Comunidades Hip-hop na cidade de Maputo

September 16, 2017 | Autor: Tirso Sitoe | Categoria: Youth Studies, Urban Studies, Youth Culture, Youth Subcultures, Hip-Hop Studies
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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA

COMUNIDADES HIP-HOP NA CIDADE DE MAPUTO

Autor: Tirso Hilário Sitoe Orientador: Dr. Elísio Jossias

Maputo, Março de 2012

COMUNIDADES HIP-HOP NA CIDADE DE MAPUTO

(Trabalho submetido ao Departamento de Arqueologia e Antropologia, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura em Antropologia, na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane.)

Proponente: Tirso Hilário Sitoe

O Supervisor

___________________ Elísio Jossias

O Presidente

__________________

Maputo, Março de 2012

O Oponente

_______________

DECLARAÇÃO

Declaro que este relatório de pesquisa é original. O mesmo é fruto da minha investigação estando indicadas ao longo do trabalho e na bibliografia as fontes de informação por mim utilizadas. Declaro ainda que o presente trabalho nunca foi apresentado anteriormente, na íntegra ou parcialmente, para a obtenção de qualquer grau académico. . Maputo, Março de 2012

Tirso Hilário Sitoe

DEDICATÓRIA

Á Memória dos meus Pais, Francisco João Sitoe e Madalena Filimone Mabjaia, pela herança de seus ensinamentos, “vocês vivem dentro de mim”. Dedico também este trabalho, ao meu filho MWENE FRANCISCO SITOE, palavras faltam- me para expressar o quanto amo-te pois, tu fazes- me ver o mundo com outros olhos.

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AGRADECIMENTOS Ao Departamento de Arqueologia e Antropologia (DAA), ao meu orientador Dr. Elísio Jossias, agradeço pelo estímulo em abraçar o desafio deste tema, onde deste o início mostrou uma enorme abertura a novas ideias com significativas sugestões. A Drª. Xénia Carvalho, pelas palavras de incentivo nas alturas difíceis. Ao Dr. Euclides Gonçalves, agradeço pela atenção com a qual brindou- me neste renhido percurso nas críticas e sugestões. Ao dr. Jossias Humbane, com quem partilhei pela primeira vez, a intenção de trabalhar neste tema. As comunidades Bloco4 e Irmandade (em particular aos entrevistados), vai o meu forte abraço (Keep it real and thanks a lot, real nigger‟s from street), pelo apoio material e simbólico que permitiu- me pegar na esferográfica e fazer estes versos, buscados do vosso universo empírico, possibilitando dar asas ao sonho de trazer a cultura Hip-hop à academia de Ciências Sociais em Moçambique. O meu agradecimento estende-se ao apresentador do Programa Radiofónico “Hip-hop time” da Rádio Cidade, Hélder Leonel, pelas significativas considerações sobre cultura Hip-hop em Moçambique, no caso particular da Cidade de Maputo em seminários e debates à volta do mesmo, que de certo modo, deram luz a este trabalho. Do mesmo modo, agradeço ao Niosta, pelas discussões travadas em torno da pesquisa, fazendo críticas significativas aos dados de campo, que não foram tomados em conta ou foram tomados superficialmente. A turma antropo204 partida 2008, no nome dos colegas, Miguel Mucavel, Pedro Julião, Abel Nassone, Cláudia Patrícia, Xavier Chirime, Liria Mausse, Bendito Magule, Joaquim Simango entre outros, muito Khanimambo pelos momentos que juntos passamos e pelo apoio psicossocial merecido durante o curso. Ao dr. Fernando Tivane (agradeço pelo apoio à imersão antropológica). Agradeço de igual modo, a minha família, frisando alguns dos nomes que se fizeram presentes nesta caminhada, aos meus tios, Joaquim Vida Mabjaia, Júlio Simango e Lúcia Mabjaia (mãe), que ocuparam o vazio de paternidade em mim deixado e que tudo fizeram para que eu pudesse sentar- me à carteira do ensino superior.

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Aos meus irmãos, Hélder Sitoe, Joaquim Sitoe, Cristina Sitoe e Carla Sitoe, aos meus primos Filimone Mabjaia, Celso Mabjaia, Dário Nhaca, Laisse Manganhela, Jill Simango entre outros. Aos meus amigos, Ladislau Namizinga, Fiel Matsinhe, Hélio Cossa, Silvestre Xirindza, Raimundo Mangane entre outros, este é o resultado das noites mal passadas broh‟s. Parafraseando o grupo Sistema Aliado, “ isso é mais vosso do que nosso”.

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RESUMO: Baseado num estudo etnográfico, a pesquisa interessa-se pelas construções identitárias nas Comunidades Hip- hop da Cidade de Maputo, respectivamente, nos Distritos Municipais Kampfumo “Irmandade” e Kamavota “Bloco4”. O estudo procura analisar a forma como são construídas as identidades nas Comunidades Hip-hop, a partir da forma como foram atribuídos os nomes; como os indivíduos criam seus estilos de vida e, a partir destes, as suas identidades; assim como, analisa a forma como o “discurso poético” legitima a afirmação de identidade nas respectivas Comunidades Hip- hop. Assim, o estudo entende que as construções identitárias são dadas num espaço socialmente construído pelos indivíduos ou grupos das respectivas Comunidades Hip- hop. Perante isso, as Comunidades Hip-hop são detentoras de identidades colectivas, que podem ser entendidas como signos de revindicação que albergam um sentido de pertença, a partir dos projectos construídos como alternativas de apropriação do espaço urbano onde, as suas práticas, até então, eram proibidas ou inacessíveis. As ruas e os becos são vistos como o espaço ou ponto de encontro, das diversas práticas dos indivíduos ou grupos das Comunidades Hip-hop onde, por via dessas práticas suas identidades são projectadas. No entanto, mesmo que muitos dos seus actores particularizem-se ao estilo musical rap, a rua é vista como um espaço de apropriação da cultura Hip-hop e um espaço onde os indivíduos ou grupos expressam-se. A construção do problema exigiu uma abordagem de carácter qualitativo aliada a etnografia, que comportou as conversas informais, assim como, de uma cautelosa observação que serviu de auxílio para a discussão e estabelecimento das categorias que foram problematizadas. No entanto, realizou-se uma análise do conteúdo musical, ou dos “discursos poéticos” assim como, uma análise fotográfica em capas de álbuns de CD‟S, grafites e fotografias tiradas no decorrer da pesquisa, que foi imprescindível ao efectuar uma recolha de informação no campo de estudo onde, são construídas complexas relações sociais, concorrentes para a criação ou recriação de diferentes aspectos, que fazem a autenticidade do discurso produzido e marcam diferenças entre as respectivas Comunidades. Palavras-chave: Hip- hop; Comunidades Hip- hop; Cultura; Identidade; Construções Identitárias.

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ÍNDICE DECLARAÇÃO............................................................................................................................. ii DEDICATÓRIA ........................................................................................................................... iii AGRADECIMENTOS ................................................................................................................. iv RESUMO ....................................................................................................................................... v I. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 2 II. METODOLOGIA ..................................................................................................................... 5 III. ESFERA PARA UM TRAJECTO ANALÍTICO .................................................................... 7 IV. DE GANGS ÀS COMUNIDADES HIP-HOP NA CIDADE DE MAPUTO.......................... 9 4.1. Gangs como ponto de partida para reflexão do surgimento das Comunidades Hip-hop ........ 9 4.2. Comunidades Hip-hop: Nomenclatura e sua Constituição ................................................... 11 4.2.1. Pensando a “Irmandade ” na Cidade de Maputo .............................................................. 11 4.2.2. Pensando “Bloco4” na Cidade de Maputo ........................................................................ 13 4.3. Comunidades Hip-hop na Cidade de Maputo: reflectindo o movimento Hip-hop na Cidade de Maputo ................................................................................................................................... 14 V. REFLECTINDO SOBRE OS ESTILOS DE VIDA NAS COMUNIDADES HIP-HOP, E A PARTIR DESTE (S) SUA (S) IDENTIDADES ......................................................................... 17 5.1. Comunidades Hip-hop: Duas Personagens no mesmo Espaço ......................................... 17 5.2. Comunidades Hip-hop: Velha e Nova Escola do Hip-hop, Conflitos, Similaridades ou Diferenças?................................................................................................................................... 19

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VI. O “ DISCURSO POÉTICO” E AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NAS COMUNIDADES HIP-HOP .................................................................................................................................. 23 VII. COMUNIDADES HIP-HOP NA CIDADE DE MAPUTO: CONSIDERAÇÕES FINAIS E HORIZONTES PARA ALGUMAS PESQUISAS...................................................................... 26 VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 28 ANEXOS .................................................................................................................................... 31

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I. INTRODUÇÃO O presente trabalho de pesquisa versa sobre a problemática da construção identitária nas Comunidades Hip- hop 1 , com especial incidência sobre as Comunidades dos bairros Central, a “Irmandade”, do Distrito Municipal Kampfumo, e “Bloco 4” do Distrito Municipal Kamavota, na Cidade de Maputo. Na Cidade de Maputo, a cultura Hip-hop surge nos finais dos anos 1980, e início da década de 1990. O seu surgimento esteve associado a eclosão de grupos e produtoras, que vão produzir e difundir a música rap 2 em seus bairros. Este fenómeno acontece, numa altura em que o acesso aos meios de comunicação como; a televisão e a rádio, conhece uma considerável expansão permitindo deste modo, uma maior circulação de informação, em especial que incidiu sobre a cultura Hip- hop. As novas televisões e rádios privadas, que nascem a partir desta altura, ocupam uma parte da sua antena com programas que envolvem Hip- hop, o mesmo foi acontecendo com as rádios e televisões públicas que criam espaços de antena, também virados especificamente para esta modalidade. O fenómeno expandiu-se e com o passar do tempo ganhou novas configurações, ocupou novos espaços quer no centro da Cidade assim como, nas zonas periféricas. Este desenvolvimento, tem como centralidade o surgimento de tribos urbanas 3 , que passam a ser denominados por “Comunidades” onde, assumem a forma de pequenos grupos, partilhando aspectos comuns à cultura Hip-hop, como é o caso de músicas, revistas, eventos, vídeo-documentários e camisetas que muitas vezes usadas, contêm símbolos que identificam suas zonas, suas Comunidades, assim como, a forma como estas definem-se.

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Para o efeito do presente trabalho, definimos Hip-hop como sendo “ uma forma particu lar da cultura juvenil de periferia de se apropriar do espaço urbano e uma forma d e agir co lectivo capaz de mobilizar jovens excluídos em torno de uma identidade co mpartilhada”. Torre (2005:2). 2 Estilo musical, Norte-americano, tido co mo parte da cultura Hip-hop. 3 Agrupamentos semi-estruturados, constituídos predominantemente de pessoas que se aproximam pela identificação comu m, a rituais e elementos da cultura, que expressam valores e estilos de vida, moda, música e lazer t ípicos de um espaço-tempo. Maffesoli (2000)

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O surgimento destas Comunidades e o tipo de práticas que adop tam, despertou a nossa curiosidade para a pesquisa, na medida em que a proximidade com o nosso universo empírico, levou-nos a procurar analisar, o modo como as Comunidades Hip-hop constroem suas (s) identidade (s) na Cidade de Maputo. Para tal, procuramos descrever as Comunidades Hip-hop e a forma como foram atribuídos os nomes; compreender como os indivíduos nas Comunidades Hiphop criam seus estilos de vida e, a partir destes, as suas identidades e, por último, compreender como o “discurso poético” legitima a afirmação de identidade nas Comunidades Hip-hop. Para o enquadramento da pesquisa recorremos ao conceito de cultura de Yúdice (2004), que propõe agregar um registo interpretativo para a cultura, vendo-a como um recurso, ou seja, atentar mais para os seus usos (performáticos, discursivos e instrumentais) do que para seus conteúdos. Por meio desta, na presente definição acreditamos conter elementos, que nos permitam perceber como a noção de cultura, está imbricada de símbolos e como os indivíduos, grupos, tribos urbanas ou Comunidades Hip-hop apropriam-se dela, criam e atribuem seus significados tendo em conta o contexto social em que estão inseridos. Para complementar a análise recorremos ao conceito de Comunidade através da contribuição trazida por Bourdieu (2001), em que procura olhar a Comunidade como “o espaço social” que se apresenta como um campo de forças em que os agentes sociais se definem por suas posições relativas. Desta forma, o mundo social torna-se um espaço de relações construído de acordo com o posicionamento mútuo e com a avaliação que dele fazem os actores sociais. Da conjugação dos dois conceitos e nas propostas que os autores sugerem, permitiu- nos olhar para as Comunidades Hip-hop como sendo, um espaço socialmente construído e constituído, que engendra um conjunto de valores, crenças, práticas entre os indivíduos ou grupos que dela fazem parte, não sendo menos importantes as posições que estes mesmos indivíduos ou grupos ocupam. O presente trabalho foi conduzido à luz de uma perspectiva teórica assente na abordagem sobre identidades. Neste prisma de análise refere Hall (2002:13) “ A identidade é definida historicamente e não biologicamente, é algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo „imaginário‟ ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, esta sempre em „processo‟, sempre „sendo formada‟ ”. 3

No entanto, as identidades ao serem vistas como um processo em andamento e não estático, é também referenciado por Cuche (2002), ao buscar a perspectiva relacional e situacional, afirmando que a identidade é vista como uma construção social e não um dado. A identidade nessa visão, é uma construção elaborada que opõe um grupo a outros grupos com os quais está em contacto, a identidade existe sempre em relação a uma outra. Deste modo, o autor destaca em sua perspectiva a identidade como fronteiras, categoria utilizada por Barth (1969), na qual identificação quer dizer diferenciação, sendo um processo que demarca os limites entre eles e nós e estabelece fronteiras simbólicas. Neste caso, o que funda a separação é a fronteira, ou seja, a vontade de se diferenciar e a utilização de determinados traços culturais como marcadores de uma identidade específica. O presente estudo, apresenta oito capítulos. No Primeiro capítulo está a introdução, que consiste em descrever de maneira abrangente, a problemática da pesquisa além de apresentar aspectos da organização do estudo, dos objectivos do trabalho, teoria usada, e os respectivos conceitos adoptados. O segundo capítulo dedica-se a metodologia que foi adoptada, para tornar possível a realização do presente trabalho. O terceiro capítulo compreende a tentativa, de fazer um mapeame nto do itinerário analítico e a forma como devem ser vistas as Comunidades Hip-hop. O quarto capítulo descreve a forma como surgiram as Comunidades Hip-hop na Cidade de Maputo, fazendo um recuo às Ganges, reflectindo sobre as construções identitárias, nome nclatura e possíveis ligações com o movimento Hip-hop na Cidade de Maputo. O quinto capítulo contempla uma análise sobre os estilos de vida nas Comunidades Hip-hop, e a partir destas (s) suas (s) identidades, reflectindo sobre a questão da Velha e Nova Escola do Hiphop: Conflitos, Similaridades ou Diferenças. No sexto capítulo, referimo- nos ao “ discurso poético” e afirmação da identidade nas Comunidades Hip-hop, analisando as identidades buscadas a partir do “discurso poético”. O sétimo capítulo, busca a s considerações finais e por último, fazemos menção as referidas fontes consultadas para o trabalho e os referidos anexos.

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II. METODOLOGIA Metodologicamente, o presente trabalho buscou a partir do universo empírico no qual situa-se o nosso objecto de pesquisa, assim como, na questão levantada na formulação do nosso problema de pesquisa, compreender o contexto sociocultural em que os actores sociais estão envolvidos. Deste modo, a construção do problema levou-nos a uma abordagem de carácter qualitativo. Esta abordagem permitiu analisar como as Comunidades Hip-hop constroem sua (s) identidade (s) na Cidade de Maputo. Assim, por meio desta abordagem lembra Minayo & Sanches (1993), que nos permite aceder ao nível dos significados, motivos, aspirações, atitudes, crenças e valores expressos na linguagem comum e na vida quotidiana. Segundo os autores acima citados, a pesquisa qualitativa não se baseia no critério numérico para garantir sua representatividade, mas, é um aspecto importante neste sentido, implica saber quais os indivíduos sociais que têm uma vinculação mais significativa com o problema que esteja a ser investigado. Recorremos também a etnografia, além de explicitar o roteiro da pesquisa foi um importante recurso para traçar as redes de sociabilidades dos actores sociais e dai, buscar novas questões no campo, assim como, possibilitar ao pesquisador a participar de alguns eventos realizados nas Comunidades Hip- hop, observando as práticas dos grupos ou indivíduos e uma melhor identificação, das construções simbólicas compartilhadas pelos grupos ou indivíduos nas Comunidades Hip-hop. Deste modo, a etnografia no presente trabalho pode ser vista lembrando Mattos (2001), como o estudo pela observação directa, e por um período de tempo, das formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas associadas de alguma maneira, ou seja, é a escrita de aspectos visíveis. O trabalho de campo possibilitou a apropriação pura de alguns aspectos ou categorias, através de conversas informais, assim como, de uma cautelosa observação que serviu de auxílio para a discussão e estabelecimento das categorias que foram problematizadas. No entanto, o trabalho de campo foi realizado na Cidade de Maputo, nos bairros nomeadamente; Ferroviário e Central (praceta Maguiguane), durante um período de aproximadamente quatro (3) meses, contados a partir de 10 de Agosto a 15 de Novembro do ano de 2011. Sendo de referir que, o estudo teve como grupo alvo dez informantes, indivíduos do sexo masculino na faixa etária compreendida entre os 18 e 30 anos, cujo percurso biográfico, em parte, apresenta-se 5

marcado como fazedores e impulsionadores da cultura Hip-hop nas respectivas Comunidades Hip-hop. O referido estudo buscou entrevistar MC‟S, que são os fazedores do estilo musical rap, Grafiteiros, membros e simpatizantes das respectivas Comunidades. Não obstante isso, as apresentações musicais de grupos de rap local como; Sistema Aliado, Muhyve Records, Islam Foundation, Alize Camp, Niosta, Kaprazine, Mustafah Abdulah, Zakheu. No trabalho de campo, os eventos e as festas de rap/Hip- hop foram tomados como parte importante, devido a postura que o Hip- hop tem em sua estética, de liricismo-rítmico, que foram relacionados ao que foi nos fornecidos pelos informantes, ou seja, o conteúdo de suas letras assim como, a forma como estes indivíduos vivem nas Comunidades Hip-hop.

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III. ESFERA PARA UM TRAJECTO ANALÍTICO No presente espaço, buscamos o entendimento e modo como deve ser vista a noção de “construção identitária” ligada as Comunidades Hip-hop, como esfera para um trajecto analítico no trabalho. Assim, sobre a noção de “construções identitárias” Hall (2002:12), afirma que é uma “celebração móvel, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. Assim, o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos”. Uma outra autora, que trabalha a noção de “ construções identitárias” é Woodward (2000:17), que olha a partir “dos discursos e os sistemas de representação que constroem os lugares, a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar”. Da conjugação destes autores, o processo de construção da identidade nas Comunidades Hip-hop na Cidade de Maputo, deve ser vista a partir da forma como os discursos que operam, fazem o lugar onde os indivíduos ou grupos posicionam-se e marcam a diferença. Estas diferenças são marcadas por sistemas simbólicos e a representação que os indivíduos ou grupos fazem de si a partir de relações que estabelecem nas respectivas comunidades. Todavia, não menos importante torna-se indispensável apresentar algumas considerações sobre a noção da representação, que as Comunidades Hip-hop fazem de si na construção das identidades. Assim, representação pode ser vista a partir da teoria de “representação social” que na óptica trazida por Durkheim (1996), integrariam a consciência colectiva de que estaria dotada a vida social. Deste modo, ainda afirma o autor: “ Onde há vida social surgem efeitos que se sobrepõem ao nível dos indivíduos que compõem a colectividade podendo ser consideradas como existindo, em certa medida, independente do substrato que as compõem. As representações originam-se das relações estabelecidas pelos indivíduos, ou seja, “ não derivam dos indivíduos considerados isoladamente, mas de sua corporação (1996:39) ”.

Esta concepção sugere-nos ver a construção da identidade das Comunidades Hip-hop ligada às representações sócias onde, não devem ser vistas como sendo feitas pelos indivíduos ou grupos isolados, mas sim, a partir das interacções sociais que origina a constituição da consciência ou 7

acção colectiva que por via desta, reflectem os projectos traçados pelas Comunidades Hip-hop servindo de símbolo de sentido de coesão. Assim, as representações e identidades colectivas asseguram a continuidade e permanência do movimento ao longo do tempo como afirma, Melucci (1995). Deste modo, o estudo da construção das identidades do ponto de vista colectivo, permite compreender a construção e reconstrução, dos sentidos que são oferecidos pela experiência colectiva dos indivíduos ou grupos enquanto Comunidades Hip- hop. Por meio desta, deve também ser visto como forma de descrever as Comunidades Hip-hop e a forma como foram atribuídos os nomes, compreendendo como os indivíduos ou grupos criam seus estilos de vida e, a partir destes, as suas identidades, assim como, o “discurso poético” legitima a afirmação de identidades. Portanto, estas reflexões serão apresentadas nas fases subsequentes do trabalho.

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IV. DE GANGS ÀS COMUNIDADES HIP-HOP NA CIDADE DE MAPUTO 4.1. Gangs como ponto de partida para reflexão do surgime nto das Comunidades Hip-hop As Comunidades Hip-hop na Cidade de Maputo surgem com referência as Band‟s ou Gangs 4 , dos anos 1990. Estas Ganges, eram denominadas por, Ronil Mapandza, Gotcha, Laulane Mapandza, BBC, Black of Rock, Skin Head entre outras. Os indivíduos pertencentes as Gangs ou, as respectivas Gangs, faziam registo em forma de pintura dos nomes das próprias Gangs, nos muros das zonas em que viviam com o objectivo de delimitar o seu território perante aos outros e também nas zonas tomadas como inimigas 5 como forma, de imposição de respeito e/ou provocação. Isso, possibilitou a entrada massiva de adolescentes 6 e jovens, devido ao medo que estes tinham de estar sujeitos aos actos de vandalismos e porque as Gangs, eram a moda do momento. Nesta altura, nasce o sentimento de pertença enraizado nos códigos de honra, na conduta das Gangs e na lealdade exigida para sobrevivência nas ruas. Este tipo de integração, ou melhor, esta forma de integração nas Gangs e os seus sentimentos de pertença, foi mais tarde resgatado, ou seja, foi similar ao ocorrido com as integrações dos Hip-hopper‟s 7 nas Comunidades Hip- hop. Em meados dos anos 1990, surge o programa “Hip-hop Time” na Rádio Cidade, apresentado por Zito Doggystyle e Eduardo PM que era o DJ e mais tarde Hélder Leonel, também como colaborador e aprsentador. Este programa, surge num contexto em que apareciam cada vez mais adolescentes e jovens, a identificar-se com cultura Hip-hop através do consumo da música rap. Participavam deste mesmo programa grupos como; Broxen Clan, Baseball Track, OKV, Flash Niggaz, Organized Ilegal Rap (OIR), Tropas do Futuro entre outros. Assim, importa referir que neste período os indivíduos ou grupos que faziam o estilo musical rap encontravam-se geograficamente, no centro da cidade e eram parte da elite.

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No contexto do presente trabalho o termo refere -se ao grupo de indivíduos composto por adolescentes e jovens que aderiam aos estilos musicais como o Rock, Rave, House e inclusive o rap e tinham a forma de vestir própria como o caso de casacos pretos cortes de cabelos de estilo designado pank. 5 Podem ser vistas, a partir das rivalidades entre as Ganges que justificava-se pela não-aceitação do posicionamento de uma Ganges em relação a outra ou pela d isputa ou clivagens entre seus memb ros por causa, de uma rapariga. 6 Adolescentes no presente trabalho, compreende indivíduos com faixa etária entre os 12 e 18 anos de idade. 7 Indivíduos ou grupos, amantes ou fazedores da cultura Hip-hop 9

Em seguida, 1997/1998 surgiu o programa televisivo “Vibe” também sobre Hip-hop, na extinta RTK (Rádio Televisão Klint). O Programa, ora apresentado por Celso Domingos e Jorge Ribeiro, procurava mostrar a partir de videoclipes o que fazia-se em outras partes do mundo 8 em termos de cultura Hip-hop, abrindo também um espaço para participação em rodas de Freestyle9 de MC‟S como; Duas Caras, Arsan, Simba, Flash Enciclopédia, Doppaz, Stuped Man, Squiza e grupos como; Auto Squad, Mead Level, Banda Podre, Dinastia Bantu entre outros. De referir que alguns destes aspectos foram também trazidos no programa “ Ritmo Vivo” apresentado por Zito Doggystyle, na TVM (Televisão de Moçambique) no mesmo período. A ruptura na mensagem, que era veiculada em forma de violência física e marcada com a entrada do Freestyle de rua, gravuras em paredes deixadas em frases ligadas a questão de não- violência, o crescimento dos adolescentes e repressão por parte dos pais, assim como, por parte da polícia, fez como que muitas destas Gangs fossem gradualmente substituídas por grupos de música rap e mais tarde, pelo que foi designado por Comunidade Hip-hop. Todo este rolar de acontecimentos sobre questões ligadas a pertença, protecção, união, acção colectiva, foram tomados como marcos importantes na escolha de vida, preferências e ou tendências, na busca de identificação ou afirmação dos grupos, tribos urbanas ou Comunidades dentro da cultura Hip-hop, que tomam as Gangs como ponto de referência para a sua constituição. Ou por outra, as Ganges são o ponto de partida para pensar a construção identitária das Comunidades Hip- hop na Cidade de Maputo. E a este propósito, afirma Pina Cabral (2003:16), que “ nenhuma identidade existe sem ser em relação com outras e sem ser num contexto espáciotemporal específico de objectivação. Estas identidades são mais ou menos nomeáveis e, portanto, também são mais ou menos „ conscientes‟ o posicionamento normativo dela não é sempre consciencializada pelos agentes.” No entanto, lembra-se aqui que a identificação ou afirmação dos grupos, tribos urbanas ou Comunidades Hip-hop, para além da música rap e da grafite eram buscadas a partir dos 8

Estados Unidos da América, Brasil, Jamaica, são alguns contextos de onde o Hip -hop, mostrou-se de grosso modo, devido a industrialização e co mercialização avançada da música rap. 9 Refere-se ao estilo livre de exp ressar se, a partir de uma co mb inação rít mica e rimaria tendo em conta o contexto social em que estão inseridos, este estilo livre é na maior parte das vezes adoptado pelo mestre -de-cerimónias (M C). 10

marcadores identitários – vestir roupas grandes, forma de andar, forma de se expressar, vestir camisetas de figuras ou nomes emblemáticos da cultura Hip-hop, vestir calças abaixo da cintura, vestir chapéus virados para o lado – que é o modo como os indivíduos na cultura Hip-hop procuravam identificar-se perante aos outros, o que mostra que “ as identidades sociais marcam as formas pelas quais os indivíduos são o `mesmo´ que os outros” (Giddens, 2002: 38). 4.2. Comunidades Hip-hop: Nomenclatura e sua Constituição Ao aprofundar o trabalho por via da abordagem etnográfica, nas Comunidades Hip-hop da Cidade de Maputo, percebemos que poderíamos levar um tempo considerável no terreno o que implicaria de certo modo, uma imersão maior sobre o social dos indivíduos ou grupos que fazem as Comunidades Hip-hop e devido, a complexidade das relações existentes. No entanto, o resultado disso seria fazer uma mapeamento pormenorizado das respectivas Comunidades. Mas convém deste modo, referir-se ao facto de termos encontrado uma diversidade na forma como estas Comunidades constituem-se e autonomizam-se.

Assim, durante as incursões no terreno verificamos por um lado, que uma das condicionantes neste processo foi o conflito verbal trazido pelo estilo musical rap. Este conflito baseado em termos de abordagens líricas ou mensagens que reflectem, o retrato do social e o contexto em que os indivíduos ou grupos da cultura Hip-hop estão inseridos. Por outro lado, o olhar observado a sua localização social e geográfica no mapa urbano, isso é, entre o centro da cidade e periferia, ou por outra, a “Irmandade” localizada no centro da cidade, Bairro Central, Praceta Maguiguane do Distrito Municipal Kampfumo e na periferia “Bloco4”, localizada no Distrito Municipal Kamavota. 4.2.1. Pensando a “Irmandade ” na Cidade de Maputo Como vimos, a “Irmandade” que encontra-se no centro da cidade a sua nomenclatura baseou-se em critérios como; afinidade, relação de proximidade ou semelhança, valores, crenças e regras propostas e aceites pelos seus membros. No entanto, foi importante também a partilha de objectivos comuns entre os grupos locais, amantes e fazedores da cultura Hip- hop no seu todo o que não exclui, os que não encontram-se dentro do perímetro da própria Comunidade. Assim, a constituição desta Comunidade pode ser vista a partir daquilo que Anthony Cohen (1985: 19), 11

refere como sendo “um sentido relacional que remete não apenas ao aspecto material, mas também ao simbólico; remete a regras, valores e códigos morais, além de fornecer aos seus membros os elementos para a construção de um sentido de identidade”. Assim, os aspectos simbólicos mostram que não é o facto de pertencer precisamente ao bairro ou localidade, que faz um indivíduo ou grupo membro desta Comunidade mas sim, o facto de partilhar os mesmos ideais com os membros desta Comunidade. A título de exemplo cito o MC Shackal, relativamente a este assunto que refere: (…) A nossa Comunidade está aberta a todos MC‟S ou todos os manos, que vivem e sentem “Hip-hop” real. Não exclu ímos a ninguém, isto é, porque achamos que o “ hip -hop” é uma cultura que carrega um sentimento de paz, liberdade e irmandade entre os irmãos e podemos ver isso nos eventos realizados aqui na praceta Maguiguane que são aferidos por todos (Shackal, Irmandade).

Os aspectos que o nosso informante enfatiza, como o caso, da aproximação entre os indivíduos ou grupos fazedores e amantes da cultura Hip-hop, foram observados durante o nosso trabalho no terreno onde observamos que muitos dos fazedores desta cultura, fazem-se aglomerados aos eventos realizados no espaço da “Praceta Maguiguane”. Estes eventos, tem em sua grande parte a responsabilidade social 10 que os indivíduos ou grupos e a Comunidade em si, procura mostrar como forma de partir para acção, que é o exemplo de “ atitude” e não bastar-se em criticar ou denunciar as injustiças proferidas pelo sistema 11 minoritário que rouba a maioria como conta o MC Napol: (…) É preciso partir para acção, senão seremos confundidos com esses políticos, que amealham nossos míseros centavos em seus bolsos e criam, barrigas de burgueses mal nutridos, yeah…! A cena vai feder, faça o diferente, estenda a sua mão ao mais pró ximo cidadão, que precise realmente do abraço de seu coração. (Napol, Irmandade).

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No contexto do presente trabalho, entende-se como realização de eventos de Hip-hop, com carácter beneficente, e que dão livre acesso ao espaço de sua realização, todos os indivíduos, não exclu indo os não fazedores da cultura Hip-hop, co m o objectivo principal de angariar roupas e material escolar para associações que zelam pela integridade dos desfavorecidos, neste caso, crianças e adolescentes órfãos. 11 O termo refere-se aos governantes. 12

4.2.2. Pensando “Bloco4” na Cidade de Maputo Para este espaço apresentamos como nota introdutória, um convite que é trazido por Duas Caras, que refere o seguinte em uma das músicas visitadas: Anúncio o presidente, é com honra que vos saúdo, Não s ou importante, Mas os becos chamam-me duo, Ou, camisola 10, simp lesmente Cara Boss, Sou da frente como vós, e Bloco4 é meu subúrbio…! (Duas Caras, Single:111 tondje Mcee, música co m título: talhe da fo ice, faixa 3).

O discurso proferido por Duas Caras acima ilustrado, lembra-nos ver “Bloco4” ligado a periferia e a redutível importância que é dada a está parte da urbe e aos indivíduos que neste espaço encontram-se. Todavia, ao reflectirmos sobre a nomenclatura “ Bloco4” percebe-se que foi baseada na produção e partilha de elementos ligados a cultura Hip-hop, e aos bairros dos quais os indivíduos ou grupos pertencem. Estes bairros como o exemplo; Ferroviário das Mahotas, Laulane, 3 de Fevereiro, Costa do Sol, Triunfo, Hulene e Polana Caniço, fazem parte do Distrito Municipal número quatro (4), actual Kamavota donde se extraiu o nome “Bloco4” numa linguagem ligada a cultura Hip-hop onde, traçou-se um perfil para a Comunidade buscado da valorização das práticas e ideais, em volta de suas aspirações o que lembram- nos ver a está Comunidade como sendo “um conjunto de pessoas que compartilham um projecto em comum, valores, ideais e práxis em comum” (Arruda, 2001: 162). Durante as nossas incursões no campo de estudo, observamos que apesar de haver alguns grupos como; Sistema Aliado, Contraste, Islamic Foundation, Lay Voice, Limite Vertical, Superfície Continua, Saga Camp, Inecumenos entre outros, todos fazedores do estilo musical rap, a Comunidade não surgiu como algo privado e exclusivo destes grupos ou indivíduos mas sim, no e com o consentimento de todos os amantes e fazedores da cultura Hip-hop. Porém, há grupos que mais notabilizaram-se neste processo. A forma como “Bloco4” foi constituindo e construindo suas identidades, assente na demarcação do território (bairros parte do Distrito Municipal Kamavota), incluindo apenas os grupos que dele fazem parte e excluindo os outros, lembra- nos Woodward (2000), que a identidade marcada pela diferença é sustentada pela exclusão: se o indivíduo é uma coisa, não pode ser outra.

13

No entanto, se os indivíduos ou grupos são da Comunidade “Bloco4”, não podem pertencer a duas Comunidades em simultâneo. Existem aspectos que marcam ou diferem o indivíduo ou grupo de uma Comunidade em relação as demais, como o caso, dos comportamentos ou traços identitários que surgem ligado ao espaço em que os indivíduos ou grupos estão inseridos onde, estas “ identidades são definidas como um aspecto de territorialidade social humana. Ambas fazem parte do funcionamento da estrutura social” (Liesegang, 1998:141). 4.3. Comunidades Hip-hop na Cidade de Maputo: reflectindo o movimento Hip-hop na Cidade de Maputo As Comunidades Hip- hop começaram como uma forma de expressar-se dos adolescentes e jovens da periferia face as Comunidades do centro da Cidade de Maputo. No momento de sua emergência, os adolescentes e jovens da periferia buscavam a partir do discurso proferido em suas músicas chamar a atenção sobre sua existência e, reclamando um espaço nas antenas de rádio e televisão que eram muitas das vezes, exclusivos aos que encontravam-se no centro da Cidade. Assim, pensar nas Comunidades Hip-hop na Cidade de Maputo sugere-nos olhar para a relação histórica entre elas e o movimento Hip-hop 12 da Cidade de Maputo. Isso acontece, devido a influência que as Comunidades Hip- hop exercem e a forma como moldam, dando “significação” a cultura Hip-hop à medida que foram constituindo-se na Cidade de Maputo Durante as incursões no campo pela informação que obtivemos, consta que houve uma partilha de informações ou interacção, entre os indivíduos ou grupos das Comunidades dos centros urbanos (Irmandade) e as Comunidades que encontram-se na periferia (Bloco4). Estes indivíduos ou grupos deslocavam-se da periferia ao centro urbano, com o intuito de aceder as escolas desta parte da urbe visto que, os níveis de escolaridade como o décimo primeiro (11º) e décimo segundo (12º) ano, do ensino secundário geral assim como, os institutos (Comercial e Industrial) de Maputo nesta parte localizam- se.

12

O termo segundo No Blast, nosso entrevistado, engloba os praticantes, apreciadores, os grupos, tribos urbanas ou comunidades Hip-hop em torno da cultura Hip-hop.

14

No entanto, aspectos como; vídeo clipes, documentários, revistas sobre a cultura Hip-hop, CD‟S de músicas rap, eram tomados como fontes de obtenção de conhecimento sobre a cultura Hiphop ou como ponto de referência por parte destes indivíduos. Isso possibilitou que nascesse no seio destas Comunidades, a auto – definição e identificação destes indivíduos e grupos pela cultura Hip- hop. A existência de grupos de Hip-hop privilegiados em termos de localização geográfica (centro urbano), nomeadamente; Rappers Unit, Auto Squad, BOC, Matsangas, Banda Podre, Hip-hop Laranja, Poetas de Rua entre outros, que exerciam uma forte influência sobre o espaço urbano e eram ouvidos com maior assiduidade nos meios de comunicação, designadamente os programas radiofónicos “Hip-hop Time” e Racionais MC‟S da Rádio C idade, onde estes grupos iam traçando o perfil do movimento Hip-hop na Cidade de Maputo, não permitiu que estes fossem os primeiros a tomarem consciência sobre a noção de Comunidade Hip-hop. Enquanto o centro urbano possibilitava maior interacção baseada na troca dos materiais sobre Hip-hop, os indivíduos ou grupos dos subúrbios buscam a partir destes criar um espaço onde, pudessem dar valores e sentido, as suas práticas e aspirações que ficou conhecido por “Comunidade”. Assim, em concordância com os dados de terreno entendemos que a história do movimento Hiphop na Cidade de Maputo começa dos principais centros urbanos, em direcção gradual aos subúrbios o que difere dos Estados Unidos de América, que foi marcado pelo sentido inverso, sendo dos subúrbios às grandes Cidades. A forma que os indivíduos, grupos, tribos urbanas ou Comunidades Hip- hop, têm encontrado para expressar-se e se fazer reconhecer umas diante das outras e do movimento Hip-hop no seu todo, faz com elas que difiram-se e reconheçam-se uma perante a outra. Isso deve-se ao processo de interacção e a “ construção de identidades numa óptica não essencialista, na e pela interacção com os outros” como afirma, Habermas, citado por Dubar (1992:83). Todavia, podemos ainda entender que nas Comunidades Hip-hop os indivíduos ou grupos fazedores da cultura Hip-hop, ao reunirem-se em prol de um objectivo em comum tornam-se detentores de novas identidades, entendidas como sendo “colectivas” e as Comunidades Hip-hop como um signo para reivindicações, que albergam um sentimento de pertença. 15

Assim, assegura-nos Melucci (1995), que essa identidade colectiva é um processo que envolve: 1) Definições cognitivas a respeito de finalidades, significados e campos de acção; 2) Se refere a uma rede de relacionamentos activos entre atores – interacção, comunicação, influência, negociação; 3) Possibilita que os indivíduos se sintam parte de uma mesma unidade. A interacção ou comunicação entre os indivíduos ou grupos dentro das Comunidades Hip-hop proporciona, a partilha de paixões ou sentimentos, projectos em comum que são o reflexo do contexto social em que estão inseridos. Por sua vez, estes permitem que os sujeitos reconstruam ou construam, compartilhem significados e práticas – fazer música, pintura, novos dialectos – que possibilitam novas escolhas ou alternativas tomadas a partir dos espaços artísticos 13 , que são o suporte do movimento Hip-hop na Cidade de Maputo.

13

Locais onde realizam-se eventos, Workshop‟s em volta da cultura Hip-hop. 16

V. REFLECTINDO SOBRE OS ESTILOS DE VIDA NAS COMUNIDADES HIP-HOP, E A PARTIR DESTE (S) SUA (S) IDENTIDADES 5.1. Comunidades “Hip-hop”: Duas Personagens no mesmo Espaço (…) A vida está uma merda, vivemos com os bolsos apertados contando míseros centavos e sujeitos a certos actos carnavalescos de bundas e mais bundas, desfilando pelas avenidas. Yea h …! Bag jeans and bling bling jogados à lixeira por que a sociedade quer que andemos de ceroulas desenhando nossos corpos. Mas que merda! Mais mentes do povo corrompidas. O que fazer, somente sendo camaleão a malta vive. (Snake brava).

Este MC, em suas letras destaca situações que são tidas como constrangedoras no dia-a-dia dos indivíduos ou grupos que fazem rap ou a cultura Hip-hop, no que diz respeito as dificuldades monetárias, as conotações que lhes são atribuídos onde, muitas das vezes são interpelados como marginais 14 e ao abrigo disso, reflecte-se na forma como são construídos seus estilos de vida e por conseguinte a sua personalidade. Isso segundo os informantes, tem repercussão na forma como estes posicionam-se dentro da Comunidade e perante aos olhares dos outros 15 , fora do perímetro da Comunidade. Por um lado, os informantes afirmam que as formas de acção tomadas a partir da criação de mecanismos de produção e reprodução de álbuns, colectâneas musicais, debates sobre Hip-hop, criação de estúdios de gravação musical, fazem com que haja maior e melhor qualidade em suas actividades tanto individuais como as colectivas e garantem, uma actividade economicamente sustentável para si e para os membros de sua família. Portanto, isso faz com que não sejam olhados a partir das conotações que muitas das vezes atribuem- lhes. Por outro lado, os informantes fazem perceber que nas respectivas Comunidades, questões como do vestir – de roupas grandes, chapéus virados entre outros – (alguns traços da cultura Hip-hop), são momentaneamente substituídos por outras formas que são accionadas, para identificar-se perante ao outro e perante a Comunidade no seu todo. A estas formas referem-se, as gravações de músicas, de álbuns, vídeos e documentários sobre eles próprios. Isso acontece, como forma de

14

No contexto do presente trabalho, designa-se aos indivíduos de má conduta, drogados e não escolarizados. O presente trabalho, entende-se como sendo aquele que não faz parte da Comunidade ou não faz parte da Cultura Hip-hop. 15

17

distinguir entre quem realmente é verdadeiro 16 Hip- hop e um amador 17 onde justifica-se, pelo facto de não cingirem-se apenas, aos aspectos identitários da cultura Hip- hop como o caso, de roupas grandes. No entanto, os marcadores identitários – vestir roupas grandes com imagens, mensagens ou símbolos sobre o Hip- hop – substituídos pela gravação de músicas, álbuns, vídeos, documentários sobre os estilos de vida das próprias Comunidades, fazem que sejam entendidos como elementos de “identificação, que permite olhar para as acções dos indivíduos no processo de constituição das formas de afirmação” como lembra- nos Bauman, citado por Jossias (2007:13). Aspectos importantes tomados em consideração durante as conversas estabelecidas com nossos informantes, observou-se o facto dos membros das Comunidades Hip- hop não somente particularizarem-se a cultura Hip-hop pois, estão encarregues de outras ocupações em que uns são estudantes e outros profissionais de empresas dai lembra-nos DaMatta (1987), que estes espaços constituem-se em esferas de significação social que fazem mais do que separar contextos e configurar atitudes, pois contêm visões de mundo ou éticas específicas. Portanto, a busca de identidade e os possíveis símbolos que associam os indivíduos ou grupos nas Comunidades Hip-hop às suas ocupações, faz com que criem-se divisões entre dois espaços: Comunidade que é vista como a casa e a esfera pública, local de emprego que é visto como rua. (…) Yoh! Ninguém vive de Hip-hop em Moçamb ique, ou melhor, são poucos que tem essa possibilidade. A comunidade é também forma de criar emp regos e construir u ma indústria musical de Hip -hop local. Criamos marcas de camisetas “ Hip-hop não morreu, vive no Bloco4”, “ Bloco4 Street Fashion”; “RBH do Shackal M C” álbuns como; “ Reciclagem”, Co mp ilação “Lado negro” “ Rap Game” “ Niostologia” “ o Clássico da Ruas” entre outros. Então, não posso vestir as bag jeans 18 e sair para procurar emprego porque os hipócritas da sociedade conotam-nos como marginais. (Kaprazine, Co munidade Bloco4).

16

Designa-se aos que professam os valores e princípios da cultura Hip-hop, a partir do afecto, irmandade, paz, o ser eu próprio e que os seus feitos sejam reflexo de sua própria criação e não copia ou imitação dos outros. 17 Designa-se aos que vivem de imitando os outros, e são tratados como falsos ou cópias imperfeitas, como aquele que não tem bandeira. 18 O termo Bag jeans é usado para referir-se de forma genérica as calças grandes ou abaixo da cintura dos indivíduos e este termo é u m dos vários elementos identitários dos que fazem parte da cu ltura hip -hop. 18

Esta observação é reforçada pelo seguinte questionamento: como podemos entender a busca da identidade dos indivíduos ou grupos nas Comunidades Hip-hop, tendo em conta os seus estilos de vida? A resposta a essa questão lembra-nos as condições socioeconómicas, que estes indivíduos ou grupos enfrentam no seu dia-a-dia dentro da Comunidade assim como, fora do seu perímetro. No entanto, essa busca pela identidade pode ser também entendida pela construção de uma personalidade enquanto manipuladora de identidades, reflectida no “estilo de vida que é um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto identidade” Giddens (2002:79), accionadas nas Comunidades Hip-hop. 5.2. Comunidades Hip-hop: Velha e Nova Escola do Hip-hop, Conflitos, Similaridades ou Diferenças? No início, a cultura Hip-hop nos subúrbios Norte Americanos já fazia sentir os conflitos em volta do que era denominado a Velha 19 e Nova 20 Escola do Hip-hop. Perante isso, os indivíduos ou grupos nas Comunidades Hip- hop também não distanciaram-se deste debate. É dentro dessa lógica que é mais comum, encontrar estes termos traduzidos de português para o inglês donde provêem, e é mais evidente na expressão ou discurso que o estilo musical rap traz a partir das terminologias Old school e New School. Os indivíduos da Velha Escola é determinam que é ser um “real nigger”. E ser um “real nigger” para estes, passa por não comercializar a música rap. Isso entende-se pelo retrato persistente da realidade que os rodeia, não despindo-se do contexto social em que estão inseridos. O retrato do social reflecte os problemas sociais que envolve a Comunidade, onde o MC para além do Grafiteiro, é que discorre sobre os sentimentos assomados da exclusão sofrida e exprimindo um anseio colectivo o qual permite, que sua Comunidade Hip-hop o reproduza, já que é também um sentimento inerente a ela. No entanto, isso é também explicado através de uma ilustração musical que foi acedida por nós no decorrer da pesquisa que vem por parte do grupo Islam Foundation, onde afirmam:

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A nossa pesquisa permite-nos dizer que esta designação, significa guardiões de “valores musicais”/ a ala dos conservadores, tidos como representantes do estilo musical rap e também, sugerem a ordem nesta instituição musical 20 Em nossa pesquisa, o termo refere -se aos novos representantes da instituição musical rap. 19

(…) Nós, não comercializamos a rima co mo as miúdas das avenidas comercializam a vagina. Nó s, trazemos e essência da poesia as ruas completam a inspiração para os nossos dias. Nós, não comercializamos a rima como as miúdas das avenidas comercializam a vagina. Nós, trazemos e essência da poesia as ruas completam a inspiração para os nossos dias. (Islam Foundation, Shaid da Kusha Bamb. Álbum, Clássico das Ruas: Música com o títu lo Essência, faixa 4)

Este refrão mostra o estabelecer de uma comparação entre aquele que é um falso MC e o verdadeiro MC, como anteriormente referíamo-nos ao termo “real nigger”. Assim, o mesmo traz a forma como os da Velha Escola buscam a partir do âmago da poesia referir-se ao que são as ruas, a realidade social que circunscreve os indivíduos ou grupos e que por conseguinte, o que está realidade social tem para oferecer ao poeta, no caso específico do MC ou grafiteiro. Dai, quem é realmente o falso MC muitas vezes é comparado a mulher que prostitui-se em plena avenida, não detentor de valores próprios, vivendo de aparências ou num mundo ilusório e é excluído dos que são “real nigger‟s”. E este sentido de ser falso MC, muitas vezes recai sobre os indivíduos ou grupos da Nova Escola. Durante as nossas incursões no terreno, observamos que entre a Nova e Velha Escola por um lado, existem também processos de exclusão e inclusão e m relação aos indivíduos ou grupos a um determinado grupo de referência nas Comunidades Hip-hop. O facto de pertencer a Nova Escola do Hip- hop faz com que estes indivíduos ou grupos, sujeitem-se a prestar contas de seus feitos ou actividades sobre a cultura Hip-hop a Velha Escola do Hip- hop, estes por sua vez são os que julgam 21 se os indivíduos ou grupos da Nova Escola, tem ou não os requisitos básicos qualitativos para representar ou não a cultura e a sua Comunidade, conferindo lhe uma posição na Comunidade. Por outro lado, acredita-se que só ganha mérito nas Comunidades Hip-hop entre a Velha e Nova Escola, os que mais impulsionam a cultura. Estes são tidos como grandes “Mentores” ou “ Mestres” a que são confiados um lugar privilegiado e influenciam na forma de estar, de ser e de construir os ideais das Comunidades Hip- hop. Isso somente torna-se possível, partindo de uma negociação entre estes dois pólos. Essa negociação é muitas vezes feita nos eventos realizados na Comunidade em que há um espaço, destinado aos indivíduos da Nova Escola para exporem suas as ideias ou os seus feitos. 21

Entenda-se o julgar, como forma de olhar para o conteúdo lírico e poético das músicas rap, assim co mo, a atitude do MC, face aos outros perante ao micro fone. 20

No entanto, um outro ponto observado durante a nossa estadia no terreno é o facto de nas Comunidades Hip-hop, existem rituais pelos quais os indivíduos ou grupos passam. Estes rituais são poucas vezes realizados e só mostram-se disponíveis, quando há um evento de extrema importância denominado “conferência dos mestres” donde, pudemos participar. Assim os rituais são conhecidos como; Show and Prove 22 ou Battles 23 . Estes por sua vez estabelecem a auto afirmação e reconhecimento dos indivíduos no seio da Comunidade e são também, uma maneira de reviver os “Manos e Manas” que perderam suas vidas, mas que tenham oferecido um grande contributo no crescimento e fortalecimento da Comunidade. Estes aspectos são trazidos por One Finger um MC da Comunidade “Bloco4” onde afirma: (…) Apesar do conflito que houve e ainda contínua, entre a Nova e Velha Escola, já é possível encontrar participações e ou interacção musical entre estes, o que chamamos de featuring24 . Isto é, um pai ensinando o filho os primeiros passos ou apresentando-o para um novo mundo, e este, por sua vez, tem a missão de passar a mensagem para os outros. Os eventos também servem para mostrar, o quanto tu és real, isto é, numa espécie de ritual, deno minado show and prove25 e acendemos velas em memó ria dos nossos manos como é o exemplo do DJ GUGA (One Finger, Bloco4).

Muitos MC‟S nestas Comunidades Hip-hop e em particular os da Nova Escola ganham também, mérito a partir de sua aliança com os da Velha Escola. Assim, nas observações de campo realizadas verificarmos que os indivíduos ou grupos, quando não reconhecidos dentro das Comunidades, muitas vezes, pouca possibilidade tem de serem aceites em outros espaços culturais ligados ao Hip- hop. Portanto, as similaridades ou diferenças buscadas na sua maior parte dos conflitos existentes entre os indivíduos ou grupos nas respectivas Comunidades, entre a Nova e Velha Escola, são tomados a partir de um grupo de referência. O grupo de referênc ia nas Comunidades é que toma as decisões, quer na forma de actuação nos espaços culturais concebidos para a prática e valorização da cultura Hip- hop assim como, projectar a imagem da Comunidade, sem pôr em causa os princípios pré-estabelecidos nas respectivas Comunidades Hip- hop.

22

Que Segundo One Finger, nosso entrevistado, refere-se ao mostrar o que sabes fazer em termos de rimas e improviso 23 Ainda One Finger, refere -se ao termo vindo do inglês, mas referindo-se a batalha lírica e rít mica. 24 O termo refere-se a participação ou colaborações entre artistas. 25 O termo refere -se ao acto de provar e mostrar. É proferido nesse contexto como forma de acertas as diferenças, aceitação ou de inserção na comunidade hip-hop por parte dos novos memb ros. 21

Muitas vezes, na conversa com os nossos informantes ao buscarmos analisar os estilos de vida nestas Comunidades Hip-hop, foi comum referirem-se a eles próprios como indivíduos que são fruto da rua, ou que a rua foi quem lhes adoptou, como refere Kaprazine um dos nossos informantes “ sou nada menos e nada mais reflexo da natureza social que pariu- me e moldou, as ruas do meu bairro”e isso deve-se ao facto do Hip- hop ser genuinamente de rua. Mesmo havendo regras ou condições impostas pela sociedade que lhes possam sufocar, suas identidades passeiam pelos muros ou pelos becos, onde não se cala a voz, pois está é traduzida pelo contacto com as imagens ou mensagens deixadas nestes muros ou becos que são muitas vezes espaços proibidos e fruto do seu contexto onde por sua via, criam-se identidades como podemos observar na fotografia tirada durante a pesquisa.

Figura 1.

26

26

Fotografia t irada por Tirso Sitoe, durante as pesquisas nas Comunidades Hip -hop da Cidade de Maputo aos 18 de Agosto de 2011. 22

VI.

O



DISCURSO

POÉTICO”

E AFIRMAÇÃO

DA IDENTIDADE

NAS

COMUNIDADES “HIP-HOP” Durante as nossas incursões no terreno, observamos que os indivíduos ou grupos nas Comunidades Hip-hop detêm, a partir dos marcadores identitários diversos “discursos poéticos” que identificam- nos perante as outras Comunidades e diferenciam- nas. No entanto, o “discurso poético” é produzido e reproduzido nas Comunidades para movimento Hip-hop. Todavia, o conteúdo das mensagens ou os discursos ora produzidos, ao diferir de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo são tomados como importantes, a partir das posições relativas ocupadas pelos mesmos indivíduos ou grupos dentro da Comunidade, como já o referimos no capítulo anterior ao reflectirmos sobre a Nova e Velha Escola do Hip-hop. Na Comunidade “Bloco4”, durante o trabalho de campo pudemos observar que o “discurso poético” é mais evidenciado nas músicas, documentários, vídeos clipes e capas de álbuns que também carregam em certa parte, o nome da Comunidade como referência a um selo. A título de exemplo, buscamos a capa do álbum Reciclagem do grupo Sistema aliado, para mostrar o marcador identitário da respectiva Comunidade como ilustra a figura que se segue:

Figura.2

27

27

Capa frontal do álbum Reciclagem do grupo Sistema Aliado pertencente a Comunidade Bloco4. De salientar que o álbum fo i apresentado em Maio de 2010 na Cidade de Maputo. 23

No entanto, nem todas as capas dos álbuns dos grupos de Hip- hop nesta Comunidade Hip-hop, necessariamente contêm o selo “Bloco4” ou símbolos criados na respectiva Comunidade. Mas muitas vezes os “discursos poéticos”, proferidos nas músicas é que trazem alguns marcadores identitários como selos de identificação que são entendidos como, “representações „objectuais‟ (emblemas, bandeiras, construções), ou seja, estruturantes e estruturadas, onde funcionam como sinais, emblemas ou estigmas, logo que são percebidas e apreciadas como o são na prática” (Bourdieu, 2003:112). Na “Irmandade” também pudemos observar estes aspectos nas camisetas que alguns MC‟S fazem-se vestir quando vão ao palco. A título de exemplo, podemos observar na imagem fotográfica captada no momento de actuação do MC Elfas e seu companheiro de palco e de Comunidade, onde o mesmo faz se vestir pela camiseta branca de marca “ Shackal MC RBH”, que é o nome de um dos membros desta Comunidade.

Figura 3.

28

28

Fotografia t irada por Ladislau Namizinga, no dia 12 de Novembro de 2011 no estúdio auditório da rádio Moçambique, Maputo. 24

Assim, por um lado podemos referir que os indivíduos ou grupos nas Comunidades Hip-hop ao criar ou buscar sinais ou emblemas dos quais estes comungam e procuram identificar-se, traduzem uma forma discursiva que expressa o conteúdo não só da mensagem destes sinais ou emblemas assim como, imortalizam os seus nomes, onde por outro lado, a partir da apropriação dessa imagem confere aos membros a ilusão de identidade sustentada pela aposta subjectiva de cada um na imagem de uma Comunidade de iguais como é sugerido por Hall (2002). Das várias observações feitas no decorrer do evento realizado no Estúdio Auditório da Rádio Moçambique, especificamente no “Programa Hip-hop Time o Show da Cultura de rua nas tardes de Domingo das 14 horas as 16 horas” alusivo ao dia Mundial do Hip-hop, celebrado no dia 12 de Novembro, Tira Teimas um MC representante da Irmandade, a quando da sua actuação afirma: (…) Yoh …! Directamente da Irmandade, B.C, bloco “A” Tira Teimas, Bairro negro 29 , a Muhyive 30 …! Elfas on the mic 31 , Um bigup 32 ao shackal shakalizado 33 , O mineiro MC. Trago paz, para os manos da cultura que aqui fazem-se presentes, a vivenciar esta cultura de rua com fraternidade, cabos ligados e os micro fones estão abertos, ouvidos bem atentos, a mens agem é consciente e mas versos de verdade, a nutrirem vossas mentes, mantenham-se firmes que isto é rap subterrâneo, e bem-vindos a carruagem, ao retrato falo da nossa realidade. One love 34 , one love…! Firmeza meus manos! Fort ifiquem o movimento…! Firmeza meus manos…! Pois isto é, Irmandade, isto é Irmandade. (Tira Teimas, Muhyive, Irmandade).

Do discurso trazido por Tira Teimas ao referir-se ao afecto, fraternidade, respeito e paz lembranos que o Hip-hop além de expressar o sentimento de revolta, que muitas das vezes preocupa ao poder político, é uma arma de sensibilização, educação, intervenção e de consciencialização dos indivíduos. No entanto, o “discurso poético” como um mecanismo de afirmação de identidades é criado pelo contexto de produção de suas práticas, valores e crenças onde a partir do estilo musical rap, os indivíduos ou grupos de forma mais ou menos conscientes enfatizam alguns marcadores identitários que são familiares a Comunidade, pois fazem o retrato de suas vivências e sua visão do mundo. 29

Grupo de rap que representa a Irmandade. Grupo de rap que representa a Irmandade. 31 Rapper do da Muhyive record‟s representa Irmandade. 32 O termo refere-se ao acto de saudação. 33 Refere-se a um dos membros da Irmandade que é um dos membros fundadores que desempenha papel de extrema importância na co munidade e u m ao mes mo tempo é o que mais desataca-se no cenário Hip-hop. 34 Neste contexto, o termo refere -se ao amor que une os diversos indivíduos a cultura Hip-hop. 30

25

VII. COMUNIDADES HIP-HOP NA CIDADE DE MAPUTO: CONSIDERAÇÕES FINAIS E HORIZONTES PARA ALGUMAS PESQUISAS As reflexões aqui realizadas no presente trabalho, têm como objectivo ampliar a discussão sobre a construção identitária nas Comunidades Hip-hop. Muito mais do que esgotar o assunto, o presente estudo pode ser entendido como o início de novas reflexões sobre as identidades sociais, e em especial das Comunidades Hip-hop na Cidade de Maputo. O estudo, ao procurar analisar a forma como são construídas as identidades nas Comunidades Hip-hop, a partir da forma como foram atribuídos os nomes; como os indivíduos criam seus estilos de vida e, a partir destes, as suas identidades; assim como, o “discurso poético” legitima a afirmação de identidade, percebe que as identidades são dadas num espaço socialmente construído pelos indivíduos ou grupos das respectivas Comunidades Hip-hop. A rua e os becos são vistos como o espaço ou ponto de encontro, das diversas práticas dos indivíduos ou grupos das Comunidades Hip-hop onde, por via dessas práticas suas identidades são projectadas. Portanto, mesmo que muitos dos seus actores particularizem-se ao estilo musical rap, a rua é vista como um espaço de apropriação da cultura Hip-hop e um espaço onde os indivíduos ou grupos expressam-se. Assim, através do trabalho de campo realizado nas Comunidades Hip- hop permitiu constituir relações complexas e entender, que a cultura Hip- hop iniciou no centro da Cidade de Maputo e de forma gradual, foi apropriado pela periferia ocupando um espaço no mapa urbano (social e geográfico), o que difere dos Estados Unidos da América, que foi um movimento da periferia para às Cidades. Porém, o mesmo não acontece com as Comunidades Hip-hop pois, elas iniciam na periferia e mais tarde no centro da Cidade e isso, é reflectido na forma como foram negociados os espaços no mapa urbano e por conseguinte, as construções identitárias que também são dadas pelas condições socioeconómicas, fora os marcadores identitários. Assim, por um lado a análise sugere-nos ver as Comunidades Hip-hop como detentoras de identidades colectivas, e como signos de revindicação que albergam um sentido de pertença, baseado na, e da inteiração entre os indivíduos ou grupos, a partir dos projectos construídos, como alternativas de apropriação do espaço urbano onde as suas práticas, até então, eram 26

proibidas ou inacessíveis. Por outro lado, sugere- nos ver as identidades a partir dos sinais ou emblemas que os indivíduos ou grupos têm, ao procurar identificar-se dando um sentido subjectivo e igualitário de Comunidade. Importa ainda referir que, o facto dos indivíduos ou grupos nas Comunidades Hip-hop buscarem estes sinais ou emblemas, para além de ofuscarem os possíveis conflitos e diferenças, servem de referência para diferenciar-se das outras Comunidades e faz com que, olhem para o espaço em que estão inseridos e todas as acções que são desenvolvidas como sendo, uma afirmação consolidada dos seus projectos que são na Comunidade, com a Comunidade, para Comunidade, e em prol da cultura Hip-hop. Todavia, ao deixarmos alguns horizontes para futuras pesquisas pensamos que seria de extrema importância, explorar ainda mais as construções identitárias nas Comunidades Hip-hop da Cidade assim como, da Província de Maputo como o exemplo; LBD 35 , Singhatela 36 , Coop Rap Family 37 , Fundação 38 entre outras, no sentido de aprofundar melhor como os indivíduos ou grupos de Hip- hop, apropriam-se dos elementos sub-culturais 39 e a partir destes, criam suas identidades e dando sentido aos seus estilos de vida. Uma outra pista por explorar que é também interessante, está relacionada com as actividades nas Comunidades Hip-hop, que podem ser olhadas a partir das relações de género onde, em sua maior parte, são realizadas e apresentadas por indivíduos do sexo masculino como o caso, da música rap. Assim, o facto dos indivíduos do sexo feminino pouco participarem ou constituírem a minoria nas actividades desenvolvidas nas Comunidades Hip-hop, comparativamente aos do sexo masculino, poderia ser alvo de futuras análises.

35

Refere-se a Co munidade da Cidade da Matola, que foi abreviado do nome Liberdade. Co munidade do bairro da Cidade da Matola. 37 Co munidade do Bairro da Coop, na Cidade de Maputo. 38 Co munidade do Bairro da Malhangalene na Cidade de Mapu to. 39 Grafite, Dança, DJ, M C 36

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VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARRUDA, Marcos. 2001. “Globalização e desenvolvimento comunitário autogestionário” in Arruda, Marcos. Globalização: Desafios socioeconómicos, éticos e educativos”. Petrópolis: Vozes. ARAÚJO, Lídice Maria Silva. 2004. “Música, sociabilidades e identidades juvenis: o manguebit no recife (PE). In: PAIS, José Machado; BLASS, Leila Maria da Silva (coord). Tribos urbanas: produção artística e identidades. São Paulo: Annablume. BARTH, Fredrik. 1998 [1969]. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: Poutignat, P. & StreiffFenart, J. Teorias da etnicidade, seguido de Grupos étnicos e suas fronteiras, de Fredrik Barth. São Paulo: Editora da Unesp. BOURDIEU, P. 2003. Razões práticas: sobre a teoria da acção. Campinas, SP: Papirus. _________________. 2001. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz (português de Portugal) 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. COHEN, Anthony P. 1985. The symbolic construction of community. London. Routledge. CUCHE, Denys. 2002. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC. DAMATTA, Roberto. 1987. A casa & a rua. Rio de Janeiro: Guanabara. DURKHEIM, Émile. 1996. As formas elementares da vida religiosa: O sistema totémico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes. DUAS, Caras. 2011. Single Tondje Mcee: Talhe da Foice. 1CD DUBAR, C. 1992. La Socialisation - Construction dês identities socials et profissionnelles. Paris: Armand Colin Éditeur. GIDDENS, Anthony. 2002. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. HALL, Stuart. 2002. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Touro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A. 28

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ANEXOS Questionário de campo 1- Como chama-se a vossa comunidade hip-hop e de que forma surgiu? 2- Existiram critérios para a denominação do nome da vossa comunidade e quais foram esses critérios? 3- Olhando para a história do hip- hop Moçambicano, qual a ligação que pode se estabelecer com o surgimento das comunidades Hip- hop? 4- Como defines hip-hop? 5- Quais o elementos do hip-hop conhecem do hip- hop? 6- Quais são os elementos do hip- hop patentes em vossa comunidade? 7- Existem critérios de pertença a esta comunidade? Quais são? 8- De que modo a vossa comunidade procura mostrar-se ou identificar-se no cenário do hiphop? 9- Tem tido projectos, como musicais em conjunto ou que participam todos membros de vossa comunidade? 10- Muito fala-se da velha e nova escola do hip-hop principalmente no elemento RAP, isso é característico em todos elementos hip-hop e se existe interacção entre a nova e velha escola do hip- hop, tendo em conta que é composta por jovens em sua maioria? 11- Tem havido conflitos entre os membros da vossa comunidade? Que tipo de conflitos e como são resolvidos? 12- Tem havido interacção entre a vossa comunidade hip- hop e as outras dentro do cenário hip- hop e como é estabelecida essa relação? 13- Como vocês sendo membros desta comunidade hip-hop procuram diferenciar se das outras?

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14- Quais são os temas, mensagens ou assuntos abordados pelos membros das comunidades hip- hop em letras musicais outras actividades dentro da comunidade? 15- Que influências ou experiências são trazidas para dentro das comunidades hip-hop tendo em conta os elementos do hip-hop existentes na vossa comunidade?

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