COMO O “MUNDO REAL” TORNOU-SE UMA IMAGEM?

May 30, 2017 | Autor: D. Rubinstein | Categoria: Philosophy, New Media, Art Theory, Photography
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COMO O “MUNDO REAL” TORNOU-SE UMA IMAGEM?

por Daniel Rubinstein

“A história é um pesadelo do qual tento despertar.” Essas são as palavras de James Joyce, mas como iremos despertar do sonho da representação? Por que é que, apesar da atraente abundância de imagens que atiçam os sentidos de formas antes nunca imaginadas – impressões em 3D, jogos holográficos, cinemas estereoscópicos, realidade aumentada – e sem considerar a pseudo-objetividade de documentos, arquivos pós-coloniais, e paradas de identidade, ainda ficamos fascinados com a representação como sine qua non para a fotografia? Talvez a fotografia nos chame o interesse por ser a prova visual de que, à medida que somos afastados do universo Cartesiano com seu ponto de referência fixo e imóvel localizado no nervo ótico do sujeito branco / masculino / heterosexual, as categorias de tempo linear e espaço tridimensional herdados da Renascença se dobram em um “agora” misterioso e onipresente. Em um sentido metacrítico, esse fascínio parece ser a qualidade crucial da fotografia precisamente porque a palavra “fotografia” se refere não a outra forma visual de representação, mas a uma maneira inteiramente nova de ocupar a materialidade e sua relação com os corpos, máquinas e mentes como uma economia envolvente que Johnny Golding batizou de anamaterialismo. Dentro desta absorvente materialidade do “sempre ligado” e “ao mesmo tempo em todos os lugares”, o mundo não vem “antes” da imagem, e nem é produzido pela imagem. Do contrário, a fotografia é a figuração visual de uma nova camada de consciência – na qual emergem novas relações com o tempo e o espaço, trazendo novas categorias de pensamento, ação, arte e organização.

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A cativantemente chamada “era da informação” é caracterizada pelo surgimento de um novo tipo de máquina, capaz de reproduzir atividades e processos – não do corpo humano, mas do cérebro. Assim como, durante a «era industrial» que já se passou, máquinas substituíram a mão de obra humana não pela imitação do metabolismo e de tecidos musculares mas pela utilização de diferentes fontes de energia (petróleo) e processos diferenciados (combustão interna), as novas máquinas às quais nos referimos como “computadores” não operam com categorias de lógica humana tais como forma versus conteúdo, síntese ou raciocínio dialético. E assim como a era industrial não só substituiu o trabalho humano com a mão de obra mecânica, mas também reconfigurou radicalmente a sociedade humana pela anulação de distâncias, reduzindo o espaço e trocando a noção de tempo pela noção de velocidade supersônica, a era da computação não só substitui o trabalho cerebral pelo trabalho de uma máquina, como também reconfigura a sociedade humana através da implantação de elementos de lógica computacional, tais como multiplicidade, simultaneidade, autorreprodução e indecidibilidade. O fascínio pela fotografia se deve em parte, no mínimo, pela forma com que ela nos permite explorar essas qualidades da sociedade da informação como imaginadas pela imagem visual mecanicamente produzida e computacionalmente distribuída. A fotografia é o primeiro meio artístico da era da informação (em um sentido não cronológico, mas lógico) porque, apesar de sua garantia de semelhança frontal, a fotografia também cria a promessa de continuidade estética de maneira independente e contrária ao tempo. Enquanto a representação clássica opera com base no isolamento do sujeito em estudo do seu entorno, a fotografia consegue ultrapassar barreiras, disciplinas e discursos. O princípio da representação é o princípio da identidade: A=A, mas o princípio da fotografia é A+A+A ...+A. O processo repetitivo e reprodutivo que encontramos vez após vez em uma foto nos ajuda a perceber que todos os processos da natureza estão conectados por meio de fluxos de energia e matéria. Através deste movimento recursivo de disseminação e reprodução, a fotografia diz apenas uma coisa: que ela não é um registro de algo qualquer, mas que simplesmente é. Aqueles que buscam encontrar na fotografia algo além do que ela «é» sempre retornarão com uma descrição – isto é, não encontrarão nada nela além de sua própria imagem. Mas aqueles que se ajustarem àquilo que ela “é” encontrarão o ritmo em pulso desta era, que chamamos apressadamente de “a era da tecnologia”.  É por causa de sua ligação íntima com a tecnologia que a fotografia parece ser o nome desta forma de lógica humano-mecânica que abandona as distinções conhecidas entre verdade, ficção e fantasia – não porque essas distinções sejam falsas, mas porque elas simplesmente não são capazes de considerar uma forma de sabedoria que não tenha suporte na representação (também conhecida como o divino, o realismo e a objetividade) mas em algo muito mais sensual e menos

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estéril, tal como a imaginação e o desejo libidinal articulados pelo código digital, acionado por partículas quânticas à medida que acendem diodos na tela do computador enquanto estimulam sinapses para disparar elétrons no cérebro. Essa nova forma de lógica (conhecida como Lógica Difusa, ou “Fuzzy”) derruba as fronteiras entre o pensamento humano e a inteligência mecânica, e sugere que aquilo a que nos referimos pitorescamente como o “mundo real” não é nada mais que um amontoado de informação colhido do caos: a confluência acidental de fragmentos de matéria, fibras de DNA e partículas subatômicas. Na fotografia – como ela aparece em nossos visores – é possível observar como encontros improváveis e acidentais de guarda-chuvas, máquinas de costura e mesas de dissecação são capazes de produzir montagens significativas. Aqueles que as produzem elaboram intervenções deliberadas no caos que nos cerca (também conhecido como “natureza”): eles manuseiam os fragmentos de matéria e fragmentos de dados até alcançarem algo que se une e se torna significativo (informativo). E é através disso que essas pessoas (também conhecidas como artistas) ocasionalmente têm sucesso em mostrar ao restante de nós as formas como o significado em geral está sendo produzido. A tarefa do artista é inseparável da tarefa da fotografia.

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