COMÉRCIO EXTERIOR E O SISTEMA DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O BRASIL E O CANADÁ

June 20, 2017 | Autor: G. Grupo de Estud... | Categoria: Ferrocarriles, Integración Regional, Comercio Exterior, Comercio Internacional, Ferrovias e ferroviários
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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

COMÉRCIO EXTERIOR E O SISTEMA DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O BRASIL E O CANADÁ ALESSANDRA DOS SANTOS JULIO1 Resumo: Na primeira década do século XXI o Brasil e o Canadá apresentaram uma expansão das exportações de produtos básicos, demandado principalmente pela China. As novas formas de organização do comércio mundial exigiram estratégias para o sistema de transporte. No Canadá os grandes operadores ferroviários focaram na consolidação de corredores de carga já no Brasil o governo tenta aumentar a participação do setor privado em projetos de infraestrutura, com intuito de expandir as ferrovias. O artigo tem por objetivo analisar as semelhanças e diferenças do modelo de organização e da atuação das concessionárias ferroviárias nestes países. Os primeiros resultados demonstram que em ambos as concessionárias realizaram grandes investimentos em tecnologias de informação e logística para ampliar a capacidade da malha, principalmente, para atender a exportação de commodities.

Palavras-chave: Ferrovias, Brasil, Canadá, exportação Abstract: In the First decade of the century XXI, Brazil and Canada show up one overexpansion of the basic products exportation, which was needed first of all for China. The new ways of world commerce organization demanded strategies for the transportation system in general. In Canada, the biggest railway operators target in a consolidation of the corridors, in the other hand, the Brazil’s government try to rise the private participation in infrastructure’s projects, with the intention of an railways expansion in that country. This article intent to do a parallel of the organization’s models and the railways concessionary’s performance in Brazil and Canada. The first results shows that in both countries, the concessionaries have done massive investments in information technologies to succeed the mesh’s capacity, mainly, to attend the commodities’ exportation.

Key-words: railways, Brazil, Canada, exportation

1 – Introdução Ao final do século XX teve início um processo de reestruturação das estradas de ferro em diferentes países. A política foi largamente difundida por organizações internacionais, como o Banco Mundial. A reestruturação ferroviária consiste essencialmente em duas dimensões: a organização entre a exploração e gestão da infraestrutura e a expansão da participação do setor privado (UNESCAP, 2003). A privatização foi a opção de numerosos países, não somente para o transporte ferroviário mas também para outras empresas públicas, como no Canadá. Em outros houve concessões a consórcios privados, como no Brasil e no México. 1

Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista Capes - Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Doutorado Sanduíche no Exterior - PDSE) E-mail: [email protected]

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Após mais de 20 anos do início das reestruturações já é possível realizar uma análise dos efeitos da opções de cada país e correlacionar com as mudanças no que concerne ao mercado mundial e ao papel do sistema de transporte na circulação do capital. A primeira década do século XXI foi um período de crescimento do comércio mundial de mercadorias com um aumento exponencial de cargas importadas destinadas a reexportação, crescimento do uso de contêineres e do comércio de commodities, principalmente demandada pela China. Nesse contexto, países como Brasil e Canadá que são grandes exportadores de grãos, minérios e derivados de petróleo apresentaram uma expansão das exportações desses produtos. As novas formas de organização do comércio mundial exigiram novas estratégias dos países, das companhias de transporte marítimo, dos operadores ferroviários e empresas do setor de logística para atender ao mercado mundial. Assim, o artigo tem por objetivo analisar as semelhanças e diferenças do modelo de organização e da atuação das concessionárias ferroviárias no Brasil e no Canadá. A questão central do artigo é identificar qual o papel do sistema ferroviário na economia em ambos países, dadas as mudanças no comércio mundial. A metodologia empregada foi revisão bibliográfica de estudos mais recentes auxiliado pelo levantamento de dados da produção nacional, transporte e comércio internacional de carga do Brasil e do Canadá. 2 – A ferrovia canadense após a reestruturação: grandes corredores e a expansão para os Estados Unidos Ao início da década de 1990, o governo canadense decidiu privatizar a Compagnie des chemins de fer Nationaux du Canada - CN, tendo em conta a lógica do período, os déficits da empresa e a necessidade de investimento. Este processo exigiu a redução da rede férrea e o corte no número de funcionários, de forma a racionalizar a operação e aumentar a produtividade antes da privatização (BOZEC; LAURIN, 2000). Interessante observar que assim como o Brasil foi privilegiado o transporte de carga em detrimento do transporte de passageiros sobre trilhos (GOUVERNEMENT DU CANADA, 2013).

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No decorrer do decênio as duas companhias ferroviárias Classe I 2

do

Canadá, CN e a Chemin de fer Canadien Pacifique-CP (empresa de transporte ferroviário de capital privado desde o seu início, em 1881) ampliaram o programa de reestruturação. Como consequência houve a desativação de ramais não rentáveis e a racionalização de suas ligações ao nível nacional. Os ramais de baixa densidade foram abandonados ou tornaram-se ferrovias regionais e locais (Classe II e III). Estas são responsáveis pela ligação entre os produtores/expedidores e as ferrovias de Classe I. As pequenas e médias ferrovias possuem um papel fundamental, pois elas asseguram os serviços aos expedidores e alimentam as vias principais. Apesar da transferência da malha para companhias regionais e locais houve uma diminuição das vias férreas operantes. Em 1990 a malha férrea do Canadá possuía 52 537 km, em 2006 a malha contava com 46 373 km de vias (QGI, 2009), ou seja, uma redução de 11,74%. Entre 2006 e 2011 a redução foi de 485 km na malha nacional (1,05%). Portanto, a redução total foi de 6649 km. Concomitantemente a desativação de trechos antieconômicos houve uma maior expansão em direção aos Estados Unidos e Mexico3. Assim, as duas empresas Classe I, CN e CP, atravessam o país de leste à oeste e se conectam aos principais portos e regiões econômicas do Canadá e parte dos Estados Unidos (GOUVERNEMENT DU CANADA, 2011). A aquisição de vias férreas nos Estados Unidos ampliou a relação comercial entre os dois países (AASHTO, 2012). A tabela 1 apreseta o tamanho da rede férrea canadense. A CN possui a maior malha ferroviária com 22 702 km de vias, em 2011. A CP é proprietária de 11 953 km e a rede das empresas ferroviárias menores, entre regionais e locais, totalizam 10 169 km de vias. 2

No Canadá as definições para as categorias das ferrovias são estabelecidas na regulamentação adotada na lei sobre os transportes do Canada, em 1996. A Classe I são as ferrovias com rendimentos de 250 milhões de dólares canadenses ou mais. As de Classe II são com rendimentos abaixo de 250 milhões e as de Categoria III são todas as outras ferrovias que não se encaixam nas outras definições (QGI, 2009). 3 A CN adquiriu a empresa ferroviária americana l’Illinois Central em 1999, a Wisconsin Central em 2001, a Great Lakes Transportations LLC’s e a BC Rail em 2004. Ela também possui alianças e contratos de direitos de passagem com outras ferrovias. A CP adquiriu uma participação majoritária nas ações da Soo Line Railroad, em 1988. Em 1990, a empresa comprou o total das ações da Soo Line. Em 1991 a CP adquiriu também a Delaware and Hudson Railway (D&H) que estava em situação de falência e também realizou alianças com outras empresas.

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CN CP Companias regionais e de interesse local Outras* Total

Km de vias com exploração direta ou alugada - 2011 22702 11953 10169

Km de vias em exploração direta ou alugada - 2010 22746 12250 10295

% do total em 2011 49,5 26 22,2

Variação em % em comparação ao ano procedente 0,2 2,4 1,2

1064 1019 2,3 4,4 45888 46310 100 9 Tabela 1 – Malha ferroviária canadense, 2011. * Operadores de terminais, subsídiárias canadenses de empresas norte-americanas e operadores ferroviários de passageiros. Fonte: Gouvernement du Canada, 2011.

Em geral, a estratégia das grandes ferrovias do Canadá visa consolidar seu papel no transporte de mercadorias em comboios longos sobre linhas ferroviárias de forte densidade de tráfego, incluindo trechos norte-americanos. Portanto, a ferrovia possui uma participação direta sobre as exportações do país, haja vista que o maior parceiro comercial do Canadá é os Estados Unidos. Importante assinalar que a reestruturação canadense não alterou a verticalidade do sistema ferroviário. Todos as ferrovias possuem a integração vertical das infraestruturas e das operações, salvo alguns trechos da CN e CP que estão alugados para empresas regionais ou locais, ou seja, o modelo adotado no Canadá foi o modelo de integração vertical com privatização.

3 - O cenário internacional e as exportações do Canadá e do Brasil O início do século XXI foi um período de grande crescimento do comércio mundial de mercadorias, principalmente com as demandas advindas da China. No que concerne aos transportes e circulação se observa uma complexificação da logística coorporativa com um aumento das importações destinadas a reexportação e a massificação do uso do contêiner. Analisando a tabela das exportações canadanes do período entre 1996 e 2014 (milhões de dólares 4) se observa um aumento da exportação do setor básico como agrícolas e pesca, petróleo e produtos intermediários de metal e a diminuição 4

Exportação de mercadorias pela balança de pagamentos para todos os países com dados ajustados sazonalmente (anual em milhões de dólares) seguindo o sistema de classificação de produtos da América do Norte (le Système de classification des produits de l'Amérique du Nord - SCPAN).

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de alguns setores manufaturados, como material de transporte. Os produtos mais exportados pelo Canadá nos últimos cinco anos (2010-2014), em milhões de dólares, foram: petróleo bruto e petróleo bruto betominoso, automotivos e caminhões leves, produtos intermediários em metal, material de construção e embalagens, máquinas e peças industriais, material e peças eletrônicas, produtos agrícolas e de pesca, alimentos, peixes, produtos de tabaco e gás natural (STATISTIQUE CANADA, 2015). No Brasil a primeira década do século XXI apresentou uma melhora do desempenho da economia nacional resultado de uma política pública e do contexto internacional favorável, o qual diminuiu a fragilidade das finanças internacionais do país. Este período também foi marcado pelo aumento das exportações de produtos básicos. Em 2013, os produtos mais exportados (em US$ milhões) foram: minérios (14,5%), material de transporte(13%), complexo soja (12,8%), petróleo e combustíveis (9,2%) e carnes (6,7%) (MDIC, 2015). A participação dos produtos básicos na exportação do país passou de 22,8% em 2000 para 46,7% em 2013. As mudanças na política nacional e o aumento dos preços no mercado internacional, o câmbio favorável, o avanço da fronteira agropecuária, as políticas voltadas para a agroindústria e as inovações técnicas foram os principais fatores que determinaram o crescimento de respectivos setores (ESPINDOLA, 2013). As mudanças na pauta do comércio refleriram sobre os fluxos de transporte do país e, portanto, geraram uma demanda por infraestruturas (vias, material rodante e de armazenamento) eficiêntes de maneira a diminuir os custos dos transportes sobre os custos totais de produção. No Canadá a ferrovia é responsável pelo transporte da maior parte dos produtos de grande volume e peso, mas de menor valor. Nos últimos 6 anos as principais cargas transportadas pela ferrovias canadenses foram: carvão, minério de férro e outros concentrados, trigo e outros grãos, potássio e outros fertilizantes, derivados de petróleo, carvão, madeira e produtos derivados. Houve um crescimento da quantidade transportada de trigo e outros grãos, carvão, petróleo e derivados. No sistema ferroviário brasileiro os principais produtos transportados, em 2013, foram: minério de ferro e carvão mineral (76,72%), agronegócio (13,89%),

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produtos siderúrgicos (3,77%), derivado de petróleo e álcool (2,79%)5 (ANTF, 2014). Lembrando que o minério de ferro é a principal carga da pauta de exportação nacional. A crise de 2008 impactou negativamente as exportações brasileiras no ano de 2009, mas no ano seguinte os valores foram retomados. No Canadá a crise teve um efeito maior sobre as exportações que por sua vez, refletiu em uma diminuição da quantidade em toneladas transportadas pelas ferrovias. Em 2009, a quantidade transportada foi de 278,8 milhões de toneladas, segundo o órgão governamental responsável, foi uma baixa de 17,2% em relação ao ano anterior e a maior queda desde de 1998. A partir de 2010 houve um crescimento, mas ainda não se retornou as tonelagens do início do século (TRANSPORTS CANADA, 2013). O impacto da crise sobre as exportações canadenses ocorreu devido a forte correlação entre as economias do Canadá e dos Estados Unidos. Em 2011, o comércio entre os dois países representou 62% da atividade comercial canadense (74% das exportações e 50% das importações canadenses) (GOUVERNEMENT DU CANADA, 2011). Em 2002 as exportações canadense para os Estados Unidos representaram 87,1%. Em 2006, após a eleição de um governo conservador, foram iniciadas negociações de comércio com outros países. A partir desse ano as exportações do Canadá para os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China e Africa do Sul) cresceram mais do que para outros países. Entre 2006 e 2012, as exportações para os BRICS aumentaram 336% enquanto para os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apenas 48% (GOUVERNEMENT DU CANADA, 2014). Particularmente as exportações brasileiras para o Canadá cresceram 27%6 no mesmo período e as importações 61%. Para Carrière (2014) a crise de 2008-2009 ocasionou uma transformação importante na estrutura das exportações canadenses. A alta da exportação para 5

O total da carga transportada foi de 301,0 bilhões em tku (tonelada quilômetro útil). Os produtos brasileiros mais exportados para o Canadá em 2014 foram: alumina calcinada; bulhão dourado, para uso não monetário; café não torrado; outros açúcares de cana; óleos brutos de petróleo; outros neveladores; bauxita não calcinada e pedaçõs e miudezas de galos/galinhas congelados. E os mais importados pelo Brasil foram: outros cloretos de potássio; hulha betuminosa, não aglomerada; papel jornal; partes de turborreatores; outros polimeros de etileno, alumínio não ligado em forma bruta e outros medicamentos controlados para fins terapeuticos (MDIC, 2015). 6

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outros países demonstra uma tendência a ser seguida na economia do país. O comércio com a China foi o que teve maior alta, passando para o segundo país importador de produtos canadenses. No Brasil a política do governo federal, a partir do governo Luiz Inácio Lula da Silva também foi no sentido de ampliar os acordos comerciais, principalmente a nível Sul-Sul, estimulando o aumento das exportações. Os motivos que levaram ambos países à diversificar os parceiros possuem o objetivo comum de diminuir a depêndencia à algumas economias. Os principais parceiros comércias do Brasil também são China e Estados Unidos. Em 2014, a China representou 18% das exportações (em milhões de dólares) e 16,3% das importações enquanto os Estados Unidos representou 12% das exportações e 15,3% das importações brasileiras (MDIC, 2015). O Mercosul é destino de 11% das exportações nacionais. Apesar da existência de fronteiras terrestres e das hidrovias a carga segue majoritariamente pelo modal rodoviário, assim como a maior parte da carga nacional (52% da matriz de transporte nacional). O mesmo ocorre com as cargas canadense, apesar da contiguidade do território, dos acordos comerciais e das ligações ferroviárias entre o Canadá e os Estados Unidos a maior parte do comércio é realizado pelo modal rodoviário. Considerando exportação e importação um total de 56,5% das cargas ultrapassam a fronteira em caminhão, enquanto que apenas 17% por ferrovias, 16% por oleoduto, 6% em navios e 5% por avião. Entretanto, na análise de repartição de toneladas/quilômetros do transporte de mercadorias por modo, o sistema ferroviário é o que transporta maior volume, o que reafirma a participação do modal no transporte de cargas com alto volume e peso. À despeito das semelhanças entre os países, quanto ao crescimento dos setores básicos na primeira décadas do século XXI e nas mudanças no comércio exterior, as estratégias no que tange ao setor de transporte são diferentes. 4 – As estratégias logísticas do/para o modal ferroviário em ambos países A

rede ferroviária brasileira foi dividida em sete malhas, as quais foram

leiloadas entre 1996 e 1998. Contudo, houve um processo de fusão entre as concessionárias com a consequente formação de monopólios. Assim, as grandes

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concessionárias brasileiras são controladas pelos seus principais clientes, como a Vale, a ALL/Rumo e a MRS Logística. Esta organização definiu objetivos bem específicos para as ferrovias, o qual seja, atender as necessidades da empresa com o transporte de carga para exportação em eixos de alta densidade de tráfego, buscando ganhos de escala. Os trechos de baixa densidade ou que eram tidos pelas empresas como antieconômicos, foram abandonados ou devolvidos para a União 7. Como apontado inicialmente a desativação de trechos de baixa densidade e a racionalização da malha férrea foram estratégias para diminuir os custos e aumentar a rentabilidade por trecho em vários países. Contudo, as duas grandes ferrovias canadenses são empresas privadas, no Brasil as empresas ferroviárias são concessionárias, ou seja, ao abandonar ramais férreos as concessionárias brasileiras estão descumprindo um contrato e o país esta perdendo parte de seu patrimônio. Silveira (2007) identificou que após a concessão houve mudanças nas estratégias competitivas ligadas, sobretudo, a eficiência logística em detrimento da ampliação das infraestruturas e materiais rodantes. Lembrando que por logística se entende a estratégia, o planejamento de transportes e de armazenamento (SILVEIRA, 2014). As concessionárias brasileiras estão investindo na modernização dos sistemas de comunicação, sinalização, equipamentos e dispositivos modernos, os quais proporcionam aumento da segurança operacional, redução de acidentes e otimização do material rodante (REVISTA FERROVIÁRIA, 2014). Os investimentos das concessionárias em tecnologia e logística refletiram no aumento do volume de carga transportada, apesar do abandono de alguns trechos (ANTF, 2014). As duas ferrovias Classe I canadense também realizaram fortes investimentos em tecnologia nas vias, no material rodante (como vagões de maior capacidade e vagões double-stack) e em tecnologia de informação para otimizar a logística das operações ferroviários. No entanto, as ferrovias de interesse local ou regional possuem baixo retorno financeiro devido aos altos custos de exploração e os encargos fiscais e, portanto, não conseguem realizar inversões na modernização. 7

A Ferrovia Centro Atlântica (FCA) foi a única ferrovia que efetivamente devolveu malha para o governo federal. A ANTT autorizou, através da Resolução de 03 de Julho de 2013, a proceder a devolução de quase metade da malha original. Ao total serão 3.989 km de vias férreas devolvidas.

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Apesar dos desafios para a eficiência operacional das ferrovias locais e regionais, a existência das mesma é positiva e um grande diferencial entre o Canadá e o Brasil. Parte dos trechos abandonadas pelas ferrovias Classe I foram assumidos por empresas de transporte integral, empresas privadas não diretamente ligada ao setor de transporte, governos municípais e provínciais, cooperativas ou grupo autóctone. Nos últimos anos se observa um processo de centralização dessas ferrovias. Empresas regionais americanas estão adquirindo pequenas ferrovias no Canadá, ampliando ainda mais a integração da malha dos dois países. Outra estratégia que foi utilizada, tanto pelas concessionárias quanto pelas grandes empresas exportadoras, foi a constituição de uma empresa logística. A ALL criou a Brado Logística, a Vale possui a VLI Logística e a Cosan constituiu a Rumo. As empresas de logística realizam o transporte intermodal, principalmente com o rodoviário e o marítimo, como alternativa as deficiências do modal ferroviário. As duas ferrovias Classe I canadense também oferecem os serviços de soluções logísticas e transporte intermodal, trata-se de uma tendência no comércio mundial. Neste contexto, aumentaram as iniciativas e discussões sobre os corredores de transporte e a importância da intermodalidade em âmbito mundial (NOTTEBOOM, 2012). Considerando a pauta de exportação dos dois países a ferrovia é a melhor opção, haja vista, as vantagens do modal para grandes distâncias, os baixos custos unitários, a inexistência de grandes congestionamentos, menor vulnerabilidade a acidentes e roubos, maior rendimento espacial e consumo de energia inferior e, portanto, menores danos ao meio ambiente. Para os produtos de baixo valor agregado os custos dos transportes são parte significantes nos custos totais. No Canadá os produtores de grãos e cereais no oeste do país, que históricamente eram usuários das ferrovias, foram fortemente afetados pela racionalização da malha férrea. Em função disso pequenos produtores tiveram a iniciativa de formar cooperativas que assumiram o serviço de transporte ferroviário, principalmente em Saskatchewan. No Brasil a expansão da fronteira agrícola para o Centro-Oeste e o crescimento das exportações de produtos básicas evidenciou ainda mais os gargalos no setor ferroviário. Ao mesmo tempo, uma nova política pública

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implantada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva definiu um projeto de dinamização da econômia via inversão em grandes obras de infraestrutura de transporte, principalmente com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento, a partir de 2007. Em 2011 o governo federal lançou o Programa de Investimento em Logística (PIL) com o objetivo de ampliar a participação do setor privado nos investimentos de transporte, através de parcerias público-privadas e concessões. Apesar dessas iniciativas a expansão da malha ferroviária brasileira ainda encontra uma série de obstáculos, entre eles a questão do valor da terra, o alto custo das obras e a baixa participação do setor privado. Nottebom (2012) ao analisar o sistema de transporte na América do Norte e na Europa também identificou uma pressão dos governos para maiores aportes financeiros do setor privado no desenvolvimento de infraestruturas de transporte. Um aspecto das exportações que influenciou na estratégia de transporte de ambos países foi o aumento de comércio com a Ásia, mais particularmente, com a China. O Canadá tem como uma de suas principais estratégias de transporte o desenvolvimento da iniciativa Corredor Ásia-Pacífico (l’Initiative de la Porte et du Corridor l’Asie-Pacifique). Diferentes estudos definem a iniciativa como um corredor de grande competitividade (NOTTEBOOM, 2012). O corredor comprende os portos do Oeste (Vancouver e Prince Rupert), as duas ferrovias transcontinentais e as rodovias. Apesar desta iniciativa, o governo não realiza inversões no modal ferroviário, mesmo as ferrovias de interesse local e regional têm dificuldade de conseguir algum subsídio do governo federal para manter os serviços. No Brasil, o governo alterou alguns projetos e tenta viabilizar a participação do setor privado, como foi reafirmado no novo PIL, apresentado em 2015. Ele também prêve a construção de uma ferrovia que cortará o Brasil até o Porto Ilo, no Peru (em cooperação com a China). 5 - Conclusão Os primeiros resultados da comparação do sistema ferroviário nos dois países demonstram que em ambos as concessionárias realizaram grandes investimentos em tecnologias de informação e logística para ampliar a capacidade da malha, principalmente, para atender a exportação de commodities. A estratégia de

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racionalização da malha férrea, com desativação de trechos tidos de baixa densidade, também foi amplamente usada nos dois países. Uma diferença é quanto a atuação do poder público. Enquanto no Canadá o governo e as duas grandes operadoras ferroviárias focaram na consolidação de grandes corredores de carga, principalmente com foco no aumento do fluxo de mercadoria no transpacífico, no Brasil o governo federal busca uma maior participação do setor privado, com o objetivo de realizar a expansão da malha e a construção de grandes eixos ferroviários, sendo que, parte considerável das inversões são provenientes dos recursos públicos. Com o aumento da exportação de produtos básicos, principalmente para o mercado asiático, também se observa uma política de transporte no sentido de melhorar a eficiência e diminuir os custos de transporte com vistas ao pacífico, fato evidenciado na iniciativa do Corredor Ásia-Pacífico e na ferrovia Bioceânica entre o Brasil e o Peru. Assim, fica evidente que as exportações são base para definição das estratégias para o transporte ferroviário nos dois países, contudo, à despeito dos projetos do governo federal, o setor ferroviário brasileiro ainda não integra todo o país e está voltado apenas para setores muitos específicos.

6 - Referências bibliográficas AMERICAN ASSOCIATION OF STATE E HIGHWAY AND TRANSPORTATION OFFICIALS (AASHTO). Transportation Investin America. Freight – Rail Bottom Line Report, 2012. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTADORES FERROVIÁRIOS – ANTF. Balanço dos transportes ferroviários de cargas – 2013. Brasília, 2014. BOZEC, Y. et LAURIN, C. (2000) L’impacto de l’annonce de la privatization sur la performance étude de cas sur le Canadien National (CN). L’Actualité économique, Revue d’analyse économique. v. 76, n.2, juin. Disponível em: . Acesso em: 08 fev. 2014. CARRIÈRE, Benoît. 2002-2012: une décennie de changements dans les exportations manufacturières canadiennes. Nº 11-621-M au catalogue, nº92. Ottawa. Mars, 2014. Disponível em : . Acesso em: 02 jun. 2015

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