definitivo a ideia de que tatuagem tenha hoje em dia qualquer relação com Contracultura? Tatuagem atualmente tem relação com a Cultura, já que nas sociedades ocidentais modernas torna-se central

a questão do controle exercido sobre o corpo, tanto pela própria pessoa, quanto pelo seu grupo social mais amplo. Escolher a tatuagem, a marca que será colocada em seu próprio corpo, também é uma forma de ter controle sobre ele. Contudo, ainda se observam resquícios de preconceito com relação às pessoas tatuadas. Ainda mais quando essas pessoas são pais e possuem não só as tatoos de homenagem aos filhos, mas muitas outras tatuagens. Segundo o imaginário coletivo ainda é difícil associar tatuagens – ainda mais quando são aquelas não relacionadas aos filhos – à responsabilidade e à paternidade e/ou maternidade. Porém, várias iniciativas midiáticas (advindas de pessoas tatuadas obviamente) têm sido realizadas no intuito de combater essa visão negativa da prática: livros infantis encorajando as crianças a não terem medo de pessoas tatuadas a tumblrs que reúnem fotos de pais tatuados em momentos fofos com seus filhos (TERRA, 2014, online).

Várias são as formas atualmente para fazer com que os resquícios de preconceito contra as pessoas “rabiscadas” caiam. Por isso, cada vez mais tatuagens “estão combinando” com mães, com a maternidade e vice-versa; mesmo porque hoje o corpo grávido já não é mais tabu, como era antigamente. Nos anos 70 o corpo da mulher – ainda mais o da mulher grávida – não pertencia a ela, pertencia ao marido, à família (GOLDENBERG, 2012). Mas o tempo passou e os costumes e a cultura mudaram, o que fez com que houvesse também uma mudança de pensamento e difusão quanto à imagem do corpo materno. “...Se até algumas décadas atrás a imagem da mulher grávida e da maternidade estava referida à ideia da mulher inter-

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Identidade de amor próprio e sedução

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dita, hoje se presencia o corpo erotizado...” (BRAZÃO, NOVAES & VILHENA, 2010). E nada mais sexy do que uma tatoo. Por isso a difusão de várias gestantes e suas tatuagens está cada vez mais presente na Mídia. Celebridades ou não, vemos muitas e muitas grávidas com seus barrigões de fora e com suas marcas adquiridas/consumidas: as tatuagens. Desta forma elas podem afirmar sua sexualidade e amor próprio para todos, apesar do seu estado.

Figura 4: Fernanda Lima, linda, sexy, tatuada e grávida de gêmeos

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Fonte: Disponível em: http://artsliife-mn.blogspot.com.br/

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Identidade disfarçada O corpo é reflexo da Sociedade, da Cultura, da Histó-

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ria. E, além da valorização da tatuagem e da erotização das grávidas o que também se percebe hoje é que as mulheres cuja gravidez não deixou marcas (como a cantora Claudia Leite ou a supermodelo Gisele Bündchen, dentre tantas outras) exercem um fascínio e se mostram modelos a serem seguidos pelas novas gerações. “... são expostas como verdadeiras heroínas aquelas que parecem não se deixar marcar de forma indelével pelos excessos deixados pela gestação” (BRAZÃO, NOVAES & VILHENA, 2010). Desta maneira, as mulheres contemporâneas se sentem na obrigação de autocontrolar seus corpos com intervenções consumidas (cirurgias, plásticas, tratamentos e etc.), sabendo que se falharem vão ser taxadas de “fracas” (REZENDE, 2011). No entanto, nem todas as mulheres que pariram ficam ou são assim lisas e perfeitas; algumas até retornam à antiga forma física, mas o processo é lento demais perante a urgência demandada pela Sociedade e fartamente apregoada pela Mídia, através dos “modelos de mulheres sem marcas da gravidez”. Por causa disso, dentre os tratamentos utilizados pelas mulheres atuais para disfarçar as marcas da gravidez, encontra-se também a tatuagem. Aquela mesma tatuagem utilizada para celebrar os filhos agora também é utilizada, dicotomicamente, para esconder as marcas de que essa mulher pariu: “... (mães) começaram a encontrar novos motivos para se submeter às agulhas: agora elas querem celebrar seus filhos e tatuagens são uma lembrança mais bonita do que estrias” (TERRA, 2007, online).

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Figura 5: Tatuagem para esconder estrias e cicatrizes – antes e depois Fonte: Disponível em: http://www.duduartestattoo.com/ album/tatuagens/jpg/ - Acesso em 11/07/2014

A mulher quando começou a valorizar a tatuagem, deixou de marginalizá-la, contudo podemos dizer que com as

tatuagens para disfarçar cicatrizes e estrias ainda se marginaliza as mulheres que têm marcas de gravidez. Se o amor de mãe é incondicional, “é como carregar o coração para fora do corpo”, porque esconder a marca de que foi mãe e sobrepor a essa marca natural, uma marca que se pode comprar? “Rabisca-se” o corpo para cobrir os riscos oriundos da gravidez porque para as sociedades ocidentais modernas o corpo “Não é um corpo indistinto dado pela natureza. É um corpo trabalhado, saudável, bem cuidado, paradoxalmente uma “natureza cultivada”, uma cultura tornada natureza” (BOURDIEU, 1987 apud GOLDENBERG, 2006, p. 119).

Corpo, Cultura, Consumo e Tatuagem

Ora, a marcação do corpo corresponde a uma experiência estética que se sente (na dor que implica) e que faz sentir (emoções como repulsa, fascínio, medo, desconfiança, curiosidade, etc.). A sensação de dor que a invasividade implica, confere um suplemento de realidade à ação de marcar o corpo, uma forma de intensificar uma existência individual através da estimulação de uma nova vivência do corpo vivo, numa

Com que roupa eu vou?

Nas culturas ocidentais é central a questão do controle exercido sobre o corpo, com análises de Bourdieu, Foucalt e Elias a respeito. Conforme Foucault (1997), o corpo é alvo de novas formas de poder que o disciplinam sob todos os aspectos. Em torno do corpo são desenvolvidos vários saberes que atravessam vários campos de poder, sendo sua medicalização um dos processos mais importantes e dentro do processo de medicalização podemos encontrar o processo da tatuagem. Tatuar provoca dor e de forma deliberada se escolhe suportar tal dor em busca de um desejo estético que não é uma “necessidade fisiológica” (CIFUENTES, 1974).

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cultura em que a dor é, por defeito, uma realidade a ser suprimida, uma sensação a ser anestesiada, signo emocional de sofrimento e patologia, passível de ser medicalizado e controlado (Ferreira, 2007, p. 236).

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Elias (1990) afirma que o autocontrole emotivo e corporal é um “processo civilizador” e desta maneira é exigido atualmente do indivíduo um controle de suas emoções e de seu corpo cada vez mais amplo; o que faz, a todo momento, surgirem embates nos indivíduos entre a necessidade do controle e a real expressão de seus afetos. Assim, o indivíduo então busca ser singular, autocontrolando seu corpo. A tatuagem relacionada a essa autonomia aparece na literatura no conceito de posse de si (BENSON, 2000; LE BRETON, 2002), segundo o qual os tatuados marcam seu corpo como uma forma de afirmação de propriedade sobre ele. Ainda para Benson (2000) é em um contexto individualista ocidental que a tatua­ gem passa a adquirir este uso de posse de si, identificando o corpo não mais como um objeto e sim como pertencente ao Eu, ao sujeito. “[...] A marca corporal assinala o pertencimento a si. Rito pessoal para se transformar transformando a forma de seu corpo” (LE BRETON, 2002, p. 175). Ainda em análises mais contemporâneas sobre o corpo de Featherstone (1991), Giddens (1991) e Ortega (2006), é visível também como a tensão entre indivíduo e sociedade reflete-se no corpo. Assim, se busca uma identidade e imagem corporal singular, mas que ao mesmo tempo são modeladas socialmente e ao pertencimento e à adesão a determinados grupos sociais e seus valores. Nesse processo de busca de identidade e pertencimento, as práticas de intervenção de controle sobre o corpo – dietas, exercícios, cirurgias, tratamentos médicos e tatuagens – colocam em discussão o que nele é natural e o que é cultural/construído (REZENDE, 2011). Lembrando que José Gil (1997) refere-se ao corpo enquanto uma “infralíngua” em constante comunicação com o mundo; por isso

pode-se dizer que tatuar implica não somente em pintar-se, mas também escarificar, produzindo uma marca definitiva no corpo. Uma marca com dupla função: tanto de singularizar, quanto de coletivizar (COSTA, 2003). Vivemos em uma sociedade que busca uma identidade corporal singular, mas, ao mesmo tempo, pertencer a determinados grupos e para tanto, acabamos recorrendo ao consumo (ALONSO, 2006) e o processo de consumo é legitimado pela Mídia. Como diria Bourdieu (1987), o corpo e a aparência juvenil é, no Brasil, um verdadeiro capital e isso evidencia a importância do consumo para a construção de um corpo “valioso”. De acordo com a retórica do consumo e da indústria cultural mudam-se as imagens ideais de corpo e “o consumo é algo ativo e constante em nosso cotidiano e nele desempenha um papel central como estruturador de valores que constroem identidades, regulam ações sociais, definem mapas culturais” (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004, p. 8).

Conforme Pierrat e Guillon (2000), as tatuagens ocuparam diferentes funções em diversos grupos sociais ao redor do mundo. Elas podiam servir para ornamentar e/ou identificar o status social; punir ou expor os marginalizados ou ainda, marcar um acontecimento particular ou a mudança de status (nascimento de um filho, puberdade, casamento, viuvez...). Por isso, registrar na pele que um filho nasceu ou que a mulher se tornou mãe não é um fenômeno novo, porém, a diferença em relação aos tempos atuais é que nesses grupos sociais da antiguidade a tatuagem se constituía em um ato público que fazia parte de cerimoniais. Podemos dizer que isso foi retomado atualmente, ainda mais com a celebração publicada em larga escala através das redes sociais: o cerimonial de hoje em dia é se tatuar e propagar a imagem da tatoo via internet.

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Considerações finais

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... o corpo é a roupa e, por isso mesmo, deve apresentar um caimento perfeito, mesmo que alguns retoques sejam necessários para a melhor otimização dos resultados. Em uma cultura com mais telas do que páginas, a importância da imagem não pode ser deixada de lado. O sujeito contemporâneo é também caracterizado pelos seus múltiplos afetos, seu individualismo exacerbado pela sociedade de consumo e do espetáculo, bem como suas relações transitórias e as já mencionadas aqui identidades cambiantes (Novaes, 2010).

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Como mencionado anteriormente, o corpo é um “processo” e “resultado provisório” da Sociedade, da Cultura, da História. Assim, como a mulher grávida (portanto, o seu corpo) já não pertence mais à Família e ao (a) parceiro(a), com a tatuagem essa mulher pode declarar seu valor familiar aos outros. Paradoxalmente, a mulher se libertou através de uma nova consciência e através dos movimentos feministas, se reafirmando cada vez mais no mercado de trabalho, contudo, ao mesmo tempo hoje em dia ela precisa declarar à Sociedade que é uma “mulher feminina e sexy”. Para tanto se utiliza de tatuagens (ou intervenções cirúrgicas e estéticas invasivas ou não) para seduzir ou para disfarçar/esconder as imperfeições advindas pós-parto (e como visto, são muitas as mulheres pré-dispostas a isso), o que demonstra mais uma vez a necessidade contemporânea da mulher se autocontrolar, tendo de voltar ao corpo que tinha antes da gravidez. Portanto, como se não bastasse se declarar “sexy”, essa mulher ainda precisa se declarar uma mulher “família” para todos. Haja esforço. Desta maneira podemos concluir que as marcas compradas/consumidas tais como as tatuagens, existem para que as mulheres, ainda mais aquelas que são mães, sejam “donas de si” e marquem em seus próprios corpos uma nova identidade, mais bonita e perfeita do que na verdade é.

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HISTÓRIA DO MARKETING

MARCAS QUE DEFINEM COMPORTAMENTOS: O CASO CHANEL Nº 51 Celso FIGUEIREDO NETO 2 Maria de Lourdes BACHA3 Professores da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

INTRODUÇÃO

1 A projeção das marcas na vida das pessoas, em especial as de luxo são parte de uma pesquisa em andamento levada a cabo pelos autores desse artigo. Parte das descobertas aqui descritas foram apresentadas no VI ProPesq PP em 2015 2 Doutorado em Comunicação e Semiótica, PUC SP, e-mail: [email protected] 3 Pós-doutorado em História da Ciência e Comunicação e Semiótica, PUC SP, e-mail: [email protected]

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Mulheres e odores. Sensualidade, sofisticação e prazer. A mulher já foi retratada de milhares de maneiras. Seus odores, igualmente, também se alteraram ao longo do tempo. Nos últimos 95 anos, contudo, a experiência estética olfativa ganhou uma referência fixa e um número: 5. Desde a Antiguidade, cheiros e perfumes têm sido associados com sensações e sentimentos, além de exercerem papel significativo nas relações sociais. Desde os primórdios, o homem já utilizava fragrâncias na vida cotidiana, seja por motivos religiosos, no embalsamamento de corpos ou na estética em que determinados odores exerciam papel na hierarquia social. Da Grécia e Roma antigas chegaram os primeiros rela-

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tos sobre o uso de perfumes. Os perfumes eram oferecidos aos convidados nos banquetes, as paredes das casas eram perfumadas como também os espaços públicos exalavam perfumes (RAMOS, 2006). Na sociedade atual, observa-se a industrialização e a produção de perfumes em larga escala, a ditadura da moda com relação às fragrâncias, o perfume se tornou símbolo de status, faz parte do imaginário inerente às mulheres. Observa-se também o jogo de sedução dos anúncios dirigidos às consumidoras potenciais para despertar nelas o desejo de consumo ou compra, as sensações que os anúncios despertam nas prováveis consumidoras remetem à personalidade da marca, posição social, entre outros elementos (RAMOS, 2006). Os anúncios com suas imagens cuidadosamente produzidas tendem a mostrar mulheres bonitas, num mundo quase mágico, em atmosferas muitas vezes oníricas ou então mulheres poderosas, bem o oposto da realidade de muitas consumidoras [...] Os anúncios de perfumes femininos, ao traduzirem um cheiro e as sensações que se querem passar, são representações de mulheres. (RAMOS, 2006, p. 7).

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São, portanto, projeções aspiracionais. A publicidade de fragrâncias especializou-se em construir mundos ideais e desejáveis em que mulheres perfeitas habitam. Essa ideia de perfeição varia conforme a personalidade das marcas ou ao papel cultural esperado das mulheres ou, conforme Lindner:

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Em outras palavras, essas imagens estão ligadas ao modo com que as mulheres são tratadas, vistas e percebidas por elas próprias, com o tipo de comportamento e aparência que é esperado delas e até, mais amplamente, com as nossas ideias sobre o que cons-

titui masculinidade e feminilidade em nossa cultura (LINDNER, 2004, p. 419).

Ao folhear as páginas de qualquer revista feminina, nos deparamos com inúmeras imagens e textos que nos falam sobre o feminino – vivido, imaginado ou desejado. Entre esses discursos, chamam a atenção os da publicidade de perfume. Quase que invariavelmente vemos figuras extraordinárias que brotam de flores, choram cristais, sacodem suas asas de anjo, enlaçam-se em árvores, seduzem alguém. Suas imagens fantásticas percorrem os caminhos do sonho e das fantasias de um imaginário social carregado de histórias, personagens e mitos que tratam de um modelo do feminino. Capazes de feitos incríveis, as personagens dos anúncios de perfume aparecem em cena como figuras de pura sedução e poder – são objetos do maior desejo masculino e, por isso, do feminino também. Mas quem são essas mulheres? O que significam essas imagens? Como significam? Como se relacionam com as mulheres-consumidoras reais e com a contemporaneidade, marcada pelo consumo? (PETTERLE, 2005).

No início do século XX havia acentuada diferença entre o “cheiro de uma cortesã e o de uma boa moça”. Alguns aromas como jasmim, almíscar, patchuli e angélica, davam

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O perfume pode evocar fortes respostas emocionais: as pessoas conseguem se lembrar de fases inteiras de suas vidas simplesmente ao sentir um perfume. Um perfume pode trazer lembranças de momentos diferentes, de histórias vividas ao transportar o/a usuário para diferentes lugares. Pode-se dizer que o perfume vai muito além do frasco e da fragrância, por conta do significado que assume.

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à mulher um cheiro fragrantemente sexual. Moças respeitáveis usavam delicadas fragrâncias, odores florais de rosas e violetas. A fragrância de uma mulher evidenciava sua sexuali­dade, e, “durante boa parte da história da humanidade, as conexões entre perfume e prostituição foram quase inseparáveis”. Assim, desde o início da sua história o perfume tem estado associado à sensualidade da mulher (MAZZEO, 2011, p. 36). O artigo tem como justificativas tanto a importância da marca como o crescimento e importância do mercado de luxo no Brasil. “Chanel encontra-se entre as “cinco mais” das marcas e impõe-se como referência incontestável no espírito da clientela, seja regular, seja ocasional” (LIPOVESKY; ROUX, 2005). Embora o consumidor de luxo seja menos sensível a preços, esse mercado teve crescimento superior ao desempenho geral da economia em 2013 e 2014. Em 2012, a expansão foi de 16%, segundo a consultoria MCF e para 2014, a estimativa é de alta entre 16% e 18%, apesar da disparada do dólar e da alta da taxa de inflação (MCF, 2015). A consultoria Bain & Company estima que o mercado de luxo no Brasil tenha movimentado 3 bilhões em 2013, aumento de 11% ante 2012 (ESTADÃO, 2014). Apesar do crescimento, o Brasil ainda representa apenas 1,4% do faturamento global no segmento de luxo. Segundo Ferreirinha (2014), o desempenho melhor do que o da economia em geral ocorre porque o luxo ainda está em expansão no Brasil, especialmente fora da capital paulista, principal destino das marcas. Entre os novos destinos, o autor cita Curitiba, o interior de São Paulo e o Rio, que já tem um papel importante no setor, mas ganhou relevância, especialmente com a Copa (FERREIRINHA, 2014). A demanda por bens de luxo cresce fortemente em economias emergentes, especialmente na Ásia e no Brasil, devido ao acúmulo de demanda reprimida e enriquecimento de uma parcela da população (STREHLAU, 2008). Vale

enfatizar também que o Brasil é o terceiro maior mercado mundial de beleza e higiene pessoal (atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão) e conseguiu, há quatro anos se tornar o maior consumidor de perfumes do Globo, embora ainda seja o 10º do mundo em fragrâncias internacionais (premium). Hoje, o Brasil ainda é um país que consome prioritariamente colônias, uma das explicações, além do clima e da preferência por itens de alto frescor, é a tributação. No Brasil há de fato uma forte concentração de água de toillete e água de colônia pelo fato de que a alíquota de IPI desses itens é de 12%, enquanto na perfumaria é de 42%. O presente artigo visa investigar a representação da mulher por meio da publicidade do mais famoso perfume do mundo: Chanel 5. Esse produto mítico catalisa a imagem da mulher no século XX, se reinventa e mantém seu frescor e relevância nesse início de XXI, é sinônimo de sofisticação, sensualidade e luxo para mulheres do mundo todo. A construção de sua identidade é da maior relevância se pretendemos entender como a mulher se vê na sociedade contemporânea.

Lançada em 1909, por Gabrielle “Coco” Chanel, a marca Chanel é a quarta marca mais desejada do mundo, com valor de 7,8 bilhões de dólares (MILLWARD BROWN, 2014), dado que se torna mais significativo quando se considera que a Chanel (especializada em moda de luxo, roupas, acessórios, bolsas, perfumes e cosméticos) é uma das raras marcas individuais, não faz parte de um conglomerado, cujos negócios são vinculados ao sistema financeiro. Gabrielle Chanel levou uma vida polêmica, defendeu

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COCO CHANEL E A CRIAÇÃO DO CHANEL N º5 (De Aubazine para o nº 31 da Rue Cambon, Paris.)

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bandeiras feministas, o que garantiu e tem garantido exposição à marca, mesmo após sua morte, seja por meio de filmes, documentários ou reportagens. O atual diretor criativo da grife Chanel é Karl Lagerfeld, chamado o Czar da moda, tamanha sua importância e influência no universo fashion que manteve o foco na produção de roupas clássicas, elegantes e originais. A marca Chanel é um mito, considerando que grande parte das principais mudanças de ves­ tuário feminino do século XX se deu devido às inovações de sua fundadora.

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[...] como sinônimo e democratização da Moda, nos anos 20, com a simplificação do vestuário feminino que Chanel é de certa maneira o símbolo, a Moda se tornou menos inacessível porque mais facilmente imitável: a distância entre as toaletes diminuiu. O luxo deixou de ser um imperativo atentatório; uma certa simplicidade impessoal conseguiu impor-se na elegância feminina (LIPOVETSKY, 2001, p. 74).

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A história de Chanel evidencia sua capacidade em realizar modificações em sua realidade e nos hábitos femininos, hábitos esses relacionados ao modo de se vestir como também referentes ao lugar que as mulheres passaram a ocupar nos espaços público e privado durante o século XX. Chanel foi uma mulher moderna. Sua história parece revelar a complexidade da moda, que se articula como um agente da espiral individualista e de consolidação das sociedades liberais. Chanel, como nenhuma outra, corporificou o espírito de uma época chacoalhada por duas guerras mundiais e a transformação radical da sociedade (em especial a europeia) que resultou dos conflitos. A personagem construída e vendida por Chanel era a persona que ela própria construiu para si mesma e encarnou ao longo de sua vida, ela não apenas criava, ela vestia

4 Em 1916, introduziu o jérsei de malha, o tecido xadrez e a moda escocesa, com blusas de malha fina, as calças boca-de-sino, as jaquetas curtas e os casacos cruzados na frente em estilo militar. Para a noite, Chanel criou vestidos em negro metálico, vermelho escarlate ou bege. Laços e paetês eram os únicos enfeites e não impediam que as mulheres se movimentassem com rapidez. O vestido preto, simples, com gola e mangas largas e punhos, a jaqueta de corte reto e a saia simples foram inovações da estilista, o “pre­ tinho básico” data de 1926. Seus modelos simples, ao alcance da mulher de bom gosto e de poucos recursos. Introduziu as joias falsas no mundo da moda. Chanel sempre gostou de usar muitos acessórios, como colares de correntes ou pérolas de várias voltas.

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suas criações. Durante esse momento histórico, a vida econômica e política sofreram transformações e o papel da mulher se alterou: a extensão do trabalho feminino, o acesso às funções masculinas, a equiparação de direitos civis, todos estes aspectos contribuíram para alterar seu papel no lar, obrigando a mulher a adaptar seu guarda roupa às novas formas de vida, no que Chanel teve papel preponderante, como mulher independente, bem-sucedida, com personalidade e estilo (NOBRE, 2012).4 Em 1916, Coco já chefiava 300 funcionários e, em 1921, fixou-se no nº. 31 da Rue Cambon, endereço da loja Chanel em Paris até hoje. Seu estilo minimalista libertou as mulheres das faixas e corpetes apertados e saias cheias de babados, ela visava à elegância confortável e prática, com cortes retos e elegantes. Chanel também inovou a perfumaria, sendo a primeira estilista a assinar uma fragrância com seu nome. Segundo Mazzeo (2011, pp. 55-57) teria sido por volta de 1911, que Gabrielle começou a imaginar seu perfume. Perfume era o assunto do momento, as fragrâncias haviam tornado Coty um dos homens mais ricos da França. As décadas 1920 e 1930 são conhecidas como a era de ouro da perfumaria francesa. A fantástica história da ascensão do

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perfume francês durante o início do século XX estava ligada ao mercado americano e à paixão dos americanos por fragrâncias francesas. Coty foi um inspirador para Gabrielle, embora mais tarde se tornassem rivais, mas foi em conversas com ele, que começou a estudar perfumes a sério, “uma vez interessada em perfumaria, ela quis aprender tudo –as suas fórmulas, a fabricação e outras coisas mais. Naturalmente, ela procurava os melhores conselhos” (MAZZEO, 2011, p. 64-65).

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O perfume que muitas mulheres usam não é misterioso... Mulheres não são flores. Por que desejariam cheirar como flores? [...] eu quero dar às mulheres um perfume artificial, sim, estou dizendo artificial, como um vestido, algo que precisa ser feito. Não quero uma rosa ou lírio do vale, quero um perfume que seja uma composição. [...] uma mulher deve cheirar como uma mulher, não como uma flor. (CHANEL, apud Mazzeo, 2011, p. 64-65)

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Gabrielle queria um perfume sexy, provocante, ela pretendia ser estonteante. O perfume Chanel Nº 5, considerado o mais famoso do mundo, foi criado em 1920, pelo perfumista Ernest Beaux, com o objetivo de ser ardente e inesquecível, com os aromas mais luxuosos e tradicionais da perfumaria, se tornou muito mais que um simples perfume, é um produto de história que atualmente serve como referência cultural. Beaux se interessava pelas descobertas que estavam recriando o mundo dos aromas no início do século XX, possuía também grande talento e obteve sua fragrância abstrata ao misturar mais de 80 componentes (SILVA, 2006). A fragrância de Chanel Nº 5, diferenciada para a época, acentuou o caráter inovador da marca, explorando sua multissensorialidade, através da embalagem (frasco de vidro transparente, cores claras e retas, cunhado com o nú-

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mero 5, que conota perfeição e totalidade, pelos 5 sentidos e pelas 5 formas sensíveis da matéria), e da cor e a densidade do líquido. A cor do líquido é amarela e sua densidade se assemelha à consistência do óleo (ingrediente usado em poções mítico-religiosas e unguentos medicinais). Junte-se o logo, em preto, na embalagem de proteção. As cores amarelo e preto, são na simbologia chinesa o oposto e o complementar, além de ser o amarelo a cor do imperador (SILVA, 2006). A associação com a simbologia oriental não é gratuita. Vale ressaltar que nos anos 20 e 30 a Europa vivia a onda da chinoiserie em que arte, cultura, objetos, moda chineses eram colecionados pela alta sociedade europeia. O Chanel Nº 5 tornou-se uma sensação nos círculos elegantes em poucos meses. Seu lançamento foi realizado em um restaurante, copiando uma estratégia de Coty: quebrar um frasco esperando que os clientes avaliassem o aroma. Foi entusiástica a reação. Mulheres elegantes chegavam à sua boutique e pediam o maravilhoso perfume. Em 1921, o Chanel Nº 5 já estava na prateleira, onde vendeu imediatamente, sem propaganda. O Chanel Nº 5, que já teve como garotas-propaganda Catherine Deneuve, Nicole Kidman, Audrey Tautou e Marilyn Monroe e Gisele Bündchen. Em 1970 e 1980, a garota propaganda de Chanel foi Catherine Deneuve; em 1990, Estella Warren e Carole Bouquet. Em 2003 foi contratado um novo rosto para a marca, Nicole Kidman, que estreou no glamoroso comercial em formato de curta-metragem, como uma atriz famosa que havia fugido e usava o perfume Chanel Nº 5. Em 2009 a atriz que participou do mais novo comercial em forma de curta-metragem foi Audrey Tautou, que havia interpretado Coco Chanel no filme Coco Antes de Chanel. Em 2012 foi lançada a campanha do perfume com Brad Pitt, o primeiro rosto masculino para um perfume feminino.

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Figura 1. Imagem capturada do comercial Chanel Nº 5 The Film

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Fonte: youtube1

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Figura 2. Imagem capturada do comercial Chanel Nº 5 The Film Fonte: youtube1

Figura 3. Imagem capturada do comercial de Audrey Tautou Chanel Nº 5.

Figura 4. Imagem capturada do comercial Audrey Tautou Chanel Nº 5 Fonte: youtube2

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Fonte: youtube2

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Figura 5. Imagem capturada dos comerciais de CHANEL N° 5: The One That I Want Fonte: youtube 3

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Figura 6. Imagem capturada dos comerciais de

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CHANEL N° 5: The One That I Want Fonte: youtube 3

Figura 7. Imagem capturada dos comerciais de CHANEL N° 5: The One That I Want

Morin (2009) considera as celebridades como os olimpianos modernos, ou seja, os “semideuses” da atualidade, que podem ser tanto astros de cinema, como campeões, príncipes, reis, playboys, exploradores ou artistas célebres. O Olimpo dos astros de cinema surge por meio da interpretação de um papel, encarnado em um filme, ao qual o receptor se identifica e então passa a admirá-lo, porém, ao tornar-se celebridade, o ator, como pessoa, passa a ser admirado pelos demais “mortais”. Desde a década de 1970, o marketing da Chanel tem sido de uma extraordinária constância, revivendo periodicamente “esse tema de fantasia e sensualidade de modulações hollywoodianas, que provoca os consumidores com a ideia de algo que tem implícita só certa malícia” (MAZZEO, 2011, p. 227). [...] A icônica fragrância de Coco Chanel havia mais uma vez sido mencionada como o perfume mais sensual do mundo, derrotando facilmente os

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Fonte: youtube3

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perfumes de estilistas das maiores grifes da moda contemporânea, inclusive essências tão presentes e encantadoras como Eternity, e Calvin Klein, ou Beautiful, de Estée Lauder. Algumas das fragrâncias mais vendidas no mundo nem entraram na lista. Entre as vinte primeiras, havia uma outra coisa notável também: nenhuma tinha uma história anterior à década de 1980 – nenhuma, isto é, exceto Chanel Nº 5 [...] Chanel Nº 5 é um dos poucos perfumes de “legado” remanescentes [...] a ideia de que Chanel Nº 5 deixa a mulher irresistivelmente fascinante... (MAZZEO, 2011, p. 12).

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O perfume Chanel nº 5 tem sido líder de mercado por anos e tornou-se símbolo de tradição, requinte e sensualidade. Hoje há vários estilos de perfume da marca, passando por Chanel Nº 19, Chanel Nº 22, Coco Mademoiselle, Chance Chanel, cada um deles para captar um público feminino mais atual, mais jovem e moderno. O perfume Chanel Nº 5 também teve sua atualização, criando-se assim o Chanel Nº 5 Eau Première, para mulheres mais modernas e jovens, acrescentando aromas descobertos após a década de 1920, deixando o perfume mais fresco e suave para usar no dia a dia, mas sem perder sua essência original. “O Eau Première é uma tentativa de imaginar o Chanel Nº 5 que Ernest Beaux teria criado, se tivesse vivido no início do século XXI” (MAZZEO, 2011, p. 229). Segundo Mazzeo (2011, pp. 15-16), uma das crenças quase universal sobre Chanel Nº 5, seria que sua propaganda criativa e persistente criou a fama internacional do perfume. No entanto, apesar desta tão divulgada convicção, “a verdade é mais estranha e a história, bem mais atraente e complicada: durante os primeiros quarenta anos da sua fama, o marketing era medíocre e muito sem inspiração”. Para o autor, a estatística revelada sobre a venda de um

frasco do perfume a cada 30 segundos, seria desconcertante, porque embora não estivesse entre os ícones de Wharhol, na década de 1960, o perfume adquiriu vida própria e exala significado como um símbolo. Mas o autor pergunta: por que Chanel Nº 5 é o perfume mais sensual do mundo, mas o que o faz assim? Nesse contexto não se pode esquecer um episódio na década de 1950, em uma entrevista, em que ao ser questionada sobre o que vestia para dormir, Marilyn Monroe (que continua sendo uma das maiores sex symbols da história) respondeu: “apenas algumas gotas de Chanel Nº 5”. Esta resposta sedutora eternizou o perfume. O depoimento da atriz, que nunca foi garota-propaganda do perfume, recriou um universo de “prazer e satisfação”, num uso mais erotizado do perfume.

Fonte youtube 4

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Figura 8. Imagem do comercial Marilyn and the Nº 5 - Inside Chanel

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Figura 9. Imagem do comercial Marilyn and the Nº 5 – Inside Chanel Fonte youtube 4

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Mazzeo (2011, p. 22-23) argumenta que o Chanel Nº 5 lembra tudo que é rico e encantador, mas surpreendentemente ele começou em um lugar que seria a antítese do que mais tarde viria a defini-lo. Quando pequena, em companhia de outras duas irmãs, Gabrielle Chanel foi deixada pelo pai no convento de uma abadia conhecida como Aubazine, orfanato para meninas dirigido por freiras, local de deserção e abandono que formaria um “registro emocional que moldaria a história do perfume mais famoso do mundo e do relacionamento muitas vezes complicado de Coco com ele.” Conforme Charles-Roux, biógrafo de Chanel:

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Quando [Coco] começava a ansiar por austeridade, pelo máximo de limpeza, por rostos esfregados com sabão amarelo, ou demonstrar um entusiasmo nostálgico por tudo que fosse branco, simples e claro, por pilhas de roupas brancas nos armários, paredes caiadas... Era preciso compreender que ela estava falando num código secreto e

Dessa forma, estaria no cerne da estética de Chanel, a pureza, a simplicidade e o minimalismo. Aubazine por fora é uma construção imponente de granite e calcário, mas dentro é um contraste de brancura e sombras. Além disso, por toda parte havia aromas e símbolos (o fundador São Bernardo de Claraval, encorajava seus monges a dar ao perfume e à unção um papel central nas orações e rituais de purificação), com as plantações de jasmim, lavanda e das rosas locais. Dessa forma durante séculos, os aromas fizeram parte de Aubazine, como também fizeram parte da infância de Gabrielle. “Aubazine era um código secreto de aromas e, no futuro, estaria na essência de tudo que ela achasse belo” (MAZZEO, 2011, p. 26). Por outro lado, o número 5 em Aubazine sempre foi considerado especial pelos monges que fundaram a abadia, para eles o pentágono era central. Gabrielle sempre acreditou profundamente no número 5, o número da quintessência, a personificação pura e perfeita da essência de algo. O número 5 seria seu fetiche desde a infância. Mas não se pode esquecer a camélia branca dos jardins de Aubazine, que Gabrielle usaria como um símbolo pessoal preferido, a forma de infinitas possibilidades, às vezes retratada com cinco pétalas. O cheiro de algo ao mesmo tempo limpo e sensual, essa era a combinação que Gabrielle admirava. Para Mazzeo (2011, p. 34), a breve carreira de Gabrielle como corista também levaria indiretamente à criação do perfume, não apenas a criação, mas também ao próprio aroma que ele iria capturar. Os perfumes da época tinham frascos marcados e nomes românticos (Sonho de uma noite, Feixe de felicidade...). Pela sua singularidade, o Chanel Nº 5 carregou o

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que cada palavra que ela pronunciava significava apenas uma: Aubazine (CHARLES-ROUX, apud Mazzeo, 2011, p. 24).

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cheiro Chanel e através dele, a marca fica registrada na memória das sociedades ocidentais (RAMOS, 2006). O perfume provocou uma ruptura em relação aos paradigmas vigentes, se for considerado que a perfumaria não era, então, explorada pelos estilistas ou pela moda. Hoje, perfumaria e moda se apresentam articuladas, quase todas as marcas de luxo têm perfumes em seus portfólios. O perfume foi carro chefe e quando a Maison ficou fechada por vinte anos, o único produto que manteve a marca na mente dos consumidores foi o Chanel Nº 5. Na estrutura dos negócios das grandes maisons o perfume ocupa lugar central. Naturalmente são poucas as mulheres que podem vestir-se de alta costura. Mesmo o pret a porter linha menos cara das marcas de moda, costuma ser ainda excessivamente pesado na composição do guarda-roupa da mulher. Assim, a fragrância surge como uma solução para as aspirações por luxo das mulheres. Um frasco de perfume é acessível para grande parte da população. Assim a mulher pode “vestir” Chanel – é bom lembrar que o verbo utilizado para “usar” perfume na língua inglesa é wear, vestir. Portanto, mesmo que não tenha meios para comprar os vestidos da marca, a mulher pode vesti-los por meio do perfume. Essa estratégia possibilitou duplo ganho: de um lado as marcas preservaram sua aura de exclusividade vendendo suas criações a poucas privilegiadas. Por outro construiu uma ampla base de consumidoras que vestem o perfume.

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REFERENCIAL TEÓRICO

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O referencial teórico deste artigo está alicerçado no uso da sedução em propagandas de perfume e nas características do mercado de luxo. A beleza na era moderna, conforme Lipovetsky (2000) personifica a sedução. A sedução feminina liga-se aos as-

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pectos físicos, à beleza plástica, que com o apoio da indústria da beleza, dos cosméticos, do vestuário, teve expressivo crescimento e representatividade na era contemporânea (SILVA, 2006, p. 19). Para Bueno (2012), a sensualidade é um conceito que muda no decorrer do tempo, aparecendo na forma visual, gestual, verbal, e, sobretudo na postura corporal de um indivíduo perante o olhar do outro; é um jogo de imagens marcado pelo contraste de mostrar e esconder o corpo ao mesmo tempo; pode estar relacionado a sensações (como um cheiro) ou objetos (uma roupa atrativa). Esse é o sentido usado neste texto. Com relação à sexualidade, esta se encontra no plano sexual diretamente ligado ao ato, preferências e práticas ou também construção de afetividade e sensibilidade cotidianas, além dos discursos sobre o sexo, Diferentemente da sensualidade, que está no plano mais visual e da representação e tematização. Resumindo, a sensualidade é a ponte que liga a associação do corpo com nudez, no eterno jogo de esconde e mostra o corpo feminino (BUENO, 2008). De acordo com Petrelle (2005, p. 127), pode-se pensar que a sensualidade, a beleza proposta pelos cosméticos e pela moda, é alçada à condição de natureza da mulher. “Ser mulher é ser perfumada, sensual, sensível, emocional, maternal, com pernas e nádegas definidas”. Nos mitos estampados nos anúncios publicitários, “a beleza tornou-se para a mulher imperativo absoluto e religioso. Além de ser significado naturalizado, a beleza original da mulher, parte integrante de sua “essência feminina”, é argumento textual dos mais usados nos anúncios. Grande parte delas oferece “algo” – o objeto – que apenas realça, faz aparecer a beleza, a sensualidade, o “poder” naturais da consumidora. Como elemento propulsor da sociedade e do consumo, a propaganda, tem trabalhado com modelos de representação da mulher, lembrando que o modo como as mulheres

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são representadas na cultura de mídia e mais especificamente pela propaganda tende a reproduzir o modo como os papéis sociais são vistos e percebidos por seus consumidores. Ou seja, as mensagens da propaganda podem ser entendidas como representação da cultura.

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Identificar os signos que compõem cada representação é, ao mesmo tempo, falar de alguns traços da nossa cultura. A compreensão da relação entre subjetividade e sentido é muito diferente se entendermos cultura não unicamente como um repositório de formas simbólicas, mas também como um autêntico sistema de sentido, capaz de representar o mundo, de criar entidades novas, de orientar a ação e de evocar sentimentos. Deste modo, a cultura torna-se, de forma integrada, uma sintaxe, uma semântica e uma pragmática: um sistema de símbolos e de sentidos, de significantes e de significados (PETRELLE, 2005).

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Baudrillard (1995) considera que o sujeito busca na compra e na posse de objetos a diferenciação ou personalização necessária para que ele se constitua como indivíduo, ou seja, o ato do consumo seria um ato de apreensão de signos que, construirão um discurso da personalidade do consumidor, diferenciando-o dos demais consumidores. Por isso, a felicidade só poderia se dar por meio da distinção e da diferenciação, manifestando-se sempre por aspectos visíveis, por signos materializados nos produtos. A lógica social do consumo é a “lógica da produção e da manipulação dos significantes sociais” (BAUDRILLARD, 1995, p. 59). [...] Nunca se consome o objeto em si (no seu valor de uso) – os objetos (no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indiví-

O processo de consumo se dá como processo de significações e de comunicação, baseado num código onde as práticas de consumo ganham sentido, e como processo de classificação e de diferenciação social – onde os objetos/signos se ordenam como diferenças no código e como valor estatutário em uma hierarquia (BAUDRILLARD, 1995, p. 60). E a mulher é, por certo, uma das fontes e imagens desse prazer, principalmente para Baudelaire. Ele nos diz que a mulher está perfeitamente nos seus direitos e cumpre até uma espécie de dever esforçando-se em parecer mágica e sobrenatural; é preciso que desperte admiração e que fascine; ídolo deve dourar-se para ser adorada. Deve, pois, colher em todas as artes os meios para elevar-se acima da natureza para melhor subjugar os corações e surpreender os espíritos. Pouco importa que a astúcia e o artifício sejam conhecidos de todos, se o sucesso está assegurado e o efeito é sempre irresistível. (BAUDELAIRE, 1996, p. 59) Assim o são as mulheres dos anúncios vistos por nós. Estão definitivamente acima de uma natureza de finitude e temporalidade humana – adornam-se para serem adoradas; propõe-se, quase sem nenhum pudor, como objeto maior de desejo e realização do prazer. As palavras de Baudelaire parecem prenunciar um dos argumentos mais presentes nas publicidades femininas do século XX. O “fazer-se irresistível” é o principal apelo dos anúncios de perfumes de que falamos e, talvez, o maior anseio das nossas informantes-consumidoras. Elas nos dizem que gostariam de ser tão sensuais quanto as personagens publicitárias – que conhecem bem os códigos de conquista e sabem manipular os signos. Perfumes “especiais”, roupas decotadas, mistérios, atitudes composi-

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duo, quer filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal quer demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior. (BAUDRILLARD, 1995, p. 60)

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ção da cena de amor, as narrativas míticas da publicidade e do consumo modernos oferecem signos “prontos” de sedução (TAYLOR, 2001). Porque o princípio do mito é justamente transformar história em natureza, “para o leitor do mito (...), tudo se passa como se a imagem provocasse naturalmente o conceito e o significante criasse o significado” (BARTHES, 2003, p. 221). É direito e dever da mulher baudelairiana, e também das dos anúncios publicitários, fazer-se bela e desejável para o mundo – ela “naturalmente” gosta de se sentir desejada. Uma informante nos diz que “as mulheres estão se atropelando hoje. Todo homem gosta de mulher assim [sensual, atrativa]. Então, quem se sair melhor... leva”. Ao menos na publicidade, não há dúvidas: “elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes, disponíveis” (BOURDIEU, 1999, p. 82.). Em contrapartida, segundo Baudrillard, “o modelo masculino é o da exigência e da escolha. O homem de qualidade é essencialmente exigente!” (BAUDRILLARD, 1996, p. 97). Assim, os personagens do mundo-do-anúncio dialogam entre si e com todo o – imenso – universo de produtos e estilos vendidos na publicidade. Um perfume para ocasiões especiais, adocicado, pede toda uma indumentária própria para comunicar, ao homem-exigente, as intenções de conquista da usuária do produto anunciado. Mais do que isso: “o consumo é, no mundo burguês, o palco das diferenças. O que consumimos são marcas. Objetos que fazem a presença e/ou ausência de identidade, visões de mundo, estilos de vida” (ROCHA, 1995a, p. 67). Para tentar identificar a que “grupo” de consumo pertencem as personagens dos anúncios, nossas entrevistadas descreveram os “hábitos” e estilos de cada uma. Neste sentido, a publicidade parece oferecer uma infindável gama de possibilidades de um ser mulher – todas, no entanto, atendendo a certos padrões simbólicos e até

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funcionais de consumo. Se os produtos são perfeitamente humanizados pela publicidade em suas atribuições simbólicas – deixam sua característica serializada para adquirir “personalidade” —, assim também as personagens dos anúncios são investidas de funcionalidades objetivas, características do produto que apresentam e representam. Mulher é para ser desejada, é para seduzir – é também, no caso de outros anúncios, para ser maternal, dócil, competente no trabalho, preocupada com a saúde dental da família e com as aplicações mais seguras para o dinheiro de todos, sem, no entanto, deixar de estar sempre bela e atraente. Para que tudo isso aconteça, ela é perfumada, tem os cabelos e a pele bem tratados, sabe naturalmente o que fazer para conquistar. No caso específico das publicidades de perfume, mulher é para 5. Até as “mulheres reais” são hoje grandes personalidades de venda nos anúncios publicitários. Em 2004, anunciantes brasileiros e estrangeiros começaram a investir em campanhas que mostram “mulheres reais” para anunciar seus produtos, em vez de supermodelos de formas perfeitas. Os resultados de venda parecem positivos: segundo a Unilever, dona da marca Dove – que vem propondo uma “campanha pela beleza real” —, suas vendas aumentaram 700% no Reino Unido no último ano (D´AMBROSIO, 2005, p.. B3). A empresa brasileira Natura também parece investir há anos no uso da ideia de “beleza natural”, ou algo como “o real é muito mais bonito do que o artificial”. O interessante é que a tal “mulher real” em nada difere das outras representações do feminino da publicidade. Mas parece que é dos signos mais valiosos hoje na publicidade: como instrumento de marketing, oferece bom retorno financeiro; como imagem mito, encarna a magia da vida feliz – e verdadeira! —, da superação das dificuldades, da “normalidade”, do próprio ideal de charmosa imperfeição, mas que no fundo parece ser um dos modelos mais inatingíveis: a interessante mulher de 30 e poucos,

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amada pelo que é, que conseguiu sucesso profissional, família tranquila, filhos educados, apartamento confortável, vida saudável e que, acima de tudo, gosta de si mesma – apesar das ruguinhas (sempre no diminutivo), de uma ou outra celulite, de uma cicatriz cheia de memórias ou de um cabelo que não é aquele ideal de maciez. Ser especial, “diferente”, marcante, “divina”, absolutamente única. Como? Sendo a própria sedução – até as últimas consequências. O mito da mulher fatal, narrado em diversas culturas, é reatualizado cotidianamente no espaço publicitário, não só reafirmando normas e valores sociais vigentes, mas como signo consumível na comunicação de massa. Barthes (2003) nos diz que o leitor consome as narrativas míticas de maneira inocente porque ele não vê o mito como um sistema semiológico, mas sim como um sistema indutivo. “Onde existe apenas uma equivalência, ele vê uma espécie de processo causal: o significante e o significado mantêm, para ele, relações naturais” (BARTHES, 2003, p. 223). O que é preciso, entretanto, notar é que todo sistema semiológico – como o mito – é sempre um sistema de valores. Mas “o consumidor do mito considera a significação como um sistema de fatos”. Assim, ao vislumbrar a feminilidade “essencialmente” sedutora dos anúncios publicitários, temos a clareza de uma constatação, decorrente da natureza das coisas. Porque a função do mito é transformar um sentido em forma, é falar das coisas e não negá-las. Ele, “simplesmente, purifica-as, inocenta-as, fundamentando-as em natureza e em eternidade” (BARTHES, 2003, p. 235). Passando da história à natureza, o mito faz uma economia: abole a complexidade dos atos humanos, confere-lhes a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um mundo sem contradições, porque sem profundeza, um mundo plano que se ostenta em sua evidência, e cria uma afortunada clareza: as coisas, sozinhas, parecem signi-

Num primeiro momento, ao observar as imagens fe-

Com que roupa eu vou?

ficar por elas próprias (BARTHES, 2003, p. 235). É preciso, entretanto, lembrar que toda a matéria, toda a substância do mito – seja como anúncio publicitário, seja como notícia jornalística – é o próprio mundo. O significante, a imagem, é simultaneamente forma e, de certo modo, sentido, porque tem uma história, um passado, faz parte da linguagem e da memória do “mundo”. O que o mito como sistema de significação faz é deformar (BARTHES, 2003) os significados. Portanto, os dramas sociais encenados nos anúncios não são diferentes daqueles da vida real. Estão no anúncio porque estão no mundo e fazem parte do universo simbólico da sociedade – e vice-versa. Os signos do feminino e do masculino passam pelas páginas dos anúncios e pela tela da TV, onde ganham sentido e de onde são retirados para serem resignificados na leitura. Baudrillard faz lembrar que os “signos convencionais, signos rituais, são signos obrigados. Nenhum deles é livre para significar isoladamente (...) numa relação de verdade” (BAUDRILLARD, 2004, p. 157). A partir da leitura dos anúncios publicitários, nossas informantes-consumidoras falaram de questões importantes da ordem social: relações de poder, dominação, jogos de sedução e hierarquias sociais – com ênfase para as tensões presentes nas relações “afetivas” entre o masculino e o feminino. Petrelle (2005) enfatiza uma peculiaridade dos anúncios de perfume: as mesmas peças são veiculadas em diversos países sem sofrer alterações. Pode-se considerar que se trate de uma “fala interessada” de uma mensagem que precisa ser compreendida pelo público, assim o mesmo discurso chega a mulheres de culturas e lugares diferentes e é resignificado por elas. A propaganda se apresenta como uma narrativa que fala de valores, de sentimentos, de comportamentos, propõe mudanças e oferece respostas.

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mininas nos anúncios temos a impressão de que elas estão ali contando uma história; e uma história que não é nova. Mulheres lascivas, sedutoras e poderosas sempre estiveram representadas: em incontáveis mitos de diversos povos e culturas, em fábulas, histórias e artes pictóricas. São muitas e variadas as imagens [...] na publicidade... vale a que melhor compuser o jogo da sedução.[...] Será que algumas imagens do feminino que já povoaram o imaginário humano –as femme fatales, as bruxas e as belas deusas – retornam hoje no discurso publicitário só para vender desejos e promessas de felicidade, e de quebra um perfume ou uma calcinha rendada? (PETRELLE, 2005, p. 2). Das publicidades de perfumes despontam deusas gregas, bruxas diabólicas, anjos caídos, seres capazes de feitos incríveis: voam, confundem-se com a paisagem e com o produto, andam sobre as águas – e respiram debaixo dela! –, dominam animais selvagens, choram gotas de pérolas, habitam paisagens para lá de idílicas. Etéreas, são quase inapreensíveis. Em outras peças publicitárias, evidenciam-se as formas sedutoras das femmes fatales, as idealizadas personagens românticas da virgem e da prostituta, as desconcertantes lolitas e as “castradoras” mulheres liberadas da modernidade. Todas com uma história de poder e sedução para contar. E são justamente essas histórias que nos interessam. Porque, como o mito, elas não escondem nada. Mas falam de possibilidades, dramatizam experiências e estabelecem relações entre significantes e significados do mundo do anúncio e do mundo “real” da consumidora [...] As belas mulheres dos anúncios são investidas dos desejos e idealizações que circundam a sociedade de consumo e seus sujeitos: o erotismo, o amor, a performance (PETRELLE, 2005, p. 63).

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Voltando a atenção para o mercado de luxo, a palavra luxo vem do latim luxus e pode ser relacionada a brilho, à elegância, a equilíbrio entre o parecer e o ser, entre aparência e essência (CASTARÉDE. 2005). Na revisão da literatura verifica-se que são características dos produtos de luxo: comunicação seletiva (ALLÉRÈS, 2006; STREHLAU, 2008); distinção social, elegância, marca de notoriedade, preços mais elevados (ALLÉRÈS, 2006); distribuição restrita (ALLÉRÈS, 2006; STREHLAU, 2008); emoção (LIPOVETSKY; ROUX, 2005; SILVERSTEIN; FISKE, 2005). Pianaro e Marcondes (2010) concluem que as características ligadas ao luxo como marca forte, exclusividade, qualidade excelente, tradição, sofisticação fazem com que a definição de um produto de luxo se confunda com os atributos de sua marca. O conceito de luxo é amplo, rico de significados culturais, e geralmente, associado ao consumo de marcas que conferem prestígio aos que as utilizam. A renda elevada do consumidor pode induzir à aquisição de produtos de luxo, mas a cultura desempenha papel semelhante, porque triplica o consumo independentemente do nível de rendimentos. É impossível predizer o perfil cultural a partir do nível de renda e vice-versa (DUBOIS; DUQUESNE, 1993:38). O mercado de luxo é um segmento tradicional ligado a valores históricos e familiares. Com a globalização e as novas tecnologias este mercado se viu diante de um novo cenário, de um lado a raridade necessária para manter a aura de mistério e fantasia de outro a massificação, tornando-o acessível até mesmo pela Internet (VALENTE, 2009). De acordo com Castarède (2005), a raridade, a escassez, constitui um fenômeno subjetivo que justifica o diferencial de preço. A noção de luxo tem na interação social seu lado mais importante, pois o produto de luxo como objeto de desejo de muitos, pode receber reconhecimento social. Para Kapferer (2003), as marcas de luxo constituem parâmetros tangíveis do gosto de uma época naquilo que há de mais

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elevado, sugerindo mais do que objetos, um “habitus”, que na expressão de Bourdieu (1994) considera que marca de luxo seria definida pela visão de mundo e pelo sistema de gosto que ela promove. Na literatura existe um pouco de confusão em relação aos conceitos de luxo e de prestígio e muitos autores os empregam como sinônimos (CZELLAR; DUBOIS, 2005). O conceito de prestígio está ligado à avaliação dos outros durante a interação social. Mason (1981) diferencia luxo de prestígio: nem todo produto de luxo confere prestígio a seu dono; ou seja, o último é uma subcategoria do primeiro. O produto de luxo pode ficar restrito ao próprio indivíduo, permanecendo na esfera do consumo privado, ou pode ser consumido com grande visibilidade. Insinua-se assim a posse de certo grau de prestígio social, geralmente atrelado a uma marca: o logotipo Chanel ou Louis Vuitton, por exemplo, fica do lado externo do produto, de modo a poder ser visto e reconhecido facilmente. Ser reconhecido implica estar presente como um símbolo, ser reconhecido por um grupo de pessoas. Para Appadurai (1986), o bem de luxo tem valor não pela propriedade inerente do objeto, mas um julgamento de um sujeito sobre o seu valor. Serraf (1991: 8-9) fundamenta o luxo em três eixos: sua natureza; sua origem; seu papel. Este último é o mais importante, pois é o que o produto representa no sistema de influências interpessoais e sociais na economia das aparências. Os produtos de luxo são símbolos que indicam um determinado nível na hierarquia social e denotam uma afiliação a um grupo aos olhos de um grande público. Bourdieu (1994) e Appadurai (1986) apresentam conceito de luxo relacionado ao saber embutido no consumo, a variável conteúdo cultural. Por outro lado, prestígio pode ser um benefício resultante do uso de uma marca de luxo, mas não é automaticamente relacionado ao bem de luxo.

O luxo, segundo Lipovetsky (2005) existe antes mesmo da criação dos objetos luxuosos, e desde tempos imemoriais um desejo indelével moveu o homem em busca do destaque perante seus iguais. Desde o período paleolítico (GALHANONE, p. 02, 2005) (muito antes do esplendor dos palácios, portanto), o homem tem tido comportamentos ligados ao luxo: adornos, festas e consumo despreocupado dos bens de reserva. Este consumo, bem como as ideias que envolvem o conceito e as atitudes relacionadas ao luxo, sofreu significativas transformações ao longo dos séculos. O consumo profano é aquele que “envolve objetos e eventos de consumo que são comuns”, enquanto que no consumo sagrado os objetos e eventos são distanciados de atividades corriqueiras, ganhando alto grau de respeitabilidade e reverência, já que passam a refletir momentos especiais. O luxo está intimamente ligado à dimensão simbólica e sacralizadora, adquirindo significação social e lidando simultaneamente com fatores de ordem econômica, filosófica, política e religiosa. De um modo geral, os artigos de luxo envolvem diferentes níveis de valores e significados, alguns universais e inerentes às características do produto, e outros de ordem pessoal, como o luxo interior onde se manifestam o gosto e o prazer individual (SOLOMON 2002, p. 384). Um dos principais aspectos do consumo de luxo destacado por autores como Vigneron e Johnson (2004) e Lipovestsky e Roux (2005) é o seu caráter dinâmico. Isto signifi-

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No território do consumo é possível enxergar parcela representativa dos valores existentes em uma sociedade [...] nesse universo rico em símbolos e abstrações, no qual se transpõe com facilidade a linha que separa o objetivo do subjetivo, o funcional do emocional, há uma categoria de Bens que coloca na potência máxima essas características: a dos produtos de luxo (D’ANGELO, 2006, p. 12)

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ca que, objetos considerados como integrantes do segmento de luxo em uma determinada época podem mudar para uma categoria de necessidade básica na medida em que seu consumo é intensificado e democratizado. Nas últimas décadas, o mercado de luxo vem se reinventando e incorporando produtos mais acessíveis que os do luxo tradicional, embora com oferta limitada em relação aos produtos convencionais (VIGNERON; JOHNSON, 2004). Ao estudar a hierarquização do mercado de luxo, Castarède (2005) aponta três círculos distintos de atuação: o primeiro é formado por produtos topo de linha, acessíveis a poucos e envolve segmentos como a alta-costura, obras de arte, alta joalheria, palácios, iates e aviões particulares; o segundo círculo é mais acessível com objetos elegantes que vêm envoltos em uma aura de bom gosto e refinamento como roupas e acessórios prêt-à-porter, malas, relógios e canetas; já o terceiro círculo é o dos produtos um tanto diferenciados no universo do consumo comum, e ainda mais acessíveis como perfumes, cosméticos, vinhos e destilados, entre outros. Allérès (2000) ressalta que, do ponto de vista do comportamento do consumidor, os objetos de luxo são provavelmente os mais representativos de toda a complexidade de um processo de compra por envolver, ao mesmo tempo, fatores racionais como qualidade e originalidade e fatores subjetivos como procura de distinção, gosto pelos objetos da marca, códigos sociais, entre outros. O desejo é o que move o mercado do luxo, pois os desejos tendem para o irracional dos sonhos e das fantasias. Se as necessidades têm um limite, os desejos são ilimitados, “a necessidade dá origem ao desejo correspondente, enquanto o objeto cobiçado traduz um símbolo ou representa um mito.” (ALLÉRÈS, 2006, p. 35). De acordo com Allérès (2006), o luxo acessível seria o único que deveria elaborar campanhas publicitárias im-

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portantes e muito completas, tanto para a aparição de um novo produto quanto como apoio à expansão de outros ou da própria marca. A campanha deve integrar as qualidades intrínsecas do produto, a sua apresentação, política de preço e distribuição, e ao mesmo tempo valorizá-los um a um. Vigneron e Johnson (2004), ao analisar o consumo do luxo, apontam dois eixos principais: um voltado para o próprio indivíduo (com caráter mais hedonista) e outro focado nas pessoas com as quais ele se relaciona (com caráter de ostentação e diferenciação). Para alguns pesquisadores como Bourdieu (1983) e Strehlau (2005) o segundo eixo, representado pela interação social associada ao consumo, é um dos aspectos mais importantes do consumo de luxo. Neste sentido, associam ao conceito de luxo, o saber embutido no consumo, sinalizando que existem diferentes formas de comportamento de consumo entre indivíduos, moldadas pelas condições de existência e estilos de vida. Casterède (2005) enfatiza as peculiaridades da estratégia de marketing focado no luxo: busca pela qualidade do produto, preço elevado, distribuição seletiva, divulgação em pertença/vinculação, realização/estima. Enquanto que no mercado em geral: produto focado em utilidade e comodidade, preço menor possível, distribuição geral, divulgação focada em necessidade fisiológica ou segurança. Resumindo, o marketing de luxo difere daquele praticado no mercado de massa. O mercado de luxo se baseia no valor superior e intrínseco do produto de alto preço, cujo consumo está ligado ao seu significado simbólico e á imagem a ele relacionada, ou seja, os produtos de luxo são comprados mais pelo que representam, do que pelo que realmente são (MALDONADO, SALES, ALBUQUERQUE, 2010). No entanto, vale ressaltar que a perfumaria é um dos segmentos mais acessíveis entre os segmentos do luxo (que engloba desde aviões, carros, imóveis, até joias e acessórios de moda), permitindo o acesso às camadas não pertencentes à elite, isto é, o luxo

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começa a democratizar-se, tendo sido denominado “novo luxo”. Na revisão da literatura em bases de dados de teses e dissertações ou anais de periódicos e congresso, especificamente no Brasil, sobre o tema Chanel Nº 5, foram encontrados Silva (2006), Sena (2012), Oliveira, Hamester (2014), Macedo e Ludovico (2011), Kiss (2012), Mazzeo (2011). Silva (2006) estudou a marca Chanel em sua interface com comunicação e mito, buscando a compreensão do paradoxo efemeridade da moda e perenidade da marca. Para Silva (2006), Chanel remete à “Terceira Mulher”5, livre, porém submissa, aquela que concentra suas energias não mais no lar e na esfera privada, mas na esfera pública. Sena (2012) analisa o perfume como democratização do luxo. Em todas as suas formas o perfume é um componente essencial das marcas de luxo, desde as mais antigas, inclusive joalherias como a Cartier, até as mais novas como Narciso Rodriguez e Stella McCartney possuem uma linha de perfumes. Fragrâncias da alta-costura e prêt-à-porter, concorrem diretamente com os perfumes das celebridades como Sarah Jéssica Parker, Jennifer Lopez, Fergie, entre outras. Esses produtos têm como característica uma vida curta e explosiva, chegam ao mercado com larga divulgação, vendem grandes quantidades e depois desaparecem. Os perfumes de celebridades fazem com que as marcas do setor de luxo, também tenham que lançar mais fragrâncias, como em coleções, permanecendo no mercado apenas aqueles que se destacam. Kiss (2012) discute o uso da iluminação fotográfica como elemento de discurso e auxiliar na construção da mensagem visual das campanhas publicitárias de perfumes das marcas Chanel e Tom Ford. Para esse propósito recorreu5 LIPOVETSKY, G. A Terceira Mulher - Permanência e revolução do feminino, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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-se à análise de duas campanhas para os perfumes Chanel Nº 5 e duas para Tom Ford linha masculina. As campanhas foram analisadas sob o viés da semiótica plástica de Julien Greimas e Jean-Marie Floch e utilizaram-se os conceitos de linguagem fotográfica e retórica visual. Oliveira e Hamester (2014) analisaram a evolução de dois filmes publicitários do perfume Chanel Nº 5. O primeiro lançado em 1978, o segundo em 1998 e o terceiro em 2009, sendo o foco principal perceber como as marcas se adaptam ao mercado e mantêm-se no topo ao longo dos anos. As autoras concluem que a mulher Chanel Nº 5 pode ser imaginada, como um reflexo da própria imagem de Coco Chanel, que sempre foi conotada como simples e sofisticada, misteriosa e emblemática, autêntica e livre. Macedo e Ludovico (2011) apresentaram análise do filme Chanel Nº 5 na perspectiva da semiótica greimasiana. Para os autores a feminina pode ser definida com um padrão que forma o imaginário cultural, além do que se percebe no enredo manipulação baseada numa tentação, levando a uma recompensa (amor e elegância) se comprar o perfume, ou seja, algo positivo que o levará ao prazer. Mazzeo (2011) traz uma biografia não autorizada do Chanel Nº 5, que com a sua rica tonalidade dourada, o frasco art déco de inspiração, e cheiro almiscarado, é conhecido entre os especialistas do setor como “le monstre”, – o monstro – o produto de luxo mais cobiçado do consumidor dos séculos. Com relação à sedução e perfume podem ser enfatizados os trabalhos de Ramos (2006), Petrelle (2005), Ramos (2006) analisou sedução e desejo nas representações da mulher em anúncios de perfume femininos. Os anúncios estudados mostram uma viagem pelos arquétipos femininos que deixaram traços na cultura, ao seduzirem e convidarem ao consumo. Petrelle (2005) buscou lançar um olhar sobre algumas representações da mulher na publicidade – mais

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especificamente na de perfumes e cosméticos –, mapeando, a partir da fala de informantes-consumidoras, as suas relações com o imaginário social acerca do feminino. Diante dessas representações publicitárias, buscou encontrar alguns dos significados que cercam o universo da produção de imagens da mulher na publicidade e na cultura contemporânea. A sedução e as relações com o sexo oposto, com o poder e com o consumo aparecem como questões-chave para a compreensão de algumas elaborações do feminino na comunicação de massa. Hamester e Rocha (2011) estudaram luxo online, apresentando trabalho comparativo entre Chanel, Dior e YSL em seus posicionamentos online. As autoras explicam o novo posicionamento das marcas de luxo, decorrente da socialização das novas mídias que o torna mais democrático, através das facilidades de acesso da internet. Quanto aos estudos brasileiros que estudaram luxo podem-se destacar D´Angelo (2004) que investigou os valores e significados associados ao consumo de luxo no País nas categorias de vestuário e joalheria, identificando quatro valores fundamentais a orientar o consumo: a qualidade intrínseca dos produtos; o hedonismo; a preocupação com a aparência pessoal e a distinção. Scaraboto et al (2006) deram sequência ao trabalho de D´Angelo (2004) propondo uma escala para medir de forma quantitativa os valores, significados e influências do consumo de luxo nas mesmas categorias. Foram evidenciados três valores pessoais: qualidade além da valorização pes­ soal e da sofisticação. Alonso e Machetti (2008) analisaram atributos associados aos perfumes de luxo aos quais foram associados benefícios percebidos, conforme quadro a seguir:

Sensação de bem-estar – Ao usar o perfume, a pessoa sente-se de bem com a vida, cheirosa e confortável. Não incomoda os outros – O aroma não é exageradamente forte, invadindo o espaço dos outros. Marca a presença de quem usa – Os outros reconhecem o perfume como marca registrada da sua usuária Identificação pessoal – O perfume tem a ver com o estilo, com identidade da sua usuária. Oferece beleza e sofisticação – Ao usar o perfume, a pessoa sente-se mais requintada e bela. Dura bastante, basta aplicar uma pequena dose – Assim não é preciso comprar o perfume com tanta frequência. Vale o quanto custa – Apresenta boa relação custo X benefício. Possui alta qualidade – O perfume possui diferenciais tanto em sua formulação, como em sua embalagem ou marca que o fazem superior aos demais. Desperta os sentidos – Lembra momentos especiais e coisas gostosas. Agrada aos outros – As pessoas elogiam quando utiliza o perfume. O cheiro fica na pele por muito tempo – O perfume tem boa fixação. O cheiro permanece na pele e na roupa por horas.

Proporciona as vantagens de uma marca reconhecida como de luxo – Ao passar o perfume sua usuária está incorporando características como diferenciação, sofisticação e qualidade associadas a uma marca de luxo. Aumenta a autoestima – Sua usuária sente-se mais confiante e poderosa. Quadro 1. Atributos associados a perfume de luxo Fonte: Alonso e Marchetti (2008).

Com que roupa eu vou?

Aproxima sua usuária da natureza – Proporciona a sensação gostosa de estar em meio a flores, árvores e outros elementos da natureza.

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ANÁLISE DAS PEÇAS

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Embora a Chanel seja pródiga em peças publicitárias para a miríade de produtos que oferece, o presente estudo, centrado no mítico Nº 5, enfoca apenas dois filmes publicitários criados para a marca. Ambos os filmes foram dirigidos pelo cineasta Baz Luhrmann, que ficou mundialmente conhecido por Moulin Rouge, de 2001 que inspira o primeiro comercial a ser analisado, The Film, de 2004. O segundo comercial objeto de nossa atenção é The One I Want de 2014. Antes de mergulharmos na análise dos comerciais vamos a uma breve sinopse de cada um. The Film retrata uma atriz/celebridade que em um momento de pânico foge da perseguição de paparazzi entrando em um táxi aleatório, que já era ocupado pelo personagem masculino da trama. Esse é o ponto de partida para um romance de ocasião entre a celebridade vivida pela atriz Nicole Kidman – também protagonista de Moulin Rouge – e o brasileiro Rodrigo Santoro que faz o papel de poeta/artista pobretão. Eles vivem momentos intensos na humilde cobertura habitada pelo poeta. Logo a atriz é encontrada por seu empresário que exige sua volta. Depois de uma sequência rápida de drama e despedidas, o comercial se encerra com a atriz retomando sua rotina de celebridade sendo observada à distância pelo poeta. Ambos guardam consigo a lembrança do romance vivido. The One I Want é protagonizado pela modelo Gisele Bündchen. A narrativa se inicia no mar. Gisele Bündchen surfa em uma praia exclusiva, ao fundo de sua casa modernista. Do mar a modelo vê seu amor, que a observa da janela. Ela sai do mar e vai em busca do personagem masculino. Entretanto, quando ela chega, descobre que ele partiu deixando uma carta com a seguinte mensagem gravada no envelope “to my heart I must be true”. A modelo chega à casa, encontra a carta e, em seguida sua pequena filha. Mãe

Com que roupa eu vou?

e filha brincam de ritual de beleza, espirram perfume no ar e a menina observa a mãe se maquiar. Mudança de cenário, Gisele Bündchen trabalha como modelo, sendo fotografada ao lado de um imenso número 5 iluminado. Em certo momento, ela se lembra da carta, a lê e abandona o set aos prantos. Logo chega a um bar onde encontra seu amor representado pelo ator Michiel Huisman. Beijam-se. Ambos os filmes são povoados por menções e referências à marca Chanel e ao número 5. Ambos narram uma história de amor em que a mulher é protagonista, importante, poderosa enquanto o homem tem menor significação. Ambos os filmes são cercados de luxo, sofisticação e exclusividade. Dez anos, contudo, separam duas visões distintas da mulher de Chanel Nº 5. Se The Film mostra a mulher em pânico devido a pressão, que escapa do mundo para viver um amor proibido, The one I want mostra um mulher poderosa e independente protagonista de sua vida, senhora das suas decisões. Mesmo que essa decisão envolva abandonar o trabalho. Em 2004 ela foge, em 2014 ela abandona. Em 2004 ela é vítima, em 2014 é predadora. Em 2004 é uma atriz em crise, uma sequência da personagem vivida por Nicole em Moulin Rouge, uma corista admirada e desejada por muitos, objeto de competição entre os donos do poder. Em 2014 Gisele Bündchen personifica a mulher poderosa, atlética, bem-sucedida. A linda presa personificada por Nicole é uma mulher que habita o mundo dos sonhos, o universo onírico cheio de referências ao Fin de Siècle parisiense embora o cenário remeta à Nova Iorque. Amorosa e delirante a personagem de Nicole é vítima, ainda que célebre e cultuada. Na versão recente a personagem é autossuficiente, ela concede seu amor sem abrir mão do resto de sua vida, seu esporte, sua filha, seu trabalho. Outra diferença significativa entre os dois comerciais é que em The Film, há diálogos, ainda que raros, mas fundamentais para a compreensão da trama. Também é utili-

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zado o recurso de narração em off, feita pelo personagem de Santoro que conta a história que vai sendo apresentada na tela com pequenas interrupções para diálogos entre os personagens. Todo em inglês, o texto do comercial é por isso, limitado e limitante, contaminado de sentidos da língua inglesa e das milhares de tramas narradas naquela língua. The One I Want não tem diálogos ou narrações em off. Todo o comercial tem como trilha sonora uma versão lenta e cool, proposta por Lo Fang, de um dos clássicos trash dos anos 70, Grease, conhecido no Brasil como “Nos tempos da brilhantina” estrelado por John Travolta e Olivia Newton John. A letra da canção diz “you better shape up/cause I need a man/ tom my heart I must be true”6 e representa, também, uma mulher poderosa estabelecendo padrões esperados do homem que ela deseja. Se nos tempos da brilhantina You Better Shape Up era uma mulher em liberta-

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6 A letra completa da canção: I got chills, they’re multiplyin’, and I’m losin’ control Cause the power you’re supplyin’, it’s electrifyin’ You better shape up, cause I need a man, and my heart is set on you You better shape up, you better understand, to my heart I must be true Nothing left, nothing left for me to do Chorus: You’re the one that I want (you are the one I want), ooh ooh ooh, honey The one that I want (you are the one I want), ooh ooh ooh, honey The one that I want (you are the one I want), ooh ooh ooh, honey The one I need (the one I need), oh yes indeed (yes indeed) If you’re filled with affection, ‘n you’re too shy to convey Meditate my direction, feel your way I better shape up, cause you need a man I need a man, who can keep me satisfied I better shape up, if I’m gonna prove You better prove, that my fate is justified Are you sure? Yes I’m sure down deep inside

Com que roupa eu vou?

ção, em The One That I Want é uma mulher que dá as cartas no relacionamento. Mesmo no momento em que ela larga o set para correr para seu homem, ao encontrá-lo ela é investida de poder, é forte e determinada. Ela chega e de uma posição superior, beija seu par. A construção da mulher, em ambos os casos, é um retrato aspiracional das mulheres desse século. Beleza, sensualidade, poder, glamour e amor, esse desejo eterno que veste novos costumes a cada geração, mas é essencial na busca de satisfação e sentido na mulher. Muda o papel masculino e a relação da mulher com esse homem. Em ambos os casos o masculino é minimizado e ressalta-se a importância e a grandeza da mulher. Essa estratégia de mensagem é claramente favorável às consumidoras de Chanel que sentem-se valorizadas por se identificarem com mulheres poderosas e condutoras dos termos de seus relacionamentos. Outro fator que deve ser ressaltado, é que em ambos os filmes a protagonista personifica uma das facetas mais importantes de Coco Chanel: a independência e a ousadia. Se no início do século XX, Coco foi ousada, trazendo a vanguarda para a alta sociedade, impondo um novo papel para a mulher, com roupas de corte reto, elementos masculinos que se tornaram clássicos, nos filmes ora analisados, vemos essa mulher, sensual e poderosa, ousada que toma as rédeas de sua vida. No comercial de 2004 ela ainda é manipulada e cede aos apelos do empresário. Em 2014 a posição feminina é total protagonismo, ela cede apenas ao apelo do coração. Se na vida real a mulher continua sendo, muitas vezes, sobreposta por seus companheiros, cede em nome do relacionamento, abre mão de suas necessidades em função da família, na publicidade Chanel a mulher é esse ser lindo, glamuroso e poderoso. Essa figura é absolutamente desejável para a “mulher real” e aí jaz a força da publicidade da marca: o ideal feminino muda com o tempo mas o protagonismo da mulher continua sendo um desejo. Se a mar-

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ca de perfume é a ele associada, a mulher não hesitará em comprar o perfume que projeta seu ethos em uma situação tão desejada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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As experiências estéticas da alta costura – e de sua publicidade – aproximam muito a comunicação dessas marcas da arte, da materialização de desejos outrora inconscientes. A intuição dos artistas, designers, costureiros, publicitários não raro traz à tona desejos secretos ou ainda incompreendidos. Quando se trata de objetos de consumo, que tem por objetivo obter resultados financeiros, as mensagens publicitárias precisam ser relevantes para uma parte significativa do público-alvo. A análise da publicidade de Chanel cumpre esse papel, lança vistas sobre a expressão estética essencialmente persuasiva que tem por objetivo tocar o coração das mulheres. A leitura aprofundada dessas obras nos permitiu ver como essa marca projeta o comportamento da mulher e sua posição na sociedade por meio do consumo. Não é pouca coisa, em especial levando-se em conta que são centenas de marcas que investem milhões em divulgação buscando achar em cada mulher uma compradora de sua marca e divulgadora de sua filosofia e visão de mundo. O trabalho de investigadores em comunicação social, em especial quando defronte a um objeto tão rico em significados como os objetos do presente artigo, é desconstruir a miríade de estímulos presentes nas peças publicitárias no intuito de compreender os elementos persuasivos presentes nas peças. Essa persuasão, todavia, se dá, mormente pela projeção de desejos, de estilo de vida, de visão de mundo que a mulher, protagonista da peça, vive na tela. Essa mulher, ou, essas mulheres – tanto as atrizes que viveram os papéis, quanto as personagens dentro da narra-

Com que roupa eu vou?

tiva concentram um conjunto de atitudes desejáveis para a consumidora. As atitudes variaram grandemente de um comercial para o outro. Mantém-se a aura de sofisticação e glamour de Chanel, mas a mulher que ela projeta se reveste de outros significados, distintos desejos, diferentes visões de mundo. Essa soberba alteração na projeção do universo dos desejos da mulher, materializados em comerciais publicitários servem perfeitamente para compreendermos como se constrói o ethos da marca e do produto Chanel Nº 5. Como essa marca mantém-se vigorosa e relevante para as mulheres de 2014, como foi em 2004 e mesmo em 1920 quando expressava a revolucionária personalidade de Coco Chanel. Coco hoje continuaria chic, sofisticada, elegante, mas não concentraria com essa intensidade os desejos da mulher contemporânea. O talento de Karl Lagerfeld em manter a marca à tona, bem como a habilidade de Baz Luhrmann em transformar essa visão atual de mulher em esplêndidos comerciais merece atenção de dedicação da parte de quem se interessa pela construção de imagens, identidades e reputação das marcas.

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REFERÊNCIAS

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DIlma, com que roupa? Francisco Ramirez MARTINS Junior7 Adolpho QUEIROZ8

Introdução

7 Mestre em comunicação pela Universidade de Marília no Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Comunicação na Universidade de Marília – Unimar. 8 Pós-Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, Doutor em Comunicação Social. Docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ex-Presidente INTERCOM e POLITICOM. Atual Diretor de Planejamento INTERCOM e Presidente de Honra POLITICOM. Editor da Revista Brasileira de Marke­ ting Político.

Com que roupa eu vou?

Nessa nova era presidencial, com Dilma Rousseff tornando-se a primeira presidenta do Brasil, surgem observações relativas à roupa da candidata eleita, passando por especialistas em moda, marketing político, jornalistas e demais comunicadores. Pode-se perceber que o tema ganhou centralidade pela quantidade de reportagens e análises estéticas publicadas nas mídias impressa, televisiva e virtual. Diversos espaços dedicados aos comentários referentes aos modelos utilizados pelos candidatos, especialmente por Dilma. Em determinadas reportagens especulava-se sobre o responsável pelo estilo, e as trocas de profissionais que prestavam serviço à candidata.

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Em abril de 2010, quando Dilma ainda era a pré-candidata do PT para presidência, o publicitário Duda Mendonça, conhecido por campanhas bem-sucedidas, afirmou em palestra no Rio de Janeiro para assessores de mar­keting, jornalistas e profissionais da área: “Não adianta desvirtuar a Dilma. Tem que deixar a Dilma ser como ela é. As pessoas vão entender como ela é ou não. Pegá-la e fazer outra pessoa…Vai ficar numa vestimenta que não é confortável, vai ficar escorregando volta e meia”.

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O tema ganhou maior centralidade a partir de maio, quando Dilma começa a aparecer mais na mídia e sua imagem fica mais exposta às análises e considerações de especialistas, e assim a ex-ministra é bombardeada de críticas ao seu vestuário, chegando um pedido do presidente Lula para que Dilma modernizasse seu guarda-roupa e contasse com ajuda de profissionais de estilo para a mudança. Vivian Whiteman, editora de moda da Folha mostra com a figura a seguir as primeiras mudanças de estilo que Dilma teria aceitado, principalmente ao deixar de lado os babados, tons escuros e acessórios chamativos por looks clássicos e cores neutras:

Com que roupa eu vou?

Nesse momento, os primeiros comentários, análises e palpites surgiam com destaque na mídia, Mario Queiroz, estilista da São Paulo Fashion Week e diretor do Instituto Europeu de Design (IED), disse: “Dilma já tem um jeito sério, não precisa de uma roupa que ressalte ainda mais isso. É bom que ela se apresente com leveza.” E disse ainda: “Acho que o PT está numa corda bamba, tentando passar uma imagem que dialogue com a elite sem deixar o povo de lado.” Para o estilista, uma linha segura seria seguir o exemplo da primeira-dama americana, Michelle Obama. “Michelle usa roupas simples, misturando grifes famosas com lojas populares e apostando na praticidade”.

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Admitindo-se que o visual também vale por palavras, principalmente em uma corrida eleitoral onde a exposição da imagem é intensa, é fundamental destacar essa relevância. “Existem dois discursos: o estético e o semântico. O estético diz respeito à aparência; o semântico, à comunicação verbal”, explica Gaudêncio Torquato, professor de Comunicação Política da USP e especialista em Marketing Político. “Pesquisas nessa área mostram que o impacto causado por um candidato provém 93% da estética e apenas 7% do discurso verbal”. Segundo os dados em que Torquato se baseia nos seus trabalhos de consultoria, os 93% acima citados ainda se dividem: 55% correspondem a expressões faciais e 38% a elementos paralinguísticos, como a entonação da voz, a postura e o visual. Isso quer dizer que o look - roupa, cabelo, maquiagem, acessórios - responde por praticamente 40% da impressão que um político imprime. Milene Chaves, para Veja, analisa Dilma na figura abaixo e diz: “Quanto menos pele mais credibilidade. Mostrar as axilas? Jamais. Vermelho é bom porque é a cor do partido. Porém, a parcela da sociedade que vota por motivos ideológicos é muito pequena. O tom também transmite medo. O paletó passa seriedade, mas os que ela usa são curtos demais, realçam seus quadris”.

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As mudanças de estilo

Com que roupa eu vou?

As mudanças de estilo tanto divulgadas ficaram mais evidentes em agosto, quando Alexandre Herchcovitch (estilista brasileiro, renomado no Brasil e exterior, desfila nas principais semanas de moda do mundo) é contratado para ser o personal stylist de Dilma. Em entrevista para Folha de 24/08/10, Herchcovitch fala sobre: “É um trabalho parte de consultor e parte de estilista”. Segundo ele, a preferência, a pedido de Dilma, seria por marcas brasileiras. Ele fez um estudo da imagem de Dilma para identificar as cores que a privilegiam. Concluiu que o melhor são cores claras e tons naturais. Uma das primeiras instruções que ele deu a sua equipe foi a de encontrar tecidos naturais em tom vermelho, que a petista precisa ter no armário. “Meu trabalho é fazer com que a roupa seja um coadjuvante à altura”, diz ele, foi a primeira vez que Herchcovitch fez uma consultoria particular. No mês de setembro as aparições na TV foram cada vez mais constantes, e a mudança planejada por Herchcovitch surtia efeito. Antes visual de tia ou professora, com babados e braços de fora. Depois a jaquetinha colorida virou curinga nos palanques, bem cortada, prática (sem risco de brechas descuidadas ou gordurinhas aparentes) e jovem (sem ser juvenil). As cores mais claras também deram uma suavizada ao semblante da candidata, que tem fama de brava, de acordo com as figuras seguintes: Antes:

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Depois:

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O Blog primeira fila analisa a mudança nas vestimentas de Dilma: “O corte do blazer não apenas alonga a silhueta da Dilma, como é mais moderno e sóbrio do que a blusa de babados quando se trata de uma ocasião mais formal. Se a Dilma tem mesmo mais credibilidade por causa de um blazer? Não, mas esse é o lado cruel do código do vestuá­ rio: para a maioria dessas plateias, esse é um símbolo de credibilidade”. Vestir é simbólico. O próprio Lula é outro exemplo de mudança de estilo. Dilma e sua roupa ganharam destaque até na revista Vogue italiana, em matéria de Alice Capiaghi, que publicou: “Ao vê-la assim, é difícil imaginá-la em seu próprio passado”. Cláudia Cecília, em sua coluna Salto Agulha no portal IG do dia 01 de outubro, anuncia que o estilista Alexandre Herchcovitch “pulou fora” da campanha de Dilma com o argumento de ter sido impedido de realizar o trabalho que gostaria, e que “[...] ainda provavelmente em represália àquele paletó cor de burro quando foge medonho que a candidata usou no debate [...]”. Assunto abordado também por Anna Virgina Balloussier da Folha na mesma data. Herchcovitch cuidou-se em esclarecer o assunto que dominava a internet no dia escrevendo em seu microblog (Twitter): “As roupas usadas pela candidata durante a campanha não são da marca Herchcovitch, assim como não foram escolhidas por mim.” E por meio de sua assessoria con-

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firmou o fim da consultoria de estilo para a então candidata à presidência, e culpou conflitos entre seus “compromissos internacionais” e “a agenda de campanha” de Dilma. “Devido a isso, em nenhum momento foram usadas criações ou sugestões de Alexandre Herchcovitch”, diz a nota oficial. O rompimento de Dilma e Herchcovitch ganhou destaque nos sites especializados de moda, e se tornou uma unanimidade à frase: “A moda não vai às urnas” nos blogs relacionados à moda. Com Dilma presidente eleita, em 01 de novembro, o Diá­rio de São Paulo publicou a matéria: “A virada de Dilma na moda”, elencando algumas mudanças importantes no visual da já eleita presidenta da república: “Os óculos: Dilma trocou o acessório pelas lentes de contato. Segundo ela, os óculos a deixavam mais feia. O apetrecho ficou reservado apenas para os finais de semana e à noite, para leitura. As cores: As roupas escolhidas por Dilma também mudaram. Depois de ganhar fama de ser fã de babados e cores exageradas, a petista passou a optar por roupas de cores mais claras, sóbrias e contemporâneas. As dicas saí­ram da consultoria do estilista Alexandre Herchcovitch, embora a parceria com ele tenha terminado antes mesmo que começasse a sugerir roupas para a ex-ministra. O vermelho: Tradicional cor do PT permanece no visual da maioria das filiadas ao partido, como Marta Suplicy e, até, a primeira-dama, Marisa Letícia. Dilma abriu mão de algumas cores, menos desta.” A matéria ainda traça um paralelo com as presidentes latinas: “Dizem que, quando as mulheres chegam ao poder, acabam se vestindo e se penteando todas iguais. Os terninhos adotados por Dilma Rousseff não são novidade entre as demais presidentes da América Latina. O traje é o preferido de Laura Chinchilla, da Costa Rica, e de Cristina Kirchner, da Argentina, quando se trata de participar de

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compromissos públicos. As opções de cores e acessórios se adaptam à preferência de cada uma”.

As presidentas Laura Chinchilla, da Costa Rica, e de Cristina Kirchner, da Argentina, e Dilma

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A moda comunicando a candidata

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Para a melhor compreensão da influência da moda na imagem e no conjunto de significações que ela traz consigo Malcom Barnard, diz que: “[...] a moda e a indumentária podem ser as formas mais significativas pelas quais são construídas, experimentadas e compreendidas as relações sociais entre as pessoas. As coisas que as pessoas vestem dão forma e cor às distinções e desigualdades”. (1958, p. 24). Utilizando da explicação de Barnard, nota-se a importância do que a candidata veste em suas aparições públicas, o que irá diferenciá-la, distingui-la e relacioná-la

“Moda e indumentária, então, podem ser entendidas como armas de ataque e defesa utilizadas pelos diferentes grupos que vão formar uma ordem social, uma hierarquia social, alçando, desafiando ou sustentando posições de dominação e supremacia” (BARNARD, 1958).

Diante da citação de Barnard adquire-se uma visão lím-

Com que roupa eu vou?

com as pessoas que irão ou não apoiá-la em sua campanha nas eleições. Cada estilo de roupa traz em sua criação um objetivo e um motivo, que estará latente em quem o usará, assim quando Dilma vestia seus terninhos, procurava passar a seriedade, comando e controle difundidos na oralidade de sua campanha, além da continuidade do trabalho do Presidente Lula, diluindo até a imagem pura de mulher, de feminilidade; fazendo-se a imagem de uma pessoa capacitada e preparada para o cargo em questão, sem a suposta fragilidade feminina. Umberto Eco citado por Barnard (1958, p. 50), declara que fala através de suas roupas, ele quer dizer com isso que está usando roupas para fazer a mesma espécie de coisas que a palavra escrita faz quando ele a usa em outros contextos; para exemplificar pode-se imaginar se Dilma usaria os mesmos terninhos de cores suaves em festas privativas de família, ou em sua casa. Percebe-se que a roupa utilizada em campanha com ajuda de uma consultoria especializada comunica sem palavras o que a candidata pretende passar ao público, considerando que os significados resultam da negociação entre os papéis; construindo assim interpretações variadas para o significado da roupa. “Os usos e as funções das roupas são sociais e culturais e, em consequência disso, não são neutros ou inocentes.” (BARNARD 1958, p. 66) e Barnard vai além quando diz:

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pida da mensagem inserida na indumentária das pessoas, principalmente analisando o contexto em que está inserido um candidato à presidência da república, qual o caso estudado Dilma Rousseff, quando justamente pretende o grupo que ela se faz inserida sustentar posições de dominação e supremacia. Quando se diz que moda é comunicação, é necessário ampliar os horizontes comunicacionais, compreendendo-se as diferentes teorias e os variados modelos da comunicação. Carol Garcia e Ana Paula de Mirando na obra Moda é Comunicação utilizam a semiótica discursiva francesa como premissa e instrumental teórico-metodológico para estudos de significação e fenomenologia, estando aí o elo comunicacional.

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Uma vez processados, os elementos do sistema vestimentar vão constituir aquilo que o convencionamos chamar de aparência. A aparência prevê não só o desejo de mostrar-se similar a um modelo desejável (parecer), que pode ter surgido do mundo natural ou da própria fantasia do sujeito, mas, sobretudo, de estar manifesto como tal diante de si e do outro (aparecer). Funciona como uma camuflagem, ou maneira superficial de se apresentar publicamente, parecendo verdadeira, porém ocultando a essência do ser sob essa camada externa. Trata-se de um simulacro, entendido como objeto de imitação, que designa uma construção abstrata e hipotética, embora coerente: é uma edificação de mundo onde o sujeito pode se projetar e por meio da qual pode evoluir. Considerando os aspectos mencionados, moda é o conjunto atualizável dos modos de visibilidade que os seres humanos assumem em seu vestir com o intuito de gerenciar a aparência, mantendo-a ou alterando-a por meio de seus próprios corpos, dos adornos adicionados a eles

e da atitude que integra ambos pela gestualidade, de forma a produzir sentido e assim interagir com o outro. (GARCIA; MIRANDO, 2007).

Assim, o que as pessoas vestem são uma forma de comunicação, pois transmitem mensagem de como são ou de como desejam ser percebidos (vistos); a moda traz os objetos mais vistos pelos outros, não se consegue, por exemplo, carregar a casa e levá-la aos lugares para que os demais a vejam, já suas roupas, joias e acessórios serão vistos e percebidos em todo e qualquer lugar, trazendo uma rede de sentidos.

Dilma Rousseff foi eleita a primeira mulher Presidenta do Brasil, diante de todas as análises e estudos relativos à sua vestimenta, chega-se a uma inquietação: Qual deveria ter sido roupa de Dilma na posse? Na época, estilistas, figurinistas, jornalistas e demais pessoas palpitaram, sugeriram, previram e analisaram como Dilma se vestiria em sua pos-

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Considerações finais

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se, quando desfilou na passarela mais importante do país, a rampa de mármore do Congresso Nacional depois de percorrer trajeto no Rolls Royce presidencial. Ela tinha que representar o Brasil, o país todo, e não a parcela da população que a elegeu, por isso tons suaves formaram a base para o seu look de posse, a curiosidade foi grande, a expectativa idem, já que a roupa da Presidenta estaria e já está na história do país e na história mundial quando Dilma subiu a famosa rampa. Diante do fato, fenômeno, ou momento histórico, as análises do que Dilma veste ou deixa de vestir desde a posse no primeiro mandato, serão cada vez mais cotidianas e profundas, admitindo relevância nos estudos apresentados no presente artigo e incentivando maiores pesquisas relacionadas ao tema trabalhado, fortalecendo a importância estética na sociedade atual. O jornalismo político ganhou uma nova faceta em sua cobertura e, mesmo mostrando-se avessa às vaidades, ela tem cumprido a liturgia do cargo com sobriedade.

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As fotos coloridas podem ser acessadas nos links acima.

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Adolpho Queiroz

Sobre os autores:

Adolpho Queiroz É Pós-Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense/ RJ, ex-presidente da INTERCOM/ POLITICOM, é professor do Curso de Comunicação da Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. [email protected]

É Doutor em Comunicação e Semiótica, PUC SP, membro do Conselho Fiscal da ABP2, editor da revista científica INOVCOM da INTERCOM, é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. [email protected]

Com que roupa eu vou?

Celso Figueiredo

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Francisco Ramirez Martins Junior É designer, mestre em comunicação pela Universidade de Marília [email protected]

Adolpho Queiroz

Gabriela do Couto Rosa

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É publicitária formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP; faz parte da equipe de Atendimento da Agência Ogilvy & Mather de Publicidade [email protected]

Maria de Lourdes Bacha É Pós-Doutora em Comunicação e Semiótica, PUC-SP, docente e pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. [email protected]

É Doutora em Administração de Empresas, USP-SP, docente e pesquisadora no Senac. [email protected]

Com que roupa eu vou?

Natani Carolina Silveira

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Júlia Matavelli Cerqueira É publicitária formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. [email protected]

Adolpho Queiroz

Marcos Campomar

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É Professor Titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo FEA/USP. [email protected]

Paola Armani É aluna do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie. [email protected]

É graduada em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing e mestre em Administração de Empresas pelo Mackenzie, é professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola Superior de Propaganda e Marketing. [email protected]

Com que roupa eu vou?

Vanessa Aparecida Franco Molina

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Com que roupa eu vou?

Adolpho Queiroz 208

Impressão e acabamento

Gráfica EME (19) 3491-7000

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