Competência da União para o Licenciamento Ambiental

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COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL “Ressalvados os momentos em que o Decreto nº 8.437/15 se distancia da regra geral constitucional, no tocante à alteração da competência para licenciar, certamente será de recepção auspiciosa para quem vier a se utilizar do procedimento licenciador, haja vista conferir maior segurança jurídica ao administrado, reduzir as incertezas quanto à competência da União para o licenciamento de empreendimentos e, por conseguinte, reduzir a litigiosidade do Estado, na medida em que minimiza as chances de impugnação (sobretudo judicial) das licenças eventualmente obtidas.” „„ por

Alexandre Sion, Maria Carolina Dutra e Caio de Pádua revista JURÍDICA consulex - www.consulex.com.br

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in voga

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imbróglio concernente à repartição de competências em matéria ambiental sempre foi motivo de disputas e controvérsias e apenas foi apaziguado com a regulamentação do art. 23, incisos III, VI, VII e parágrafo único, da Constituição Federal, dada pela Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011. De acordo com o art. 23, incisos III, VI, VII e parágrafo único da Constituição Federal, tendo em vista a competência comum da União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, leis complementares fixarão normas para a cooperação entre os referidos entes federativos, nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora. Como se vê, a legislação não define um único órgão para proceder a todo e qualquer licenciamento. Em razão disso, há quem preconize que a competência dar-se-ia de forma simultânea relativamente a todos os entes federativos. A nosso ver, contudo, parece constatação equivocada, na medida em que implicaria desordenação completa do procedimento de licenciamento, em flagrante afronta ao princípio da eficiência, um dos corolários dos atos da Administração Pública. Com efeito, pensar de forma diversa valeria dizer que um Município poderia licenciar empreendimentos que impactassem uns aos outros, em patente invectiva contra o Pacto Federativo. Na verdade, a competência é fixada conforme a abrangência direta do impacto ambiental provocado, ou que se pode provocar. Com isso, segue-se a diretriz constitucional fixadora da competência em razão do interesse, o que se afigura razoável e adequado. Não obstante, apenas 23 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a referida Lei Complementar, apta a regulamentar a competência para o licenciamento ambiental, foi promulgada, representando, assim, um grande marco do Direito Ambiental. Durante os anos passados sem regulamentação específica, a competência licenciadora foi fortemente discutida e questionada, uma vez que as suas regras eram impostas pela Resolução Conama nº 237/97, norma infralegal e, portanto, incapaz de regular a atuação dos entes federativos. Sem embargo, tal Resolução desempenhou grande papel na regulamentação da competência licenciadora, máxime por consignar expressamente em seu art. 7° que “os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores”. Como se vê, a despeito da impropriedade com que se regulamentou o assunto à época, posto ter sido feito mediante norma infralegal, o lapso nos parece perdoável, na medida em que a Resolução foi capaz de assentar respaldo normativo ao entendimento consentâneo às disposições constitucionais no que concerne à competência licenciadora, respeitando o critério do interesse. Assim, estabelece-se, via de regra, que os licenciamentos que envolvam interesses de mais de um Estado ou que de

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revista JURÍDICA consulex - ano xIX - nº 442 - 15 DE junho/2015

qualquer forma interessem à nação inserem-se na competência licenciadora da União; os licenciamentos que envolvam os interesses de um Estado ou de algumas regiões de um Estado inserem-se na competência licenciadora do Estado respectivo; e, por fim, os licenciamentos de interesse local inserem-se na competência licenciadora dos Municípios. Ademais, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal, o art. 10 da Lei nº 6.938/81 prescreveu que a construção, instalação, ampliação ou funcionamento de atividades danosas ou potencialmente poluidoras dependerão de prévio licenciamento ambiental de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), e do Ibama em caráter supletivo. Contudo, verifica-se que, com a promulgação da Constituição Federal em 1988, tal dispositivo teve que se adequar aos ditames constitucionais, nos termos da regra geral acima mencionada, para ser recepcionada pelo ordenamento jurídico. Destarte, para fins de estabelecimento das competências de licenciamento ambiental, a Lei Complementar nº 140/11 adotou o mesmo critério adotado pela Constituição Federal e pela Resolução do Conama – o da predominância do interesse. Por interesse, deve-se entender a abrangência do impacto direto de determinado empreendimento, como critério definidor da competência administrativa. Não obstante a regra geral acima mencionada, o art. 7º, caput, inciso XIV, alínea h e parágrafo único da Lei Complementar nº 140/11 dispôs ser ação administrativa de competência da União a promoção do licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo. Necessário aduzir, a propósito, que não obstante a existência das precitadas normas, nem sempre se faz possível aferir, no caso concreto, o órgão ambiental hábil ao licenciamento, tendo em vista a tênue linha que no mais das vezes reparte suas competências. Nesse sentido, a reforçar os percalços enfrentados por quem se vê diante da necessidade de buscar o procedimento licenciador, encontrava-se a ausência da regulamentação preconizada pela Lei Complementar nº 140/11, como fonte de incertezas. Assim, em obediência à Lei Complementar supracitada, e no intuito de especificar as tipologias a que se alude alhures, finalmente, em 23 de abril de 2015, foi publicado, no Diário Oficial da União, o Decreto federal nº 8.437. Além dos empreendimentos e atividades listados no art. 7º da Lei Complementar nº 140/11, o art. 3º do Decreto federal destacou, entre outros, empreendimentos de infraestrutura, tais como implantação, pavimentação e ampliação da capacidade com extensão igual ou superior a duzentos quilômetros das rodovias federais; implantação e ampliação de capacidade e regularização ambiental de ferrovias federais; portos organizados, exceto as instalações portuárias que movimentem carga em volume inferior a 450.000 TEU/ano ou a 15.000.000 ton/ano; terminais de uso privado e instalações portuárias que movimentem carga em volume superior a 450.000 TEU/ano ou a 15.000.000 ton/ano; exploração e produção de petróleo,

gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, na forma do Decreto; sistemas de geração e transmissão de energia elétrica, na forma do Decreto. Neste ponto, é importante observar que o Decreto federal se distanciou da regra constitucional do interesse maior envolvido. Isso porque possibilitou a alteração da competência licenciadora dos entes federativos, como no caso dos portos, uma vez que o volume movimentado não necessariamente terá influência direta sobre a abrangência do impacto da atividade. Assim, o Decreto Federal flertou com a inconstitucionalidade, na medida em que subverteu a regra geral estabelecida pela Constituição Federal e poderá ser alvo de questionamentos. Conforme já mencionado, durante anos a questão sobre a competência para licenciar empreendimentos e atividades tornou-se objeto de questionamentos pelos entes públicos competentes, como o Ministério Público. As principais consequências dessa atuação são os atrasos nos projetos, a inviabilização de empreendimentos e, principalmente, a judicialização dos procedimentos de licenciamento, prática perniciosa e recorrente no Direito brasileiro. A especificação trazida pelo Decreto nº 8.437/15 trouxe segurança jurídica não apenas àqueles que militam na seara do Direito Ambiental, mas também aos órgãos ambientais na aplicação da lei e, via de consequência, à sociedade, já que incita o desenvolvimento econômico do País. Vale lembrar que as dificuldades em licenciar afastam e desestimulam os investidores, desaceleram o mercado e podem causar prejuízos imensuráveis aos empreendedores que investem valores bilionários para a implantação da sua atividade. Dessa forma, verifica-se que o Decreto nº 8.437/15 visa colaborar com a recuperação da confiança dos investidores, oferecendo, como benefício, maior segurança jurídica no licenciamento ambiental, reduzindo os questionamentos, paralisações e, principalmente, a judicialização dos processos no que tange à celeuma sobre a competência licenciadora. De acordo com as regras de transição estabelecidas pelo Decreto federal, os processos de licenciamento das atividades e empreendimentos especificados no seu art. 3º, iniciados antes de sua publicação, terão a transição mantida nos órgãos originários até o término da vigência da licença de operação, quando, então, deverão ser renovados perante o ente federativo competente. Nos casos em que o pedido de renovação da licença de operação tenha sido protocolado no órgão ambiental originário em data anterior à publicação do Decreto dederal, a renovação caberá ao referido órgão. Os pedidos de renovação posteriores à publicação do Decreto nº 8.437/15 deverão ser realizados pelos entes federativos competentes, nos termos do que dispõe a regulamentação. Reitera-se, nesse ponto, que se afigura contrassenso a alteração de competência por meio de Decreto federal, razão pela qual eventual inconstitucionalidade poderá ser suscitada.

Prima facie, pode soar despicienda a alguns a discussão suscitada quanto à competência licenciadora. Entretanto, a esse propósito, cumpre lembrar ser a competência um dos requisitos formais à validade dos atos administrativos e, logo, constatada sua inadequação, forçoso reconhecer também a invalidade do ato, o que a rigor implicaria a invalidade da licença eventualmente obtida e, logo, desperdício de tempo e recursos ao administrado. De outro lado, no Brasil, os empreendedores sofrem o incessante combate, por vezes desarrazoado e desproporcional, de entidades públicas (Ministério Público, órgãos de fiscalização) e/ou privadas (organizações não governamentais) que se propõem à tutela constitucionalmente prevista do meio ambiente. Assim, não raras vezes, as precitadas entidades envidarão esforços, sobretudo através da via judicial, para obstar a obtenção e/ou manutenção de autorizações e/ou licenças pelo particular que o habilitem ao desenvolvimento de atividades que gerem maior ou menor impacto ao meio ambiente, o que invariavelmente acaba por resultar em um panorama de judicialização do licenciamento ambiental no País. Com efeito, é comum que alguns dos órgãos públicos dotados de atribuição específica para a tutela do meio ambiente optem por levar a questão do licenciamento à apreciação do Poder Judiciário, na tentativa de, por meio de interpretações, por vezes desfocadas, inovar o regramento relativo ao procedimento de licenciamento, criando e/ou impondo obrigações que não encontram fundamento na disciplina ambiental pátria. Por essas razões, revelam-se da maior importância a correção e a estrita legalidade do ato licenciador pretendido e, assim, evidentemente, também no que concerne à competência, de modo que não se crie margem à impugnação das licenças eventualmente obtidas por quem quer que seja. Conclui-se, assim, que, ressalvados os momentos em que o Decreto nº 8.437/15 se distancia da regra geral constitucional, no tocante à alteração da competência para licenciar, certamente será de recepção auspiciosa para quem vier a se utilizar do procedimento licenciador, haja vista conferir maior segurança jurídica ao administrado, reduzir as incertezas quanto à competência da União para o licenciamento de empreendimentos e, por conseguinte, reduzir a litigiosidade do Estado, na medida em que minimiza as chances de impugnação (sobretudo judicial) das licenças eventualmente obtidas. Sem embargo, não há dúvidas de que, em virtude das razões desde o enceto alinhavadas, ainda haverá zonas cinzentas a suscitar controvérsias quanto à competência licenciadora, não obstante a edição do Decreto nº 8.437/15. Nesses casos, parece-nos adequado que, havendo dúvida, deve-se recorrer ao critério constitucional da competência segundo o interesse, e, logo, cumprirá analisar a abrangência direta do impacto ambiental causado, no intuito de se aferir o órgão ambiental competente para o licenciamento.

ALEXANDRE SION é Advogado e sócio-fundador do escritório Sion Advogados. MARIA CAROLINA DUTRA é Advogada do escritório Sion Advogados. CAIO DE PÁDUA é estagiário do escritório Sion Advogados.

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