Comunicação - Dinâmicas e dilemas da habitação portuguesa no séc. XXI – a construção de territórios sustentáveis

July 26, 2017 | Autor: Ricardo M Marques | Categoria: Urban Studies, Housing, Sustentabilidade, Estudos urbanos, Desenvolvimento sustentavel, Habitação
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2º Seminário do Doutoramento em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento (1º seminário presencial) Lisboa - Palácio Ceia, 16 e 17 de maio de 2014 Auditório 3/Salão Nobre

Tese: Dinâmicas e dilemas da habitação portuguesa no séc. XXI – a construção de territórios sustentáveis - Comunicação Aluno: Ricardo Mendonça Marques Orientador: Carlos Javier Pardo Abad Coorientador: Jorge Trindade

Resumo A análise trabalha a temática da habitação na sua relação com o urbanismo questionando a sua importância para a construção de territórios sustentáveis. Tendo como unidade de análise o território português examina as principais dinâmicas, políticas e tendências da habitação traçando comparações geográficas, históricas e discursivas. Embora parciais, os resultados apontam para uma permanência histórica centrada no entendimento da habitação enquanto um produto de mercado, assim como para perspetivas urbanísticas focadas na construção e na ocupação extensiva.

Palavras-chave: habitação; urbanismo; territórios sustentáveis

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Introdução A questão da habitação assume particular relevância no âmbito da sociedade portuguesa atual. O direito a uma habitação condigna está consignado na Constituição da República Portuguesa de 1976. Contudo, tal como a análise tende a demonstrar, a “interpretação” desse direito nunca assumiu um consenso na sociedade portuguesa, subsistindo diversas e, inclusive, conflituantes, perspetivas. Os efeitos da crise económica atual acentuaram a problemática da crise do setor da habitação em Portugal, subentendendo, particularmente, que ele está intimamente relacionado com os subsetores da construção, imobiliário e bancário, entre outros; assim como com as questões inerentes à governação – entendida na esfera de relação com os poderes local/municipal e o central; e à governança - entendida enquanto direito de cidadania e participação dos cidadãos na tomada de decisões “políticas”. Embora centrada no século XX a análise traça uma linha histórica acerca das questões habitacionais em território português, atribuindo principal enfoque aos

inerentes

processos de industrialização e de urbanização. Logo, o objeto de estudo é a habitação na sua relação com o urbanismo, aferindo de que forma se tem trabalhado para a construção de territórios sustentáveis.

Metodologia e abordagem concetual O conceito central da análise é a habitação, entendido enquanto conceito de trabalho ou empírico. Segundo Abreu (2013:1) a “compreensão da experiência da habitação é determinante”, particularmente porque enquadra um espaço de encontro com o Eu onde estão inerentes todas as outras condições humanas. Logo, incorpora “uma necessidade antropológica de harmonia entre o território e o sujeito humano” na senda de Heidegger1 que entende que a ideia de “habitar” traduz a ideia de “estar bom” – no sentido de “estar e permanecer em paz” – e de “estar livre”; existindo uma aproximação do “habitar” à ideia de “ser”. Contudo, o conceito de habitação nunca deixa de estar vinculado ao próprio conceito de sustentabilidade, particularmente na sua relação com o território e com as cidades. Nesta linha, Ganilho (2013) refere que a Nova Carta de Atenas (ONU, 2003) salienta que o 1

O autor refere-se à obra “Construir, Habitar, Pensar”.

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planeamento urbano deve assentar numa perspetiva multidisciplinar do território e do urbanismo enquanto elementos indispensáveis para um Desenvolvimento Sustentável. Também o relatório “Cidades Europeias Sustentáveis” observa que o “processo de gestão urbana sustentável requer uma série de instrumentos orientados para as dimensões ecológica, social e económica, tornando-se necessário o cumprimento de alguns princípios: 1- gestão urbana; 2- integração política; 3-cooperação e parceria; 4reflexão ecossistémica. Logo, o conceito de habitação engloba e, simultaneamente, está englobado no próprio conceito de sustentabilidade. A análise trabalha o conceito “sustentabilidade habitacional”, não enquanto conceito de trabalho, mas enquanto conceito a definir. A abordagem parte da seguinte questão: que critérios estão subjacentes às políticas de habitação em Portugal no séc. XXI? – enformada por duas questões secundárias: 1- de que forma as políticas de habitação em Portugal se têm pautado por uma lógica de sustentabilidade para os territórios e para as populações? 2- de que forma as políticas de habitação têm sido integradas nos postulados de planeamento urbano? Define as seguintes hipóteses: As políticas de habitação em Portugal têm seguido uma orientação tendencialmente centrada na lógica do mercado; O planeamento urbano tem incorporado as políticas de habitação numa lógica de construção e de ocupação extensiva dos solos; As políticas de habitação em Portugal não têm tido como primado a sustentabilidade territorial. Define, ainda, como objetivos: 1- avaliar a situação atual das famílias portuguesas face ao panorama da habitação; 2- relacionar a habitação face aos setores transversais; 3sinalizar as tendências habitacionais a nível geográfico; 4- caracterizar o impacto da construção e habitação ao nível socio-ambiental; 5- analisar os níveis de inter-relação entre as dimensões local e nacional; 6- traçar comparações entre a realidade portuguesa e a União Europeia; 7- inventariar e sinalizar boas práticas; 8- propor estratégias para a incorporação de princípios de sustentabilidade nas políticas de habitação e de planeamento urbano. A análise trabalha o território português enquanto unidade principal (NUTS I), mas traça comparações em termos de NUTS II e NUTS III, particularizando os seguintes municípios, selecionados em função das suas características sociodemográficas: Lisboa, Porto, Amadora, Coimbra, Évora, Castelo Branco e Figueira da Foz.

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Enquadramento - História e atualidade da habitação em Portugal Segundo Carminda Caria (2013), no séc. XIX e início do séc. XX entendia-se que a habitação deveria estar entregue à ótica do mercado, tendo o Estado uma participação reduzida. A resolução dos problemas habitacionais estava entregue à burguesia industrial que proporcionava habitação aos seus operários através das “vilas operárias”, “pátios” e “Ilhas”. Tratou-se de uma decisão de foro económico, mais do que derivada de questões de índole social ou de procura de maiores níveis de equidade. O papel do Estado era unicamente regulador, estabelecendo algumas regras em termos de mercado. A partir de 1918, finda a 1.ª Guerra Mundial, este assumiu uma postura mais interventiva enquanto construtor e promotor da habitação imbuído dos ideais da Revolução Francesa e dos princípios da República. Posteriormente, aquando o período do Estado Novo, foram construídos os primeiros bairros sociais, dirigidos não só às classes sociais menos favorecidas como também a alguns grupos profissionais. Apesar deste esforço, as medidas não tiveram capacidade de fomentar a construção de habitação para as classes mais desfavorecidas. Para fomentar o mercado da habitação, o Estado descongelou as rendas. Contudo, a migração para as cidades, condicionada pela II Guerra Mundial, agravou a situação da habitação das famílias portuguesas. Seguidamente, o Estado apostou na promoção direta da habitação através da construção de bairros sociais, destinados não só às classes mais baixas como também à classe média. Nos anos 60 acentuou-se o êxodo dos campos para as cidades e, por sua vez, agravaram-se os problemas habitacionais assistindo-se à construção de bairros clandestinos e barracas em terrenos públicos das cidades. Aquando o 25 de abril de 1974 e com a necessidade de realojamento da população portuguesa oriunda das excolónias, o Estado assumiu uma intervenção direta em termos de promoção da habitação: atribuição de subsídios e empréstimos bonificados através dos municípios, transferências de poderes para as cooperativas e empresas privadas de construção civil através dos Contratos de Desenvolvimento para a Habitação. Destacou-se o Programa SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local), assim como o Programa de Recuperação de Imóveis Degradados. A partir de 1980 o Estado diminuiu o seu papel de promotor direto transferindo essa função para os municípios. Seguidamente, através do Instituto Nacional de Habitação e da política de Habitação a Custos Controlados, foram lançados alguns programas que subsidiavam obras ou a recuperação: RECRIA, REHABITA, 4

PROHABITA, SOLARH e, fundamentalmente, o PER (1993) que tinha por finalidade a erradicação de barracas. O Estado procurou, seguidamente, alienar o seu património habitacional criando o Instituto de Gestão e de Alienação do Património Habitacional do Estado. Centrando-nos na última década, autores como Marques et al (2013) salientam a existência de um “mal estar habitacional”, quer derivado de aspetos quantitativos (famílias que habitam alojamentos não clássicos, famílias que partilham alojamentos, alojamentos sobrelotados), quer derivado de aspetos qualitativos (alojamentos sem estruturas básicas, edifícios degradados), não obstante esta situação ter evidenciado algumas melhorias nos últimos 30 anos. Chamam particular atenção para duas problemáticas: problemas estruturais do parque habitacional e agravamento de vulnerabilidades sociodemográficas (desemprego, população idosa, envelhecimento, isolamento). Salientam que em Portugal existem quase meio milhão de fogos sobrelotados e quase meio milhão de edifícios necessitam de reparações (médias ou grandes), assim como grandes discrepâncias habitacionais centradas na distribuição geográfica. A realidade é ainda agravada pela chamada crise das dívidas públicas soberanas, com forte enfâse nos países do sul da Europa. A par do desemprego, da perda de capacidade económica, assiste-se a um agravamento das condições sociais que se espelha nas dificuldades que as famílias enfrentam ao nível habitacional, quer ao nível da compra, quer ao nível do arrendamento. Por sua vez, o estado (central e local) também enfrenta dificuldades ao nível da gestão e entabulamento das políticas habitacionais. A crise da habitação também está inerente aos diversos subsetores que operam na sua órbita (construção, atividades bancárias, construção, planeamento urbano, etc.).

Resultados parciais Neste momento foram realizadas 20 entrevistas semiestruturadas a investigadores especialistas, representantes pela delineação das políticas da habitação e dos setores transversais, assim como a representantes de organizações da sociedade civil, que trabalham no sentido da melhoria das condições habitacionais. Foi também trabalhada informação estatística do INE e construída uma base de informação bibliográfica de 5

publicações versadas nas temáticas da habitação, cidades e urbanismo. A análise tem trabalhado as seguintes linhas de pesquisa: 1- cenário atual da habitação em Portugal; 2enquadramento da habitação nas políticas de planeamento urbano; 3- habitação e setores transversais (banca, construção e imobiliárias); 4- entendimento e definição do conceito “sustentabilidade habitacional”; 5- sinalização de boas práticas. Embora parciais, a análise aponta para alguns resultados: - As dinâmicas construtivas não foram ponderadas atendendo a padrões demográficos caracterizados pela diminuição da população, êxodo migratório, envelhecimento e diminuição da dimensão média da família. Atualmente, a crise conduziu a rápidas alterações a nível habitacional: entrega de casas aos bancos pela incapacidade do pagamento dos créditos; sobrelotação; deterioração das condições habitacionais. - Desinvestimento no setor da habitação social, resultado das dificuldades de gestão do estado e/ou dos municípios e gradual transferência para a esfera dos privados. - Manutenção da mesma linha histórica entre os séculos XIX e XX. Ou seja, embora mais visível num cenário urbano, a promoção da habitação tem sido caracterizada por uma lógica de mercado que se traduziu pela pressão para a construção e para a mercantilização da habitação. Foi essa mesma lógica que possibilitou o crescimento dos setores transversais. - Responsabilidade direta do estado nas políticas de crédito bancário com reflexos imediatos nos mercados da compra e do arrendamento, solidificando uma cultura de “posse” e de “proprietários”. - Dificuldades acrescidas por parte das famílias resultantes do desemprego, diminuição do poder de compra, emigração, envelhecimento, etc., com, subsequentes, implicações em termos de compra e de arrendamento. Neste último ponto, ainda temos que acrescer as dificuldades originadas pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano (leia-se aumento das rendas). - Instrumentos de planeamento urbano pouco adequados às diferentes realidades geográficas e demográficas e tendência para a ocupação extensiva do solo em detrimento da regeneração urbana.

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- Tendência para a internacionalização dos setores transversais da construção e insistência de políticas habitacionais, de nível nacional, que induzem a uma postura especulativa da habitação (ex. atribuição de Vistos “Gold” a cidadãos estrangeiros que adquiram imóveis de luxo) em detrimento de uma política integrada de habitação. - Reemergência de novos movimentos sociais que combatem pelo direito à habitação e pela rejeição das lógicas de mercado. Por último, a análise observa que existem perspetivas bastante diferentes acerca do conceito “sustentabilidade habitacional”, constatando que este não deve englobar, apenas, as dimensões económica, social e ambiental, mas que possa englobar dimensões centradas no planeamento, participação cívica e outras de âmbito metafísico/subjetivo.

Referências bibliográficas Abreu, Pedro (2013), “A ideia de habitação”, comunicação apresentada no Congresso Internacional de Habitação no Espaço Lusófono. LNEC, 13 a 15 de março de 2013. Lisboa Caria, Maria Carminda (2013), “Caminhos da habitação social”, comunicação apresentada no Congresso Internacional de Habitação no Espaço Lusófono. LNEC, 13 a 15 de março de 2013. Lisboa. Ganilho, Eduardo Simões (2013), “As cidades no contexto de uma economia verde”, comunicação apresentada no Congresso Internacional de Habitação no Espaço Lusófono. LNEC, 13 a 15 de março de 2013. Lisboa. Marques, Teresa Sá, Paula Guerra, Fátima Loureiro de Matos, Diogo Ribeiro (2013), “Morfotipologias habitacionais a nível nacional: para uma política de habitação territorializada”, ”, comunicação apresentada no Congresso Internacional de Habitação no Espaço Lusófono. LNEC, 13 a 15 de março de 2013. Lisboa.

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