COMPARAÇÃO ENTRE DOIS MÉTODOS PARA DETERMINAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA TRATADA. COMPARISON BETWEEN TWO METHODS FOR DETERMINING THE QUALITY OF TREATED WATER

June 4, 2017 | Autor: Paulo Sergio Scalize | Categoria: Environmental Engineering, Environmental Science, Quality Management, Drinking Water, Water Quality Index
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Ciência & Engenharia (Science & Engineering Journal) 24 (2): 85 – 93, jul. – dez. 2015

ISSN 1983-4071

COMPARAÇÃO ENTRE DOIS MÉTODOS PARA DETERMINAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA TRATADA COMPARISON BETWEEN TWO METHODS FOR DETERMINING THE QUALITY OF TREATED WATER Neemias Cintra Fernandes1, Paulo Sergio Scalize2 Mestre em Engenharia do Meio Ambiente, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, GO. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, Professor Adjunto da Escola de Engenharia Civil da Universidade Federal de Goiás, GO. E-mail: [email protected]. 1

RESUMO A avaliação da qualidade da água a ser consumida pela população é algo imprescindível. Para isso são utilizados parâmetros físico-químicos e bacteriológicos, os quais devem estar dentro dos limites estabelecidos em legislação. Dessa forma, este trabalho determinou e comparou a aplicação de dois Índice de Qualidade da Água (IQA) de 249 amostras de água tratada, coletadas no sistema de abastecimento de água da cidade de Goiânia num período de janeiro de 2012 a julho de 2013. As amostras foram submetidas à avaliação considerando 10 parâmetros físico-químicos e 3 microbiológicos e, em seguida, calculados os valores de IQA, com um Modelo Canadense e outro Modelo empregado pela Companhia Saneamento de Goiás S.A. – SANEAGO. Os resultados indicaram que a água distribuída em 88,8% das amostras foi classificada como de excelente qualidade pelos dois modelos, o que evidencia que o modelo empregado pela SANEAGO é mais restritivo que o Modelo Canadense, além do que existe uma influência sazonal que aponta para uma pior classificação das águas analisadas na época das chuvas. Palavras-chave: IQA, Qualidade da água, Modelo Canadense. ABSTRACT The assessment of water quality destined to population consumption is something essential; for this reason the physical, chemical and bacteriological parameters are monitored and must be according to the limits established in legislation. Thus, the present study has determined and compared the application of two Water Quality Indexes (WQI) of 249 treated water samples, collected in the water supply system of the city of Goiania, during a period of 24 months. These samples were subjected to analysis of 10 physical-chemical parameters and 3 microbiological parameters. The WQI values for the samples were determined using a Canadian WQI calculation model, and also by using different calculation model, employed by the local State Company. The results indicated that the water distributed in 88.8% of the samples were rated as excellent by the two models, indicating that the model employed by local State Company is more restrictive than the Canadian model, besides that there is a seasonal influences pointing to a worse water classification in the rainy season. Keywords: WQI, Water quality, Canadian model.

1 – INTRODUÇÃO Prover água segura e de qualidade é um desafio que os governos enfrentam face ao incremento da contaminação das fontes de água próximas às aglomerações urbanas em todo o mundo. Controlar e regular o mercado de abastecimento de água vai desde a eficiência e continuidade do serviço prestado até o atendimento aos parâmetros físicos, químicos, microbiológicos e de radioatividade estabelecidos (BRASIL, 2011), bem como informar os resultados aos consumidores (BRASIL, 2005), uma atividade complexa e dinâmica. Vários são os parâmetros de controle de qualidade aos quais a água de abastecimento é submetida, o que torna sua análise individual onerosa, trabalhosa e dificulta a comparação de resultados temporalmente e entre diferentes sistemas de tratamento. Esse contexto demanda a necessidade de definição de metodologia para avaliação holística dos dados do controle de sua qualidade, de modo a permitir fácil análise e estratificação dos dados obtidos.

As exigências de controle de qualidade da água de abastecimento, presentes no Brasil por meio da Portaria 2914 (BRASIL, 2011), obrigam as empresas fornecedoras de água tratada a manterem o seu controle por meio do monitoramento e fiscalização de uma série de parâmetros físico-químicos e microbiológicos, realizados por meio da amostragem e sua análise em vários pontos no sistema de distribuição. A grande variedade de parâmetros analíticos e extensa necessidade de amostragem espacial e temporal faz com que sejam gerados inúmeros dados de controle, que necessitam ser interpretados, analisados e apresentados aos gestores do sistema de abastecimento de água e à população em intervalos periódicos, conforme exigência legal. Para isso, a determinação do Índice de Qualidade da Água (IQA) é uma ferramenta útil, em que há um consenso sobre sua utilidade para comparar a qualidade da água entre diferentes sistemas e também no tempo. Os IQA são capazes de fomentar a avaliação do sucesso e das falhas no gerenciamento da melhoria da qualidade da água fornecida à população (RICKWOOD; CARR, 2009). Dentre os principais estudos a respeito de

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Neemias Cintra Fernandes, Paulo Sergio Scalize determinações de IQA de água potável, observam-se aplicações de IQA em avaliações de água potável utilizada diretamente para consumo humano e também adaptações realizadas para monitoramento da água produzida e distribuída, Facincani et al. (1999), Bernardes; Abreu; Dornas (2004), Pierin et al. (2005), Marques et al. (2007), Cardoso Junior et al. (2011) e SANEAGO (2012). A partir de 2003 a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio de seu organismo para o meio ambiente, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme – UNEP), iniciou os estudos para determinação de um IQA potável em abrangência global. A responsabilidade pelos estudos foi delegada ao Sistema de Monitoramento Ambiental Global (Global Environment Monitoring System – GEMS). Após a avaliação de uma série de modelos de determinação de IQA, realizada por especialistas convidados, o modelo canadense IQA-CWQI foi endossado, principalmente devido à flexibilidade em relação aos dados de referência utilizados, o que permitiria à organização utilizar as diretrizes de qualidade da água da Organização Mundial da Saúde (OMS), que são mundialmente aceitas para água potável. Os estudos possibilitaram determinar IQA para países dos cinco continentes do globo (RICKWOOD; CARR, 2009). Esse modelo foi utilizado por vários pesquisadores para verificar a qualidade da água tratada, entre eles Marques et al. (2007), Magesh et al. (2013) e Durmishi et al.(2012). Esse modelo também é utilizado para avaliação da água bruta, conforme demostram estudos de Boyacioglu et al. (2010) na Turquia, Damo; Icka (2013) na Albânia e Jeronimo; Souza (2013) no Rio Grande do Norte, Brasil. Em Goiás, a Companhia Saneamento de Goiás S.A. – SANEAGO desenvolveu um IQA para avaliar a água potável tratada pelos diversos sistemas de abastecimento operados pela companhia. A metodologia leva em consideração os resultados obtidos por meio das análises de nove parâmetros e, adota como critério de aceitação, as especificações adotadas pela Portaria 2914 (BRASIL, 2011). A metodologia atribui a cada um dos parâmetros avaliados um peso de significância e, por meio da multiplicação dos índices de cada uma das variáveis analisadas, o modelo retorna um valor entre 0 e 100, que é o IQA analisado. Os valores obtidos são classificados entre 'produto conforme' ou 'produto não conforme' (SANEAGO, 2012). Assim, neste trabalho foram calculados e avaliados o IQA de amostras de água tratada, coletadas na cidade de Goiânia, com a utilização dos Modelos: Canadense (CCME, 2001) e o desenvolvido pela SANEAGO (SANEAGO, 2012). 2 – MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo foi a cidade de Goiânia, Goiás, Brasil, que, segundo informações de 2011 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2013), apresenta cobertura com rede de água em 99,6% da população do município e 100% para a área urbana, com uma população total de 1.301.892 habitantes (IBGE, 2010).

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O IQA foi calculado para 249 amostras simples de água tratada de manancial superficial, coletadas em 8 campanhas realizadas no período de jan./12 a jul./2013, sendo 40 amostras em jan./12, 40 em maio/12, 40 em jul./12, 30 em out./12, 30 em fev./13, 30 em abr./13, 9 em maio/13 e 30 em jul./13. Para isso, foram avaliados 10 parâmetros físicoquímicos e 3 microbiológicos, conforme Tabela 1, onde constam os códigos dos métodos preconizados no Standard Methods (APHA; AWWA; WEF, 2005) e seus limites conforme Portaria 2914 (BRASIL, 2011). As amostras foram coletadas e preservadas conforme Guia Nacional de Coleta e Preservação de Amostras (CETESB, 2011). Os locais de coletas foram pontos inicial e final do sistema de abastecimento, bem como áreas intermediárias com grande fluxo de pessoas (saída de ETA e reservatórios, Serviços de Saúde e Educacional, entre outros). Para efeito de cálculo foram atribuídos valores numéricos 0 (ausente), 100 (presença de coliformes totais) e 1000 (presença de E. coli), como forma de possibilitar a interpretação dos dados e inserção nos modelos matemáticos utilizados (CARDOSO JUNIOR et al., 2011). Tabela 1 – Parâmetros físico-químicos e microbiológicos utilizados para determinação dos IQA das amostras coletadas, sua referência conforme Standard Methods (APHA; AWWA; WEF, 2005) e limites especificados na Portaria 2914 (BRASIL, 2011) Valor Valor Parâmetro Unidade Método Mínimo Máximo Permitido Permitido 3500-Al B Alumínio mg/L NA 0,2 4500-Cl B Cloretos mg/L NA 250 Cloro Residual mg/L

4500-Cl G

0,2

2,0(*)

Cor aparente

2120C

NA

15

uH

Dureza Total

mg/L

2340C

NA

500

Ferro Total

mg/L

3500-Fe B

NA

0,3

mg/L

4500-F-

NA

1,5

NA

4500-H+B

6,0(*)

9,5(*)

mg/L

2520B

NA

1000

UNT

2130B

NA

5,0

UFC/mL

9215 B

NA

500

NMP/100mL 9223 B

NA

Ausência

NMP/100mL 9223 B

NA

Ausência

Fluoreto pH Sólidos Totais Dissolvidos Turbidez Bactérias Heterotróficas Coliformes totais E. coli

D

NA: Não se aplica; (*)Valores recomendados.

O modelo canadense, denominado IQA-CWQI (CCME, 2001), desenvolvido pelo Conselho Canadense de Ministros do Meio Ambiente, foi recomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para avaliação do IQA da água potável no nível global (RICKWOOD; CARR, 2009), e é baseado na combinação de três fatores, Escopo (F1), Frequência (F2) e Amplitude (F3). O Escopo (F1), expresso pela Equação 1, representa a porcentagem de variáveis com valores fora dos padrões de controle em relação ao número total de variáveis medidas.

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Comparação entre dois métodos para determinação da qualidade da água tratada  =

º  á      º    á  

∙ 100

(1)

O fator Frequência (F2), que abrange a porcentagem de testes individuais cujos valores apresentaram-se fora dos padrões de controle foi calculado por meio da Equação 2.  =

º     º    

∙ 100

(2)

A amplitude (F3) representa quanto os valores obtidos se distanciaram dos valores-padrão estabelecidos, em que F3 foi calculado em três passos: 1º Passo: Número de vezes em que uma concentração individual é maior que (ou menor que, quando o objetivo é um limite mínimo) o valor estipulado pelas normas nacionais. Neste caso o valor não-conforme foi denominado 'E – excluído': Para casos em que o valor do teste não exceda o limite estabelecido para o parâmetro foi utilizada a Equação 3.  = 

     

        â! 

" − 1 (3)

Para casos em que o valor do teste não deve ser inferior ao limite estabelecido para o parâmetro foi utilizada a Equação 4.  = 

        â!       

" − 1 (4)

2º Passo: Cálculo do total de afastamentos dos valores dos testes individuais falhos em relação aos parâmetros especificados pelas normas nacionais. Foi calculado o somatório dos valores excluídos de cada teste individual falho e posteriormente dividiu-se o montante pelo total de testes realizados. Tal variável reflete a razão do somatório dos valores excluídos e também o número total de testes realizados (nse), e foi calculado conforme Equação 5. '() = 

∑./0 +,

º  

"

(5)

3º Passo: O Valor de F3 foi calculado por uma função assintótica capaz de normalizar a soma dos valores excluídos (nse), de modo a obter um valor numa escala de 0 a 100, conforme Equação 6. 1 = 



2

3,3253,3

"

(6)

O cálculo do IQA é sintetizado a partir da Equação 7, em que o valor divisor 1,732 normaliza o resultado do IQA-CWQI para as faixas entre 0 e 100, que é categorizado conforme descrito na Tabela 2. O IQA-CWQI foi calculado utilizando os 13 parâmetros analisados e também com os nove parâmetros utilizados no cálculo do IQA-SANEAGO.

678 = 100 −

9:0; 5:;; 5 : 0,86 1 Fraco Ferro total ≤ 0,30 100 Ótimo 0,06 (mg/L) > 0,30 1 Fraco Alumínio residual ≤ 0,20 100 Ótimo 0,06 (mg/L) > 0,20 1 Fraco Coliformes Totais Ausente < 1,1 100 Ótimo 0,16 (NMP/100mL) Presente ≥ 1,1 1 Fraco Ausente < 1,1 100 Ótimo Escherichia coli 0,16 (NMP/100mL) Presente ≥ 1,1 1 Fraco

Para a verificação da possível interferência sazonal na qualidade de água quanto aos parâmetros estudados, os resultados foram analisados em dois períodos, chuvoso (outubro a março) e de estiagem (abril a setembro). 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO Na análise dos 249 pontos amostrados nos modelos IQACWQI e IQA-SANEAGO, considerando os mesmos 9 parâmetros, foi identificado que 89,2% dos pontos foram classificados como “Excelente” nos dois métodos, porém no 10,8% restante dos resultados ocorreu uma variação, verificando que o IQA-SANEAGO predomina nas faixas regular, ruim e péssima, enquanto o IQA-CWQI prevaleceu na faixa bom (Figura 1). Quando comparados os resultados obtidos com o modelo IQA-CWQI utilizando 13 parâmetros em seu cálculo, os resultados obtidos foram menores em todas as faixas, com exceção da classificação “Bom”, sendo superior aos demais. Esses resultados diferem dos encontrados por Marques et al. (2007), que, ao comparar o modelo CWQI com o utilizado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (IGQA-SABESP), evidenciaram que das 41 amostras analisadas e calculadas o IQA, 100% obtiveram a mesma classificação nos dois índices, não apresentando diferenças entre as classificações. Isso é justificado devido ao fato de que ambos os modelos classificaram a água na faixa superior, diferentemente das amostras analisadas nesse trabalho, as quais 27 (10,8%) ficaram abaixo do nível “Excelente”. Quando utilizados os mesmos parâmetros na comparação entre os valores de IQA-CWQI e IQA-

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SANEAGO foi possível constatar que as metodologias apresentaram 94,0% dos resultados similares, resultando em 89,2% como excelente, 1,6% como bom, 1,2% como regular, 1,6% como ruim e 0,4% como péssimo. Quando utilizados 13 parâmetros para determinação do IQACWQI, a similaridade reduziu para 92,4%, ocorrendo uma maior concentração na faixa “Bom”. Esse fato ocorreu em função do modelo canadense permitir a inserção de outros parâmetros, sendo que a utilização de 13 parâmetros ao invés de 9 parâmetros, fez com que a classificação “Excelente” reduzisse de 89,2% para 88,8% (Figura 1), no entanto, algumas amostras que estavam classificadas como “Ruim” passaram para “Regular” e outras que estavam em “Regular” passaram para “Bom”. Dessa forma, pode-se perceber que quanto maior a quantidade de parâmetros utilizada na análise empregando o modelo canadense, a classificação pode ser superior ou inferior em função da melhor ou pior qualidade dos parâmetros empregados. Nesse caso, como as amostras apresentaram uma melhor qualidade nos 4 parâmetros adicionados (com somente uma desconformidade), a quantidade de amostras enquadradas em “Ruim” e “Regular” diminuiu. O IQA-CWQI permite que sejam incluídos outros atributos, tornando-o flexível, conforme foi constatado por Mohebbi et al. (2013), que modificaram o modelo canadense e o chamaram de DWQI modificado, onde foram incluídos dois subíndices, um relacionado à saúde e outro à aceitação em termos estéticos, utilizado para avaliar a qualidade da água potável de manancial subterrâneo em áreas urbanas do Irã. Foram utilizados 21 parâmetros medidos em 5.314 pontos de amostragens durante um período de um ano, em que foi constatado que o modelo atribuiu melhores condições à água, diferenciando em apenas 13% das províncias e atingindo o objetivo para a avaliação da qualidade da água, afirmando que o modelo modificado pode ser utilizado em todo o mundo. Figura 1 – Classificações obtidas pelos cálculos de IQA-CWQI e IQA-SANEAGO para as amostras coletadas na cidade de Goiânia

Ao ser analisado separadamente, os 27 valores que se mostraram diferentes do enquadramento “Excelente”, ou seja, abaixo de 95 pontos, pode ser observado na Figura 2a que 22 dos valores obtidos de IQA-CWQI apresentam-se entre 79,2 e 90,9 pontos, e 5 valores são classificados

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Comparação entre dois métodos para determinação da qualidade da água tratada como atípicos. Já no modelo IQA-SANEAGO os valores obtidos apresentaram uma maior variação (36,3 a 92,0 pontos) e um único valor atípico. Os parâmetros que influenciaram na redução do IQA foram alumínio, cor aparente, turbidez, ferro, coliformes totais, cloro residual livre e pH. Quando comparados ao IQA-CWQI com a utilização de 13 parâmetros, foi obtida mais uma amostra com valor inferior a 95 pontos (devido a presença de bactérias heterotróficas acima de 500 UFC/100 mL em uma amostra), no entanto, a quantidade na classificação “Bom” aumentou, isso em função dos parâmetros cloreto, sólidos dissolvidos totais e dureza se apresentarem abaixo do limite em todas as amostras. Todos os resultados diferentes de 100 pontos indicaram que o IQA-SANEAGO é mais restritivo, quando comparado ao IQA-CWQI, apresentando valores menores

(em média 24,5%). Em análise individual desses valores, foi observado que tal tendência é justificada pela forma com que os resultados das análises são tratados. O IQASANEAGO considera ‘falho’ qualquer resultado cujo valor não tenha atendido aos limites, atribuindo notas baixas ao teste com desvio, impactando em qualquer desvio mesmo que muito próximo ao limite. Já, o modelo canadense pondera, não somente se o teste é considerado ‘falho’, mas também avalia o seu afastamento em relação aos limites, o que faz com que desvios pequenos sejam tratados de maneira diferente de grandes desvios, o que impacta de maneira mais suave no decréscimo do IQA-CWQI quando as falhas são ‘menores’, o que não ocorre no IQASANEAGO.

Figura 2 – Comparação dos resultados obtidos diferentes de 100 pontos com a aplicação dos dois modelos. Em (a) são comparados 27 resultados utilizando dois modelos com a mesma quantidade de parâmetros. Em (b) são comparados 28 resultados em dois modelos com quantidades diferentes de parâmetros analisados

A aplicação do IQA é uma ferramenta que apresenta de forma clara as condições de qualidade de uma determinada água em forma de ranking, podendo ser tomadas medidas preventivas e/ou corretivas pontuais ou generalizadas. Da mesma forma que constato por Durmishi et al. (2012), que analisaram 415 amostras coletadas em Tetova e aldeias vizinhas na Macedônia e obtiveram IQA entre 63,2 e 92,7 pontos, relatando que esse modelo é uma importante ferramenta para o monitoramento da qualidade da água, recomendando ações às autoridades locais para melhoria da qualidade da água. Na Tabela 4 estão dispostas as quantidades de amostras que apresentaram valores em desconformidades com a Portaria 2914, totalizando 37 ocorrências. Dessa forma, os resultados obtidos foram analisados, verificandose que 11,2% (28) das amostras apresentaram um ou mais parâmetros em desconformidade com a Portaria 2914, sendo que 78,6% com ocorrência na época das chuvas e 21,4% na época da seca. Esse fato pode estar em função, segundo Lee e Schwab (2005), das deficiências encontradas nos sistemas de distribuição, em que a deterioração da qualidade está ligada a ocorrência de falhas no tratamento, presença de tubos danificados, lixiviação de substâncias químicas, complexos processos reativos que ocorrem ao longo da rede, além do que esses processos

podem ser catalisados ou inibidos pela variação sazonal. Scheili, Rodriguez e Sadiq (2015) avaliaram as características das águas de abastecimento na estação seca e chuvosa em duas regiões no Canadá, constatando que no período de chuva houve perda da qualidade da água, com aumento da turbidez no sistema de distribuição. Da mesma forma, Zhou et al. (2015) observaram uma elevação no nível de turbidez no reservatório de água bruta de Jinpen na China durante o período chuvoso, o que poderia levar a uma instabilidade na qualidade da água tratada pela estação e entregue a população. Porém, se houver na água alta concentração de matéria orgânica pode ocorrer a formação de subprodutos, tais como o trihalometanos, que podem representar riscos a saúde humana, sendo apontados como cancerígenos (GIBBONS; LAHA, 1999). Além desse, outros poluentes ou contaminantes podem estar pressentes na água e serem carreados para o curso de água influenciando a qualidade da água e a saúde da população. Essa variação na qualidade da água também foi verificada por Scalize et al. (2014), que apontam que a qualidade da água distribuída à população de estudo é influenciada, em termos de turbidez, pelo período chuvoso, apresentando 78,1% de ocorrências de turbidez acima de 1,0 uT em relação ao período de estiagem.

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Neemias Cintra Fernandes, Paulo Sergio Scalize

Época do ano e total

Alumínio Cloreto Cloro Residual Livre Cor aparente Dureza Total Ferro Total Fluoreto pH Sólidos Dissolvidos Totais Turbidez Bactérias Heterotróficas Coliformes Totais Escherichia coli Total

Tabela 4 – Quantidade de amostras com valores em desconformidade com a legislação para cada parâmetro analisado Parâmetros analisados

Total

10 0 1 7 0 4 0 5 0 7 1 2 0 37

Seca

2 0 0 1 0 3 0 0 0 1 1 1 0 9

Chuva

8 0 1 6 0 1 0 5 0 6 0 1 0 28

O parâmetro com maior desconformidade foi o alumínio, apresentando 10 amostras com valores acima do limite máximo de 0,20 mg/L estabelecido pela Portaria 2914, os quais encontram-se como valores atípicos no Boxplot da Figura 3a. Os parâmetros cor aparente (Figura 3b) e a turbidez (Figura 3c) apresentaram 7 amostras em desconformidade com a Portaria 2914, sendo também

considerados valores atípicos para conjunto amostral. O pH foi encontrado fora das recomendações da Portaria 2914 com 5 valores ligeiramente abaixo de 6,0, no entanto, com uma faixa de pH entre 5,74 e 7,94 (Figura 4a). O teor de ferro total encontrado nas amostras foi verificado acima do limite de 0,3 mg/L em 4 amostras, sendo considerados valores atípicos no Boxplot construído para análise (Figura 4b) e que nenhum valor ultrapassou o valor máximo de 2,4 mg/L estabelecido pela Portaria 2914. Com relação ao teor de cloro residual livre, somente uma amostra não atendeu ao limite estabelecido pela Portaria 2914, considerado um valor atípico (Figura 4c). Com relação aos parâmetros bacteriológicos foi constatado que em uma amostra o limite de 500 UFC/mL para bactérias heterotróficas foi ultrapassado e considerado, também, um ponto atípico (Figura 5a). As análises para verificar a presença/ausência de coliformes apontaram 2 amostras com presença de Coliformes Totais e nenhuma amostra com E. coli. Ficou evidenciado que em 148 amostras (59,4%) os resultados obtidos para fluoreto foram inferiores ou superiores aos limites da Portaria nº 635/GM/MS, de 30 de janeiro de 1976, com 118 amostras (47,4%) abaixo de 0,60 mg/L e 30 amostras (12,0%) acima de 0,80 mg/L.

Figura 3 – Boxplot que evidencia os limites e a variação dos parâmetros alumínio (a), cor aparente (b) e turbidez (c)

Figura 4 – Boxplot que evidencia os limites e a variação dos parâmetros pH (a), ferro total (b) e cloro residual livre (c)

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Comparação entre dois métodos para determinação da qualidade da água tratada Quando analisados os valores abaixo de 0,55 mg/L e acima de 0,86 mg/L foram encontrados 6,8% e 38,6% respectivamente, porém nenhuma amostra apresentou teor acima do limite máximo estabelecido pela Portaria 2914 que é de 1,50 mg/L, sendo que a média encontrada foi de 0,60 mg/L (Figura 5b), próxima à média de 0,55 mg/L encontrada por Peixoto et al. (2012), ao avaliarem a concentração de flúor na água de abastecimento do município de Juguaribara, CE. Ramires et al. (2006), analisando 737 amostras de água distribuída à população da cidade de Bauru, SP, encontraram uma concentração média de flúor observada nos diferentes meses de coleta variando entre 0,37 e 1,00 mg/L, com cerca de 85% da média das amostras entre 0,55 mg/L e 0,84 mg/L, com um valor médio de 0,75 mg/L. Isso evidencia a dificuldade em se manter a dosagem de fluoreto dentro dos padrões, como também relatado por Leivas et al. (2010) na cidade de Canoas-RS, indicando a necessidade de um maior controle operacional. Ao completar os parâmetros, com limites estabelecidos na Portaria 2914, o Cloreto (Figura 5c), Sólidos Dissolvidos Totais (Figura 6a) e Dureza Total (Figura 6b) apresentaram-se em conformidade em todas as amostras analisadas.

Figura 6 – Boxplot que evidencia os limites e a variação dos parâmetros sólidos dissolvidos totais (a) e dureza total (b)

Figura 5 – Boxplot que evidencia os limites e a variação dos parâmetros BH (a), fluoreto (b) e cloretos (c)

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Neemias Cintra Fernandes, Paulo Sergio Scalize CONCLUSÕES Este trabalho permitiu concluir que a qualidade da água distribuída à cidade de Goiânia foi considerada de excelente qualidade em 88,8% das amostras coletadas e analisadas, com emprego de ambos os Modelos, IQACWQI e IQA-SANEAGO, sendo que em apenas 2 amostras (0,8%) foi detectada a presença de coliformes totais. Quando comparados os dois modelos foi observado que o modelo IQA-SANEAGO é mais restritivo em relação ao modelo canadense, sendo que em todas as amostras enquadradas como “Excelente” nenhum parâmetro se apresentou com resultado em desconformidade com a legislação vigente, Portaria 2914 (BRASIL, 2011) e, quanto maior o número de parâmetros em desconformidade com a legislação (em uma mesma amostra), pior foi o seu enquadramento. O modelo canadense mostrou-se vantajoso sobre o modelo empregado pela SANEAGO pelo fato de permitir a inclusão de outros parâmetros, com aumento do espectro de avaliação. Conclui-se, também, que existe uma influência sazonal, sendo que 78,6% das amostras em desconformidade com a Portaria 2914 estão presentes na época das chuvas e 21,4% na época da seca, refletindo em um IQA menor. Isso pode ter ocorrido pelo fato do sistema ser abastecido por manancial superficial, o qual tem as características influenciadas pelas chuvas, de forma a dificultar o seu tratamento pela estação de tratamento ciclo completo existente na cidade. Este trabalho recomenda pesquisas futuras com relação à influência sazonal sobre a qualidade da água tratada, com identificação dos possíveis fatores para essa influência. Recomenda-se, também, a aplicação do modelo CWQI em diferentes municípios do Estado de Goiás, para avaliar a sua eficiência. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem pelo projeto firmado entre a Agência Goiana de Regulação (AGR) e a FUNAPE, Universidade Federal de Goiás (UFG) com interveniência da Escola de Engenharia Civil e Ambiental (EECA). REFERÊNCIAS APHA, AWWA, WEF. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 21th Edition, Washington, DC, APHA. 2005. BERNARDES, R. S.; ABREU, L. M.; DORNAS, M.. O índice da qualidade da água distribuída à população do Distrito Federal. In: Anais do XX Congresso Nacional de Engenharia Sanitária e Ambiental, Salvador, BA, p. 1099-1107, 2004. BOYACIOGLU, H. Utilization of the water quality index method as a classification tool. Environmental Monitoring and Assessment, v. 167, n. 4, p. 115-124, 2010. http://dx.doi.org/10.1007/s10661-009-1035-1. BRASIL. Portaria nº 635/GM/MS, de 30 de janeiro de

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