Conceitos principais a respeito dos partidos políticos, sistemas de partidos e sistemas eleitorais como elementos constituintes da representação política.

August 7, 2017 | Autor: Mauro Casa | Categoria: Political Parties, Electoral Systems, Representation
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Curitiba, julho de 2011

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Sumario

Cap. 1) De que trata a política? Ou seja: qual o seu objeto de estudo?

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Cap. 2) O que está envolvido na política?

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Cap. 3) A politica nos estudos sobre as relações sócio-culturais.

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Cap. 4) O processo de governo: Elites, Estado e Sistema Político.

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Cap. 5) Qual o conceito mais abstrato da ciência política: Estado, sistema político ou elite no poder?

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Cap. 6) As dimensões básicas do funcionamento dos sistemas políticos: cultura política, instituições, representação e comportamento político.

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Cap. 7) Conceitos principais a respeito dos partidos políticos, sistemas de partidos e sistemas eleitorais como elementos constituintes da representação política.

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Cap. 8) Temas específicos: Democracia Plena: realidade ou discurso político-ideológico?

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Cap. 9) Temas específicos: Política, Cultura Política e Escola.

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Cap. 10) Temas específicos: O desenvolvimento da cidadania no Brasil de uma perspectiva histórica e comparada.

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Cap. 1) De que trata a política? Ou seja: qual o seu objeto de estudo? (Franciele Aparecida Lopes & Waleska Camargo Laureth)

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ma das qualidades surpreendentes do ser humano é criar condições para viver em grupo. Formular regras, compartilhar costumes, perpetuar uma língua, são apenas poucos exemplos da capacidade do ser social de gerenciar a vida em comunidade. Nestes processos as pessoas precisam lidar com diferentes interesses, vindos de diferenças individuais e/ou coletivas, e é neste jogo de conquista de espaço para fazer valer seus interesses que se estabelecem relações sociais de poder. Em toda sociedade, desde que o mundo é mundo, existem estruturas de mando. Alguém, de alguma forma, manda em outrem; normalmente uma minoria mandando na maioria. Este fato está no centro da Política (RIBEIRO, 1998: p. 10). E aqui nos colocamos no centro da questão deste capítulo: Qual o objeto de estudo da política? Alguns autores vão nos dizer que a política permeia toda a vida social, e portanto a ciência da política poderia ter como objeto relações sociais que se concentram em disputas de poder que atingem o coletivo. A natureza do aspecto político é um sistema constituído de relações políticas. Um sistema político consiste de qualquer padrão permanente de relações humanas que implique, de maneira significativa, em poder, governo ou autoridade. (Dahl, 1966) [citar corretamente] Outros autores, como Schmitter, nos mostram que o estudo da política seria o estudo das relações de autoridade entre os indivíduos e os grupos, da hierarquia de forças que estabelecem o interior de todas as comunidades numerosas e complexas. Política é aqui o conflito entre atores para determinação de linhas de conduta coletivas dentro de um quadro de integração reconhecido pelas pessoas envolvidas. A política, portanto, não é para este autor, limitada a um quadro social essencialmente autoritário que é o Estado, mas, a qualquer nível da sociedade. Neste caso, o Estado ou governo seriam apenas uma cúpula desta estrutura. O Estado seria a instituição que tem a autoridade última e o "direito" de utilizar a força física para se fazer respeitar. Schmitter diz que a ciência política estuda o "conflito" de diferentes tipos, fontes, padrões e intensidades e a "integração" que se expressa em formas de autoridade, estruturas, formulação de decisões e crenças comum. João Ubaldo Ribeiro (1998) em seu livro, “Política: Quem manda, porque manda e como manda”, discute o desenvolvimento das estruturas de mando na Sociedade Ocidental, e argumenta que todas as relações sociais que apresentarem jogos de poder, são em essência pertencentes à política.

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Vejamos o exemplo usado pelo autor no livro: Quando um casal, no início de seu relacionamento, vai gradualmente marcando os papéis dentro do lar (eu mando aqui, você manda ali e assim por diante), estamos diante de um mini-processo político. Da mesma forma, quando os garotos de uma rua se organizam num time de futebol e vão atribuindo responsabilidades a alguns, mesmo informalmente, também há um mini-processo político (RIBEIRO, 1998: pp. 14). No entanto, Ribeiro nos faz um alerta: este exemplo nos mostra a essência da política, mas ainda falta um elemento que é fundamental para que compreendamos o conceito de Política. A palavra Política deriva da palavra polis que em grego antigo significa algo parecido com o que atualmente entendemos como cidade. Ora, se a política é algo relacionado à noção de cidade, isso quer dizer que sua ação se concentra no coletivo, na sociedade que compõe um determinado espaço geográfico e social. E aí se acrescenta outro elemento fundamental para compreendermos o que é a Política: seu resultado afeta a coletividade, não diz respeito a indivíduos isolados. Por isso alguns autores não consideram como sendo objeto da Ciência Política as relações sociais que se dão nesta dimensão individual, como no exemplo da esposa e do marido, mas sim que a política indica o exercício de alguma forma de poder e as consequências coletivas deste processo. Ou seja, o objeto de estudo da Ciência Política diz respeito às relações estabelecidas no processo da tomada de decisões com vistas a atingir a coletividade (RIBEIRO, 1998; Deustch 1982; Weber, 2003;). [Weber não está bem citado aqui] Um dos autores mais importantes para a Ciência Política, Max Weber, conceitua a política da seguinte maneira, “O conceito é demasiadamente amplo e incorpora todos os tipos de atividade de comando independente (Weber, 2003: pp.7-8. Grifos do autor)”, no entanto, para que a Ciência Política tenha um objeto factível de ser sistematizado e tenha a coletividade como seu horizonte o autor acrescenta: “Desejamos no momento entender por política apenas a direção ou a influência sobre a direção de uma associação política, ou seja, de um Estado (Weber, 2003: pp.8)”.

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Max Weber combina Poder Influência e Autoridade para definir política: "Política significa, para nós, elevação para participação no (poder) ou para a (influência) na sua repartição, seja entre Estados, seja no interior de um Estado, entre os grupos humanos que nele existem". Para Weber o foco da Ciência Política ocidental estaria direcionado para as ações coletivas que se esforçam para repartir o poder.

Max Weber, sociólogo e economista 1863-1920. Fonte: http://www.harvardsquarelibrary.org/beacon/?sort=author&page=

Aqui temos outro elemento para considerarmos no panorama do conceito de política, a noção de que as ações que envolver poder e coletividade se direcionam para o Estado. É no Estado que se concentram as tomadas de decisão sobre as questões públicas e por isso a centralidade dele na observação das relações políticas. Deutsch (1982) argumenta que a política é a tomada de decisões através dos meios públicos e por isso o objeto da Ciência Política seria a capacidade de direcionamento de uma determinada sociedade através de decisões públicas. As decisões políticas influenciam a sociedade e colocam em articulação os diferentes interesses presentes na coletividade. Em síntese: No âmbito das Ciências Sociais, a Ciência Política tem por objetivo estudar o

comportamento humano relacionado ao exercício do poder, que se materializam nas tomadas de decisões públicas, trazendo implicações para várias esferas da sociedade.

É possível uma “ciência” da Política? Alguns autores importantes que analisam a política nos dão respostas distintas sobre esta questão. Vejam o que eles dizem: Bobbio: Uma ciência da política é possível pela análise sistemática analisar os fenômenos e estruturas políticas, procurando argumentos racionais que se diferenciem do senso comum. A previsão destes fenômenos é o objetivo prático e a explicação o objetivo teórico. É possível ainda, fazer uma análise

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cientifica dos comportamentos através da análise histórica. [faltou fundamentar com uma citação; poderia ter feito um diagrama.] Dahl: “É indispensável para a clareza de pensamento da ciência política a distinção entre sistema econômico e sistema político”. “Os aspectos políticos de uma instituição não são os mesmos que os aspectos econômicos”. No campo da investigação intelectual, a distinção entre política e economia não é perfeitamente definida. “A maneira pela qual esses dois sistemas se relacionam não pode ser determinada apenas por definição: é necessária a investigação empírica”, portanto, uma análise científica. *[quatro dimensões da análise política para Dahl. Expor a distinção entre ciência e análise Atividades: 1. O que é política? Articule as diferentes visões e os diferentes autores e discuta sobre o tema. 2. Identifique em seu ambiente escolar se existem relações políticas que pressupõem a existência do Estado e relações políticas que não pressupõem a existência do Estado. 3. Discuta com seus colegas e professor as questões levantadas. política para o autor] Philippe Schmitter: A ciência política pretende tratar de um setor particular do comportamento humano. Segundo ele existem tendências que tendem a operar sem um conceito adequado da política. Cada cientista deveria deixar claro o conceito de política que esta usando. Porém, ele nos diz que ainda é uma hipótese que o conceito de política ou conjunto de atividades políticas se diferencie de outros fenômenos sociais com as características, relações e padrões distintos. *[melhorar Schmitter] A tarefa da Ciência Política seria a de analisar e explicar toda essa estrutura, forças e influências que a compõem. Segundo Philippe Schmitter as principais abordagens à delimitação de campo de investigação da ciência política são: • •

• • •

Suas instituições, como por exemplo: O Estado ou o Governo. A instituição estatal é ponto de partida de referência para o estudo dos fenômenos políticos que se ligam ao estado. Seus recursos, ou seja, os meios utilizados pelos atores como poder, influência ou autoridade. No campo do poder, a maior parte dos cientistas seguem o nosso já conhecido Weber, e dão ênfase à coerção, dominação e monopolização da força física. *[?? Melhorar um pouco o Schmitter. Está um pouco confuso] A autoridade, ou seja, como o poder que se faz obedecer voluntariamente, como crença de em que as repartições de poder e influência existentes são as mais apropriadas, "justas" e "naturais" para uma dada sociedade. Seus processos, que podem ser caracterizados pela atividade principal dos atores, como por exemplo: a formulação de decisões na ação coletiva; Sua função. Podemos entender a função como as conseqüências para a sociedade. Um exemplo é a resolução não violenta dos conflitos.

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O palavrão da política. Fonte: http://olhardedescoberta.wordpress.com/2010/10/07/o-palavrao-da-politica/

Para refletir: Pelo que tratamos até aqui você pode observar que não tratamos de um tema recorrente em nosso país: a corrupção. Foi de propósito! A política diz respeito a todos nós e não pode ser tomada como prática de corrupção, temos que fazer dela parte de nossa ação enquanto cidadãos que possuem interesses, direitos e deveres. Portanto não vamos reduzir a política a um palavrão relacionado à falta de ética de algumas pessoas em lidar com as decisões públicas, mas entende-la enquanto processo que traz implicações para nossas vidas e, portanto, buscarmos participar ativamente das decisões

Referências: BOBBIO, N. O significado da Política. In: Curso de Introdução à Ciência Política. Brasília: Centro de Documentação Política e Relações Internacionais, 1979, p. 31-39. DAHL, R. A Moderna Análise Política. 1966. Cap. 1 “Certas perguntas são inevitáveis” (p. 13-16); Cap. 2 “O que é política?” (p. 17-32). DEUTSCH, K. (1982). Política e governo; como os povos decidem seu destino. Brasília: UnB, 1982. Caps. 1 e 2, “A natureza da política” (p. 19-41) e “O que está envolvido na Política” (p. 42-61). RIBEIRO, João Ubaldo. Política. quem manda, por que manda, como manda. 3ª Ed, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998. SCHIMITTER, Philippe. Reflexões sobre o conceito de política. In: Curso de Introdução à Ciência Política . Brasília: Centro de Documentação Política e Relações Internacionais, 1979, p. 31-39. [OK. Excelente trabalho, faltou apenas agregar algumas informações sobre autores e algumas tarefas. Mas está excelente. 90]

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Cap. 2) O que está envolvido na política? (Victor Miguel & Cassio Carvalho)

Muita coisa está envolvida na política, por isso a falta de interesse na política não significa que ela não afete a vida das pessoas. O dramaturgo e poeta Bertolt Brecht nos diz o seguinte sobre o que ele chama de “analfabeto político”: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das DECISÕES POLÍTICAS. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.” Bertolt Brecht

Na ciência política os estudos sobre as decisões políticas se iniciaram a partir de um outro foco, iniciado pelo olhar crítico do clássico da sociologia Max Weber. Esse autor alemão, em seus escritos apresentou uma preocupação decorrente de suas desventuras na vida política de seu país. [cuidado com redação] Weber, muito diferente de outros autores que escreveram sobre política antes dele, e da mesma forma que Nicolau Machiavel, procurou pensar a política como ela é, e o que está envolvido nela. Em um de seus textos mais conhecidos chamado “Política como vocação” ele diz que “Todo homem que se entrega à política aspira ao poder.” Nas sociedades modernas o principal aparato que regula as relações de poder e portanto a política é o Estado. É no Estado onde ocorre para Weber o “monopólio legítimo da violência” ora essa violência se traduz em uma forma de dominação. E é a partir dessas reflexões que esse autor irá pensar

Eugen Berthold Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955. Ao final dos anos 1920 Brecht torna-se marxista, vivendo o intenso período das mobilizações da República de Weimar, desenvolvendo o seu teatro épico. Sua praxis é uma síntese dos experimentos teatrais de Erwin Piscator e Vsevolod Emilevitch Meyerhold, do conceito de estranhamento do formalista russo Viktor Chklovski, do teatro chinês e do teatro experimental da Rússia soviética, entre os anos 1917-1926. Seu trabalho como artista concentrou-se na crítica artística ao desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista.

três formas ideais de dominação. Elas podem ocorrer no Estado moderno e fora dele, ou melhor dizendo, já ocorreram em outras épocas que não a atual.

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As três formas de dominação para Weber: *[qual o objetivo desta distinção? Precisa justificar isso antes de introduzir o tema] - Dominação Tradicional: se refere ao poder de um senhor de terras ou patriarca. - Dominação Carismática: a dominação exercida por aqueles indivíduos que possuem atributos pessoais extraordinários. - Dominação legal ou Legítima: se refere à dominação que se exerce através de um conjunto de leis, de competência normativa. *[muito sumário. Desenvolver melhor]

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Para Weber o aparato policial é a maneira pela qual o Estado exerce sua violência e mantém seu poder.

Dimensões do exercício do poder: poder, influência, dominação e decisão [faltou o Deutsch aqui e pode-se reorganizar e modificar o subtítulo] Como o Estado toma as suas decisões? O que determina esse processo? Quem ou o que está por trás desse poder ou dessa dominação?

Ora, a ciência política contemporânea irá aprofundar essas questões e a luz da compreensão de Robert Dahl temos uma análise a partir da Influência. O trabalho desse autor é marcado entre os cientistas políticos pela criação de um outro conceito que por muito tempo foi muito usado para o entendimento das democracias modernas, é a Poliarquia. Certamente, assim como Weber, Robert Dahl entende que o jogo democrático produz elites e uma competição entre essas elites pelo poder político. A poliarquia é uma maneira de entender como funciona a democracia no Estado moderno. As decisões dentro dessa forma de governo independentemente se são democráticas ou não, são resultados de um jogo de influência. Diz o autor:

“Influência, pois, é uma relação – entre indivíduos, grupos, associações, organizações, estados. Podemos usar uma terminologia específica bastante convincente e dizer que a influência é uma relação entre agentes, em que um agente induz outros agentes a agirem por uma forma que de outra maneira não agiriam.”

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Para Dahl, o cientista político pode definir antes de mais nada, a existência e a direção da influência. Essa pode ser relativa, de acordo com as posições dos agentes. E destaca ainda 5 maneiras de se comparar as influências em um Estado: 1. A grandeza da mudança na posição do agente influenciado, ou a mudança de posição de acordo com a situação. 2. O custo psicológico subjetivo da aquiescência, ou a incompatibilidade de valores entre influenciador e influenciado. 3. A grandeza da diferença na probabilidade de aquiescência, ou quantos são realmente influenciados. 4. Diferenças na amplitude das reações. 5. O número de pessoas que reagem. [expor melhor essa distinção entre as formas de influência para Dahl. Está muito confuso*] Há para esse autor, uma disputa de influências para o controle do Estado. A influência coercitiva na ameaça, punição ou coerção); e a influência assegurada (em que a probabilidade de aquiescência grande).

garantir (baseada é muito

É onde a influência coercitiva opera que ocorrem as relações de poder para Dahl. Ainda pensando como operacionalizar essas idéias para o trabalho do analista político, ele se coloca a seguinte questão: Como identificar e pesar o poder (proveniente da influência coercitiva)?

Robert Alan Dahl (Inwood, 17 de dezembro de 1915) é professor emérito de ciência política na Universidade Yale, Estados Unidos da América. É um dos mais destacados cientistas políticos em atividade e um dos maiores expoentes da reflexão sobre as condições e processos da política democrática contemporânea.

Deve-se diferenciar a definição de poder, da identificação do poder. Assim ele se vale da definição de outros dois politólogos, Abraham Kaplan e Harold Lasswell sobre o que é poder, para então identificá-lo. Segundo esses autores, a decisão é um ato político que implica em sanções severas, portanto, poder é participar da tomada de decisões. A partir dessa idéia, Dahl aponta para alguns erros de cientistas políticos na análise do poder: 1. Não fazem uma diferenciação entre participar da decisão, influenciar a decisão e ser afetado por ela. 2. Não delimitar em qual campo(s) tal agente é poderoso. 3. Não distinguir diferentes graus de poder, por ex.: propor que o poder é distribuído de maneira desigual ou que há uma classe dirigente. 4. Propor que quanto maior o recurso político a que um agente tem acesso, tanto maior é seu poder (o caso de um poder potencial). 5. Igualar poder potencial a expectativa de poder futuro, sem levar em conta incentivos e habilidades. O autor divide o que ele chama de estrato político entre aqueles que têm poder e aqueles que buscam poder. E destaca ainda quatro dimensões da decisão o interesse (curiosidade), a preocupação (importância), a informação (conhecimento) e atividade (participação). Aqueles atores que não se

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interessam diretamente e estão de fora dessa busca pelo poder (e da participação das decisões) fazem parte do estrato apolítico. [poderia ter acrescentado um diagrama e um exercício aqui] - Outros conceitos relacionados ao Poder: De acordo com a definição de poder enunciada por Weber, certas pessoas poderão interpretar que as relações de poder que ocorrem numa dada sociedade assim como no próprio cerne do estado são limitadas a uma fórmula simples na qual o elemento “A” impõe sua [??] sobre “B”. Naturalmente, na realidade as coisas não são tão simples assim. Afim de esclarecer melhor o assunto e elucidar possíveis confusões teóricas, vários autores se dedicaram a pensar quais as facetas do poder, e como elas se manifestam. Dentre esses autores, uma pensadora de grande destaque que podemos citar é Hannah Arendt. Em seu texto “O que é autoridade?” Arendt elucida essa categoria de análise da política que ela considera pouco compreendida pelos demais teóricos de seu tempo.

Hannah Arendt (1906-1975) foi uma filósofa política alemã de origem judaica , uma das pensadoras mais influentes do séc. XX. Durante a Seguda Guerra Mundial passou um tempo em campos de concentração nazistas e escapou para os EUA. Criticou duramente regimes totalitários como o nazismo e o comunismo e criou o conceito de “banalização do mal”.

Primeiramente, Arendt considera que o contexto de batalha política entre liberais e conservadores no século XX foi marcado por uma grande confusão de conceitos, em função de objetivos políticos buscados pelos estudiosos. Para elucidar melhor a questão sobre autoridade Arendt utiliza-se do velho exemplo do filósofo Platão, que é a “Alegoria da Caverna”. Neste texto de Platão, várias pessoas encontram-se no interior de uma caverna, aprisionadas por grilhões dos quais não conseguem se desvencilhar. Sentados ali, a única coisa que conseguem observar são sombras projetadas a sua frente, em função de uma única fogueira situada detrás deles que pouco ilumina a caverna. Platão aqui fala de um único homem que por fim se desprende de suas amarras que o mantém na caverna e consegue fugir para fora da caverna. Lá ele observa a paisagem até então desconhecida e então retorna para a caverna onde irá contar aos demais tudo o que viu e tentar convencê-los da existência de uma realidade diferente lá fora. Ora, mas o que isso tem a ver com o conceito de autoridade? Pois bem, Platão utiliza-se desta metáfora para demonstrar como o conhecimento do filósofo o leva a conhecer a verdade, obscurecida pela ignorância dos homens. Nesse caso, a luz que quase o cega quando ele põe seus pés para fora da caverna é sinônimo de conhecimento.

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Tendo isso em vista, Hannah Arendt demonstra que a defesa do conhecimento filosófico proposto por Platão não era senão uma auto-defesa que fundamentava-se numa idéia de autoridade. [desenvolver melhor essa idéia. Está muito complicado*] Para Arendt, o céu observado pelo homem da onde paira a verdade, e esse conhecimento de o autoriza a guiar seus concidadãos. Note bem: a guiá-los. Desta forma, podemos entender a como:

caverna é posse dele “Autoriza” autoridade

“ as regras exteriores que são implícitas na vida política de uma sociedade e que são tacitamente respeitadas pelas pessoas enquanto legitimadoras de uma organização política.” Raymond Aron (1905-1983) foi um filósofo, sociólogo e comentarista político francês. Lutou na Segunda Guerra Mundial pelo exército francês contra os nazistas e atuou na resistência francesa. Criticou o conformismo de esquerda e as tendências totalitárias de regimes fundamentados em teorias marxistas.

“Alegoria da Caverna”

Portanto, como podemos observar, autoridade não é sinônimo de poder, tampouco de violência. Na concepção de Arendt podemos distinguir poder de autoridade na medida em que: - Poder é entendido enquanto o momento fundacional da política na sociedade. É uma ação em concerto que se justifica por ela mesma, já que é fruto da ação coletiva. O poder é um fim em si mesmo cujo sentido último é a interação entre os homens. Por ser entendido enquanto o “momento fundacional” é algo efêmero. [cuidado com redação*] 12

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- Autoridade deriva da fundação e se sustenta em regras exteriores a ela. Essas regras são aceitas pela sociedade e sustentam a legitimidade do poder. Portanto a autoridade é duradoura. Tendo isso em vista podemos partir para outra distinção teórica, a ver o conceito de potência proposto por Raymond Aron. Para Raymond Aron a idéia de entender uma diferente faceta do poder partiu da análise de três termos utilizados para se referir a poder, cada um em idioma diferente. Geralmente, esse termos são sempre traduzidos pelo termo “poder”. Os termos são: -Macht (alemão) - Power (inglês) - Pouissance (francês) Contudo, Aron (que é francês) observa a língua francesa admite dois jeitos de se referir ao poder, porém com sentido diferente: essas palavras seriam “pouissance” e “pouvoir”. Observando essa diferença linguística, Aron nota que tradicionalmente ‘pouissance’ refere-se a um potencial e ‘pouvoir’ à ação. Logo, podemos ver que na realidade existe de fato uma distinção entre poder em potencial, ou seja, a potência e o poder exercido de fato. Nas palavras de Aron ‘puissance’ refere-se a: “O potencial possuído por um homem ou grupo de estabelecer relações com outros homens ou grupos em conformidade com o desejo dos primeiros” Desta forma, Aron enuncia o conceito de “potência”, entendido como o poder, por assim dizer, em estado de repouso, mas sem por isso perder a capacidade de obrigar o outro a se comportar da maneira desejada pelo poderoso. [OK. Boa formulação*] Pode-se dizer que a pessoa sujeitada antecipa as reações daquele que tem o potencial e calcula suas ações em vista disso, levando em conta as possíveis conseqüências de desrespeitar as regras. Esse é um aspecto muito importante da política e que freqüentemente é utilizado na análise concreta de situações políticas reais. A antecipação das reações de outrem é um fator essencial na tomada de decisões. EXERCÍCIOS: 1 – Ouve-se muito falar nos meios de comunicação sobre tal país ser uma potência: “O Irã é uma potência nuclear”

“A China é uma potência econômica”

Você considera possível relacionar tais afirmações com o conceito sociológico de “potência” por Raymond Aron? O que isso significa? 2 – Diferencie os conceitos de Dominação de Max Weber, Influência de Robert Dahl, Autoridade de Hannah Arendt e Potência de Raymond Aron. Em seguida, escolha um dos conceitos e busque em jornais ou revistas situações em que essas formas de poder se excercem, procure justificar usando os argumentos do próprio autor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ARENDT, Hannah. “O que é autoridade?”. In Entre o passado e o futuro. Editora Perspectiva, São Paulo,2002. pp. 127-187. ARON, Raymond.“Match, Power, Puissance: prosa democrática ou poesia demoníaca?”.In: Estudos sociológicos, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro,1999. pp. 9-42. DAHL, Robert. Moderna análise política. Brasília, UnB, 1988. WEBER, Max, Ciência e política: duas vocações. São Paulo, Cultrix. [OK. Ótimo trabalho, mas poderia ter articulado e justificado os conceitos de maneira mais sistemática, assim como apresentado as definições dos mesmos de maneira mais clara. 85]

Cap. 3) A politica nos estudos sobre as relações sócio-culturais.

(Cristopher Feliphe Ramos &Patricia Baptista Guerino)

A Ciência Política é um conhecimento de grande importância para compreendermos nossa realidade social, uma vez que procura entender como operam as relações de poder e como elas estão presentes em nossa vida diária. Entretanto a ciência política apresenta um vocabulário muito específico que muitas vezes escapa ao cidadão brasileiro, embora apresente a este “cidadão” a oportunidade de se (re)conhecer como um “sujeito político” inserido em uma “democracia”. Se nos arriscarmos a olhar ao nosso redor, em nosso dia a dia, veremos que estas ideias e conceitos aparentemente tão abstratos estão acessíveis aos nossos olhos quando reconhecemos uma obra de asfaltamento em uma rua, em uma medida de prevenção contra enchentes ou até mesmo quando somos convocados a escolher nossos representantes parlamentares. Como acabamos de observar as relações políticas não ocorrem necessariamente de maneira formalizada, essas situações podem ser identificadas em nosso cotidiano através de inúmeros detalhes e sob diversas formas. A antropologia social seria a ciência responsável por compreender e interpretar os diversos modos de produção da vida social humana, e por isso estaria interessada em entender como é que se constroem certas particularidades da vida em sociedade, dentre as quais a política surge como uma de suas principais facetas. Embora a população brasileira participe ou se submeta aos princípios dos Estados democráticos, ela é caracterizada por uma diversidade cultural e política e tal fato indica que a teoria política precisa ser capaz de abranger a multiplicidade de modos de apropriação e reprodução das estruturas de dominação, ou das disputas e a distribuição de poder que diferem devido às particularidades regionais das relações políticas no país. Podemos afirmar também que certas formas de viver a política não seriam facilmente aceitáveis se decidíssemos incluí-las nos preceitos éticos e políticos de nossas instituições. Podemos

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tomar a “compra de votos” como um exemplo disso. Embora irregular, a compra de votos se constituiu como prática frequente entre certos grupos no Brasil. Quando nos interrogamos quais os motivos que levaram aos eleitores de tal ou qual cidade, região, bairro, ou província a eleger certos candidatos em troca de favores podemos incluir como hipótese a probabilidade de que o voto nestas localidades tem um valor de troca que se estende a outros vínculos sociais, intergrupais – aliança, afinidade, hierarquia e assim por diante – e que estes valores destoam dos princípios políticos que se supõe vigorarem nos regimes democráticos, dentre os quais a isonomia 1. Segundo o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta essas relações de favorecimento político constituem o retrato de como o brasileiro pensa e vive a própria cidadania. Não é à toa que os antropólogos brasileiros tenham identificado o desempenho do “jeitinho brasileiro” 2 e crenças locais nas relações institucionais internas à administração Estatal, justamente onde se supunha a operatividade do modelo burocrático Weberiano. 3 Para a antropóloga Karina Kuschnir pode-se através destes exemplos demonstrar como a antropologia preocupa-se em estudar não o que a política deve ser, mas o que ela é para um determinado grupo, em um contexto histórico e social específico. 4 Consequentemente pode-se afirmar que a antropologia investiga como diferentes grupos, povos e nações vivenciam e constroem 1 O princípio da isonomia está consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Também está disperso por vários outros dispositivos constitucionais, tendo em vista a preocupação da Carta Magna em concretizar o direito a igualdade. Cabe citar os mais importantes: a) igualdade racial (art. 4º, VIII); b) igualdade entre os sexos (art. 5º, I); c) igualdade de credo religioso (art. 5º, VIII); d) igualdade jurisdicional (art. 5º, XXXVII); e) igualdade de credo religioso (art. 5º, VIII); f) igualdade trabalhista (art. 7º, XXXII); h) igualdade tributária (art. 150, II); h) nas relação internacionais (art. 4º, V); i) nas relações de trabalho (art. 7º, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV); j) na organização política (art. 19, III); l) na administração pública (art. 37, I). A isonomia deve ser efetiva com a igualdade da lei (a lei não poderá fazer nenhuma discriminação) e o da igualdade perante a lei (não deve haver discriminação na aplicação da lei). Fundamento: todos nascem e vivem com os mesmos direitos e obrigações perante o Estado. 2 Termo cunhado pelo antropólogo Roberto DaMatta para identificar um modo de agir informal que se vale de improvisação, flexibilidade, criatividade e intuição e que exemplifica a postura pouco formalista dos brasileiros em relação às leis. O jeitinho brasileiro envolve uma visão de homem e certo tipo de organização humana (social) onde sempre é possível burlar uma lei ou regra através da utilização recursos emocionais. Trata-se de uma identificação social imbuída de critérios éticos sobre o modo do ‘brasileiro’ ser no mundo; meio de subversão do controle exercido sobre o indivíduo que aceita a participação da imprevisibilidade, fragilidade, e da invenção dentro das organizações sociais e políticas. In: DaMatta, Roberto. O que faz do Brasil Brasil? 1986. * Outras indicações bibliográficas: DaMatta, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania e morte no Brasil. 2003; Barbosa, Lívia. O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais igual do que os outros. 1992. 3 Weber identifica três fatores principais que favorecem o desenvolvimento da moderna burocracia: a) O desenvolvimento de uma economia monetária. Na Burocracia, a moeda assume o lugar da remuneração em espécie para os funcionários, permitindo a centralização da autoridade e o fortalecimento da administração burocrática. b) O crescimento quantitativo e qualitativo das tarefas administrativas do Estado Moderno e c) a superioridade técnica – em termos de eficiência – do tipo burocrático de administração: serviu como uma força autônoma para impor sua prevalência. Ainda segundo o autor a burocracia é a organização eficiente por excelência e para conseguir esta eficiência, a burocracia precisa detalhar antecipadamente e nos mínimos detalhes como as coisas devem acontecer de forma racional. * Sugestões bibliográficas: WEBER, Max. Sociologia. São Paulo: Ed. Atlas, 1979. Cap. 3: A "objetividade" do conhecimento nas Ciências Sociais; Weber, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Ed.Cultrix, 2000; Weber, Max. A ética protestante e o espírito capitalista. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 4 Palmeira, Moacir e Goldman, Marcio (orgs.). Antropologia, Voto e Representação Política. 1996.

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culturalmente seus sistemas políticos. [?? Poderia ter apresentado melhor o diferencial da visão da antropologia política sobre os processos políticas]* O interesse da antropologia pela política não é recente e pode ser encontrado nos trabalhos de seus fundadores. Autores como Morgan (1818 - 1881), Frazer (1854 - 1941) e Tylor (1832 - 1917). Apesar disso não se deve considerar que a pesquisa desses autores tenha permanecido a mesma ao longo da disciplina, uma vez considerado que a antropologia modificou-se ao longo de sua história como ciência, apresentando diversas abordagens teóricas com enfoques diferenciados que serão detalhados abaixo em ordem relativamente cronológica:

OS ANTROPÓLOGOS EVOLUCIONISTAS

Cultura é aquela totalidade complexa que inclui conhecimentos, crenças, artes, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo ser humano como membro de uma sociedade. In: Tylor, Edward Burnett. Cultura Primitiva, 1924[1871], pg.1

Evolucionista é o termo que utilizamos ao nos referirmos aos primeiros autores da antropologia da metade do século XIX, pois seus estudos apresentavam um interesse muito particular. Espantados por encontrarem povos ainda “não civilizados”, ou seja, povos que por um lado não apresentavam as mesmas condições socioculturais e linguísticas dos europeus como a linguagem escrita ou o domínio de certos saberes como a metalurgia, mas que por outro mantinham regras bastante restritas em relação ao matrimônio e que se assemelhavam, e muito, aos costumes europeus (em alguns casos costumes antigamente vigentes na Europa medieval como o casamento entre primos realizado pela nobreza) os primeiros antropólogos investigavam como é que se estruturavam os sistemas de governo e poder entre esses grupos. O objetivo dos antropólogos evolucionistas era tentar estabelecer uma linha do tempo que pudesse traçar semelhanças e diferenças entre diferentes formas de governo através da história, os quais deveriam ser comparados com os sistemas políticos das sociedades modernas consideradas “mais evoluídas”. Tal propósito se deve a uma crença inerente ao trabalho desses autores de que as

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sociedades evoluem ao longo da historia desenvolvendo diferentes formas sociais através de estágios evolutivos que, segundo acreditavam, permitiam o surgimento de certos tipos de sociedades humanas cada vez mais desenvolvidas, das quais a civilização européia seria o exemplo máximo. [OK] Logo, para esses autores o desenvolvimento ou não de formas de governo modernas, dentre elas o Estado-Nação, dependia do nível ou grau evolutivo de certa sociedade. Sendo assim, sociedades mais evoluídas apresentariam formas complexas de organização política e governamental, já para os grupos mais “primitivos” encontraríamos ou a ausência de um governo centralizado ou falta de certas instituições políticas que se encaixassem no perfil das organizações políticas modernas, como, por exemplo, a presença de partidos políticos. [Poderia ter abordado com mais objetividade a questão da existência ou não de política nas sociedades tribais]

O ESTRUTURAL-FUNCIONALISMO

Não há qualquer autoridade com poder para pronunciar sentenças (…) Na terra dos Nuer, os poderes legislativo, judiciário e executivo não estão investidos em quaisquer pessoas ou conselhos. In : Evans-Pritchard, E.E. Os Nuer. 1940[2011] pg. 173

A partir da primeira metade do século XX, entre as décadas de 1930 e 1950 uma outra linha de estudos [voltada para a análise da política nas sociedades tribais], chamada estrutural-funcionalismo, é iniciada por antropólogos de diversas nacionalidades, dentre as quais merecem destaque os trabalhos dos antropólogos britânicos E.E. Evans-Pritchard em seu livro “Os Nuer”, Edmund Leach através de seu estudo sobre os sistemas políticos da Birmânia e do antropólogo sul africano Max Gluckman que pesquisou a Zululândia moderna. 5 [OK. São as obras fundamentais] Para estes pesquisadores a pesquisa realizada entre povos de outras culturas sugeriu a necessidade que estes pudessem explicar como é que existiriam sociedades, grupos ou etnias com 5 Evans-Prtichard, E.E. [1940] Os Nuer. São Paulo: Editora perspectiva, 2002. * Sugestões bibliográficas: Leach, Edmund. Sistemas Políticos da Alta Birmânia. São Paulo: EDUSP, [1954] 1995; Gluckman, Max. “Análise de uma situação social na Zululândia moderna”. In: Feldman-Bianco, Bela. Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo, Global, 1987, [1940] p. 227-267. [excelentes referências]*

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organizações sociais tão complexas e que ao mesmo tempo carecessem da presença de um sistema politico formal, isto é, a presença de uma atribuição social específica que indicasse a presença de um poder organizado capaz de ordenar a sociedade através da aplicação sistemática de sanções ou privilégios. [existia ou não sistemas políticos nas sociedades tribais para os funcionalistas? A meu ver, sim]*. Curiosamente, estes antropólogos descobrem que para os “ditos povos primitivos” a “política” não pode ser separada das relações de parentesco e família, da hierarquia 6, dos laços econômicos, religiosos. Segundo esses autores, nestes grupos todos esses elementos se encontram unificados e são dificilmente separáveis, tornando-se muito difícil afirmar a existência (ou surgimento) do Estado. Entretanto se essas culturas carecem de um órgão centralizado que coordena a ação política, por outro elas apresentam uma ampla gama de ações politicamente orientadas, ou seja, a ausência do Estado (Moderno) entre certas etnias não significa a ausência de relações ou atribuições políticas, como o identificamos no caso das chefias indígenas ou da prática do xamanismo. 7 [OK. Muito bom. Demorou, mas enfim abordou o problema fundamental]*

A POLÍTICA NA ANTROPOLOGIA – DOS ANOS 1960 AOS DIAS ATUAIS

Pierre Clastres mostrou por que e como tais sociedades são contra o mercado e contra o Estado. Em outras palavras, não são sociedades sem comércio e sem Estado, mas contrárias a eles. In: Chauí, Marilena. Convite à filosofia. 2003, pg. 377 – 379 6 Em termos gerais, o conceito de hierarquia designa uma forma de organização de diversos elementos de um determinado sistema, em que cada um deles é subordinado do elemento que lhe está imediatamente acima e vice-versa. * Indicações bibliográficas: Dumont, Louis. Homo Hierarchicus: O Sistema de Castas e Suas Implicações. EDUSP, São Paulo, 1992 [1966]. 7 Lévi- Strauss C. Antropologia Estrutural. São Paulo: Cosac Naify, [1958] 2008. * Outras sugestões bibliográficas: LéviStrauss, C. Antropologia estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, [1973]1993; Clastres, Pierre. A sociedade contra o Estado, São Paulo: Cosac & Naify, [1974] 2003.

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Tendo identificado que certas funções políticas, como a liderança, são amplamente desempenhadas em outras culturas, os antropólogos decidiram, por sua vez, investigar como é que essas funções políticas são desempenhadas na vida diária dessas populações. Um estudo que recebeu grande destaque nesse período foi a obra do antropólogo francês Pierre Clastres, que procurou compreender como as lideranças indígenas dos Guayaki (povo pesquisado por ele) e alguns povos da Amazônia exerciam o papel de liderança política sem que a comunidade prestigiasse ou lhe concedesse um papel “distintivo” dentro da comunidade. [muito bom]* Em seu livro “A Sociedade Contra o Estado” Pierre Clastres afirma que os indígenas teriam conhecimento da função política da liderança (ou chefia), mas que seus chefes não dispunham de amplos poderes. Afirma Clastres que os povos indígenas aparentam não se interessar pelos discursos da liderança e que um líder dificilmente atuaria no sentido de comandar ou sancionar as pessoas. Para este autor o líder seria um “subordinado” da comunidade, uma vez que esta lhe impunha as funções de orador (através da realização de discursos públicos aparentemente pouco interessantes de se ouvir), de fornecedor (uma vez que todo líder deve ser generoso com seus bens materiais, doando-os a quem lhes necessitar ou pedir) e de mediador, através da evitação de conflitos internos ao grupo. Portanto, segundo Clastres, ao ser submetido às imposições sociais de seu grupo, embora conte com certo grau de prestigio e notoriedade, o líder se torna um eterno devedor que “presta serviços” e cuja dívida nunca será capaz de quitar, uma vez que certos benefícios que recebe possuem um valor social muito mais significativo para estes povos do que os serviços por ele prestados a comunidade. Clastres conclui seu estudo demonstrando que a estratégia social e política de certos povos indígenas é de controle extremo sobre as lideranças, especialmente na tentativa de evitar que as atividades do líder se imponham sobre o grupo, por isso ainda segundo o autor, as sociedades tribais seriam sociedades “contra o Estado”, isto é, sociedades que se esforçam sistematicamente em evitar que certas funções políticas, como a chefia por exemplo, centralizem as atividades da aldeia em torno de um único representante ou grupo de representantes. Há estudos mais recentes como os do antropólogo americano Waud Kracke 8 que adotam uma postura critica aos trabalhos de Clastres afirmando que é de suma importância que se estudem as lideranças nos povos tribais, pois além de relevante para a dinâmica da vida social cotidiana, o desempenho de certas funções políticas também pode ocorrer de modo centralizador em algumas sociedades, sendo, portanto, arriscado assumir antecipadamente que os povos não Ocidentais deixem de possuir um Estado – ou uma estrutura política centralizada e bastante sólida nos termos da ciência política contemporânea – como é o caso dos Amuesha do Peru, povo indígena estudado pelo antropólogo peruano Fernando Santos-Grañero 9 e que nas últimas décadas formou uma grande “nação”, organizando-se politicamente como meio de possibilitar um diálogo e também um enfrentamento das pressões nacionais externas sobre sua cultura. [excelente essa menção às críticas a Clastres, embora o Clastres não afirme exatamente isso]

8 Kracke, Waud In: Força e persuasão: Liderança em uma sociedade amazônica. (Em Inglês), 1978. 9 Santos-Granero, F. El Poder del Amor. Poder, Conocimiento y Moralidad entre los Amuesha de la Selva Central del Perú. Quito: Ediciones Abya-Yala, 1994.

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Além dos autores aqui discutidos, encontramos hoje um grupo de antropólogos brasileiros que assumiram a tarefa de investigar não mais povos indígenas ou distantes, mas os movimentos políticos e sociais que se desenvolveram e continuam a surgir atualmente em nossa sociedade. Para estes autores a antropologia precisa descobrir qual é a dinâmica de construção do comportamento político brasileiro e de seus movimentos políticos, ou do modo “político” e social de ser brasileiro do ponto de vista dos diversos grupos de interesse político do país – MST, GLBT, elites políticas locais, população das camadas trabalhadoras e médias urbanas, etc. 10 O objetivo desta vertente não é pressupor o que é a política ou como as pessoas deveriam se portar politicamente, mas atentar para como as pessoas fazem política no Brasil e o que elas entendem por política, especialmente considerando-se que a política está vinculada a outros elementos fundamentais de nossa cultura, como o parentesco (família), a economia, a religiosidade e a magia, a escolaridade e assim por diante.

PARA REFLETIR

A dúvida é o principio da sabedoria. Aristóteles

Finalizamos este trecho apresentando um breve histórico das diversas abordagens antropológicas acerca da temática política. Nele apresentamos questões fundamentais como as que citaremos a seguir: As sociedades “tribais” possuem ou não Estado? Tais populações apresentam ou não um poder “político” significativo? Ele é comparável a nossa forma de governo? Como ocorrem as relações políticas entre esses povos? E o que pensam as pessoas sobre a política, ou melhor, como as pessoas constroem culturalmente suas relações de poder e dominação entre si e para os outros? Elas Velho, Gilberto. A Utopia Urbana: um estudo de antropologia social. 6ª Edição Rio de janeiro : Jorge Zahar. [1973] 2002. * Outras sugestões bibliográficas: Chaves, Christine de Alencar. A marcha nacional dos sem terra. Relume Dumará, 2000; Fachinni, Regina. “Sopa de letrinhas”?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90: um estudo a partir da cidade de São Paulo, 2002; Marques, Ana Cláudia Duarte Rocha. Intrigas e questões: vingança de família etramas sociais no sertão de Pernambuco. Rio de Janeiro: Remule Dumará: UFRJ, Núcleo de Antropologia da Política, 2002; Leal, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Editora Perspectiva, 1975; Lewin, Linda. Política e parentela na Paraíba: um estudo de caso da oligarquia de base familiar. Rio de Janeiro: Record 1993. 10

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atribuem a certos papéis sociais, como é o caso da liderança, um vínculo com a noção de poder? Que espécie de prestígio seria esta? Estaria relacionada a outros elementos da sociedade? Se sim, quais? De que maneira certos grupos sociais reivindicam seus direitos quando são forçados a exigir reconhecimento diante de um Estado nacional que não lhes dá a devida atenção ou legitimidade? É preciso reconhecer que muitos avanços foram feitos no sentido de aproximar ciência política e antropologia e que as relações entre as duas áreas de conhecimento são e podem ser frutíferas quando ambas as disciplinas reconhecem e valorizam as descobertas uma da outra. Ademais, o avanço nesse diálogo permitiu que hoje a antropologia atuasse de forma mais engajada na mediação dos conflitos políticos resultantes do choque cultural entre os Estados nacionais e os povos imediatamente afetados pelo processo de colonização.

TEXTO DE APOIO:

PARA TRABALHAR EM SALA DE AULA COM OS ALUNOS

A necessidade de governo? Você chega à escola e sabe onde fica sua sala, quais são seus horários, que disciplinas vai estudar no ano, conhece os professores, recebe ou compra os livros, etc. Quem definiu tudo isso? A direção da escola. Ou seja, o governo da escola. Cabe ainda se questionar a respeito de como este “governo escolar” foi constituído, teria sido eleito? Ou é indicado? Será que existem critérios para fazer parte do governo “escolar”? Ou ainda, a escolha é consensual ou existiriam conflitos na disputa pelo governo da escola? Você consegue imaginar a possibilidade da escola não ter um governo? Ou seja, de não haver diretoria em uma escola? O mesmo se dá com uma sociedade e um país. Pode-se dizer que o governo, nas sociedades modernas, é necessário? Será que sempre foi assim? Em todas as sociedades existiram governos? Com o crescimento da população e a urbanização resultaram na formação de grupos humanos extremamente complexos. Os problemas aumentaram a cada dia, sobretudo com a relação à segurança e às necessidades básicas da maioria da população, como educação, saúde e transporte. Cabe ao governo pensar coletivamente nas resoluções destes problemas, e para isto é dotado dos meios necessários como poder de arrecadar impostos e de usar em muitas casos a força de Estado para impor o cumprimento das leis. A legitimidade das ações do governo funda-se nas leis, que possuem um caráter impessoal. Compreendem desde as funções do governo contidas na Constituição do país até as regulamentações relativas ao sistema de trânsito de uma pequena cidade, ou ainda, a normatização que rege as eleições para direção das escolas. Vocês conseguem imaginar alguma semelhança entre o diretor de uma escola e um líder tribal de uma comunidade qualquer?

Fonte: Introdução a Sociologia. Autor: João Guizzo, 2009.

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ATIVIDADE PROPOSTA AOS ALUNOS: Estratégias metodológicas: a)Dividir a sala em grupos com no máximo 4 alunos por grupo (enumerar os grupos por número, sendo que um grupo será o nº. 1, outro n°. 2 e assim por diante). b) Propor a leitura do texto ( tempo 8 a 10 minutos) para todos os grupos. c) Após a leitura individual de cada grupo, fazer a leitura em voz alta do mesmo texto parando em alguns pontos inserindo alguns conceitos e levantando algumas questões, propiciando e instigando a participação dos alunos (aproximadamente 20 minutos). d) Distribuir para os grupos as seguintes tarefas: Estabelecendo a eles que todos terão um tema central que será: Todas as coletividades possuem atividades política, inclusive as comunidades tribais? − O grupo número 1 será encarregado de fazer um cartaz abordando o tema discutido em aula, agregando ainda as ideias do texto: “A necessidade de governo”. − O grupo número 2 terá a tarefa de elaborar um poema com as principais ideias do texto (trabalhado anteriormente), inclusive inserindo questões trabalhadas nas aulas anteriores como o papel da mulher na questão política. − O grupo número 3 terá a tarefa de pesquisar e trazer ( ou elaborar) um vídeo sobre Política com o tema proposto : Todas as coletividades possuem atividades políticas, inclusive as comunidades tribais? − O grupo número 4 analise de uma música (os alunos deveram escolher e trazer a letra de uma música e também a música para ser tocada em sala) e inserir comentários produzindo uma síntese escrita para ser entregue. − O grupo número 5 deverá fazer análise de imagens e/ou charges sobre o tema procurando estabelecer diferenças e semelhanças entre os sistemas políticos primitivos e atuais. − O grupo número 6 deverá fazer uma pesquisa sobre como ocorre o processo eleitoral que envolve a direção das escolas. Em seguida, deverá produzir uma síntese apresentando sua pesquisa que deve conter também uma explicação que compare a ação política no ambiente escolar com o tema central proposto para os trabalhos. e) Agendar e combinar com a turma o tempo (que cada equipe terá para apresentar) e os dias em que ocorreram à apresentação. Definir ainda, os critérios a serem avaliados em cada tarefa proposta por grupo.

[Excelente trabalho, muito bem estruturado. Apenas considero que poderia ter sido um pouco mais didático e apresentado algumas questões de maneira mais objetiva. Mas está excelente de uma maneira geral. 90]

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Cap. 4) O processo de governo: Elites, Estado e Sistema Político.

(Leonardo Rocha / Roberta Picussa)

O Estado existiu sempre? As respostas dos diferentes paradigmas da Ciência Política [contemporânea].

A questão do Estado e suas implicações sempre esteve presente, e com grande O Marxismo é o importância, no debate político, isso se deve conjunto de idéias porque suas relação em conjunção com a questão filosóficas, econômicas, políticas do poder permeiam todos os elementos da e sociais elaboradas política. [redação*] Mas será que esta instituição primariamente por Karl tão importante sempre existiu na história humana? Marx e Friedrich Para analisarmos tal questão, utilizaremos a Engels e concepção sobre o Estado, desenvolvida pela desenvolvidas mais teoria marxista através das idéias desenvolvidas tarde por outros pelo teórico Vladmir Lenin, e posteriormente seguidores. teremos contato com a concepção relativa ao mesmo tema de outro importante teórico das ciências sociais, Max Weber. - Concepção marxista:

Segundo a concepção marxista, desenvolvida posteriormente por L e n i n 11, o E s t a d o é u m a i n s t i t u i ç ã o s o c i a l q u e n e m s e m p r e e x i s t i u , u m a v e z que ele surge com a divisão da sociedade em classes (exploradores e explorados), onde uns apropriam-se permanentemente do trabalho de outros. Para compreendermos melhor esta linha de pensamento, vamos observar como Lênin entende o processo de formação e desenvolvimento do Estado durante a história humana: Vladimir Ilitch Lenin, foi um revolucionário e chefe de Estado russo, responsável em grande parte pela execução da Revolução Russa de 1917, além de um dos principais teóricos do marxismo.

Antes da concepção do Estado, existia uma sociedade sem classes onde o trabalho organizava-se e mantinha-se pela força dos costumes e da tradição – “comunismo primitivo”.

A obra que Lenin explicita como fundamental para o entendimento do desenvolvimento do Estado na perspectiva marxista, é “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, de Friedrich Engels.

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O desenvolvimento da história levou a divisão da sociedade em classes (quando determinado grupo passou a produzir excedentes). Com efeito, ocorreu a divisão entre proprietários de escravos e escravos, onde o primeiro grupo além de possuir os meios de produção, possuía os próprios homens do segundo grupo – escravocrata.

Posteriormente, a sociedade volta a modificar-se, com uma configuração social pautada na servidão, dividindo a sociedade entre proprietários e os camponeses servos. Tais proprietários não “possuíam” os servos, mas apossavam-se de seu trabalho e os obrigavam a executar determinados serviços – feudal.

Surge então uma nova forma de organização social, com a emergência de uma nova classe proveniente do desenvolvimento do comércio, o aparecimento de um mercado mundial e a circulação monetária. Neste contexto, uma minoria da população (donos das terras, das fábricas e do capital), governa o trabalho e a população, explorando e oprimindo a maioria, que, em suma, constitui-se de trabalhadores assalariados que vendem a sua força de trabalho no processo de produção – capitalista.

Tais períodos da história humana apresentam uma diversidade de formas de organização política, as quais orientam-se pela divisão da sociedade em classes. Tendo em vista o processo descrito em relação ao Estado, e focando sua analise na configuração atual da sociedade (capitalista), Lenin efetua um questionamento - o Estado, mesmo em repúblicas democráticas, é a expressão da vontade popular, nacional, da decisão geral do povo, ou uma máquina que permite às classes dominantes desses países conservarem seu poder sobre a classe operária e oprimida? A conclusão que este teórico irá chegar esta no sentido de que – [cuidado com redação*]independente da forma, se uma república conservar a propriedade privada, se o capital mantiver toda a sociedade naquilo que ele chama de “escravatura assalariada”, este Estado configura-se enquanto uma máquina para que uns reprimam outros. Com efeito, Lenin, enquanto teórico marxista, irá definir o Estado como um aparelho a margem da sociedade que divide os indivíduos entre os que se dedicam a governar (representantes do Estado) e os que são governados. Estes que ocupam o aparelho de Estado, tomam posse de meios de coerção e violência física, empenhando tais elementos no sentido da manutenção de sua classe no poder, ou seja, o Estado atua como um meio de dominação de uma classe sobre a outra.

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- Concepção weberiana:

A concepção de Estado desenvolvida por Max Weber possui uma conotação diferente da marxista, ou seja, o seu foco de análise não está voltado para a questão da divisão entre classes. Primeiramente vamos analisar o que Max Weber entende por poder. Tal autor acredita que poder é a capacidade de controlar indivíduos, eventos ou recursos, fazer acontecer aquilo que a pessoa (ou grupo) quer, a despeito de obstáculos, resistência ou oposição, ou melhor, da vontade alheia. De maneira simplificada, ter poder implica em conseguir impor sua vontade sobre a vontade de outros indivíduos. Em relação ao Estado, os indivíduos que exercem o seu poder compõem o governo. O fato essencial para a existência desse poder de Estado, é que o mesmo detém o direito de impor e de obrigar os indivíduos que estão sobre sua autoridade. Para tanto, existe a esfera da lei, e quando a mesma não se mostra suficiente, o Estado utiliza-se da força, elemento o qual é de Max Weber foi um uso exclusivo do mesmo, fato legitimado pela intelectual alemão, jurista, própria sociedade. Dessa forma, qualquer economista e considerado eventual outro uso desse elemento, a força, é um dos principais teóricos ilegítimo e deve ser suprimido pelo Estado. Uma das Ciências Sociais. Além vez que este não consiga eliminar a violência, de suas abordagens sobre estará perdendo sua principal característica, e, Estado e economia, seus assim, potencialmente deixará de existir. estudos referentes as esferas da cultura e da

Portanto, Max Weber define o Estado religião,são considerados enquanto instituição social que mantém de extrema importância. monopólio legítimo sobre o uso da força, por isso, o Estado é definido por sua autoridade para gerar e aplicar o poder. Sendo este poder executado pelas instituições estatais competentes, como por exemplo, a polícia e o exército.

ATIVIDADE

1 – Analisando as concepções marxistas e weberianas em relação ao Estado, podemos entender a primeira enquanto focada nas relações de classe, e a segunda enquanto focada no indivíduo? Porque? 2 – Relacione os fatos contidos na reportagem abaixo com a definição de Estado de Max Weber:

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Polícia invade Complexo do Alemão Publicada em 28/11/2010 às 14h33m Ana Claudia Costa, Daniel Brunet, Luiz Ernesto Magalhães e Taís Mendes - O GloboTV Globo RIO - A polícia hasteou no início da tarde de domingo uma bandeira do Brasil no alto do teleférico do Alemão, como símbolo da ocupação do conjunto de favelas. Por volta das 9h30m deste domingo, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Mário Sérgio Duarte, informou que todo o Complexo do Alemão já estava tomado pelas polícias militar, civil e federal, além de homens das Forças Armadas. Cerca de 2.600 agentes participaram da invasão à comunidade, que começou às 8h. Os criminosos não ofereceram resistência. As forças de segurança vasculham toda a comunidade em busca de traficantes. Dez toneladas de maconha foram apreendidas. Oito pessoas foram presas tentando fugir pela galeria de águas pluviais. A coordenadora do Disque-Denúncia (2253-1177), Adriana Nunes, confirmou que o serviço recebeu ligações informando que traficantes poderiam estar tentando fugir do Complexo do Alemão por tubulações subterrâneas. A tubulação foi instalada pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governador Sérgio Cabral, em entrevista à TV Globo, agradeceu o empenho dos policiais e militares. - Nós temos um trabalho que tem como principal objetivo recuperar 30 anos de abandono, de populismo, de confusão - disse, lembrando a união entre governo federal, estado e município. Por volta das 10h, a polícia já havia chegado ao topo do morro. No primeiro momento, a estratégia foi ocupar o Morro do Adeus, que fica em frente ao Complexo do Alemão. Para lá foram homens do 22º BPM e do Comando Geral. - Agora é a hora da paciência de verificar casa por casa, beco por beco. Nós temos todas as suspeitas do mundo que há muita gente aí daqueles que fugiram (da Vila Cruzeiro). Eles, até o momento, não enfrentaram (a polícia). Preferiram fugir, o que não significa que não estão preparando uma armadilha para as nossas equipes. O trabalho mais difícil vem agora - disse o camandante-geral da PM. - Nós vencemos. Trouxemos paz para a comunidade do Alemão - afirmou. Na ação, foram apreendidas pelo menos dez toneladas de drogas e granadas no Complexo do Alemão. Logo após o início da ação, a Polícia Civil já havia tomado uma área central do Complexo do Alemão, conhecida como Areal, e outra área conhecida como Coqueiral. Dois helicópteros da polícia apoiaram a ação. - Um helicóptero é de combate e um segundo filma as ações, apontando onde os traficantes onde estão escondidos. A maioria já se abrigou dentro das casas - afirmou o chefe de Polícia Civil, Allan Turnowski.

3 – Relacione a reportagem e as imagens abaixo com a definição marxista de Estado.

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Estudantes protestam por passe livre de ônibus em Curitiba Polícia acompanhou a manifestação e houve confronto. Três pessoas foram atendidas com ferimentos leves e três foram detidas. Do G1, em São Paulo, com informações da TV Paranaense

Uma manifestação no centro de Curitiba, nesta sexta-feira (13), reuniu dezenas de estudantes pedindo o passe livre nos ônibus da cidade. A polícia acompanhou o protesto e houve confronto. (Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo/Futura Press).

Três estudantes foram atendidos com ferimentos leves. Segundo a polícia, outros três estudantes foram detidos. (Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo/Futura Press). 27

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REFERÊNCIAS

LENIN, V. I. Sobre o Estado; Conferência na Universidade Sverdlov em 11 de junho de 1919. In:______ Obras Escolhidas em Três Volumes, vol. 3. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980. P. 176189. LENIN, V. I. O Estado e a Revolução. Rio de Janeiro: Vitória, 1961. JOHNSON, A. G. Dicionário de Sociologia: Guia Prático da Linguagem Sociológica. Tradução, Ruy Jungmann; consultoria, Renato Lessa. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução: Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília, DF: Ed. da Universidade de Brasília. 1999. O

Globo Online. Polícia invade Complexo do Alemão. Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/11/28/policia-invadecomplexo-do-alemao-923129542.asp. Acesso em 01/06/2001 às 16:30.

G1. Estudantes protestam por passe livre de ônibus em Curitiba. Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL1001134-5604,00ESTUDANTES+PROTESTAM+POR+PASSE+LIVRE+DE+ONIBUS +EM+CURITIBA.html. Acesso em 01/06/2001 às 16:45.

Apêndice: Política e governo; como os povos decidem seu destino. Karl Deutsch Cap1: “A natureza da política”

O autor destaca que a vida de várias pessoas em uma comunidade exige que decisões políticas sejam tomadas a fim de administrar os recursos necessários para as vidas das pessoas. Pensando como exemplo uma cidade, temos uma série de recursos que precisam ser administrados entre todos: água, luz,

O autor define “política” como a tomada de decisões através de meios públicos.

saneamento básico, segurança, escola, moradia, e etc. São questões que precisam ser pensadas e administradas a fim de que os habitantes dessa cidade possam desfrutar de uma vida digna e pacífica. Essas decisões são, portanto, destinadas ao que é “público”, ou seja, de todos. A política é a dinâmica que envolve a tomada de decisões através de meios públicos. - Política e Governo

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Considerando a concepção de que política é a tomada de decisões através de meios públicos, Deutsch considera que Política é fundamentalmente preocupada com um Governo. Para o autor, governar pode ser ilustrado como o ato de dirigir um barco, e supõe: permanecer no controle; a realidade do local que se está governando; noção de seus limites e das oportunidades; resultado que se deseja obter.

- Governo e Ideologia Ainda com referência a analogia sobre Governos e embarcações, Deustch trás um conceito interessante sobre Ideologia. Ilustra que Ideologias são como mapas de navegação: assim como o comandante do navio usa mapas que guiam sua navegação, os Governos também traçam seus programas “guiados” por suas Ideologias. Assim destaca a importância das Ideologias dos governantes no processo de tomadas de decisões públicas. O autor define o conceito de ideologia como uma “visão simplificada do mundo”; um “mapa” pelo qual guiamos nosso comportamento. Legitimidade: garantia de que a procura de um valor será compatível com a procura de outros valores.

- Política e Interesses: Política também se relaciona com a promoção de interesses. Política não é a busca de um só interesse, mas a interação de vários interesses. De acordo com o autor, existem 8 valores básicos que as pessoas

Política é fundamentalmente preocupada com um Governo.

buscam

e

que

se

relacionam

com

a

Política:

Poder;

Esclarecimento;Riqueza; Bem-estar; Afeição; Habilidade; Retidão; e Deferência. Além de buscar esses valores, as pessoas também querem desfrutar de todos eles com Liberdade e Segurança.

- Política e Legitimidade: Para que as pessoas possam buscar esses valores com segurança e liberdade é preciso que haja um ambiente social propício. As pessoas tem que concordar de forma geral que

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A Ideologia funciona como um mapa pelo qual os governos guiam suas ações.

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existem formas legítimas de se buscas e desfrutar esses valores. Assim, Legitimidade pode ser vista como compatibilidade de valores. É a garantia de que a procura de um valor será compatível com a procura de outros. Dessa forma, as pessoas que para buscar um valor como a Riqueza deixam de lado outros valores como a Retidão e a Deferência não estão agindo de forma legítima. Da mesma forma, precisa haver legitimidade na forma como certos grupos chegam ao Governo e também nas Políticas e Leis propostas por ele. A estabilidade de um Governo depende muito da compatibilidade de suas ações com o conjunto de valores da sociedade. - Política e Hábitos de Submissão: Deustch coloca que Política é também a arte do possível. Os Governos devem saber o que pode ser feito e o que não pode, pois as pessoas só irão aceitar que seja feito aquilo que elas consideram como legítimo. Assim, o que é praticável pelos Governos depende dos hábitos, valores e prioridades das pessoas. Os Hábitos de submissão são de extrema importância nesse contexto, pois as ações que um Governo pode ou não imprimir dependem da disposição das pessoas a se submeterem a essas ações.

ATIVIDADE 1 –Leia a notícia abaixo e relacione com os conceitos elencados anteriormente, principalmente com a idéia de Hábitos de Submissão:

Dilma Rousseff manda suspender kit anti-homofobia, diz ministro Segundo Gilberto Carvalho, presidente achou vídeo 'inapropriado'. Bancadas religiosas haviam ameaçado convocar Palocci. Nathalia Passarinho Do G1, em Brasília

Após protestos das bancadas religiosas no Congresso, a presidente Dilma Rousseff determinou nesta quartafeira (25) a suspensão do "kit anti-homofobia", que estava sendo elaborado pelo Ministério da Educação para distribuição nas escolas, informou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. "O governo entendeu que seria prudente não editar esse material que está sendo preparado no MEC. A presidente decidiu, portanto, a suspensão desse material, assim como de um vídeo que foi produzido por uma ONG - não foi produzido pelo MEC - a partir de uma emenda parlamentar enviada ao MEC", disse o ministro, após reunião com as bancadas evangélica, católica e da família.

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Segundo ele, a presidente decidiu ainda que todo material que versar sobre "costumes" terá de passar pelo crivo da coordenação-geral da Presidência e por um amplo debate com a sociedade civil. "O governo se comprometeu daqui para frente que todo material que versará sobre costumes será feito a partir de consultas mais amplas à sociedade", afirmou. Segundo o ministro, a determinação do governo não é um "recuo" na política de educacional contrária à homofobia "Não se trata de recuo. Se trata de um processo de consulta que o governo passará a fazer, como faz em outros temas também, porque isso é parte vigente da democracia", disse. De acordo com Carvalho, Dilma vai se reunir nesta semana com os ministros da Educação, Fernando Haddad, e da Saúde, Alexandre Padilha, para tratar do material didático. "A presidenta vai fazer um diálogo com os ministros para que a gente tome todos os devidos cuidados. Em qualquer área do governo estamos demandando que qualquer material editado passe por um crivo de debate e de discussão e da coordenação da Presidência." REFERÊNCIAS DEUTSCH, K. (1982). Política e governo; como os povos decidem seu destino. Brasília: UnB. Caps. 1 e 2, “A natureza da política” (p. 19-41)

Portal G1. (2011). http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2011/05/dilma-rousseff-mandasuspender-kit-anti-homofobia-diz-ministro.html

[O trabalho está bom, mas o desenvolvimento dos pontos principais da teoria do Estado e do cotejo entre as duas abordagens está um pouco sumário. Poderiam também ter acentuado as diferenças entre as abordagens dos dois autores com base nas disciplinas de graduação, onde o assunto é exaustivamente tratado. Não usaram o Deutsch de maneira sistemática, que poderia ter sido utilizado para cotejar com as demais perspectivas “centradas no Estado”. 80]

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Cap. 5) Qual o conceito mais abstrato da ciência política: Estado, sistema político ou elite no poder? (Petra Schindler & Gilmar Zaran) Poder: palavra envolta em halo sagrado Quando se ouve falar de “poder”, pode-se sentir a importância do significado que é dado a esse termo, seja qual for o meio social que o use. Poder é sinônimo de status, algo pertencente, supostamente, a pessoas “acima” das outras, estando em um nível superior às demais – quase como se esse poder fosse algo que pairasse “acima” do meio social cotidiano, como se fosse algo externo exercido somente pelas pessoas mais capazes e dignas. Uma das definições de poder que existe, dada pelo holandês Van Doorn, diz que “poder é a possibilidade, por parte de um grupo ou pessoa, de limitar outros grupos ou outras pessoas na escolha do seu comportamento, visando a objetivos próprios”. Ora, se olharmos por esse lado, lendo atentamente a definição, poder é algo aplicável para várias relações sociais, de várias maneiras e em vários níveis, não sendo algo que “paira” acima de todos: cada indivíduo possui poder, por menor que seja. Em alguma instância todo indivíduo pode exercer poder das mais diversas formas na sociedade, mesmo que seja apenas dentro de casa, negociando ou impondo sua vontade, limitando as ações dos outros agentes envolvidos. A partir disso, pode-se tirar outra conclusão: poder não é simplesmente ser seguido ou seguir alguém. É um conflito de vontades e interesses, onde a pessoa pode ser dominante e dominado ao mesmo tempo. Vejamos um exemplo: um empregado ganha promoção de cargo do seu patrão. Aquele continua sendo um subordinado e só ganhou sua promoção graças ao patrão, mas ao mesmo tempo soube negociar e usou parte do seu poder de influência e exemplo para conseguir que o patrão lhe cedesse a promoção. Numa sociedade complexa, cheia de matizes como a contemporânea, as pessoas assumem diversos papéis simultâneos, de dominantes e dominadas ao mesmo tempo (o empregado pode ser, por exemplo, líder do sindicato ou o chefe principal da sua família). E esse funcionário não está “seguindo” o seu patrão: é uma relação de troca de favores, de negociação de capital, influência e força de trabalho. Algo muito importante que deve ser compreendido é a diferença entre poder e potência. Esta seria o “potencial” que algo tem de exercer poder, é uma possibilidade, não uma ação. Potência só se transforma em poder de fato quando o potencial é usado, exercido, transformado em ação concreta. Poder e Estado Após uma investigação mais profunda, a mítica do poder se desfaz, tornando-se algo trivial e parte do nosso dia a dia. Mas como em boa parte dos meios é a visão deste pairando sobre as pessoas que impera (a visão mítica), muitos o confundem com o Estado, sendo este muitas vezes confundido quase que como a “encarnação humana do poder”. Por essa razão, torna-se algo intimamente relacionado com a política, pois se confunde com a minoria dona do Estado, como se todo o poder viesse ali, e toda potência tivesse origem de fato na relação com o aparelho de Estado. Esta confusão entre poder e Estado pode ter acontecido por conta de um aspecto significativo da sociedade moderna: a dissociação da sociedade e do Estado. Antes o aparelho estatal abarcava a vida das pessoas em quase todos os aspectos, tendo influência direta sobre a vida cotidiana. Após as transformações cujo ápice foi a Revolução Francesa, o Estado se dissociou da sociedade, para que não tivesse mais tanto impacto e domínio sobre os indivíduos (liberalismo político). O poder maior, então, passou a ser uma coisa mais distante, que paira acima da sociedade para exercer controle, políticas públicas e de administração.

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Por causa da diversidade, da complexidade de relações que há na sociedade contemporânea, não há uma definição clara e precisa do que seja exatamente o Estado; afinal, ele é um reflexo da sociedade que o mantém. Se o meio social é complexo e diversificado, o aparelho estatal também o será. Isso, inclusive, pode causar incertezas nos indivíduos, por não saberem exatamente onde o poder está localizado devido à dispersão desse poder nas mais diversas relações sociais. Veremos mais adiante algumas consequências que isso pode causar. [muita paráfrase de autores sem citar as referências. O texto poderia ser melhor fundamentado, e as conexões lógicas melhor explicitadas]* Diferentes tipos de poder As diferentes espécies de poder, inclusive, se conflitam entre si, por causa de sua natureza múltipla. Este poder não só está disperso na sociedade, distribuído entre vários lugares, como é exercido de diferentes formas. Vejamos quatro oposições fundamentais de diferentes tipos: - Poder temporal X Poder espiritual; - Poder civil X Poder militar; - Poder político X Poder administrativo; - Poder político X Poder econômico. A dominação do tipo espiritual, de acordo com o sociólogo Auguste Comte, seria a influência exercida na forma de intelecto, religião e ideologia (esta última no caso de partidos políticos), em oposição ao poder temporal, que não tem uma natureza “divina” e influenciadora, é a formalidade de se obedecer alguém que está acima hierarquicamente. Exemplos são o poder das leis sobre o cidadão e do patrão sobre o empregado. O dominado obedece não por influência, mas sim por subordinação. [você tirou isso do Bobbio? Então deveria explicitar e mencionar a referência na nota de rodapé*] A oposição civil/militar se dá principalmente em sociedades que possuem uma presença militar forte que rivalize com os interesses civis. Já a oposição político/administrativo acontece quando a ideologia dos grupos políticos é contrária às questões administrativas de uma localidade. Às vezes, uma idéia política pode ir contra procedimentos administrativos de rotina, como cobranças e instruções superiores. Nota-se que o poder político rivaliza também com o poder econômico; isto ocorre quando as idéias políticas não compactuam com certos interesses econômicos, como por exemplo direitos trabalhistas exigindo menos horas de trabalho e licenças especiais em oposição à necessidade do trabalho incessante para se ter o máximo de lucro possível. Alguns estudiosos dizem, inclusive, que a União Soviética foi um movimento contrário à dispersão do poder em vários tipos para vários grupos distintos. Os altos funcionários do Partido Comunista, na maioria das vezes, acumulam várias espécies de influência (espiritual, militar, administrativa, entre outras). Centralizar o poder, de certa forma, tranqüiliza a população, pois esta consegue focar, ver claramente onde esses vários tipos de poder estão. Isso traz segurança, tanto por um poder centralizado aparentar mais força e eficiência contra problemas e inimigos em geral quanto pelo fato de, se o Estado e seus funcionários forem vistos com desaprovação, se saberia claramente “onde estaria o inimigo dominador”. Poder e “classe dominante” Karl Marx afirma, na sua obra “O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”, que o Estado é por si só um “aparelho montado para servir à classe dominante, seja ela qual for. A própria lógica estatal seria a de exercer a dominação e de controlar e amenizar a luta de classes. Mas, afinal, será que numa sociedade complexa e plural como a contemporânea existiria apenas uma classe dominante controlando o aparelho de Estado? E afinal, o que seria essa “classe dominante”, e do que difere dos termos “elite”, “classe política” e “classe dirigente”, se é que há alguma diferença?

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Primeiramente, vamos analisar o mais genérico dos termos, elite. Uma elite nada mais é do que as pessoas que se destacam, atingindo maior prestígio e poder, num determinado meio social. Isso pode se aplicar a grupos variados, por isso o termo elite deveria ser usado no plural, “elites”, pois usálo no singular faz entender que todas as elites são semelhantes de alguma maneira, estão no “mesmo nível”, o que não é necessariamente verdade. Também não se pode confundir elite com “os que dominam”, pois uma elite pode dominar outra. É o caso, por exemplo, das famílias dominantes em um município, que têm menos influência do que as famílias que exercem prestígio em um estado inteiro, ou mesmo no país inteiro. Muitas vezes, os interesses dessas elites entram em conflito, e exercem funções sociais totalmente opostas, não sendo essas funções necessariamente de dominação política. Elite tem muito mais a ver com destaque, prestígio e reconhecimento (que não necessariamente vem do dom da pessoa) do que com potência (lembrando, que potência é a capacidade de exercer poder). Classe política é a classe que exerce as funções desempenhadas pelo meio político, de administração, execução e promulgação de leis e regras. É interessante notar que nem sempre a classe política faz parte da estrutura do Estado: não é preciso ter um cargo político para ser membro desta classe. Lideranças carismáticas, ou com poder coercitivo físico e/ou de influência a seu dispor (como os coronéis da República Velha) exerciam funções políticas sem estar oficialmente dentro do aparelho estatal (inclusive, este é mais um ponto importante para dissociar política de Estado, não tendo esta obrigatoriamente ligação direta com a máquina estatal). Classe dirigente é um termo mais complexo: diz mais respeito a poder moral e financeiro, e esta classe é chamada informalmente de “eminência parda”: é ela que dirige, orienta as decisões da classe política. Esta executa as leis e as proposições, mas é a classe dirigente quem “dá o tom” da maioria delas. A influência desta classe muitas vezes não é feita de forma violenta: de modo geral, é pelo prestígio financeiro, tradicional (no caso de famílias influentes ou religiões fortes) ou midiático (pessoas que são donas dos meios de comunicação). A “classe dominante” seria uma mistura de dirigente e política, com o prestígio das elites. Algo que é interessante observar é que, muitas vezes, os interesses das classes dominantes não se coincidem; podem muitas vezes inclusive se rivalizar, principalmente nas quatro oposições de poder vistas no tópico anterior. Como já foi dito, tanto a elite quanto a classe dirigente estão difusas na sociedade, não estão “concentradas” em um lugar específico, o que pode causar certa angústia para os dominados por esses grupos, pois seria quase como que um “inimigo invisível” (por essa razão, “classe dirigente” também é utilizado no plural, pois não é um grupo homogêneo e com os mesmos interesses). Isso fez nascer o mito da elite clandestina, ou mito conspiracionista, que remete à idéia dessas classes dirigentes conspirarem em silêncio, nos bastidores, fazendo “fórmulas e esquemas secretos” para controlar a população. Alguns estudiosos usam o termo “elite de poder” para definir este grupo que supostamente dominaria tudo e todos às escuras, o que é errado, pois, como já vimos, o poder está difuso, distribuído em vários lugares, não está concentrado neste grupo de “elite de poder”. É da cultura coletiva imaginar que o poder de modo geral está concentrado em um lugar, sendo irradiado para todos os lugares. E, como o poder está difuso, não se vê se suposto “centro de irradiação” de dominação, então imagina-se que ele está oculto, escondido, controlando todos silenciosamente. É difícil, portanto, imaginar um grupo dominante isolado, uma “elite de poder” homogênea, na sociedade capitalista ocidental de hoje (por essa razão, também, é difícil imaginar a existência de uma “consciência de classe”, se não se sabe bem até mesmo quem seria essa classe). A “lei de ferro” das oligarquias Os diferentes sistemas políticos, segundo pesquisadores, seriam simplesmente “fórmulas diferentes de poder”, modos diferentes de distribuí-lo; mas nunca deixariam de ser formas de dominação, por mais igualmente que esse poder esteja distribuído. E essa distribuição não depende apenas da exerção [???] do domínio puro e simples; depende muitas vezes do potencial (lembrando que potencial é a capacidade de exercer poder) que cada grupo possui em uma sociedade X. Por essa

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razão, sistemas políticos iguais dão resultados diferentes em países distintos, mesmo sendo do mesmo continente, mesma etnia, mesma organização sócio-econômica... isso porque as minorias detentoras de maior poder (as oligarquias), seja poder político, militar, civil, espiritual, econômico, entre outros, se formam de maneira diferente dependendo da dinâmica social do lugar. Isso inclusive pode variar dentro das regiões de um mesmo país, principalmente um país tão diverso como o Brasil. Mesmo em uma sociedade sem classes sociais, como os países do chamado “socialismo real”, ainda existem classes dominantes – o que leva a pensar que não é somente o poder financeiro que possibilita a formação dessas minorias dominantes. Um autor italiano chamado Gaetano Mosca afirma, inclusive, que “o fato das oligarquias permanece, o que muda são somente as fórmulas de governo”. Isto é: mesmo em sociedades democráticas existem as classes dirigentes. Mas será que não seria perigoso admitir, sem refletir mais sobre o assunto, que “em qualquer sociedade existirá uma oligarquia, uma ou mais classes dominantes”? Não seria isso, talvez, naturalizar, aceitar um problema sem analisá-lo profundamente, ou até encontrar soluções? Dessa forma, para um estudo sobre oligarquias ser satisfatório é preciso analisar: - Como é o recrutamento (de onde vem as pessoas), a organização e a fórmula (em nome do que o grupo exerce domínio)? - Como a autoridade é exercida? - Quais as relações das classes políticas com outros privilegiados? Considerações finais Para concluir a resposta da pergunta inicial (qual o conceito mais abstrato da ciência política: Estado, sistema político ou elite no poder?), foi analisado o aspecto em comum que move a lógica dos termos: o poder. É pela análise deste que poderemos determinar qual é o mais abstrato. O Estado é um conceito difuso, já que não existe uma definição precisa dos estudiosos sobre o que realmente seja o aparelho estatal (inclusive, as definições divergem muito de autor para autor), tanto sobre o que ele é ou qual sua função. Apesar disso, sabe-se que ele existe; não é porque algo não está claro que necessariamente inexiste. Sistemas políticos, como foi visto, são fórmulas diferentes, modos diferentes de exercer o poder. Até mesmo a anarquia pode ser assim considerada: pois, na teoria, seria o sistema que teria o poder mais difundido, mais igualmente distribuído, não centralizado na mão de poucos; mas mesmo assim os cidadãos teriam sua parcela de poder. A questão é analisar: até que ponto os diferentes sistemas de governo são semelhantes ou diferentes uns dos outros? Já a “elite no poder” trata-se de uma abstração criada pela sociedade, que imagina o poder sempre todo concentrado em um grupo vindo “de cima”, desconhecendo muitas vezes sua natureza de mão dupla, de pessoas sendo governantes e governados ao mesmo tempo. Como a difusão desse poder confunde a população por ser contrário a esse imaginário, imagina que esse domínio – que deveria estar em um lugar só, bem visível – está escondido. Mas é importante lembrar: não é porque a idéia de elite no poder é um tanto problemática que não possam existir alguns grupos que dominam silenciosamente. Exercícios 1) Diferencie poder e potência e explique qual a relação dos dois. 2) Por que o poder é visto por muitos como algo “sagrado”? 3) Como Marx vê a questão do Estado? Compare isso com as reflexões sobre o aparelho estatal contemporâneo. 4) Por que um mesmo sistema político pode se desenvolver de maneiras diversas, mesmo em nações com história e cultura semelhantes?

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5) Escolha três das formas de exerção de poder e exemplifique com aspectos da sociedade contemporânea. 6) Explique o motivo da URSS ser considerada uma “reação” às formas atuais de poder. 7) Escolha um grupo dominante, que faça parte da oligarquia de poder na sociedade. Analise-o segundo as proposições sugeridas para uma análise mais aprofundada.

[O trabalho está muito no estilo de resumo de textos, e não no formato de material didático. Ao que parece, procurou-se mais responder à pergunta do programa do que produzir um material didático a partir do texto indicado. Faltaram também referências bibliográficas complementares. 80].

Referência bibliográfica: ARON, Raymond. Estudos Sociológicos . Editora Bertrand Brasil, 1991. Tradução de Márcia Cavalcanti.

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“O mundo comum é aquilo que Copyright HCS-003. Proibida qualquer forma de citação e reprodução sem autorizaçãoadentramos expressa dos autorese .deixamos ao nascer para trás quando morremos. Transcende a duração de nossa vida tanto no passado como no Cap. 6) As dimensões básicas do funcionamento dos futuro: nossa breve permanência. sistemas políticos: cultura política, instituições, representação e É isso o que temos em comum comportamento político. [é bom evitar esses formatos esquisitos não só com aqueles que vivem como a desse Box sobre a Hanna Arendt] conosco, mas também com aqueles que virão depois de nós” (ARENDT, Hannah, 2004, A Condição Humana, p.65). (Marli Klein Valaski & Heloísa)

6.1. Reflexões sobre: o Estado e a sociedade, como se dá o Público e o Privado no Brasil? Como nos ensinou o sociólogo alemão Norbert Elias, as sociedades podem ser compreendidas a partir do exame de seus costumes. Observando as maneiras de se comportar ou os hábitos mais comuns de uma sociedade, podemos entender melhor como ela se concebe a si mesma e como é percebida por quem está de fora. O Estado é uma organização criada pela sociedade por diferentes percursos. No caso do Brasil, a estrutura estatal criada após a independência se manteve até a proclamação da República, em 1889. O Estado no Brasil sempre se sobrepôs à sociedade, como se fosse algo fora dela. Nós aprendemos desde cedo que tudo depende do Estado e que nada podemos faze sem a presença dele, atribuindo-lhe a responsabilidade pelos problemas da sociedade e por suas soluções. Assim, se culpamos o Estado pelas dificuldades que encontramos, também dele esperamos socorro e proteção – o que vale tanto para os proprietários de terras, os empresários industriais e os banqueiros quanto para o restante da população. Para esclarecer essas características das relações entre o Estado e a sociedade no Brasil, vamos examinar a relação entre o que é público e o que é privado. Segundo Hannah Arendt: Esfera Pública, tal como ela se constitui pela primeira vez na antiguidade clássica. A vida na Polis denotava uma forma de organização política muito especial e livremente escolhida, não podendo ser tomada como o simples prolongamento da vida familiar e privada ou como uma estratégia de sobrevivência de um ser gregário: A capacidade humana de organização política não apenas difere, mas é diretamente oposta a essa associação natural cujo centro é constituído pela casa e pela família. Osurgimento da cidade-estado significava que o homem recebera, além de sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o seu bios politikos. Agora cada cidadão pertence a duas ordens de existência; e há uma grande diferença em sua vida entre aquilo que lhe é próprio (idion) e o que lhe é comum (koinon). Assim, a esfera privada, ligada à casa e à família, caracterizava-se por ser um plano da existência no qual se buscava

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Sobre Hannah Arendt Cientista política germânica de origem judia nascida em Linden, Hanôver, Alemanha, consagrada como um dos grandes nomes do pensamento político contemporâneo por seus estudos sobre os regimes totalitários e sua visão crítica da questão judaica. Filha do engenheiro Paul Arendt e de Frau Martha Cohn, doutorouse em filosofia na Universidade de Heidelberg (1928) e, vítima do racismo anti-semita, fugiu para Paris (1933), onde trabalhou como assistente social atendendo a refugiados judeus. Estudou com Karl Jaspers e Martin Heidegger e casou-se com o jovem filósofo judeu Gunther Stern (1930). Divorciada (1939) casou-se com professor de história da arte Heinrich Bluecher (1940) e com a ocupação da França pelos nazistas partiu para os Estados Unidos (1941). Em Nova York foi diretora de pesquisas da Conferência sobre as Relações Judaicas, mas teve que esperar vários anos até retomar o trabalho universitário. Naturalizou-se cidadã americana (1951) e publicou Origins of pela Totalitarianism (1951(1963), suscitou muitas polêmicas ao denunciar o papel das lideranças judaicas no extermínio nazista da segunda guerra mundial.

Outra obra famosa foi Between Copyright HCS-003. Proibida qualquer forma de citação e reprodução sem autorizaçãoPast expressa autores . and dos Future (1961), onde afirmava que a palavra e a ação, para se converterem em política, requerem a existência de um prioritariamente atender às necessidades da vida, garantir a espaço que permita o sobrevivência individual e prover a continuidade da espécie. Era, pois, aparecimento da liberdade. Ainda a esfera da necessidade e do ocultamento; da proteção e manutenção nas ensinou (1963-1967) da vida, da defesa dos interesses próprios (idion) refere-se ao que Universidades de Berkeley e de próprio a um indivíduo ou grupo particular, daí a origem da palavra Chicago e passando para a New School for Social Research, em idioma ou do termo idiotés, que para os gregos era aquele que só New York (1967). Publicou Men cuida de si ou do exclusivamente seu). Por isso, no pensamento in Dark Times (1968), enviuvou clássico, a existência nesse plano não era verdadeiramente ‘humana’, de Bluecher (1970) e morreu em 4 mas caracterizava-se por ser um esforço pela sobrevivência de mais de dezembro, New York.

um exemplar da espécie. Análogo, portanto, aos esforços das demais formas de vida animal. Esse plano da existência – o dos esforços pela manutenção da vida, característicos da esfera privada – é mantido pelo labor; ou seja, pelo conjunto de atividades cujo produto é consumido no próprio ciclo vital. A atividade de cozinhar, por exemplo, é característica do labor, já que a finalidade de seu produto – a refeição – é ser consumida no esforço de manutenção da vida, individual e da espécie. Já a esfera pública surge a partir da constituição de um mundo comum, não no sentido de um espaço coletivo vital e natural, mas no de um artifício propriamente humano, que nos reúne na companhia dos outros homens e de suas obras. Não se trata de simples esforço. Assim, a esfera privada, ligada à casa gregário para prover formas de subsistência coletiva (o que pode acontecer no âmbito privado da família, por exemplo), mas da possibilidade de criação de um universo simbólico e material compartilhado e comum. Por isso não é mera continuidade ampliada da esfera privada. O biospolitikós (o modo de vida da Polis, da Cidade) é uma nova esfera de existência, que congrega cidadãos livres em torno daquilo que lhes é comum – um espaço público – e cria uma realidade compartilhada (koinon, por oposição ao idion). Se a esfera da privatividade é a do ocultamento, a dos mistérios da vida e do zelo por sua proteção, a esfera pública é esse mundo comum no qual todos podem ser vistos e ouvidos na sua singularidade existencial. [OK. Muito bom, faltou apenas apresentar num tom mais didático]* A ação é, pois, a dimensão na qual podemos experimentar a liberdade como fenômeno político, ou seja, vivenciar a capacidade histórica de romper com os automatismos, a reprodução social e criar o novo. Se o espaço público fosse simplesmente a associação ampliada do privado, permaneceríamos no âmbito da necessidade, sem a experiência de criar em conjunto um mundo comum a todos. Ora, a distinção entre essas dimensões da existência (a particular e privada e a comum e pública; a de suprimento das necessidades e as da criação e livre gestão do mundo) não era fruto de um conceito teórico, mas um reflexo da experiência da vida na Polis, essa organização peculiar da antiguidade que marca etimologicamente nosso conceito de política. Nela, por exemplo, ser escravo designava menos uma condição econômica do que um status político de privação. Ao escravo era interditada a participação na esfera pública, logo, a possibilidade de, por seus atos e palavras, revelar quem é; de fundar e gerir, com outros cidadãos livres e iguais, corpos políticos

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Sérgio Buarque de Holanda

Juntamente com Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, nascido em São Paulo em 11 de julho de 1902, foi um dos "explicadores do Brasil", isto é, alguém que, por meio de uma respeitável obra, procurou tornar o país mais inteligível aos próprios brasileiros. Seu interesse oscilou entre a literatura e a história, sempre abordadas pelo viés da sociologia, especialmente a da escola alemã, mais precisamente a de Max Weber. Hoje, Sérgio Buarque de Holanda, falecido em 1982, é considerado um dos mais eminente intelectuais brasileiros do século XX.

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autônomos; ser escravo era, portanto, estar privado da liberdade como experiência de ação política. Ora, é essa experiência existencial de uma dicotomia que sustenta a necessidade de ambos os pólos – o privado e o público – bem como de sua separação em instâncias diferentes e complementares que parece gradativamente se obscurecer no mundo moderno7. Alguns aspectos dessa indistinção nos são bem familiares e imediatamente identificáveis. Assuntos e experiências que tradicionalmente eram preservadas no âmbito privado – a dor, o amor, a morte, que por encerrarem os mistérios da existência deveriam ser protegidos da luz pública – cada vez mais a ela são expostos. A mídia eletrônica e escrita faz da vida privada de celebridades assunto comum e público. Por outro lado, aquilo que deveria ser, por excelência, assunto comum e público – como a política e a arte – passa progressivamente a ser tomado como uma opção individual, uma ‘questão de gosto; e gosto não se discute’. Há, contudo, uma dimensão menos perceptível dessa diluição de fronteiras, mas cujas conseqüências parecem ser ainda mais profundas. Trata-se do fato de que a atividade por excelência ligada ao âmbito do privado e da necessidade, o labor – e o consumo que o caracteriza na luta pelo ciclo vital – ganham progressivamente o espaço e a visibilidade do mundo público, engolfando as esferas do trabalho e da ação. Forma-se, assim, uma nova esfera, nem propriamente pública nem privada. Trata-se do que Arendt denominou a esfera social, caracterizada pela organização pública do próprio processo vital: a sociedade é forma na qual o fato da dependência mútua em prol da subsistência e de nada mais, adquire importância pública, e na qual as atividades que dizem respeito à mera sobrevivência são admitidas em praça pública8. E, ao assim fazerem – poderíamos acrescentar – expulsam da esfera pública aquilo que lhe era o mais característico: ação política. Ela se torna, na melhor das hipóteses, mera coadjuvante para o êxito da vida privada. [está bom, mas o parágrafo está muito longo, o que não fica bem num material didático. Poderia fazer um esforço para expressar com mais clareza essa idéia]* Desse modo as atividades que dizem respeito ao labor, cuja meta é a busca pela sobrevivência e o produto algo a ser consumido nesta busca, ganham importância crescente no mundo moderno, transformando-o num espaço das atividades de manutenção da vida e de consumo. A própria expressão coloquial ‘ganhar a vida’, ao ser usado como sinônimo de trabalhar deixa patente que concebemos nossa atividade produtiva como um modo de perpetuar o ciclo da vida, uma luta pela sobrevivência – ou uma forma de gerar a opulência do consumo – e nada mais. Não se trata, pois, de criar algo cuja permanência o integrará – e indiretamente nos integrará – à durabilidade do mundo comum. Trata-se, antes, de um modo de garantir a vida própria e bem estar da família, bens supremos da ordem ‘social’. Pense-se, ainda como exemplo, na estrutura de nossas cidades: Cada vez menos são concebidas e utilizadas como um espaço comum de reunião dos cidadãos, ou seja, palco para a ação. Ao contrário, suas vias são projetadas para a circulação de bens e mercadorias; para o deslocamento de um transeunte que vai da esfera íntima do lar para a esfera privada da produção ou distribuição de mercadorias; preferencialmente num veículo próprio. E o ponto de encontro não é a praça pública, mas o shopping center; moldado não para abrigar a igualdade dos cidadãos, mas a diferenciação dos consumidores. Claro que numa organização social dessa natureza – uma sociedade de consumo – a noção de um mundo comum que transcenda a existência individual de cada um, tanto no passado como no futuro, se esvai. O mundo deixa de ser algo a ser compartilhado para, também ele, ser consumido. Desse modo, na esfera social – ou numa sociedade de consumo – o que homens têm em comum não é um mundo de significações, práticas e valores compartilhados; mas seus interesses particulares. Daí porque nessa ordem o ideal regulador do Estado não é a noção da busca do bem comum – como em Aristóteles – mas a administração competente dos interesses particulares ou privados em conflito. O que significa a submissão da ação política ao labor.

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E no Brasil? Como acontece essa Dicotomia? Sérgio Buarque de Holanda desenvolve uma idéia em torno da qual constrói sua interpretação sociológica: a do homem cordial. Este seria o brasileiro típico fruto da colonização portuguesa e representante da nossa sociedade. O que o autor busca demonstrar é que o homem cordial era um tipo de sujeito que agia movido pela emoção, no lugar da formalidade, do respeito as leis universais, o que existia era a lógica dos favores. O homem cordial caracteriza-se fundamentalmente pela rejeição da distancia e do formalismo nas relações sociais. Mas o caso brasileiro tem uma característica: as atitudes e princípios vigentes no universo íntimo da família acabaram por transbordar para a esfera pública. Os políticos tratam os assuntos públicos como se fossem assuntos privados, fazendo com que o Estado se torne mas “pessoal” e menos “burocrático”. È nesse sentido que Sérgio Buarque de Holanda sugere a classificação do Estado brasileiro Patrimonial em uma clara alusão a diferenciação feita por Max Weber entre burocracia e patrimonialismo Para Max Weber, a burocracia representava um aparato indispensável para o funcionamento da máquina administrativa do Estado. Numa sociedade onde impera a lógica legal-burocrática, o Estado é regido pela impessoalidade, pelo formalismo, pela previsibilidade e universalidade são critérios. Numa sociedade organizada segundo a lógica patrimonial, ao contrário, os homens públicos atuam na esfera estatal de acordo com regras e valores da esfera doméstica. Em vez de critérios universais e objetivos levam em consideração os laços sentimentais e familiares. Buarque diria que isso acontece porque, onde deveriam reinar os princípios da racionalidade acabam por imperar critérios caros a cordialidade. Vemos, portanto, que o conceito de home cordial se presta à compreensão de uma sociedade marcada por uma confusão, por uma diferenciação precária entre o que é público e o que privado. O home cordial, tipo ideal do brasileiro e produto sociológico de nossa história, é símbolo dessa confusão público/privado. O representante de uma sociedade baseada no personalismo e no patrimonialismo. O patrimonialismo impede a consolidação de um Estado propriamente moderno e eficaz porque opera na lógica do “meus amigos em primeiro lugar”. Na sociedade do homem cordial, em que o espaço público é tomado como um prolongamento do espaço privado, fenômenos como o coronelismo, o apadrinhamento, o jeitinho e a corrupção põem os interesses acima do bem comum. Assim podemos dizer que houve no Brasil uma apropriação privada do que é publico, ou seja, quem chegava ao poder tomava conta do público como se fosse seu. Dessa forma, a instituição que deveria proteger a maioria da população – o estado – adotou como princípio o favorecimento dos setores privados, que dominaram economicamente a sociedade. O Estado beneficiava esses setores e também era beneficiado por eles, que lhe davam sustentação. Público, privado e social Tornou-se lugar comum apontar a existência do que parece ser uma crescente tensão entre os âmbitos público e privado, suas fronteiras e características. Há discursos que, em toma apreensivo, denuncia um declínio ou mesmo o eventual desaparecimento da esfera pública como resultado do que seria uma crescente ‘privatização’ de todas as esferas da vida em nossa sociedade. Noutro viés ideológico, alega-se uma incontornável ineficiência do ‘setor público’ quando comparado à ‘agilidade da iniciativa privada’. Esses dois exemplos recorrentes dos quais lançamos mão já bastam para sugerir que a dicotomia ‘público’ x ‘privado’ há tempos não se resume a contendas acadêmicas. Ao contrário, ela parece habitar nosso universo conceitual cotidiano. É provável que nesse uso habitual nossas referências sejam suficientemente claras para seus propósitos de comunicação, persuasão ou emissão de opinião. Contudo, não é difícil dar-se conta de que os termos da dicotomia são polissêmicos; tanto isoladamente como em sua relação. Basta apresentarmos questões mais precisas para que a aparente clareza com que os utilizamos desapareça.

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Não é raro, por exemplo, que o adjetivo público seja direta e exclusivamente identificado com o que é instituído ou mantido pelo Estado, como uma ‘escola pública’, um ‘hospital público’. Mas a criação e o financiamento estatal garantem o‘caráter público’ de uma instituição? Um banco criado e mantido pelo Estado devesse necessariamente ser considerado como uma ‘instituição pública’? Ou seria simplesmente uma empresa ou organização que funciona no padrão daquilo que é privado, ainda que a partir de recursos públicos? Em caso afirmativo, poderia, então, haver uma instituição que do ponto de vista de sua propriedade seja ‘patrimônio público’, mas da perspectiva de seu funcionamento, produto ou acesso uma ‘organização privada’? O ‘estatal’ sempre equivale ao ‘público’ ou, ao contrário, o interesse do Estado pode entrar em conflito com o ‘interesse público’? Talvez essa vinculação imediata entre ‘público’ e ‘privado’ com a propriedade estatal ou particular de um bem seja uma das formas mais corriqueiras e simplificadas de se definir os termos da dicotomia. Mas é bastante problemática, já que há bens comuns que não são propriedade – nem pública nem privada – mas podem ser indiscutivelmente classificados como ‘bens públicos’, como é o caso da língua de uma nação. A língua portuguesa – ou a tupi – não é uma propriedade, em sentido estrito, de ninguém, embora seja um bem simbólico comum e público. Essas questões e observações iniciais visam unicamente chamar a atenção para o fato de que o uso dos conceitos de ‘público’ e ‘privado’, ainda que relativamente corriqueiro, pode ensejar imprecisões e ambigüidades, dada a pluralidade de significações que a eles costumamos atribuir. Assim, mesmo sem ter a pretensão da existência de uma significação essencial e a - histórica desses termos, sua adequada compreensão requer, a meu ver, uma referência ao sentido primeiro da experiência política que os criou. Não porque a ela poderíamos – ou deveríamos – voltar, nem por culto à nostalgia. Mas pela convicção de que certos conceitos trazem consigo a significação fundamental das experiências políticas que os geraram. E seu desvela mento poderá ensejar, na medida em que revelar ar significações de que são portadores, a busca pela reflexão acerca do sentido de certos problemas contemporâneos que a eles fazem referência. Vamos organizar o Conhecimento? [excelente. Muitos não fizeram isso] 1. Escreva um texto observando os seguintes critérios: 1. As características da ‘esfera privada’. 2. As características da ‘esfera pública’.3. As características da diluição moderna da fronteira entre essas duas esferas. Segundo a autora Hannah Arendt. E, o que ao longo do tempo fez as esferas perderem suas dicotomias? A ausência da dicotomia entre as esferas tem em grande parte levado a crescente despolitização? Por quê? 2. Como você interpreta a afirmação: “A ação é, pois, a dimensão na qual podemos experimentar a liberdade como fenômeno político”? 3. Leia o poema abaixo em seguida responda as questões propostas apoiando-se nas informações contidas no capítulo sobre a reflexão da sociedade brasileira. Poema: Só de Sacanagem

Composição: Elisa Lucinda Na voz de Ana Carolina

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http://www.youtube.com/watch?v=0JC8wdmXxlc&feature=player_embedded Meu coração está aos pulos! Quantas vezes minha esperança será posta à prova? Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente pra educar os meninos mais pobres que nós, pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais. Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais. Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração tá no escuro. A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: " - Não roubarás!" " - Devolva o lápis do coleguinha!" " - Esse apontador não é seu, minha filha!" Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas-corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar, e sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda eu vou ficar. Só de sacanagem! Dirão: " - Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba." E eu vou dizer: "- Não importa! Será esse o meu carnaval. Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos. Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau." Dirão: " - É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". E eu direi: " - Não admito! Minha esperança é imortal!" E eu repito, ouviram? IMORTAL!!! Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar pra mudar o final.

1.Qual é a relação entre o Poema: Só de Sacanagem, e a Postura política do brasileiro, o homem cordial apontada pelas análises do autor Sérgio Buarque de Holanda?

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2.Assim como Sergio Buarque de Holanda, o Poema: Só de Sacanagem propõe uma interpretação do Brasil que explora a relação do indivíduo com as esferas pública e privada. Reflita sobre as interpretações, e escreva a sua própria interpretação do Brasil. Sugestão de Filme: Brasil, 2000, duração 104 minutos. Direção de Guel Arraes. Adaptação da peça do mesmo nome de Ariano Suassuna. O herói da história é um homem cheio de esperteza que resolve seus problemas e de outros, enfrentando até mesmo Nossa Senhora, em um tribunal.

Referências: ARENDT, H. (2007). A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Cap. 1 “A Condição Humana” (p. 15-88). BOMENY, Helena e MEDEIROS, F. Bianca. (Org.) Tempos Modernos, Tempos de Sociologia. Volume Único. 2010.Fundação Getúlio Vargas. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador 1: uma história dos Costumes. Rio de Janeiro: Zahar,1994. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras. 1995. TOMAZI, Nelson Dácio.Sociologia para o Ensino Médio.Ed. Atual TELLES, Vera da Silva. Espaço público e privado na constituição do social: notas sobre o pensamento político de Hannah Arendt. Tempo Social, São Paulo, vol 02, nº01, 1990, p. 28-47. WEBER, Max. Ciência e Política: duas Vocações. In: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro. Zahar.1982. http://revolucoes.org.br/v1/blog Acessado em 20/06/2011 http://www.youtube.com/watch?v=0JC8wdmXxlc&feature=player_embedded 23/06/2011 Apêndice sobre os conceitos de poder e Estado (adendo). (Heloisa Cristina N. Borges) DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO 1. Temas trabalhados neste texto: Poder e relações sociais

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Estado e monopólio do poder Democracia e autoritarismo

2 Previsão de tempo para o desenvolvimento do tema:

De três a quatro aulas (incluindo a realização/correção das atividades propostas)

3 Conteúdo elaborado preferencialmente para o 2º e o 3º ano do Ensino Médio

O que é Estado?

Segundo o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), o Estado é uma organização social cuja principal característica é ter o monopólio legítimo do poder, ou seja, é o Estado que detém o poder legítimo de uso da força física. Ao desenvolver este tema, Weber falava na constituição do Estado de Direito, um tipo de Estado em que nada nem ninguém está acima da lei. São as leis que garantem a legitimidade de atuação do Estado na sociedade. As leis estabelecem parâmetros para o uso do poder pelo Estado e expressam, em último caso, o desejo popular – e não os interesses particulares de governantes ou grupos sociais. Sendo a lei a expressão da vontade do povo, de acordo com o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o Estado de Direito requer a existência da democracia como forma de governo. A democracia é a base do Estado de Direito, por ser o mecanismo que permite que a sociedade participe no exercício do governo. Já os cidadãos de uma sociedade democrática estão dispostos a obedecer às leis, fato que cria uma ordem social alicerçada na participação, na liberdade de expressão e de associação. O poder exercido de forma autoritária é o oposto da democracia. Os governos que vivem esta realidade são chamados de governos autoritários e são conhecidos assim por exercerem o poder de forma leviana e arbitrária contra a sociedade e por não respeitarem a vontade do povo. A legitimidade destes governos não está na lei, como acontece nos Estados democráticos, mas no domínio que grupos sociais exercem quando tomam à força, mediante um golpe ou revolução armada, o poder do Estado.

Atividade 1: Baseado na leitura do texto acima, analise a frase abaixo:

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“Toda ação é designada em termos do fim que se procura atingir.” 12 Para entender melhor o pensamento de Max Weber:

Max Weber nasceu em 1864, num período em que as primeiras disputas sobre a metodologia das Ciências Sociais começavam a surgir na Europa. Filho de uma família de classe média alta encontrou em sua casa uma ambiente intelectualmente estimulante. Seu pai foi um advogado conhecido e bem-sucedido, que desde cedo orientou o filho no caminho das humanidades. Sua mãe era uma mulher inteligente, que possuía interesses humanitários e religiosos. Sua casa era um ponto de encontro de políticos liberais e professores da Universidade de Berlim. Weber permaneceu até os vinte e nove anos na casa de seus pais e recebeu educação em línguas, Literatura Clássica e História. Em 1882, iniciou estudos na área do Direito em Heidelberg. Depois de continuar seus estudos em Gottingen e Berlim, dedicando-se à Economia, à História, à Filosofia e ao Direito, Weber completou sua tese de doutorado, em 1889, sobre a história das companhias de comércio durante a Idade Média. Em 1898 passou a sofrer de sérias perturbações nervosas, que interromperam seu trabalho docente. Em 1899 foi internado numa casa de saúde para doentes mentais, onde permaneceu por algumas semanas. Retornou ao trabalho somente em 1903 como coeditor de Arquivo de Ciências Sociais, uma publicação muito importante no desenvolvimento dos estudos sociológicos na Alemanha. Em 1905, viajou aos Estados Unidos, onde deu uma série de conferências e recolheu material para a continuação da sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Mudou-se para Viena em 1918 e, desse momento até sua morte, dali dois anos, dedicou-se às aulas particulares e proferiu uma série de conferências nas universidades de Viena e Munique sob o título História econômica geral. Suas principais obras são: Economia e Sociedade (publicado em alemão, em 1956 e 1964, e em inglês em 1968) e A ética protestante e o espírito do capitalismo (1905). 13

RETOMANDO O ASSUNTO

Vimos neste capítulo que a democracia é a forma de governo em que o povo tem o poder de escolher o governante, o qual exerce a função de governo por um mandato fixo e previamente definido. A palavra democracia vem do grego, da junção das palavras demos e kratos, que significam respectivamente povo e poder. Em uma democracia, o poder de escolha do governante que cabe ao povo é realizado por meio de eleições regulares e periódicas, estabelecidas pela lei. O direito de voto também conhecido como sufrágio, é o poder de voto que cabe aos cidadãos, dentro de uma ordem O autor da frase é o pensador florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527) e está na obra clássica “O Príncipe”. Maquiavel é reconhecido como fundador da ciência política moderna, pelo fato de haver escrito sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Os recentes estudos do autor e da sua obra admitem que seu pensamento foi mal interpretado historicamente. Desde as primeiras críticas, feitas postumamente por um cardeal inglês, as opiniões, muitas vezes contraditórias, acumularam-se, de forma que o adjetivo maquiavélico, criado a partir do seu nome, significa esperteza, astúcia. 12

13 Texto adaptado da obra: DIMENSTEIN, Gilberto. Dez lições de sociologia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008, p. 175.

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democrática. A história do sufrágio começa entre os gregos atenienses, durante o período da democracia de Péricles (século V a.C.). O governo democrático dos gregos era exercido na ágora (palavra grega que significa praça pública), onde os cidadãos homens, maiores de vinte e um anos, escolhiam, mediante sorteio, os indivíduos que ficariam responsáveis pelos negócios do governo, formando a eclesia. A democracia ateniense durou cerca de cem anos, sendo substituída pela monarquia. Na modernidade, a democracia foi reinventada no século XVIII, com as revoluções burguesas, ganhando corpo a partir da Revolução Francesa, que ocorreu em 1789, e da Guerra de Independência dos Estados Unidos, que data de 1776. O direito de voto foi sendo gradativamente estendido ao povo, originalmente restringindo a participação de mulheres e negros. O direito de voto a mulheres e negros é sinônimo da conquista dos movimentos sociais, ao longo do século XX, na busca pelo reconhecimento desses cidadãos. No Brasil, com a Constituição de 1988, o voto passou a ser um direito dos maiores de 16 anos, sem distinção de raça, gênero, opção religiosa, sexual ou classe social. Veja a seguir um trecho de Economia e Sociedade, no qual Max Weber expõe o papel do carisma nas democracias modernas, tendo em vista os processos eleitorais.

“O princípio de eleição, uma vez aplicado ao senhor, como interpretação modificada do carisma, pode ser aplicado também ao quadro administrativo. Funcionários eleitos legítimos em virtude da confiança dos dominados e, por isso, destituíveis pela declaração de desconfiança destes, são típicos em democracias de determinada natureza, por exemplo, nos Estados Unidos. Não são figuras burocráticas. [...]

Característico da democracia com líder é, em geral, o caráter emocional específico da entrega e confiança nele, do qual costuma preceder a inclinação a seguir aquele que parece mais extracotidiano, que mais promete e mais trabalha com meios incitativos. O traço utópico de todas as revoluções tem aqui sua base natural. Também aqui estão os limites da racionalidade desse tipo de administração burocrática dos tempos modernos – racionalidade que, mesmo nos Estados Unidos, nem sempre correspondeu às esperanças.” 14 Leia agora um trecho de A democracia na América, de Aléxis de Tocqueville (1805-1859). Nele, o autor apresenta a essência da vida democrática, em que o povo controla os atos do governante. Complementarmente às idéias de Max Weber, apresentadas anteriormente, é necessária a constituição de um Estado Democrático de Direito, que depende não apenas das estruturas de poder, mas de uma vida democrática.

“A igualdade, que torna os homens independentes uns dos outros, os faz contrair o hábito e o gosto de, em suas ações particulares, seguir tão somente sua vontade. Essa inteira independência, de que desfrutam continuamente ante seus iguais e no uso da vida privada, os dispõe a considerar com descontentamento toda autoridade e lhes sugere, ao contrário, 14 Extraído da obra de DIMENSTEIN, Gilberto. Dez lições de sociologia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008, p.177.

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a idéia e o amor à liberdade política. Os homens que vivem nesse tempo caminham, pois numa trilha natural que os leva às instituições livres. Tome um deles ao acaso; remonte se puder, até seus instintos primitivos e descobrirá que, entre os diferentes governos, aquele que ele primeiro concebe e mais aprecia é o governo cujo chefe ele elegeu e cujos atos ele controla.” 15

Atividade 2: Leia novamente o trecho de Economia e Sociedade, de Max Weber, para responder às questões a seguir: 1 Explique a relação que Max Weber faz entre eleição, legitimidade do poder e democracia? 2 De acordo com o texto de Max Weber, quais os critérios utilizados pelos eleitores na escolha de líderes no regime democrático? 3 Você concorda que o carisma é fundamental para os candidatos de uma eleição? Justifique sua resposta. Atividade 3: Faça uma pesquisa e dê exemplos de pessoas carismáticas eleitas em sua cidade, no seu estado ou na esfera nacional. Procure informações sobre a vida pública e profissional da pessoa, informações sobre sua trajetória política e questões de interesse. Ao final, monte um quadro da trajetória pessoal de cada pessoa e apresente para a turma. Atividade 4: Comente os trechos expostos acima de “A ética protestante e o espírito do capitalismo” de Max Weber e “A democracia na América” de Tocqueville. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIMENSTEIN, Gilberto. Dez lições de sociologia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008. OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 1997. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1997. [Excelente trabalho, embora o apêndice fosse desnecessário. Não fosse por ele, ficariam com a nota máxima]*

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Idem, p. 177.

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Cap. 7) Conceitos principais a respeito dos partidos políticos, sistemas de partidos e sistemas eleitorais como elementos constituintes da representação política. Mauro Casa González

É comum que definamos as modernas democracias como “representativas”. A representação implica que os cidadãos agem de forma direta na eleição de seus governantes e também indiretamente (mediante representantes) na formulação das políticas públicas. Neste regime de governo, os partidos políticos são os agentes fundamentais de representação. Não só canalizam as demandas da população, mas também estruturam suas preferências e determinam as regras de jogo nas quais um número determinado de agentes concorre pelo poder. É esta realidade política uma área de estudo muito desenvolvida por autores clássicos e contemporâneos da Ciência Política, com diferentes enfoques (sociológico, da escolha racional, estruturalistas, e culturalistas); os quais tentaremos sintetizar para uma aproximação básica às suas idéias. Apresentaremos algumas noções sobre os partidos políticos, os sistemas de partidos e os sistemas eleitorais e a sua influência sobre as características e o funcionamento desses sistemas de partidos. Os partidos políticos Palavras e idéias chave Origens - Evolução - Funções - Agregação de demandas - Estruturação do voto – Recrutamento de líderes – Partido de notáveis – Partido de massas - Partido ‘catch-all’(pega tudo) – Partido profissionaleleitoral – Partido ‘cartel’ – Partido “busca votos”, “busca cargos” e “busca políticas” A maior parte das pessoas tem uma idéia razoável do que é um partido político. Atualmente, os partidos políticos são universais, já que existem praticamente em todos os Estados. Mas o que são? Como surgiram? Para que existem? É claro que convivem nas sociedades pessoas com idéias e interesse diferentes, aos quais desejam que o governo responda. Com esse fim existem e agem os partidos políticos. Os partidos podem se definir de múltiples maneiras. Cada autor que estuda o assunto pode elaborar a sua própria definição. Não obstante, existem elementos comuns à maioria dessas definições. Um partido é um grupo cujos membros –tendo geralmente um conjunto de idéias em comumpretendem agir na concorrência pelo poder político. Para isso, este grupo formula questões amplas e apresenta candidatos às eleições. Mais especificamente, pode-se afirmar que um partido é um grupo político identificado com uma etiqueta oficial, que se apresenta às eleições, e pode conseguir assim que seus candidatos ocupem alguns cargos públicos. E por isso, que os partidos procuram influenciar no Estado, ocupando posições no governo, para defender certos interesses dos (geralmente) diferentes grupos sociais aos que pretende integrar. É importante a ideia de que os partidos políticos têm-se baseado historicamente em princípios comuns, superiores aos fins individuais, já que os membros

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compartilham a maioria de suas metas. Como associações, tentam adquirir e manter um controle legal sobre os órgãos e a política desenvolvida pelo Estado, participando no exercício do poder. Em síntese, os partidos são organizações formais e voluntárias de indivíduos, que evoluem ao longo do tempo, unidos em defensa de certos interesses, compartilhando certos princípios programáticos, para vincular à sociedade com o regime político, utilizando um conjunto de regras determinadas para alcançar posições de poder e influência. Representam ao povo no Estado e exercem o poder do Estado sobre o povo. Funções dos partidos Os partidos podem-se entender como instrumentos para obter benefícios coletivos, servindo a fins gerais. A própria palavra “partido” implica que este é “parte” de um todo, que essas partes por meio de interação procuram governar. Para isso, os partidos são canais de expressão, por meio dos quais o povo expressa suas exigências. Desse modo, articulam, comunicam e executam a vontade dos governados. Mediante a comunicação das ordens e exigências dos cidadãos, conseguem a sua canalização; a articulação e síntese dessas demandas convertidas em políticas a serem levadas até os centros de tomada das decisões. Organizam a vontade geral porque são agentes de ideias, as quais expõem (às vezes como ideologias), integrando nestas aos indivíduos, que adaptam assim suas demandas às necessidades coletivas. Por isso, os partidos são ao mesmo tempo organismos representativos e expressivos; cintas de transmissão da opinião pública perante o Estado. Neste processo, refletem e também influenciam na formação dessa própria opinião. Em definitivo, os partidos são o meio fundamental de canalização e comunicação da cidadania com o Estado. A manifestação e ação de todas as correntes de opinião em uma democracia são possíveis por intermédio da aglutinação e da promoção destas, feita pelos partidos políticos, que organizam a política, dando-lhe estrutura e direcionamento. A necessidade de se organizar para obter votos, chegar ao governo e realizar as políticas desejadas fez com que os partidos se tornassem o nexo entre a cidadania e o governo representativo. A preocupação em alcançar o poder os torna intermediários entre a sociedade civil e o Estado. Em síntese: os partidos legitimam o sistema político (aceitando a concorrência eleitoral); canalizam, agregam e harmonizam os interesses e demandas dos cidadãos representados; socializam politicamente, “ideologizam” e mobilizam a esses cidadãos; dão impulso à cultura política da sociedade; colocam os temas com os quais a sociedade se preocupa na “agenda” do governo; formulam propostas de política a se desenvolver; recrutam aos governantes e a o pessoal técnico que vai planejar e executar as políticas públicas; participam no processo de tomada de decisões políticas; e estruturam o voto dos eleitores oferecendo as candidaturas entre as quais podarão optar nos pleitos. Surgimento dos partidos Mesmo sabendo que nas sociedades antigas existiam grupos organizados baseados em diferentes critérios, e atuando para promover seus interesses e ainda para governar em um espaço geográfico, os partidos - tal como foram definidos anteriormente - são um fenômeno moderno. Provavelmente sua origem se deve ao surgimento dos parlamentares e, em conseqüência, de grupos com forte motivação para estruturar-se formalmente. (Daí surgiram as expressões “esquerda e direita”: a oposição se sentava do lado esquerdo e a situação do lado direito da presidência da Assembléia Nacional francesa, reunida logo após a Revolução do ano 1789).

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Essa é a explicação das teorias institucionais, que tomam como elemento fundamental a relação dos partidos com os parlamentos. Nestas câmaras representativas, os partidos se desenvolveram como organizações auxiliares, para coordenar a seleção e as tarefas dos membros da assembleia. Também se pode pensar aos partidos desde uma perspectiva sociológica ou histórica, e propor que estes surgem a partir das sucessivas crises e rupturas históricas das sociedades, nas quais se formaram novos grupos sociais (às vezes por meio de conflitos), que necessitaram se organizar para influir sobre o poder político. Este surgimento seria uma conseqüência da massificação das sociedades e a expansão territorial dos Estados, que geraram a necessidade de representação na política; fundamentalmente depois do aparecimento e ampliação do sufrágio. Evolução dos partidos políticos na história moderna Tempo histórico

Partido político predominante no Ocidente

Aceso ao voto restringido, censitário

Partido Parlamentar (focado para dentro desse órgão), de “notáveis” “Solidificação” dos Partidos.

Primeira ampliação do direito ao voto Princípios do século XX: voto universal

Partido de Massas

Mudanças pós-2da Guerra Mundial

Partido Professional-Eleitoral / Partido “Catch-all”

Fins do século XX, princípios do século XXI

Partido Cartel / Partidos “busca votos”, “busca cargos” e “busca políticas

Nos primeiros tempos da vida parlamentar, os partidos não eram mais do que “grupos de notáveis”; homens das elites da sociedade, vinculados por redes de influência social, cultural e econômica. Estes primeiros partidos eram de “representação individual”, com chefes que contavam com um séquito de seguidores incondicionais. Os parlamentares tinham absoluta liberdade de ação na sua função, sem responder perante estrutura nenhuma e representavam apenas à porção mais rica e poderosa do país. Atingida uma primeira ampliação do direito ao voto, foi necessário que os partidos voltassem o seu rosto para os potenciais eleitores e tentassem levar as suas demandas para o governo. Esses grupos foram se constituindo em associações permanentes, necessitando de uma organização que possibilitasse o sucesso eleitoral mediante a lealdade política dos votantes. Conseguiu-se assim que o governo se tornasse cada vez mais responsável perante os cidadãos. Os partidos adquiriram então uma estabilidade cada vez maior, uma “solidificação”. Obtida pela expansão universal do sufrágio, foram gerados novos métodos de ação política, com a incorporação de militantes às cada vez mais complexas organizações partidárias. Apareceram os partidos burocráticos de massas, nos quais, ao contrário dos anteriores, havia uma disciplina firme dos representantes nas votações do parlamento, e existiam autoridades colegiadas que decidiam os lineamentos políticos a serem respeitados pelos legisladores, mantendo uma sólida unidade para desenvolver os seus ambiciosos programas de governo. Surgiram também funcionários 50

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profissionais dedicados exclusivamente à atividade partidária. Começou assim a burocratização dos partidos; como estrutura física e administrativa permanente e ampla que inclui agrupações locais, múltiples órgãos e ainda prensa partidária. Este tipo de partido é típico de sociedades com grupos sociais fortemente diferenciados, os quais concorrem na arena política, trasladando para lá seus conflitos e procurando o controle do aparato estatal mediante os seus representantes. Caracterizam-se por possuir um alto número de afiliados, os quais o financiam com o pagamento de parcelas e com atividades colaterais. Geralmente são representantes de eleitores que adirem fortemente à sua ideologia, sendo, deste modo, muito fieis e socialmente homogêneos. Mudanças importantes aconteceram nos países ocidentais depois da Segunda Guerra Mundial: o aumento do nível de vida - com o desenvolvimento dos Estados de Bem-Estar e a maior mobilidade social-, a maior secularização das pessoas e o enorme avanço da mídia. Como resultado dessa nova realidade, se produz um enfraquecimento das identidades coletivas prévias e muitos partidos de massas viram partidos “profissionais - eleitorais” ou ‘catch-all’ (“pega tudo”), que já não procuram o voto identificado com as divisões de classe das sociedades. Os afiliados se recrutam pela mera afinidade programática, sendo irrelevante a sua condição de classe social. Aliás, militantes e afiliados deixam de ter a importância principal nas decisões dos partidos, sendo os eleitores os seus donos formais. A adesão e a lealdade se expressam só mediante o voto. Passaram a utilizar novas formas de propaganda, tornando-se muito importante a imagem dos líderes. A comunicação política vê-se impactada pela televisão, que se torna uma correia de transmissão chave com a cidadania, a qual ganha autonomia a respeito dos partidos. Perderam muita importância as ideias, ganhando com isso as questões e problemas mais concretos das pessoas, e a capacidade de transmitir as possíveis soluções através da mídia. A democracia reside apenas no objetivo de que as elites satisfaçam as preferências dos eleitores e as próprias distâncias entre os partidos se reduzem. Deixando de lado a ideologia profunda e o objetivo de “incorporar às massas”, o partido lega até maiores porções do eleitorado e tem mais chances de sucesso nas eleições. Este modelo de partido apresenta uma maior abertura à influência dos grupos de interesse com os quais estabelece vínculos maiores e um “apoderamento” dos líderes em relação aos membros de base. Em definitivo, são estes partidos meros grupos de líderes que concorrem entre si pela possibilidade de ocupar lugares de responsabilidade no governo. Já nas últimas décadas, os cientistas políticos têm teorizado sobre a existência de outro modelo de organização partidária, ao qual chamaram o “Partido Cartel”. Estes são organizações totalmente voltadas para o Estado como principal fonte de recursos econômicos; aos quais atingem por serem eles os que definem as regras de financiamento público dos partidos. Daí surge a idéia de “cartel” (organização de empresas independentes que produzem o mesmo tipo de bens e que se associam para criar uma situação semelhante a um monopólio, de limitação da concorrência): os partidos mais importantes cooperam, sendo só rivais aparentes, para assegurarem a própria sobrevivência e resistir à incorporação de novos atores partidários no controle do Estado. O Estado vira então uma poderosa estrutura de apoio para os partidos “dentro” dele -os que se assemelham muito nos seus programas- e uma barreira de exclusão para os partidos que vão surgindo, que ficam “fora” dele irremediavelmente. Os partidos cartéis deixam de ser intermediários entre a sociedade civil (cujas demandas serão só canalizadas pelos grupos de interesse) e o Estado, pelo qual deixa de importar a organização e a militância cidadã. Convencem aos eleitores de ser a opção que garante uma gestão mais eficiente por sua experiência prévia. As democracias decorrentes desta situação possuem uma alta estabilidade (valor ainda mais prezado que o próprio triunfo por parte dos partidos) e uma capacidade muito baixa para promover mudanças sociais.

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Nestes últimos anos tem surgido no mundo da Ciência Política a afirmação de que os partidos atuam baseados em três tipos de “estímulos”, pelo qual teríamos partidos: “busca votos”, “busca cargos” e “busca políticas”, com ênfase diferente nesses objetivos. Embora seja claro que todos os partidos procuram estes três fins (que não são independentes), um destes é prioritário na ação partidária, e será em função dele que se desenvolverá a estratégia do partido. Diferentes tipologias para classificar os partidos Além das distinções já vistas em função do momento histórico no qual atuaram os partidos políticos, existem vários critérios para classificá-los segundo os diferentes autores da que estudam estas organizações. Pode-se dizer que cada autor tem a sua própria tipologia. Por razões didáticas e pelo objetivo introdutório deste manual, é impossível abarcar todas. [você tirou isso de algum lugar? Falta referência] É também questionável a utilidade de tanta classificação. Por isso, vamos dar uma olhada só em alguns critérios mediante os quais se podem diferenciar os partidos, para compreendê-los melhor nos seus traços principais. Segundo o critério do âmbito de surgimento, os partidos podem ser: a respeito do Parlamento, de criação “interna” ou de criação “externa” (fora destas instituições). A respeito da própria sociedade; há partidos diretos, “por si mesmos”, que não representam nenhum grupo que lhes seja precedente, e há partidos indiretos, que representam um grupo social específico (os fiéis de uma religião, os membros de uma entidade trabalhista, etc.). Segundo o critério da sua concepção a respeito de mudar as instituições sociopolíticas atuais, os partidos podem ser: reivindicatórios, reformistas ou revolucionários. Os primeiros - maioria nas democracias estáveis- são meros antagonistas eventuais que concordam a respeito de pontos básicos do sistema sem pretender alterações profundas na sociedade e nas instituições. Os segundos, ao mesmo tempo em que não pretendem alterar as linhas fundamentais da realidade social, defendem certo número de mudanças, através de concessões julgadas necessárias, tanto prática quanto eticamente. Por fim, os terceiros -muitas vezes proibidos pelo Estado- pretendem operar mudanças radicais e velozes na economia e nas instituições. Segundo o critério da sua relação com a cidadania, os partidos podem ser: especializados (cuja função única é procurar o poder, sem pedir às pessoas mais do que o seu voto) ou totalitários (baseados em ideologias fortes, demandam condutas específicas em todos os aspectos da vida). Segundo a “força” que os inspira para alcançar o poder, podemos distinguir três tipos de partidos: de patrocínio ou de representação individual (inspirados em um líder e nos seus lineamentos), de classe (agem em interesse de uma) e idealistas (inspirados em uma visão determinada do mundo). Segundo a distinção mais habitual de orientação ideológica como eixo principal, temos partidos: de direita (pretendem manter a situação social dentro dos limites estruturados em que se encontra e prefere a primazia do mercado na economia) e de esquerda (tendência a mudar o estado vigente da sociedade em favor dos setores mais vulneráveis e buscar maior intervenção estatal na economia). Como expressamos anteriormente, estas tipologias têm uma importância relativa no momento de entender as diferenças entre os partidos políticos e servem, principalmente, como ilustração da variedade e complexidade destas organizações que estamos estudando. Estrutura interna

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Os partidos políticos são organizações que têm os objetivos e fins já descritos. Para atingi-los necessitam desenvolver tarefas específicas como manter a militância e outros recursos próprios ativos, preparar as campanhas eleitorais, e desenhar políticas e estratégias a serem aplicadas pelos representantes que alcançarem cargos na função pública. Para isso, os partidos devem contar com regras formais de funcionamento, competência e saber técnico, relações e alianças frutíferas com o entorno social, canais fluidos de informação e comunicação externa e interna, meios de financiamento e de recrutamento (com requisitos específicos de admissão, carreira e permanência no partido), entre outros elementos. O conjunto de todos estes é o que denominamos “estrutura”. O relacionamento geral dos cidadãos com os partidos da sua sociedade pode dar-se em vários níveis, em uma ordem de vinculação crescente com essa estrutura. Temos então: eleitores, simpatizantes, aderentes ou membros, militantes, funcionários e dirigentes. Essa estrutura partidária à qual fazemos referência envolve múltiples esferas, em relação a diferentes questões. Como em toda organização complexa, nos partidos políticos, os membros desempenham papéis específicos e diferenciados (com a maior eficácia possível) para o alcance da pluralidade de fins que constituem a causa comum. Nesta rede de atividades, corresponde aos dirigentes uma função de mediação e equilíbrio entre os membros para assegurar a sobrevivência da organização como um todo. Participando da estrutura partidária, os membros obtêm benefícios de tipo coletivo (identidade, solidariedade com os colegas) e seletivos (poder, status, apoios materiais). Para os líderes, a existência de uma estrutura forte e eficaz, supõe “constrições” para sua liberdade de ação, através do respeito devido aos firmes esquemas preconcebidos pelo partido. Uma das funções básicas dos partidos é -como vimos- a escolha e apresentação de candidatos, fase essencial do processo de escolha de governantes em uma democracia. A estrutura partidária é fundamental para o resultado da nominação. Normalmente, não há candidatos sem vinculação a um partido, embora esta vinculação seja episódica. Os processos mais comuns de escolha de candidatos são o que poderíamos chamar de “reuniões da liderança”, as eleições primárias ou internas e as convenções; e dependerá dos órgãos da estrutura partidária o âmbito a ser utilizado. É claro que nem tudo é tão simples como dizer: “a estrutura resolve”. Temos que mencionar ao menos superficialmente as correntes elitistas da Ciência Política. Estas visões “pessimistas” propõem que os partidos só apresentam uma aparência de democracia interna. Sua explicação começa pelo fato das organizações partidárias surgirem como uma necessidade dos mais fracos para resistir aos mais fortes em uma sociedade. Ao começo, os líderes surgem dessas próprias massas fracas. Para que o partido possa se manter no tempo e obter sucesso eleitoral, se faz necessária a “especialização” desses líderes, os quais virão em uma diretiva permanente das estratégias e ações do partido. Depois de um tempo, a tomada de decisões se desloca aos líderes –já profissionais e funcionários permanentes- por uma necessidade técnica e prática, ao serem eles os que melhor podem administrar o partido e atingir o governo - dado que já desempenham essa atividade-. Todo partido tende a produzir uma elite que procura garantir a sua própria permanência sobre qualquer outro objetivo. As funções de direção que antes eram acessórias e gratuitas levam à especialização dos líderes no domínio dos recursos partidários, e estes vão se acostumar aos privilégios inerentes a esses cargos. Quanto maior é o partido, menor controle tem a massa sobre os dirigentes. As estruturas partidárias geralmente passam por um processo de “institucionalização”, no qual a organização: incorpora os valores e fins definidos pelos fundadores do partido, estabiliza órgãos complexos (com múltiples subunidades diferenciadas) e procedimentos, e adquire valor como tal para os membros que a compõem. Certos padrões de conduta e “regras de jogo” se enraízam gerando coerência e consenso na resolução de disputas internas. Os membros começam a perceber que aquilo 53

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que é “bom para o partido” e bom para os seus próprios fins. Desenvolve-se o interesse por manter a organização (lealdade). Os partidos que superam este processo tendem a possuir as seguintes características particulares. Contam com um “aparelho” burocrático nacional, central e forte. Têm um sistema de ingressos regulares que vêm de diversas fontes. Apresentam predomínio sobre as organizações externas afins ao partido. As normas do partido e a sua realidade coincidem. Têm uma idade cronológica prolongada e logram mudar sucessivamente as lideranças. Se tentarmos compreender as lutas internas que acontecem nos partidos, é de grande utilidade entender a cada partido como um “sistema político em miniatura”, tendo uma estrutura de autoridade, um processo representativo, e um sistema eleitoral. E a existência de frações, correntes e tendências dentro deste pode-se explicar através da influência do sistema eleitoral intra-partidário. Sendo este de “maioria simples” o número de frações vai-se reduzir, e sendo de “representação proporcional” vai incentivar a existência de uma ampla quantidade de frações. Vamos aclarar esta questão que parece impossível de entender nas próximas secções, falando sobre os sistemas de partidos e da influência dos sistemas eleitorais sobre estes. Sistemas de partidos Palavras e idéias chave Conceito – Enfoque morfológico – Partido relevantes – Unipartidarismo – Sistema de partido único – Sistema de partido predominante – Sistema de partido hegemônico – Bipartidarismo – Pluripartidarismo – Polarização ideológica - Pluralismo moderado – Pluralismo polarizado – Atomização – Competitividade – Enfoque genético – Enfoque da “ideologia/alternância” Até agora falamos de partidos. A própria palavra “partido” significa “parte”, e pressupõe a existência de outras partes: outros partidos. O sistema de partidos é esse conjunto de partidos que interagem procurando ganhar o voto do mesmo eleitorado. É uma estrutura de cooperação e concorrência entre os partidos de um determinado Estado: o resultado das interações entre as unidades particulares que o compõem. Nestes sistemas, têm importância elementos como a quantidade de partidos, as suas relações, posições ideológicas e estratégias para chegar ao poder. A Ciência Política geralmente afirma que os sistemas de partidos podem apresentar dois tipos de “dualismos” entre os atores que os compõem. Há dualismo “técnico” quando as diferenças entre os rivais se refere só a fins e meios secundários, enquanto todos aceitam uma filosofia geral e as bases fundamentais do sistema. No entanto, há dualismo “metafísico”, quando a rivalidade entre os partidos refere à própria natureza ideológica do regime; aos conceitos principais da vida social. Os sistemas partidários podem ser analisados de acordo com o número de partidos envolvidos na competição e com a dinâmica de funcionamento. Este enfoque é o “morfológico” (refere-se à “forma”) e se preocupa pelo formato e a mecânica do sistema, sendo o enfoque mais utilizado e melhor avaliado da Ciência Política. Para utilizar este critério numérico, devemos “contar” só os partidos relevantes. Temos várias formas de estabelecer essa distinção. Uma dessas é definir um percentual de votos (geralmente 5% do eleitorado). Abaixo disso os partidos são considerados irrelevantes. Outro critério é considerar relevante um partido segundo as suas possibilidades de coligação para fazer parte de um potencial governo. Além destes, temos partidos grandes, mas ideologicamente inaceitáveis para os demais membros de uma coligação; os quais devemos considerar também relevantes porque têm capacidade de “intimidação” perante os governos. Em resumo,

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consideramos todos os partidos que têm importância na configuração de coligações governamentais ou desde o ângulo da oposição política dentro do sistema. Segundo esta classificação, temos sistemas unipartidaristas. Dentro destes estão os “sistemas de partido único”. Vale dizer que a própria expressão parece uma contradição em termos. Mas na concepção marxista, o partido é representante dos interesses de classe, por isso em certos regimes socialistas se construíram sistemas partidários não-competitivos. Outros regimes “totalitários” (nazistas e fascistas) adotaram também o partido único como expressão da totalidade do país. O que era “parte” passou a ser o “todo”. Os sistemas unipartidários podem ser também de partido hegemônico ou partido predominante. O sistema de partido hegemônico é aquele em que um partido vence sempre as eleições, conquistando mais de 70% das cadeiras. No sistema de partido predominante, por sua vez, durante um longo período, um mesmo partido conquista um número suficiente de votos para governar sozinho. Este sistema é diferente do sistema de partido hegemônico, porque o partido predominante apenas ganha “mais” e “por mais tempo”, não ganha “sempre” e “quase tudo”. Segundo este critério numérico, temos também o bipartidarismo e o pluripartidarismo. Os sistemas bipartidários são aqueles nos quais - independentemente do número de partidos existentes-, apenas dois têm chances certas de governar sozinhos, sem necessidade de recorrer a outros partidos. Portanto, nem todos os sistemas bipartidários têm somente dois partidos. Já os sistemas pluripartidários são aqueles que contam com mais de dois partidos com reais chances de governar. Nesse sistema a competição é muito acirrada; por um eleitorado bem mais disputado. À variável “numérica” pode-se adicionar uma “ideológica”, e avaliar a dinâmica da concorrência em termos de mais ou menos polarizada ideologicamente (na escala esquerda – direita). A variação do número de partidos afeta a polarização. A distância ideológica existente entre os partidos nos extremos desse eixo determina que, dentro do pluripartidarismo (sistema fragmentado), temos as categorias de pluralismo moderado -com um número de partidos relevantes variando entre três e cinco, e uma distância ideológica pequena entre eles- e de pluralismo extremo - com mais de cinco partidos e uma ampla distância ideológica entre eles-. Existem também os sistemas atomizados - mais de sete partidos e uma ampla distância ideológica entre estes-. A Ciência Política geralmente entende que quando existem mais de cinco partidos relevantes o pluralismo torna-se extremo ou polarizado. É tão alta a distância ideológica que nem todos os partidos procuram chegar ao governo. Há “oposição irresponsável”, o que pode gerar desestabilidade no regime democrático. Entre os tipos de sistema de partido hegemônico e de partido predominante, temos a barreira entre sistemas não competitivos (de partido único e de partido hegemônico) e sistemas competitivos (partido predominante, bipartidarismo, pluripartidarismo). Classificação dos Sistemas de Partidos utilizando o enfoque Morfológico UNIPARTIDARISTAS

BIPARTIDARISTAS PLURIPARTIDARISTAS

Único Hegemônico Predominante Bipartidarismo Pluralismo Limitado Pluralismo Extremo Atomização

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Sistemas Não Competitivos Sistemas Competitivos

Concorrência

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Irrelevante Existem outros enfoques para entender os sistemas de partidos. Um desses é chamado de genético e propõe que os sistemas são produto das divisões sociais de um Estado ao longo da sua história. Sendo uma configuração sociológica, caracteriza a formação dos sistemas partidários em relação à série de conflitos sociais que resultam das conformações dos Estados. Os conflitos que produzem crises, novas divisões e surgimento de partidos que defendam as diferentes posições em pugna são os que geram também mudanças nos sistemas de partidos. Os mais típicos no mundo ocidental são: “religiosos x seculares”, “campo x cidade”, “burgueses x trabalhadores” entre outros. Outro enfoque classifica os sistemas considerando só a intensidade da ideologia dos partidos que os compõem e a presença de alternância no governo. Temos assim os seguintes sistemas: “Ideológico – Hegemônico” (partidos muito ideologizados e pouca mudança no governo), “Pragmático – Hegemônico” (partidos pouco ideologizados e pouca mudança no governo), “Ideológico – Alternante” (partidos muito ideologizados e muita mudança no governo) e “Pragmático - Alternante” (partidos pouco ideologizados e muita mudança no governo). Com respeito à origem dos sistemas, veremos por último as teorias institucionalistas, que ligam fortemente sistemas de partidos e sistemas eleitorais. Esse é o tema da próxima seção deste capítulo. Sistemas Eleitorais Palavras e idéias chave Sistema majoritário: uninominal – plurinominal - por listas – distritos – segundo turno – Sistema representação proporcional: listas abertas - listas fechadas - lista semilivre – fabricação de maiorias De modo simples, um sistema eleitoral é um conjunto de princípios, regras e procedimentos técnicos -ligados entre si e legalmente estabelecidos- por meio dos quais os cidadãos expressam a sua vontade política na forma de votos. Segundo o resultado das eleições, se realiza a atribuição e distribuição dos cargos públicos eletivos para que sejam integrados os órgãos de governo elegíveis. Portanto, os procedimentos do sistema permitem converter os votos em poder político e tentam expressar a complexidade de uma vontade massiva, na forma reduzida de representantes eleitos. Nas democracias contemporâneas são dois os sistemas eleitorais mais utilizados. Apesar de existir neles variações e subtipos, bem podemos caracterizá-los como: majoritário e proporcional. O sistema majoritário é o ideal se o que se quer é uma eleição que –justamente- gere maiorias. O princípio que o orienta é bem claro: quem tem mais votos, ganha. Este sistema pode ser uninominal, plurinominal ou por listas. É uninominal quando se vota em um só nome para um só cargo. É plurinominal quando se vota em mais de uma pessoa para o mesmo cargo. É por listas quando se vota em vários nomes para um órgão qualquer composto de várias pessoas. Utiliza-se o que chamamos de chapa, que, por sua vez, pode ser fechada ou aberta. É aberta quando nomes de uma chapa podem ser combinados com nomes de outras chapas. Na chapa fechada, o eleitor vota integralmente na chapa de sua escolha ou não vota em nenhuma. Além disso, as listas abertas podem ainda suscitar outro problema. Caso houvesse um número muito grande de partidos, a composição do Poder Legislativo poderia ficar tão fracionada entre tendências que a obtenção de maiorias se tornaria impossível, dificultando a ação do governo. Este sistema apresenta uma desvantagem grave: não permite que as minorias sejam representadas, o que pode render problemas sérios. Não seria justo nem prático que apenas um pouco

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mais da metade do país mandasse na outra metade, a qual não teria voz alguma nos negócios públicos. É isso acontece. Por essa e outras razões, o sistema majoritário é usado com cautela. Uma alternativa utilizada neste sistema é a conformação de “distritos eleitorais”: pequenas circunscrições, com populações idealmente iguais, que votam dentro desse espaço. Outra variante do sistema majoritário se conhece como “segundo turno”. Por causa dele, os candidatos precisam obter maioria absoluta (metade mais um) de todos os votos dados no “primeiro turno”. Se nenhum dos candidatos obtiver essa maioria, faz-se um segundo turno, para o qual concorrem somente os dois primeiros colocados no turno anterior. Isto é visto como um aperfeiçoamento em relação ao sistema majoritário simples, porque não bloqueia a existência de terceiros (ou quartos, ou quintos) partidos, sendo, portanto, mais sensível ao perfil do eleitorado e mais flexível diante das alterações nas circunstâncias políticas. Contudo, não deixa de criar problemas especiais. Um deles é que, sob sua influência, os partidos políticos tendem a convergir, ideológica ou programaticamente. Em primeiro lugar, isto se deve a que a possibilidade de participação no segundo turno faz com que nenhum partido deseje alienar excessivamente os eleitores dos outros partidos. Afinal, os votos desses eleitores vão ser necessários, caso seus partidos não concorram ao segundo turno. O sistema de dois turnos introduz, assim, uma espécie de distorção no processo político, um propositado favorecimento do centro, que pode ser muito útil para o Estado e para a obtenção de consensos. Os problemas já ditos relacionados com a representação das minorias levaram à elaboração de novos esquemas, destinados a superá-los. Foi esta a razão, acrescida à extensão dos limites do sufrágio universal, para o surgimento da representação proporcional. O voto proporcional é melhor se o que se quer é que a eleição reflita a diversidade política, econômica, social e cultural existente em uma sociedade. O principio reitor é o de tentar que os órgãos eleitos sejam um “espelho” da composição do eleitorado. Neste sistema, os eleitores ou votam em um candidato ou simplesmente no partido de sua escolha, o chamado “voto de legenda”. Existem três tipos de voto proporcional: por listas abertas, por listas fechadas e por lista semi-livre, em que o eleitor pode compor sua própria lista, retirando nomes de várias listas partidárias diferentes. A representação das minorias de fato acontece: há estímulos para que se formem um grande número de partidos, sem aquela vocação centrista vista no sistema majoritário de dois turnos. As tendências políticas básicas (vamos dizer, esquerda e direita) ficam com suas facções internas mais intransigentes, menos dispostas a fazer concessões. Geralmente, essas correntes divergentes tendem a originar novos partidos, pois o sistema eleitoral lhes dá uma boa chance de obter votos suficientes para eleger alguns representantes; o que torna muito complexo o panorama político, a começar pelo fato de que fica muito mais difícil que um só partido consiga uma sólida maioria parlamentar. Algumas das principais alterações introduzidas neste sistema têm por objetivo reverter esse efeito, reforçando as maiorias governamentais. Este processo denomina-se “fabricação de maiorias”. Em síntese, pelo exposto anteriormente, pode-se dizer que um sistema bipartidário “casa” melhor com um sistema eleitoral de escrutínio majoritário, enquanto um sistema pluripartidário casa melhor com a representação proporcional. Este é o tema da última seção deste capítulo. A relação entre Sistemas Eleitorais e Sistemas de partidos Ao final das seções anteriores com respeito a partidos políticos e a sistema de partidos, deixamos pendentes algumas explicações, dado que para as teorias institucionalistas são os sistemas 57

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eleitorais (instituição constitutiva do sistema político em geral) os que explicam tanto a dinâmica de “fracionalização” dos partidos quanto a origem dos sistemas de partidos. Começando pelos partidos, os institucionalistas afirmam que é o sistema eleitoral o que causa o fenômeno de surgimento de frações no interior destes, dado que gera estímulos ou desestímulos para a conformação de um novo grupo que concorra pelo poder dentro do “guarda-chuva” do partido. Quanto mais fácil seja competir, maior será a fracionalização intra-partidária. Desse modo, um sistema eleitoral majoritário (quem ganha se leva tudo) reduz o número de frações, enquanto um sistema proporcional permite um grau muito elevado de fracionalismo (ampla quantidade de frações por partido). Estas afirmações são apenas hipóteses; e ainda hoje geram muita discussão entre os cientistas políticos, por existir evidências favoráveis e contrárias à questão. Muito mais avançada se encontra a teoria política a respeito dos efeitos do sistema eleitoral sobre o sistema de partidos. Os institucionalistas mais convictos afirmam que o sistema eleitoral origina o sistema de partidos, o qual vai ter um formato e uma dinâmica de funcionamento fortemente determinadas pelas disposições daquele. No entanto, a maioria dos acadêmicos apoia a ideia de que existem certas “leis tendenciais” por meio das quais ocorre uma influência, ainda que esta não seja automática nem absoluta. Uma primeira “lei” diz que o sistema majoritário em um só turno tenderia para o bipartidarismo. Esta reagrupação acontece por um fator psicológico dos eleitores; a população não votaria em partidos menores para não “desperdiçar o seu voto”. Sabendo que um dos partidos maiores vai ganhar, escolhe o “menos ruim”, ainda que não seja o seu favorito. Conforme essa lógica, os “terceiros” partidos vão-se debilitando e até desaparecendo, produto de fusões e alianças que visam aumentar as chances de ganhar a eleição. Configuram-se assim dois pólos no sistema. Uma segunda “lei” diz que o sistema majoritário de dois turnos tenderia para um pluripartidarismo moderado, por causa das alianças necessárias para afrontar o segundo turno. Os partidos podem ser relativamente estáveis, mas têm que atuar com alta flexibilidade e interdependência, já que necessitam conformar coalizões nos segundos turnos eleitorais. Uma terceira “lei” diz que o sistema de representação proporcional tenderia para o pluripartidarismo. A possibilidade de concorrer por uma ampla quantidade de cargos, e obter algum destes com um patamar relativamente baixo de votos, é um forte estímulo para os partidos manteremse sozinhos (sem conformar coligações majoritárias) e participarem deste modo nas eleições. O sistema pode ter um amplo número de partidos estáveis, rígidos e independentes entre si. A adoção deste sistema decorre geralmente da pressão de forças carentes de representação até então. Sabendo que estas influências acontecem, é claro que os sistemas eleitorais podem ser manipulados com o fim de mudar o sistema de partidos de um país. Contudo, quando se quiser reformar um sistema de partidos é necessário que sejam contemplados outros elementos que os configuram; relativos à história, à realidade sociocultural, às normas constitucionais, às relações entre o Estado e a cidadania e aos interesses dominantes desse país. Na “engenharia política” (o design de instituições), a definição do sistema eleitoral é uma ferramenta muito poderosa para atingir certos objetivos, mas devem-se focar essas outras dimensões para evitar resultados não desejados. Conclusões do capítulo e reflexão sobre a importância destes elementos na democracia Por todas as razões já apresentadas, é notório que os partidos políticos constituem um elemento indispensável para o bom funcionamento das democracias modernas, as quais giram em torno do sistema partidário. Como já foi dito, é nos partidos onde se recrutam e selecionam os 58

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aspirantes a cargos políticos, se estrutura a opinião pública ao redor de certos programas políticos, interesses, ideologias e valores e se inclui as preferências da cidadania na formulação de políticas. Quando estas agrupações partidárias têm bases sólidas de apoio social facilitam ainda o controle das próprias autoridades políticas; para elas adotarem decisões concordantes com os interesses gerais. A articulação de demandas através destas, reduz o risco de que potenciais conflitos políticos se intensifiquem, sendo central a negociação continua. No longo prazo, a saúde da democracia depende da fortaleza das suas instituições; e tanto partidos, quanto sistema partidário e sistema eleitoral são fundamentais dentro desse conjunto. ▪ Perguntas e exercícios finais 1) Experimente você mesmo fazer uma ou duas classificações de partidos políticos, de acordo com critérios que julgue importantes. 2) Você acha que o Partido dos Trabalhadores é um partido indireto? Por quê? 3) O que você pensa dos argumentos das correntes elitistas a respeito das estruturas internas dos partidos políticos? Acha que nos partidos políticos do Brasil esses processos acontecem? 4) Qual acha que é o tipo de “dualismo” (técnico ou metafísico) mais importante no sistema de partidos brasileiro atual? 5) “Com muitos partidos, dificilmente um deles consegue maioria e é muito trabalhoso articular as decisões. Com poucos partidos, não há suficientes veículos para as diversas correntes de opinião”. Como você avaliaria estas hipóteses? 6) “Este país”, diz um político a respeito do país dele, “é um exemplo de distorção eleitoral. Por que a composição do Parlamento não reflete a composição da sociedade, pois nele as verdadeiras tendências do povo não estão representadas!”. Invente um contexto em que esse político tenha ou não razão. 7) Imagine que você mora em um país de grande tamanho, com uma população na qual convivem vários grupos étnicos; que falam diferentes línguas, que professam diversas religiões e moram em regiões separadas. Qual acha que seria o sistema de partidos que surgiria em seu país de acordo com o enfoque genético sociológico? Qual seria o sistema eleitoral que melhor “casaria” com esse sistema partidário? Pesquise algum exemplo real dessa configuração política. 8) Procure um exemplo concreto de um país no qual alguma das “leis” que relacionam sistemas eleitorais com sistemas de partidos funcione efetivamente e um exemplo no qual não seja tão clara a relação. Tente descrever ao Brasil conforme as afirmações plasmadas nessas “leis”. BIBLIOGRAFÍA BARTOLINI, Stefano. Partidos y sistemas de partidos. In: Manual de Ciencia Política, Gianfranco Pasquino y otros. Chile: Alianza, 1991. COX, Gary. Making Votes Count: Strategic Coordination in the World's Electoral Systems. Cambridge University Press, Cambridge. 1997. DOWNS, Anthony. Teoría económica de la democracia. Madrid: Aguilar. 1973. DUVERGER, Maurice. Los partidos políticos. México: Fundación de Cultura Económica, 1987.

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[bom trabalho, abordou os principais pontos da matéria, mas escrito num estilo muito pesado, pouco adequado a um material didático. Faltaram também recursos tais como boxes, glossários e materiais explicativos. 80]

Cap. 8) Temas específicos: Democracia Plena: realidade ou discurso político-ideológico? 16 (Emanuel Menim) Em 2010 – ano de eleições para cargos do executivo e legislativo estaduais e federais – fomos “bombardeados”, através dos programas de rádio e TV, conteúdos de jornais e revistas, sobre termos alcançado um estágio de democracia plena no Estado nacional. Discurso protagonizado pelo PT – inicialmente pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e continuado, insistentemente, pela presidenciável, à época, Dilma Rousseff. Afinal, vivemos uma democracia plena ou essa afirmação faz parte de um discurso políticoideológico? Ao falarmos de democracia, temos ao menos a impressão, quando não a convicção, de que ela é indissociável do conceito de cidadania, proposta universal com base nos Direitos Humanos. Nossa percepção é corroborada pelos livros didáticos, pelo ensino recebido nas escolas, pelos discursos que se proliferam no cenário político atual. Será isso verdade? Democracia e cidadania são conceitos que obrigatoriamente se interligam? Por isso, antes de iniciarmos a discussão sobre se há ou não democracia plena no Brasil, precisamos buscar entender aquele conceito e analisar a sua prática em nosso país. Democracia e cidadania Nos livros didáticos estudamos que no Brasil a atual constituição - que foi promulgada em 1988 e resultou de um grande esforço de mobilização popular, envolvendo diversos segmentos sociais na sua elaboração - prevê a garantia aos direitos políticos, civis e sociais, características que lhe renderam o título de Constituição Cidadã. Percebemos, então, que cidadania é um conceito comumente relacionado à democracia. Isso porque cidadania envolve a ideia de participação, bem como a democracia. Fala-se em cidadania plena quando se quer frisar que a participação dos cidadãos nos direitos e deveres civis, políticos e sociais é garantida pela Constituição. Contudo, cidadania plena diz respeito também à prática, à participação ativa das pessoas na vida do país, à maneira como homens e mulheres manifestam sua aprovação ou sua crítica, como reivindicam explicações, como se mobilizam por determinadas causas. Desse modo, falar em participação cidadã é o que pode dar maior validade ao termo cidadania, pois apenas a sua garantia em lei não garante a sua prática. Então, podemos procurar responder a questão: a cidadania é exercida plenamente no Brasil?

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Trabalho construído por meio de transposição didática. Portanto, usa linguagem para o E. Médio.

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A essa pergunta, esboçamos uma resposta em "A questão da evolução da cidadania política no Brasil", onde Décio Azevedo Marques de Saes (2001) busca analisar as principais características que neste país - em seu período republicano – se desenvolve, em conjunto com outros fatores econômicos, políticos e sociais, a questão da cidadania. O autor levanta uma pergunta importante e através dela afirma uma característica política e social brasileira que ele considera dada: qual seria a razão histórica de um tal déficit de cidadania, de uma tal carência de democracia no Brasil? A partir desse questionamento Saes se esmera na tentativa de explicar a configuração que se assumiu no Brasil através do processo de evolução da cidadania política. Importante frisar que o autor considera a existência de um défict de cidadania e uma carência de democracia no Brasil. Saes, citando a proposta de Marshal em “Cidadania, classe social e status”, demonstra qual é o padrão da evolução da cidadania na sociedade industrial moderna: 1. Liberdades civis no século XVIII; 2. Direitos políticos no século XIX; 3. Direitos sociais no século XX. Sobre uma definição conceitual de cidadania, Saes critica a visão de Marshal de que na sociedade industrial a cidadania política diz respeito à participação do povo no exercício do poder político, sendo tal resumida ao direito de escolher seu governante dentro de um sistema eleitoral fidedigno. Essa definição é uma alegoria da sociedade capitalista que reproduz um discurso sem na realidade cumprir seu funcionamento. Criticado, também, é o conceito de Mosca, que limita a participação política dos cidadãos à pressão periférica às grandes decisões políticas. Se assim fosse, destaca o autor, a cidadania política não pareceria uma ilusão na sociedade capitalista? Para Saes, a formação de uma sociedade industrial contemporânea só é possível graças a um conjunto de direitos e deveres que abarca toda a classe de indivíduos: capitalistas e trabalhadores. Para ele a forma-sujeito de direito concretiza-se, em sua versão elementar, em liberdades civis, sem as quais o capitalismo não pode ser implantado. Os direitos civis, que possibilitam a firma de contratos de trabalho e que dão contornos cruciais à sociedade capitalista, são reais, pois foram conquistados através da árdua luta dos trabalhadores. Nem por isso tais direitos deixam de adquirir, a partir de sua formulação oficial, uma aparência ilusória de universalidade e igualdade, haja vista a relação de possuidores e despossuídos (do capital). É dessa forma que se justifica enquanto ideologia. Mas o que é a ideologia? É um conjunto de ideias, conceitos e comportamentos predominantes e que orientam a sociedade e, no caso posto por Saes, uma ferramenta da elite social com vistas a maquiar a realidade, ou seja, refletem uma falsa realidade. Isso não significa que não existam liberdades civis, mas que elas são discursadas como se existissem de uma forma diferente daquela que efetivamente existe na realidade. Isto é, a universalidade e a igualdade não acontecem da maneira ideal que o discurso do Estado quer transmitir, pois os direitos civis são distribuídos desigualmente entre as classes sociais, dada a natureza do sistema capitalista. Em “Cidadania e capitalismo: uma crítica à concepção liberal de cidadania”, Saes (2003) argumenta que os direitos políticos existem como corolário dos direitos civis, e, então, busca demonstrar que os direitos políticos e sociais são secundários para a existência da sociedade capitalista. Da mesma forma, o regime político de um país não é determinante para a existência desta sociedade, ou seja, a democracia não é inerente ao capitalismo. Igualmente, a cidadania não é inerente a democracia. Deste modo, podemos pensar criticamente sobre este aspecto, e verificar que é possível desconstruir a noção comumente expressa de que a cidadania é inerente a democracia. Mas, pode surgir a pergunta: como é possível que não vivamos uma democracia plena, se temos uma configuração político administrativa de separação entre os três poderes: executivo, legislativo e judiciário? Se no âmbito do Direito, há, sem dúvida, garantias de liberdades políticas, civis e sociais no Brasil, direitos conquistados através de lutas sociais que culminaram na elaboração da Constituição Federal de 1988? No entanto, é preciso analisar se a letra da lei é cumprida na realidade cotidiana da população. Será que a democracia plena, como apregoada pelo PT, realmente está sendo exercida em nosso País? Tal estágio democrático pressupõe uma ação que vai além das liberdades políticas. As liberdades políticas, principalmente aquela que tange o direito ao sufrágio universal concretizado no direito do

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voto quando escolhemos nossos representantes, ou o direito a filiação partidária e candidatura política, não nos garantem a democracia. Não podemos confundir liberdade política com democracia. É o que nos diz João Ubaldo Ribeiro, premiado escritor brasileiro. Em seu livro intitulado “Política: quem manda, porque manda, como manda”, escrito em 1981, ele esclarece algumas questões relacionadas à democracia. A democracia na prática, para o autor, pode ser um termo ambíguo e, por isso, ter significado diverso, dependendo, muitas vezes, do que tenciona a elite no poder. Até regimes pouco democráticos gostam de assim se denominar. Dessa forma, João Ubaldo Ribeiro buscou traçar características que definem de maneira universal o que se pode entender como democracia. Para ele, não basta ter uma separação bem definida entre os três poderes, ou eleições diretas, pois ainda assim podem existir abusos de poder ou eleições fraudadas, compra de votos, etc. A situação de subcidadãos (as mulheres são rotineiramente discriminadas em muitas sociedades democráticas e os católicos são discriminados na Irlanda do Norte, os imigrantes coreanos no Japão, os imigrantes turcos na Alemanha e assim por diante) e dos direitos políticos restritos em muitas sociedades atuais são ressaltados, por Ribeiro, como limitadores da democracia. Essas características, então, não necessariamente definem um regime democrático. Há países onde não há a separação bem definida entre o legislativo e o executivo como acontece no Brasil, e ainda assim o país é considerado democrático, como nos países de sistema parlamentarista, por exemplo. Ora, então quais são as características que definem se um regime é democrático ou não? A essa pergunta, responde-nos Ribeiro dizendo ser necessário verificar a existência de determinadas instituições naquela sociedade a qual inquirimos sobre a validade de seu regime democrático. Haverá democracia onde exista soberania popular efetivamente exercida. É necessário que se possa verificar: • O grau de liberdade dos cidadãos • O grau de estabilidade e vigor das instituições políticas • O grau de participação popular nas decisões públicas • O grau de responsabilidade do governo perante os cidadãos • Mecanismos de controle real dos abusos de poder • Flexibilidade das instituições básicas para atender as exigências de mudanças pacíficas derivadas da vontade popular, etc. O autor continua sua análise sobre a democracia expondo questões que distanciam, na realidade concreta, a democracia de fato e a democracia encenada. A democracia de fato deve não só garantir o direito à educação universal, ou à saúde universal, ou ao emprego. Deve dar condições ao cidadão para que desfrute de tais direitos de maneira livre, justa e igualitária. Voltemos às perguntas: vivemos a democracia plena de fato? Ou, gozamos realmente de cidadania plena? Vamos pensar no seguinte exemplo: no Brasil, segundo Marcio Pochmann (2009), professor de economia social da Unicamp, os pobres, devido a necessidades de ordem econômica, ingressam muito cedo no mercado de trabalho o que implica, muitas vezes, no abandono dos estudos ou tornam deficientes a capacidade de aprendizagem escolar. Por outro lado, os filhos dos ricos entram mais tarde no mercado de trabalho, após terminarem os estudos como a faculdade, e ocupam os melhores postos, com as melhores remunerações e status social. Não há como equiparar as condições entre ricos e pobres, pois estes têm a necessidade de suprir uma renda para sua sobrevivência, enquanto aqueles não precisam arcar imediatamente com esses suprimentos, pois lhes são dados pelos pais. Para o cidadão que precisa abandonar os estudos para sobreviver do trabalho, o direito à educação universal gratuita “existe, mas não existe”, diria João Ubaldo Ribeiro. O que você acha? Ainda, segundo Pochmann e Castro (2008), mais preocupante é a situação de desemprego dos jovens entre 15 e 29 anos, que representa 46% do total de desempregados no país. Dos jovens empregados entre 18 e 24 anos, 50% são assalariados sem carteira assinada, por isso correm sérios riscos de não terem garantidos seus direitos trabalhistas.

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Dessa forma, é possível perceber que os direitos civis, para usarmos apenas a crítica a este tipo de direito, parte constituinte da cidadania, não está sendo exercida plenamente por todos, argumento importante de Saes, quando ressalta a distribuição desigual das liberdades civis na sociedade capitalista. Igualmente, é possível concluir através dos exemplos acima citados que, apesar de certo grau de evolução no que diz respeito à democracia e cidadania no Brasil ao longo das últimas décadas, não vivemos de fato uma democracia plena como nos quer fazer pensar a ideologia dominante que aqui vigora, e nem gozamos na realidade concreta da cidadania plena em nosso país. Importante perceber através dessa literatura que existe a democracia de fato e a democracia ilusória, ou seja, aquela que existe apenas no papel. Da mesma forma a cidadania pode existir no papel e não funcionar na realidade. A literatura de Saes nos dá instrumentos suficientes para trabalhar essa questão no Ensino Médio, haja vista ser uma análise crítica do conceito de cidadania percebendo-a para além da ideologia e retirando o véu que paira sobre o discurso político que podemos sentir na atualidade. Ao revelar a condição de desigualdade na distribuição dos direitos civis e políticos, nos dá uma clara visão das disparidades comumente encontradas nas sociedades capitalistas. É interessante notar que tal discussão pode levar o aluno ao entendimento do que são as desigualdades sociais e desde onde elas operam. João Ubaldo Ribeiro vai além da simples exposição de conceitos sobre o que é a democracia. Por meio de uma análise crítica sobre as sociedades democráticas, ele reconhece a existência de “democracias”, ou seja, da existência de distintas formas democráticas que operam nos diversos Estados nacionais, e que podemos reconhecer sua validade através do grau em que ela atua dentro de determinado padrão de instituições sociais. Não contente, critica aquelas tão comemoradas características das sociedades modernas, como a separação entre os três poderes e as eleições diretas. Não há, para o autor, como assegurar que tais características sejam sinônimas de democracia. Este fato pode desmistificar, ao menos para os alunos do Ensino Médio, um imaginário social arraigado que associa invariavelmente a democracia ao direito do voto. É possível que dessa forma os alunos sejam incentivados a pensar criticamente sobre o que é a democracia. Em suma, as discussões presentes nos textos citados ao longo deste escrito são boas para trabalhar no Ensino Médio, pois nos dão argumentos que transcendem a exposição dos conceitos, e dão margem a uma análise mais crítica da sociedade, como é função da Sociologia, e como ela deve ser percebida pelos alunos. Atividades 1. Você acha que atualmente vivemos a democracia plena no Brasil? Justifique. 2. Na tua opinião, a cidadania é exercida plenamente na sociedade brasileira? Para amparar tua resposta use exemplos que você percebe a tua volta. 3. Faça uma pesquisa sobre o desenvolvimento da cidadania no Brasil. Pode-se usar o dicionário de política da biblioteca, livros didáticos e a internet. 4. Você acha que os direitos civis, políticos e sociais descritos na Constituição Brasileira valem para todos, ou apenas para os que têm boas condições de vida? Justifique. 5. Você aprendeu que a cidadania se refere a um conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito no ambiente social em que vive. Cite exemplos de direitos e deveres civis, políticos e sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS POCHMANN, Márcio. Desemprego: O que fazer. In: Jornal Valor Econômico. 19/03/2009. POCHMANN, Márcio. CASTRO, Jorge Abrahão de. Juventude e políticas sociais. In: Jornal Valor Econômico. 15/05/2008.

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RIBEIRO, J. U. Política; quem manda, por que manda, como manda. 3 ed. rev. por Lúcia Hippolito ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. SAES, D. A questão da evolução da cidadania política no Brasil. In: Estudos Avançados. São Paulo, v. 15, n. 42, p.379-410, mai./ago. 2001. SAES, D. Cidadania e capitalismo: uma crítica à concepção liberal de cidadania. Crítica Marxista. São Paulo, n. 16, p. 9-38, mar. 2003. [O trabalho não está propriamente no formato de material didádico voltado para o Ensino Médio, mas sim no de um trabalho de final de curso comum, embora a abordagem seja interessante. 80]

Cap. 9) Temas específicos: Política, Cultura Política e Escola. (MAESTRI, Desirée Sant’Anna & FRANCISCO, Marcelo).

Cultura política em Alexis de Tocqueville (1805-1859) Tocqueville acreditava que o processo democrático, igualitário, era algo inevitável. Contudo, era preciso buscar desenvolver um processo igualitário que não restringisse a liberdade e, por esse motivo, tomou essa questão como sua principal preocupação. Com esse objetivo em mente, viajou para os Estados Unidos da América com o intuito de observar uma experiência democrática que, para ele, coexistia com a liberdade. [??] Nessa viagem, observou os costumes de uma cultura que propiciava, nessa perspectiva, um processo igualitário com liberdade, pontuou que aquele contexto sócio-político foi possível a partir de um desenvolvimento histórico peculiar aos EUA, a saber, a vinda de imigrantes com o intuito de constituir uma nação livre em um novo mundo. Sendo, no século XIX, segundo as observações de Tocqueville, a mais avançada experiência democrática daquele período.

Figura 1. Um pouco sobre o autor: Alexis de Tocqueville nasceu em meio a uma grande família da aristocracia normanda, por sua descendência se tornou Visconde de Tocqueville. Viveu, desde pequeno, num ambiente “marcado pelas desventuras” familiares em meio a Revolução Francesa – seus avós foram mortos na revolução, seus pais escaparam por pouco da guilhotina e, depois de toda essa movimentação, surge na França o governo autocrático de Bonaparte.

Em meio a isso, Tocqueville buscou estabelecer um conceito geral de democracia enquanto um processo de igualdade de condições. Devido, em grande parte, as experiências herdadas pela família em meio a Revolução Francesa [ver figura 1], se apresenta temeroso a idéia de revolução. Para ele o dilema do igualitarismo está pautado na “harmonia da democracia com a liberdade”, com isso, é visto a necessidade dos cidadãos estarem sempre atentos na defesa da liberdade. Essa Concepção vai de encontro com a idéia de que:

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“O preço da liberdade é a eterna vigilância” Thomas Jefferson Pode-se dizer, com isso, que a principal preocupação de Tocqueville, em suas analises sociopolíticas é, grosso modo, a possibilidade da coexistência harmônica de um processo igualitário que caminhasse com a consolidação da liberdade e a sua continuidade. Identificando, assim, democracia enquanto igualitarismo, busca demonstrar que a igualdade e a liberdade são categorias não contraditórias. Assim, a luta da sua vida estava centrada em pensar um desenvolvimento democrático que resguardasse a liberdade. Pois, para ele, a democracia era um processo que ocorre de forma universal, mas que, acontecerá com um formato diferenciado em diferentes povos dependendo de sua cultura. Dessa forma, essa democracia que é vista como algo inevitável e, até mesmo, como vontade divina, poderá se encaminhar para um modelo tirânico ou liberal, dependendo da ação política dos cidadãos de cada nação em especifico. Lembrar: a principal preocupação de Tocqueville, tanto no campo teórico quanto na sua luta cotidiana, é a busca de apontar um processo igualitário que resguardasse a liberdade.

Figura 2

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Tocqueville observou que dentro do processo democrático existia a possibilidade de desvios que desencadeariam em restrições da liberdade. Sendo assim, seria preciso conhecê-los para evitá-los. Com isso, Foram classificados dois possíveis desvios: v TIRANIA DA MAIORIA: Nesse caso, a cultura da maioria, homogeneizada, impossibilitaria a manifestação dos discordantes. Ou seja, a maioria consolidaria um conjunto de idéias, concepções de mundo, práticas, construindo o que seria classificado como “normal” e, assim, inibiria qualquer idéia contraria que seriam categorizadas como fora da dita normalidade. Esse fato restringiria a liberdade de manifestação política. v INDIVIDUALISMO: esse, propiciado por um contexto de industrialização, é produzido quando as pessoas estão tão presas nos seus interesses privados, no lucro e na sua riqueza, que se esqueceria dos interesses de ordem pública. Decorrente disso, todos os interesses públicos passam a ser decidido pelo Estado que, com isso, poderá intervir, pouco a pouco, nas liberdades fundamentais. A partir desse raciocínio, Tocqueville aponta que a pouca atividade dos cidadãos permitiria a concentração administrativa no Estado. Assim, o Estado governaria uma massa que só pensa nos seus interesses enriquecedores, no caso dos ricos, e, do outro lado, os que pensam nas condições que lhe permita sobreviver, que são economicamente desfavorecidos nesse contexto.

Com isso, é observado a necessidade de uma descentralização administrativa que promove a participação dos cidadãos, fazendo com que os indivíduos incorporem uma cultura democrática. Propiciar a criação e a manutenção de uma constituição promotora da liberdade, para que assim, se institucionalize por lei a liberdade. Contudo, o que garante a consolidação de um processo democrático com a liberdade seria ação política dos cidadãos, sendo necessário cultivar no povo o espírito igualitário. Visto que, para Tocqueville, os elementos culturais que propiciam com que os cidadãos se considerem iguais são, em si, fatores de igualdade que promovem a democracia. PARA SABER: Tocqueville distingue a centralização governamental da centralização administrativa; quando esses dois poderes estão juntos, nas mesmas mãos, os cidadãos tendem a abstrair a sua vontade e a obedecer cegamente. Sendo assim, o autor aponta a necessiade de uma centralização governamental na busca de prosperar e, de outro lado, uma descentralização administrativa para se criar os hábitos de um povo livre, um “espírito de cidadania”.

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Nessa lógica, as instituições políticas podem contribuir com a manutenção da consolidação da liberdade em meio ao processo democrático. Para isso, é necessário possibilitar a constituição de espaços livres para a fala e a ação dos cidadãos e, assim, com um propiciar de uma maior participação cidadã, com o continuo processo de igualdade de condições que faz das pessoas mais independentes dos demais, cria-se o gosto pela liberdade de fazer a sua vontade no que lhe é particular, esses, por fim, ficariam cada vez mais incomodados com as imposições externas e cultivariam costumes e hábitos de uma sociedade democrática. Texto Adaptado do texto: “Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade” de Célia Galvão Quirino.

PARA SABER: Tocqueville se apresenta contrario aos ideários socialistas, por acreditar que estes movimentos pautavam o igualitarismo e se esqueciam da liberdade, ficava desconfiado da concepção de esquerda (socialista) que tendia a defender um aumento do Estado, para ele, esse Estado muito Grande, cheio de funções, limitaria a liberdade dos cidadãos. De outro lado, em outra perspectiva teórica, Marx apontava que a liberdade defendida pelos liberais era, na prática, a liberdade em possuir a propriedade privada, essa, fortemente resguardada como direito fundamental para os liberais, era a fonte da desigualdade social, dessa forma, a igualdade liberal seria, também, uma igualdade meramente formal.

Atividades: 1) Com base nos conhecimentos adquiridos a partir do texto comente a seguinte frase: “O preço da liberdade é a eterna vigilância” Thomas Jefferson

Pode-se pensar que essa valorização dos valores democráticos, de um modelo de liberdade como o ideal, da busca de uma moralidade que se confunda com o pensar político, pode, na prática, promover um imposição de uma forma de pensar como a correta. Dessa forma, observa-se que na sociedade contemporânea a Escola cumpre a função de incorporar nos indivíduos a concepção ideológica hegemônica. Percebendo esse processo vamos discorrer, com base na teoria de Bourdie, como esse pode ocorrer: Vamos conhecer a Teoria de Bourdieu:

figura 3.

Pierre Bourdieu (1930-2002)

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Bourdieu escreveu um livro junto com o sociólogo Jean-Claude Passeron chamado A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, no qual conceituam a cultura, ou o sistema simbólico, como arbitrária, e como uma construção social. Por isso, sua manutenção é fundamental para a manutenção da sociedade. Essa manutenção é feita através da interiorização da cultura por todos os indivíduos, que acaba legitimando a dominação. Sendo assim, o dominado não se opõe ao seu opressor, pois para ele é natural e inevitável que seja dessa forma. Por isso, a relação entre o sistema de governo e os indivíduos é mediada, entre outros fatores, também pela cultura.

figura 4. Um pouco sobre o autor: Pierre Bourdieu foi um antropólogo e sociólogo que nasceu no interior da França, região campesina, e foi estudar na capital Paris, um dos grandes centros urbanos do mundo. A França tem uma divisão social entre campo e cidade muito marcante, fazendo com que Bourdieu fosse uma exceção em termos de trajetória social, pois a maioria dos filhos de camponeses permanece na região em que nasceu. A partir de sua própria historia de vida, o sociólogo desenvolveu teorias sobre a distinção social que existe entre os cidadãos franceses ao longo do século XX. Uma de suas áreas de análise é a questão cultural, a qual ele atribui um valor social equivalente ao dinheiro, e, portanto, pode ser adquirida como um capital cultural.

Dessa forma, um sistema de governo, por exemplo, a democracia, pode assumir vários vieses, de acordo com o sistema simbólico daquela sociedade como um todo, que, em última instância, é a cultura da classe economicamente dominante. A esse processo, Bourdieu denominou VIOLÊNCIA SIMBÓLICA. Ou seja, quando a cultura da classe economicamente dominante passa a ser imposta como a única cultura válida, sobrepondo as culturas das outras classes econômicas. Uma das instituições sociais que pode exercer tal violência é a ESCOLA, que é, teoricamente, um espaço onde é trabalhada a autonomia do individuo com relação aos processos sociais, para que ele possa tomar decisões de maneira consciente nas suas relações sociais. A violência simbólica na escola se manifesta através do “ensino padrão”, que não leva em conta a origem do aluno, ensinando as mesmas coisas para todos. Muito presente nas discussões sobre igualdade de acesso a mecanismos de ascensão social, como a educação, a solução para a desigualdade social é proporcionar o mesmo ensino para todas as crianças e jovens, de modo que todos tenham iguais oportunidades. Além disso, a AÇÃO PEDAGÓGICA das escolas perpetua a violência simbólica através de duas dimensões arbitrárias: a. O conteúdo das mensagens transmitidas b. O poder da relação pedagógica, que é autoritária

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Ou seja, os alunos legitimam essa autoridade do professor e interiorizam (naturalizam) as mensagens transmitidas por ele, que leva à reprodução cultural da classe dominante. Bourdieu argumenta também, em seu livro com Passeron “A Reprodução”, que ensinar os mesmos conteúdos nas mesmas técnicas didáticas não garante a igualdade, pelo contrário, ela promove a reprodução das desigualdades sociais, uma vez que os alunos provenientes de um contexto familiar mais próximo do contexto escolar se sairão muito melhor nas avaliações, pois não precisam fazer o esforço de tradução dos conteúdos para sua linguagem familiar, como os alunos de outra origem social. 1) Comente a charge abaixo a partir da teoria de Pierre Bourdieu.

Um site legal sobre democracia: http://www.matutando.com/2010/01/19/democracia-entenda-o-que-ela-e-e-nao-e/

Referencia Bibliografica: WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da Política: Burke, Kant, Hegel, Tocqueville, Stuart Mill, Marx. 2º volume. São Paulo: Ática, 2003. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Ed: Francisco Alve. Rio de Janeiro, 1992. Figuras: Figura1: http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/autores/franceses/1805._tocqueville.htm Figura 2: http://3.bp.blogspot.com/_WR_drEHDHxY/SwWxAts1F7I/AAAAAAAAEYA/MHx N7fjxDKQ/s400/novasideias.jpg Figura 3: http://denilsodelima.blogspot.com/2009/03/textos-em-ingles-para-iniciantes.html Figura 4: http://www.romanistik.uni-freiburg.de/jurt/Themen.htm

[bom trabalho , houve esforço de construir um matéria didático, embora abordasse temas que não tivessem diretamente relacionados com o programa e a bibliografia do curso. 80]

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Cap. 10) Temas específicos: O desenvolvimento da cidadania no Brasil de uma perspectiva histórica e comparada. Os Primeiros Passos da Cidadania no Brasil Este capítulo pretende apresentar o início do desenvolvimento da cidadania no Brasil, abordando os direitos civis, políticos e sociais do período pré-republicano até 1930. Para isso dividiremos o presente capítulo em três partes: a primeira parte relembrará alguns conceitos básicos para a discussão da cidadania e como inserir essa discussão pensando no Brasil; a segunda parte e terceira parte será uma perspectiva histórica do desenvolvimento da cidadania no Brasil, passando primeiro pelo período colonial e Império e por último a descrição desde a Proclamação da República até o fim da República Velha. Como pensar a cidadania no Brasil? Já vimos nos capítulos anteriores como alguns sociólogos definem o conceito de cidadania e neste capítulo utilizaremos dois autores para explicar como se iniciou o desenvolvimento da cidadania no Brasil, José Murilo de Carvalho e Décio Saes. Os dois fizeram trabalhos sobre esta temática, mas com diferenças que vamos mostrar durante este capítulo. Por exemplo, o livro “Cidadania no Brasil – O Longo Caminho” de José Murilo de Carvalho trabalha com um esquema teórico que já é conhecido para nós, uma vez que deriva dos trabalhos de Marshall e Bendix. Vocês se lembram o que é cidadania para estes autores?

José Murilo de Carvalho. Possui graduação em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1965), mestrado em Ciência Política - Stanford University (1969) e doutorado em Ciência Política - Stanford University (1975), pós-doutorado em História da América Latina na University of London (1977). Uma de suas obras mais conhecida é Cidadania no Brasil – O longo Caminho, mas ele tem mais de dez obras publicadas como: Os bestializados, Visconde do Uruguai e Forças Armadas e política no Brasil.

A cidadania seria a participação integral dos indivíduos na sociedade, para isso há a cidadania plena, em que o indivíduo agrega os três tipos de direito: civil, político e social. Mas haveria também cidadãos incompletos, ou seja, aqueles que não têm todos os direitos previstos e também os não-cidadão, aqueles que não tem nenhum dos três tipos de direito.

Já pensou como isso funciona no Brasil? Não? Continue lendo! Vamos descobrir!

O autor José Murilo de Carvalho entende que a implementação dos direitos no país se deu perante uma inversão constante da ordem da implementação dos direitos. Esse autor defende o padrão de cidadania exposto por Marshall como o ideal, sendo que formas diferentes se caracterizariam como anomalias, e expõe que o Brasil viveu períodos de retrocessos ao avanço da cidadania. Mas o que é importante destacar, e o autor Décio Saes faz bem, é que o que Carvalho vê como direitos no Império eram de fato privilégios. E que em uma sociedade escravista nem os

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escravos, nem seus donos, poderiam ser considerados cidadãos, devido aos limitados direitos civis. Nesse sentido o que acontece no Brasil, de acordo com Saes é que não temos no Brasil, nem nunca tivemos indivíduos com cidadania plena. Temos, por exemplo, uma ausência de cidadania social, mas muita liberdade política somos cidadãos incompletos pensando desta maneira. Décio Azevedo Marques Saes Possui graduação emdos Ciências Sociais pela Universidade de São Paulodo (1968), graduação Direito a pelaexpansão Universidadecomercial, de São O interesse portugueses na colonização Brasil estáemligada Paulo (1965), mestrado em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (1971) e doutorado em Doutorado Em sendo Sociologia assim apenas a extração do pau-brasil não era suficiente, foi através da produção em larga - École des Hautes Études en Sciences Sociales (1974). Obras publicadas: República do Capital e Processo político no escala Brasil de açúcar que o Brasil foinosendo povoado, aparece pela primeira vez a grande propriedade. e Formação do Estado Burguês Brasil: 1888-1891.

E a cargo de quem ficava a produção? Eram através do trabalho compulsório – a escravidão – já que o trabalho assalariado era inviável para Portugal, pois a produção das pequenas propriedades, caso fossem, não acompanharia o mercado europeu. Em um primeiro momento os indígenas eram os escravos, depois, com o sucesso da economia açucareira e pela necessidade cada vez maior de mão-de-obra os negros africanos foram escravizados e trazidos para o Brasil, em larga escala. O que temos neste contexto descrito? Um grande número de pessoas, de diferentes nações, não havia ainda pátria brasileira, muito menos cidadãos brasileiros.

Depois há a descoberta do ouro, iniciando a atividade mineradora no Brasil. Assim como a lavoura a mineração é uma atividade estruturada para a exportação, também baseada na grande propriedade com o trabalho escravo. Como era a estrutura social na sociedade colonial? A colônia, como pudemos perceber, tem o elemento básico da escravidão, as camadas são o senhor de engenho e escravo. O senhor do engenho, a camada senhorial, é formada pelos grandes proprietários de terra e escravos. Uma vez escravos aqueles indivíduos são privados de qualquer tipo de direitos, são não-cidadãos, mas também não se pode dizer que os senhores eram cidadãos, uma vez que o próprio sentido de cidadania, a noção de igualdade de todos (de todos os senhores, neste caso) perante a lei era o que faltava. Pois não havia ainda um poder que poderia ser chamado de público, que pudesse garantir essa igualdade, que pudesse ser a garantia dos direitos civis. Um dos motivos que dificultava o desenvolvimento da consciência dos direitos, da cidadania, era que neste período havia um descaso total com a educação. Apenas o clero tinha acesso a cultura letrada, aos outros a única alternativa era sair do Brasil para ter acesso à educação. Os direitos civis beneficiavam poucos, menos ainda eram os beneficiários pelos direitos políticos e os direitos sociais ainda não eram mencionados, já que a assistência social ficava a cargo da Igreja e de particulares. O fim do período colonial é marcado pela grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um sentido de nacionalidade. Você sabia? Foi no dia 23 de janeiro de 1532 que os moradores da primeira vila fundada na colônia portuguesa - São Vicente, em São Paulo - foram às urnas para eleger o Conselho Municipal, apenas os homens livres podiam se eleger. (NICOLAU, Jairo Marconi. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002) 72

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A independência do Brasil em 1822 é construída a partir da negociação entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra, mediado pelo príncipe D. Pedro. A separação da colônia e metrópole, contudo, manteve a monarquia. Implantou-se um governo ao estilo das monarquias constitucionais e representativas européias, o que mostrava um avanço nos direitos políticos, mas com a continuidade da escravidão ainda limitava os direitos civis. A Constituição outorgada de 1824 (que regeu o país até o fim da monarquia) estabeleceu os três poderes tradicionais (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também um quarto poder, o Moderador (privativo ao Imperador). Esta Constituição regulou os direitos políticos, definindo quem teria direito de votar e ser votado, concedendo direitos políticos a amplas parcelas da população. Podiam votar todos os homens de 25 anos ou mais que tivessem renda mínima de 100 mil-réis, todos os qualificados eram obrigados a votar. Mulheres, escravos não eram considerados cidadãos. Esta legislação permitia que quase toda a população adulta masculina participasse da formação do governo. Feito isso houve eleições freqüentes e regulares de 1822 até 1930, com pequenas exceções. Mas vamos pensar bem, qual o conteúdo real desse direito, será que havia mesmo um exercício de um direito do cidadão? Carvalho descreve que mais de 85% dos brasileiros tornados cidadãos pela Constituição eram analfabetos e mais de 90% dos brasileiros viviam em áreas rurais, sob controle ou influência dos grandes proprietários. Já nas cidades muitos votantes eram funcionários públicos controlados pelo governo, isso quer dizer que no fundo as eleições tornavam-se um jogo de domínio político local. E o voto foi nesse momento uma cidadania forçada, já que tornou-se também um ato de obediência, lealdade ou gratidão, algumas vezes também chegou a ser tornar uma mercadoria, vendida pelo melhor preço. Mas comparado com as décadas anteriores já havia algum avanço na dissipação dos direitos. Contudo uma lei aprovada em 1881 pela Câmara dos Deputados houve algumas mudanças no direito de voto, são eles: aumento da renda mínima de 100 mil réis para 200 mil réis, proibição do voto por analfabetos, introdução do voto direto e o voto torna-se facultativo. O que é possível perceber com essas mudanças? Percebemos que o voto torna-se mais restrito, por causa das duas primeiras mudanças, é um retrocesso no processo de desenvolvimento da cidadania, pois ao invés de ampliar acaba por restringir a participação política. O declínio do Império é marcado pelo aumento dos movimentos abolicionistas, sendo que se instala em 1885 a Lei Saraiva e finalmente em 1888 a Lei Áurea declara extinta a escravidão no Brasil. Veja o diagrama das leis que antecederam a abolição no país. Os caminhos da cidadania na República Velha A Proclamação da República ocorreu em 15 de novembro de 1889 e instalou em um primeiro momento o Governo Provisório que durou até 1891. As primeiras medidas foram transformar as antigas províncias em estados e separar a Igreja do Estado. E em 1891 é feita primeira Constituição Republicana e mesmo com tantas mudanças não houve alterações no que se diz respeito a cidadania política. A Constituição eliminou a exigência da renda, mas ainda o voto ficava impedido aos analfabetos.

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Esta primeira parte do período republicano é descrita por Carvalho como a República dos Coronéis em que o coronelismo era muito forte e os eleitores continuavam a ser manipulados, além da recorrência de fraudes nas eleições. E ainda neste período poucos foram os movimentos que buscavam uma maior participação eleitoral das massas. Esse autor entende que essa pouca participação e a não existência de uma grande revolução, como na Inglaterra, se caracteriza como uma anomalia que prejudicou o avanço da cidadania. Isso porque o país possuiria uma característica cultural da política ibérica transmitida ao Brasil, desde a colonização, a qual nos transmitiu ideal paternalista que se baseia na distribuição de favores. Além disso, havia a persistência de características coloniais que serviam de obstáculos à expansão da cidadania no Brasil, seriam: a escravidão, a grande propriedade rural e o Estado comprometido com o poder privado. A escravidão foi um grande empecilho ao avanço da cidadania no Brasil, e leis que limitavam o comércio de escravos e antecederam a abolição em 1888 não tiveram resultado esperado. O autor José Murilo de Carvalho explica que um grande problema da escravidão no Brasil estava no fato de que aqui a escravidão estava disseminada como um valor que regia a sociedade e não predominando no país o valor da liberdade individual, base para os direitos civis, que regiam outros países, como os Estados Unidos. Isso se confirma no fato do Brasil ter sido o último país de tradição cristã ocidental a abolir o regime escravista. Estando a escravidão disseminada como um valor, a construção de uma cidadania com a presença dos três direitos era impossível, pois ao exercer o direito de posse o dono do escravo passava por cima dos direitos civis, possuem suas bases nos direitos humanos, totalmente esquecidos em uma sociedade escravocrata, dessa forma a escravidão limitava a cidadania. Mesmo assim o autor entende que do ponto de vista do progresso da cidadania, a única alteração importante que houve no período que estamos estudando foi a abolição em 1888. Pois com ela os ex-escravos foram incorporados aos direitos civis, mesmo apenas formalmente. Conseqüências da escravidão: não trouxe igualdade efetiva, a igualdade era apenas nas leis, mas não praticada e limitou o desenvolvimento da cidadania. Escravidão Brasil x Estados Unidos. A escravidão é considerada um empecilho a cidadania nos dois países, porem existem diferenças importantes entre os dois. O autor José Murilo de Carvalho demonstra que quando a abolição ocorreu no Brasil havia um número pouco expressivo de escravos se comparado com o número de escravos durante a Guerra Civil nos Estados Unidos. Ele explica que isso se deu porque no outro país a escravidão era menos difundida e mais regional, limitando-se ao sul do país, havendo uma linha divisória entre a liberdade e a escravidão. Já aqui em qualquer local que o escravo fosse ele era escravo, sua condição não mudava. E mesmo criando quilombos, esses núcleos se relacionavam com a sociedade escravista, e mesmo dentro deles havia escravos. A escravidão aqui se disseminava como um valor, não apenas como ume estrutura estatal.

A grande propriedade limitava a expansão da cidadania porque nesses espaços sempre prevalecia o grande proprietário, o coronel político que podia agir como se estivesse acima da lei

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e mantinha o controle rígido seus trabalhadores. E neste período 70% da população estava envolvida com atividades agrícolas, ou seja, em locais que muitas vezes predominavam o coronelismo, esta prática impedia os trabalhadores das fazendas (que estavam submetidos as exigências dos coronéis da região) de ter participação na política, ou seja, a eles não era permitido serem cidadão brasileiros. O Estado estava comprometido com o poder privado, isso se dava através da justiça que era controlada por agentes privados, isso é a negação da justiça. E se não havia justiça, não havia poder verdadeiramente público, não havia cidadão civis. Os caminhos do desenvolvimento na República Velha tiveram muitos entraves, os direitos civis e políticos eram muito precários, alguns direitos básicos só foram conquistados com o movimento da classe operária, por exemplo. O início de uma cidadania mais ativa foi esboçada com os movimentos abolicionistas e com revoltas populares, mas ainda muito timidamente. Carvalho dedica essa timidez a uma falta de pertencimento a comunidade nacional, sentimento de “ser brasileiro” ainda estava em criação. O povo brasileiro ainda não tinha um lugar no sistema político, ainda era um processo em construção. Assim, do ponto de vista da representação política a primeira república não significou grande mudança. Já o sociólogo Décio Saes, que também pensou a cidadania no país, mas se focou na cidadania política do Brasil. Esse autor, diferente de José Murilo, vai enxergar o desenvolvimento de uma cidadania civil e política tendo início a partir da revolução político burguesa entre 1888 e 1891, ele entende que seria inviável a instauração de direitos em uma sociedade escravocrata, não havendo direitos no Império, apenas privilégios. Assim, o que José Murilo destacou como um retrocesso, a diminuição do número de votantes durante a passagem do Império à Primeira República Décio Saes entende como um mecanismo esperado na passagem de um Estado escravista para um Estado burguês moderno. Mais que isso, a combinação republicana entre a proclamação de princípios de sufrágio universal e a adoção de restrições eleitorais de cunho meritocrático ou sexual deveria ser encarada como o resultado do entrecruzamento de dois projetos políticos distintos de classes, a constar: liberais democráticos e burguesia mercantil exportadora. Esse autor entende que a principal limitação imposta aos direitos políticos na Primeira República era o fato do voto estar globalmente controlado pelas classes dominantes. O conceito para esse autor é a forma-sujeito de efetivação dos luta popular e aplicação concreta ele entende a cidadania política.

de cidadania política concretização da direito e a direitos a partir da burocrática pela da lei. É assim que dinâmica da

A abolição entendida como um pelos dois autores dessa forma....

da escravatura é evento importante aqui trabalhados,

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Foto do documento original assinado pela Regente Princesa Isabel declarando o fim da escravidão no Brasil. Fonte: www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/abolicao-

...destacamos as datas das principais leis tratadas por esses autores, começando em 1827 e seguindo o sentido horário até culminar na abolição. 1827 -Tratado entre Brasil e Inglaterra que proibia o tráfico de escravos. 1889 -Formação de um movimento abolicionista de massa.

1871-Lei do ventre livre. Muito criticada pelos reais abolicionistas.

1837-Lei contra a pirataria. Não teve efeito.

1888 Abolição da escravidão Lei Áurea. 1840 Renovação do tratado com a Inglaterra. 1850-Marinha inglesa invade portos no Brasil. Fim do tráfico.

Atividades.

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1. O Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão, permanecendo escravocrata até 1888. Mesmo assim na leitura do capítulo fica claro que a abolição da escravidão no Brasil foi um evento importante ao avanço da cidadania no país. Mas também fica claro que mesmo com o fim desse regime a situação dessas pessoas não mudou muito e esse passado deixou de herança comportamentos até hoje visíveis. A partir disso reflita sobre a situação das pessoas negras no país, sabendo que o preconceito racial ainda é uma realidade. Elas conseguiram se tornar cidadãos plenos? Procure na mídia exemplos onde o status de cidadãos foi negado a essas pessoas, ou situações onde pessoas foram privadas de um dos três direitos básicos.

2. A partir da leitura feita descreva como você vê a trajetória da cidadania no Brasil durante o período descrito. Você concorda com o autor Décio Saes ao afirmar que no Império não haviam direitos mas sim privilégios concedidos aos mais ricos, o qual defende a idéia de um padrão de formação da cidadania distintos dos outros países, mas não anômalo. Ou concorda com a visão de José Murilo de Carvalho, o qual entendeu ter ocorrido um retrocesso dos direitos durante o período do Império à Primeira República, onde a emergência do novo regime não constituiu a maior distribuição dos direitos. Em sala, faça um debate sobre essas duas visões, buscando os principais pontos de vista de cada um. 3. Os direitos políticos tiveram avanços no período estudado. Mesmo assim existiram restrições ao voto que diminuíram o número de votantes, o que segundo José Murilo de Carvalho caracterizou-se como um retrocesso a cidadania. Mas pensando a partir da atual conjuntura do país vemos que ainda nos deparamos com eventos que ocorriam já na Primeira República, como a venda de votos e o coronelismo. Atualmente temos um maior número de votantes, mas mesmo assim esses tradicionais esquemas não se extinguiram. Reflita sobre isso com seus colegas a partir das questões expostas no texto e debata sobre: ainda hoje vivemos um retrocesso à cidadania?

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Referências: Carvalho, José Murilo. A cidadania no Brasil – O longo caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Saes, Décio Azevedo Marques. A questão da cidadania política no Brasil. Estudos Avançados 15 (42); 2001. Disponível em: Sites:

www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/abolicao-

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O longo caminho da cidadania no Brasil pós 1930

Neste capítulo pretendemos realizar uma análise histórica da execução e do desenvolvimento dos direitos políticos e da cidadania política no Brasil; buscamos contemplar especificamente o período que compreende de 1930 até 1964. Para isso, faremos uma análise crítica da obra de José Murilo de Carvalho, “Cidadania no Brasil – O longo caminho”, contrapondo-a com o texto de Décio Saes “A questão da evolução da cidadania política no Brasil”. A história da cidadania no Brasil – José Murilo de Carvalho

O período iniciado em 1930 foi uma espécie de marco na história do Brasil, já que foi a partir dele que se iniciaram grandes avanços nas transformações sociais e políticas do país. José Murilo de Carvalho nasceu em 8 de setembro de 1939, é historiador e cientista político. Desde 2005 faz parte da Academia Brasileira de Letras. Sua obra é de fundamental importância para investigarmos a trajetória da cidadania política em nosso país

Até esse período, o povo brasileiro ainda não tinha lugar no sistema político, não existia nem organização política nem consolidação do sentimento nacional. Em geral, só existia ação política por parte do povo quando esta se manifestava como forma de reação ao que consideravam arbitrário por parte das autoridades, o que pode ser chamado de uma cidadania em negativo. Um dos fatos mais importantes que favoreceu as mudanças sociais e políticas no país ocorreu no dia 3 de outubro de 1930, quando aconteceu a deposição do então presidente da República Washington Luis, ato realizado por um movimento armado conduzido tanto por civis quanto militares de três estados da federação: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Esse episódio ficou conhecido como a “Revolução de 30” e fez com que terminasse a Primeira República. Essa revolta se deu antes de uma eleição que, mesmo com fraudes, beneficiou o debate para uma parcela da população. Contudo, houve a necessidade de apoio por parte dos militares, que apresentavam como ponto positivo o fato de não serem aliados das oligarquias, ou seja, não haviam militares atrelados a grandes propriedades de terra. Além disso, a própria formação do exército aconteceu em um espaço político composto predominantemente por civis, já que grande número de oficiais, ao final do Império, pertenciam a famílias sem muitos recursos ou mesmo eram filhos de oficiais.

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Ocorreu no Brasil, entre os anos de 1930 e 1937, uma etapa de ampla agitação política, tanto devido ao nível de organização quanto pela intensidade dos movimentos políticos. Essa mobilização compreendeu muitos estados da federação e diversos grupos sociais, além de também ter favorecido a propagação dos sindicatos e diferentes associações de classe, partidos políticos e criando pela primeira vez movimentos de âmbito nacional. Essa fase representou um importante papel na medida em que favoreceu a promoção da organização sindical, porém fez isso dentro de uma estrutura corporativa 17 e com um pequeno vínculo com o Estado. Durante a década de 1930, esse corporativismo fez com que diversos tipos de autoritarismos se concentrassem e constituíssem certa hegemonia na sociedade brasileira. Dentro desse contexto, os sindicatos tiveram um papel de extrema relevância, já que o corporativismo brasileiro não deu aos trabalhadores uma estrutura de direitos que os permitissem obterem um lugar de participação na esfera pública, para a administração das suas necessidades. Este modelo corporativista teve como consequência a desmobilização do movimento sindical, suprimindo os possíveis conflitos entre capitalistas e trabalhadores. Outro ponto importante é que, além disso, não houve a possibilidade de tornar os sindicatos lugares de democracia social. Nesse período, o Brasil ingressou numa etapa de extrema instabilidade, devido alternâncias entre regimes democráticos e ditaduras. A fase revolucionária prosseguiu até meados de 1934, quando aconteceu a votação da nova Constituição pela assembleia constituinte e a eleição de Getulio Vargas para a presidência do país. Esta era mais uma tentativa do governo de diminuir no Congresso nacional a influencia dos donos de terra, ou seja, das oligarquias. Após a constitucionalização do Brasil, a luta política tornou-se mais intensa, sendo criados dois movimentos políticos: um de direita e outro de esquerda. O de direita se chamava Ação Integralista Brasileira (AIB), sob a orientação do fascismo e dirigido por Plínio Salgado. Já o de esquerda foi chamado de Aliança Nacional Libertadora (ANL) e era guiado por Luis Carlos Prestes, orientado pela Terceira Internacional. Os adeptos da ANL e da AIB discordavam ideologicamente em diversos pontos e se confrontavam nas ruas, demonstrando facetas da batalha internacional entre fascismo e comunismo. Entretanto, ambos os movimentos eram semelhantes em diversos pontos, dentre eles, estão: a capacidade de mobilização da massa, a repulsa pelo liberalismo, o combate ao Iocalismo i·, propunham reformas econômicas e sociais, além de defenderem um Estado intervencionista. Esses movimentos representavam o emergente Brasil urbano e industrial. Além disso, tanto a ANL e quanto a AIB se assemelham em suas composições sociais, já que atraiam setores de classe media urbana, justamente os que se viam como sendo os mais prejudicados pelo domínio oligárquico. E foi no ano de 1937, que com o apoio dos militares, o então presidente Getulio Vargas deu golpe, assim estabelecendo um período de ditadura que permaneceu até o ano de 1945. Porém, nesse mesmo ano, outra intervenção militar retirou Getulio Vargas da presidência. Nessa época marcada pela chamada política populista, tanto o voto popular quanto o do processo eleitoral começaram a ter mais importância, contribuindo de uma grande maneira para o que pode ser chamado de primeira experiência democrática brasileira.Contudo, essa “experiência” teve seu fim em 1964, quando os militares interviram mais uma vez, implantando uma nova

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ditadura. Nessa época, os direitos civis se desenvolveram vagarosamente e de forma precária para a grande maioria dos cidadãos. Durante o período ditatorial muitos direitos civis foram suspensos, principalmente a liberdade de organização e de expressão do pensamento, mesmo que estes direitos permanecessem presentes nas constituições do período de maneira (até mesmo na ditatorial de 1937). Um dos maiores avanços ocorridos no campo dos direitos sociais, teve como uma das primeiras medidas a criação de um Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, seguido da criação de legislação trabalhista e previdenciária (que foi aprimorada em 1943 com a Consolidação das Leis do Trabalho) colaborando para o desenvolvimento dos direitos políticos. Dessa maneira, a partir de 1945, diversos movimentos sociais independentes começaram as se desenvolver, mesmo que lentamente. No entanto, o acesso da população ao sistema judiciário teve um escasso progresso. Com isso, aconteceu um grande progresso no que diz respeito á formação de uma identidade nacional, conforme o avanço de momentos de real participação popular. Como por exemplo, o próprio movimento de 1930 e as campanhas nacionalistas da década de 50, principalmente a da defesa do petróleo e de seu monopólio estatal. O nacionalismo, incentivado pelo Estado Novo, foi o principal utensílio no desenvolvimento e ascensão de uma solidariedade nacional, tendo o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) que foi criado no Rio de Janeiro na década de 50, como um dos principais colaborados na formulação e nas propagandas que exaltavam o nacionalismo. Culturalismo X Societalismo A cidadania interpretada por diferentes pontos de vista Décio Azevedo Marques de Saes é graduado em Direito e em Ciências Sociais pela USP, tem mestrado em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas e doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Interessa-se por temas como classe média, violência, rebeldia e contribuiu largamente para os estudos de participação política.

Décio Saes ajuda-nos a entender a cidadania no Brasil como um conceito em constante evolução, portanto ele possui estágios, que tem sido tratado amplamente por diversos historiadores, cientistas sociais e juristas. Através do artigo “A questão da evolução da cidadania política no Brasil” o autor desenvolve o modelo teórico pautado em dois eixos principais: a forma sujeito de direito e a possibilidade de escolha dos governantes. Para este autor, a “forma sujeito de direito” se refere ao reconhecimento por parte do Estado de que todos os agentes da produção são sujeitos individuais dotados de alguns direitos

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essenciais, o que significa, em sua forma elementar, o reconhecimento estatal de todos os agentes da produção, independente de sua posição na estrutura econômica (seja proprietário dos meios de produção ou trabalhador) como sujeitos individuais de direitos. Cidadania civil, para Décio Saes se traduz em direitos, assegurados pela Constituição, como a liberdade de ir e vir.

Esses direitos consistem na manifestação livre da sua vontade e na liberdade em ir e vir, assim como na capacidade de apropriação de bens e de si mesmo e de fazer valer contra terceiros essa capacidade. Portanto, a forma “sujeito de direito” consiste, basicamente, em liberdades civis, sem as quais o capitalismo não poderia ser implantado. Dessa maneira, a concretização da forma sujeito de direito mediante a criação de direitos civis implica na consolidação de liberdades, mesmo que sejam desigualmente distribuídas entre as classes sociais quanto na produção de um efeito ideológico de cidadania, baseado na sensação de concessão de prerrogativas reais que colocam todos os indivíduos no mesmo patamar, criando um ideal da igualdade. Assim como as liberdades civis, também as liberdades políticas proporcionam às classes trabalhadoras a possibilidade de exercerem sobre os processos de tomada das macrodecisões alguma pressão, por participação independente na escolha dos governantes. Além de também produzirem um efeito ideológico, ou seja, um sentimento generalizado de igualdade política entre todos os membros da nação. Para Décio Saes, a cidadania política se expressa na possibilidade de participar do processo de escolha dos governantes. Em alguma medida, a cidadania política poderia ser reduzida ao voto. Com base nesta interpretação, o autor aponta quais seriam os limites da cidadania no Brasil. Caracterizando, assim, os subcidadãos: aqueles que foram excluídos do “sentimento” de sujeito de direito (cidadão civil) ou cidadão político. Apontando que certas restrições ao direito de voto consistiam em obstáculos ao exercício da participação no processo de tomada das macrodecisões políticas e criavam, assim, os subcidadãos: aqueles que eram excluídos do “sentimento” de sujeito de direito (cidadão civil) ou cidadão político. A interdição do voto do analfabeto, desde a lei imperial de 1881 que perdurou até a Constituição Federal de 1988 é exemplo disso; a ausência do voto feminino”até 1932 também. Além disso, a ausência do voto secreto e de uma Justiça eleitoral de cunho burocrático e profissional, até o Código eleitoral de 1932 e a Constituição Federal de 1934; a limitação prática do exercício do direito de voto durante toda a Primeira República, devido às práticas coronelísticas; o clientelismo urbano, durante o regime político em 1945, que foi usado como instrumento de deformação das vontades no plano

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eleitoral; e ainda a supressão total (no caso do Estado Novo) ou quase total (no caso do regime militar) dos direitos políticos de todos os cidadãos neste período. A ótica societalista de Décio Saes, implica no fato do autor localizar na divisão da sociedade em classes, no enfrentamento entre elas e na conjuntura social que as encerra o âmago da questão da cidadania no país.

A partir da ótica societalista de que compartilha, Décio Saes aponta-nos como ponto de partida para a instauração da cidadania, civil e política, no Brasil a Revolução política burguesa, entre 1888 (Abolição da escravidão) e 1891 (proclamação da Constituição republicana), através da subversão do sistema jurídico. A conjuntura social do país se viu abalada, teve de ser reformulada e sofreu, de fato, profundas mudanças: ao antigo escravo, deu-se um novo status social: agora era livre para vender sua força de trabalho; à mulher o direito de votar; aos camponeses, trabalhadores rurais ou mesmo operários, trabalhadores de baixa renda, concedeuse, por meio da Constituição, o direito do tratamento igual: ricos e pobres agora estariam sujeitos à mesma lei. Tudo isso num Brasil que deixava para trás a sua vocação agrícola para investir pesado na industrialização, saía do campo, migrava para o espaço urbano e instaurava com isso novas problemáticas sociais. Os coronéis já não ameaçavam mais seus empregados e servos, mas ao mesmo tempo, o voto agora também integrava uma lógica de mercado imposta pelo Capitalismo. O voto, então, não era mais instrumento de opressão/subserviência a um coronel: constituía, agora, mercadoria de troca, visando benefícios pessoais. E esta nova relação com o direito de votar só se deu a partir de 1932 com a Constituição Eleitoral e se encaixou perfeitamente com um novo modo de vida e uma nova configuração social que se estabeleceu nas cidades em contraposição ao campo. Este fenômeno é interpretado de diferentes formas por duas correntes teóricas no Brasil: o culturalismo e o societalismo, ao qual se vinculam, respectivamente: José Murilo de Carvalho e Décio Saes. Vamos entender os pontos em que se contrapõem esses dois modelos explicativos da sociedade:

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CULTURALISMO O Culturalismo entende a sociedade brasileira como herdeira de uma tradição patriarcal. Remete à colonização as origens deste costume que caracteriza como comportamento apático a qualquer mobilização social para reivindicar melhorias na qualidade de vida do cidadão. Postura acomodada, que aguarda a benevolência de um “pai” para ganhar qualquer coisa (direitos civis, políticos, aumentos salariais)

SOCIETALISMO O modelo explicativo do Societalismo entende a divisão da sociedade em classes como fato determinante para entender processos de negociação de direitos, acesso à cidadania, etc... atribui à mobilização popular fundamental importância para provocar mudanças, lutar por qualquer direito e acredita, ainda, que o mercado seja um agente concentrador responsável por orientar práticas sociais, desvinculado de qualquer critério de ética social e ambiental, mas igualmente enxerga o Estado com desconfiança e ceticismo.

Tratando do exemplo prático acima descrito: a passagem do coronelismo para o clientelismo, José Murilo de Carvalho, apoiado numa visão culturalista dirá, sobre este aspecto, que se trata de uma reprodução cultural que se faz, desde os tempos da colonização, do papel do Estado como provedor, substituindo a figura do pai benevolente. Ou seja, a sociedade amorfa, aguardou sem qualquer mobilização algum benefício que o Estado pudesse lhe conceder e não esteve preocupada em reivindicar nada. O fato de votar conforme o coronel mandava não se distingue em nada da prática de trocar votos por cestas básicas, dentaduras, passagens de ônibus, etc... pois, culturalmente falando, a prática social é a mesma, mas o contexto mudou do campo para a cidade. Já o autor Décio Saes, dirá que a passagem do campo para a cidade é só um aspecto do fenômeno em questão. Conquistas como o voto secreto, o voto do analfabeto, o voto feminino se devem à sociedade civil organizada, reunida em sindicatos, associações, partidos políticos, que foram capazes de exercer alguma influência nas decisões políticas, reivindicando seus direitos e que, só por isso, a cidadania civil e política obteve algum avanço entre 1930 e 1964. O fato destes cidadãos políticos e de direitos resolverem vender seus votos está relacionado à lógica capitalista de mercado que impõe uma visão de mundo individualista e que leva o sujeito a entender como vantagem pessoal negociar seu voto e trocá-lo por algo que, momentaneamente, deseje. Tudo isso faz parte de um processo de amadurecimento político dos cidadãos que, experimentando essas práticas, estarão em melhor condição de aprender a votar.

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PROPOSTA DE ATIVIDADES EXTRA-CLASSE 1. Escolha um dos temas “voto do analfabeto” ou “voto feminino” e faça uma pesquisa na internet. Anote 5 aspectos importantes que chamam a sua atenção quanto às lutas sociais que levaram a essas conquistas. 2. Exibição de filme em sala de aula: Getúlio Vargas (Brasil, 1974, Documentário) Sinopse: Os Fatos que marcaram a vida e a carreira de um dos mais importantes presidentes do país, apontado como o melhor presidente que o Brasil já teve, segundo pesquisas de opinião. O filme mostra seus discursos, o cotidiano da época e o fim trágico do líder, num suicídio que gerou controvérsias. Gaúcho, Vargas governou o Brasil por duas vezes. Uma como presidente eleito legitimamente, outra como ditador. Seu estilo era único. Tinha seguidores fiéis. Sua morte gerou um clima de gigantesca comoção que nunca se repetiu. Depois de assistir ao filme “Getúlio Vargas” (Brasil, 1974, Documentário), faça uma entrevista com algum familiar ou vizinho que se lembre do governo na Era Vargas. Pergunte a essa pessoa 3 aspectos positivos e 3 aspectos negativos da sua experiência ou das suas lembranças do que ocorria na época. Traga as respostas por escrito para a sala de aula e compare com respostas dos colegas para promover um debate em classe. 3. exibição do filme: Tempos de Paz (Brasil, 2009, Drama) Sinopse: Em 1945, para fugir da Segunda Guerra Mundial, imigrantes europeus chegam ao Brasil, no porto do Rio de Janeiro. Lá, encontra-se o interrogador da polícia especializado em torturas Segismundo (Tony Ramos), funcionário oficial no governo de Getúlio Vargas, que interroga o ex-ator polonês Clausewistz (Dan Stulbach), que conseguiu escapar do nazismo depois de passar pelos horrores da guerra. A partir da exibição do filme, promover em classe um debate sobre a cidadania política na Era Vargas no Brasil em comparação com a cidadania em tempos de Nazismo na Alemanha. Exibição de um dos dois ou dos dois filmes: a)Sinopse: O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes (Brasil, 1997, Documentário) premiado documentário O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes, com muitos extras e uma hora de depoimentos inéditos apresenta a história de um mito - O Cavaleiro da Esperança - e um dos personagens mais perseguidos do século passado. Polêmico líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luiz Carlos Prestes (1898-1990) carregou ideais hoje soterrados pelos escombros do Muro de Berlim. O documentário reúne 70 anos de imagens da História do Brasil: a épica marcha de 25.000 km da Coluna Prestes nos anos 20; passando pelo dramático romance com Olga Benário até a repressão política da ditadura militar. Depoimentos de jornalistas, familiares ex-membros do PCB e um raro material de arquivo formam a mais completa cine-biografia de Prestes, Quixote obstinado que carregou durante toda a sua vida o projeto de um mundo melhor. b) Sinopse: Olga ( Brasil, 2004, Drama) O filme "Olga" narra a história da judia alemã Olga Benário Prestes (1908-1942). Militante comunista desde jovem, Olga é perseguida pela polícia e foge para Moscou, onde faz treinamento militar. É encarregada de acompanhar Luís Carlos Prestes ao Brasil para liderar a Intentona Comunista de 1935, se apaixonando por ele na viagem. Com o fracasso da revolução, Olga é presa com Prestes. Grávida de 7 meses é deportada pelo governo Vargas para a Alemanha Nazista e tem sua filha Anita Leocádia na prisão. Afastada da filha, Olga é enviada para um campo de concentração de Ravensbrück onde é executada na camara de gás. Pesquisar na internet ou em um dicionário o verbete “comunismo” e produzir uma redação a respeito das suas impressões do tema a partir do filme e com base na pesquisa. 4.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, J. M. Cap. II, “Marcha acelerada” SAES, Décio Azevedo Marques de. A questão da evolução da cidadania política no Brasil. Estud. av. [online]. 2001, vol.15, n.42, pp. 379-410. ISSN 0103-4014. http://www.dicionariodoaurelio.com/dicionario.php?P=Corporativismo http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=corporativismo Perfil de José Murilo http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Murilo_de_Carvalho

de

Curriculum Lattes de Décio http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4783936A6

Carvalho: Saes :

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sufr%C3%A1gio_feminino#O_voto_feminino_no_Brasil http://pt.wikipedia.org/wiki/Voto_secreto

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A cidadania no regime militar (1964-1988)

Depois da breve experiência democrática dos anos anteriores, o Brasil em 1964, a sociedade brasileira se polarizou. As classes médias, as elites agrárias e os industriais se voltaram contra o governo e abriram caminho para o movimento dos golpistas dos militares. O governo militar colocou em prática um projeto desenvolvimentista que por um lado levaram o país a ingressar numa fase de industrialização e crescimento econômico acelerados, por outro não beneficiou a maioria da população, em particular a classe trabalhadora. A ditadura restringiu o exercício da cidadania; os anos que se seguiram foram sombrios para historia dos direitos civis e políticos. Houveram perseguição, cassação dos direitos políticos, tortura e assassinatos de lideranças políticas, sociais, intelectuais e artísticas. Qualquer movimento de oposição era violentamente reprimido. O governo militar ao assumir o controle do aparelho de estado buscou o confinamento da cidadania política. Cabe ressaltar entretanto que apesar das restrições ao exercício da cidadania política, a ditadura militar manteve uma “simbologia liberal-democrática”. Esta política de confinamento da cidadania política e de “encenação liberaldemocrática e constitucionalista”, era fundamental para manutenção da classe dominante formadora de opinião a favor do regime; bem como para atender as expectativas dos investidores estrangeiros avessos a tendências nacionalismo das ditaduras periféricas. Isso se deu entre outras formas através da manutenção da vigência da Constituição de 46 , porém com forte atuação arbitrária dos militares de emendas, cartas, atos e leis complementares que adequavam a constituição as necessidades do governo ditatorial.

Ilustração 1: Tanques de guerra nas ruas durante o Golpe Militar de 64.

Neste contexto foram importantes para estratégias de “adequação das leis” as necessidades do regime militar os Atos Constitucionais (AI), e que sucessivamente suprimiam os direitos políticos e civis: •



AI -1 de 1964: Prevê realização de eleições indiretas para presidente da República num prazo de dois dias a partir da publicação do ato e de eleições diretas em outubro de 1965 ; fortalece o poder do presidente que poderia apresentar emendas constitucionais ao Congresso e aprová-las por maioria simples , suspender temporariamente os direitos políticos de qualquer situação por dez anos, em nome de “interesses nacionais”, e decretar estado de sítios sem autorização do Congresso ; suspende temporariamente a estabilidade dos funcionários públicos. AI-2 de 1965: Fortaleceu ainda mais o poder executivo, dando ao presidente o poder de decretar o recesso do Congresso Nacional, assembléias estaduais e câmaras dos

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• •

vereadores; aboliu a eleição direta para a Presidência da República ; dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e estabeleceu um sistema de bipartidário. AI-3 de 1966 : Estende as eleições indiretas paria governadores de estado e para prefeitos de municípios considerados de “segurança nacional”, incluindo capitais de estado. AI 5 de 1968: Considerado o mais radical de todos, o que mais fundo atingiu direitos políticos e civis. Fechou o Congresso passando o presidente General Costa e Silva, a governar ditatorialmente; suspendeu o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional, cassou o mandatos e suspendeu os direitos políticos de deputados e vereadores, promoveu a demissão sumária de funcionários públicos, a censura à imprensa e instituiu a pena de morte por fuzilamento.

O endurecimento do regime apartir da publicação do AI-5 , as torturas, os desaparecimentos e assassinatos de oponentes políticos, a censura à imprensa e a ausência geral de liberdades intensificou a mobilização popular, principalmente dos estudantes, trabalhadores e artistas.

Movimento

Estudantil: teve importante atuação no combate a ditadura militar, lutando contra o autoritarismo e pelo retorno às liberdades democráticas. Principalmente apartir de 68 as manifestações estavam ligadas a problemas específicos da educação. Multiplicaram-se as manifestações e passeatas organizadas por todas as universidades brasileiras, com reinvidicações estudantis servindo de pretexto para manifestações contra o governo. A violência da polícia e do Ilustração 2: Passeata dos Cem Mil no Rio de exército contra tais demonstrações de Janeiro em junho de 1968. insatisfação fez com que setores da classe média e também a Igreja s solidarizassem com os estudantes, engrossando o número daqueles que nas ruas, protestavam contra o regime.

Entre os grupos de luta armada, destacaram-se a Aliança Nacional Libertadora (ANL), o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A repressão aos integrantes destes grupos fui muito intensa com integrantes presos, torturados e/ou mortos.

O meio artístico e cultural, que passava por grande agitação desde o início da década, acompanhando, aliás, tendências mundiais e buscando um engajamento político, procurou resistir

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à repressão do regime. Destacam-se neste contexto os Centros Populares de Cultura criados pelos estudantes; os grupos de teatro de Arena e Oficina com Augusto Boal e José Carlos Martinez Correa como líderes e o chamado Cinema Novo cujos principais diretores foram Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos.

Na música, as canções de protesto encontraram palco nos grandes festivais, organizados pela TV Record a partir de 1965.

PESQUISA Procure saber mais sobre os grandes festivais. Quais eram os participantes os grandes vencedores, quais as músicas de maior sucesso? Escolha uma música que você considere ter teor de protesto, traga a letra em sala de aula e exponha os principais argumentos do(s) compositor(s).

Um dos fatores importantes para manutenção do regime foi o chamado milagre econômico. Houve um incentivo ao consumo interno e externo. No entanto a equipe econômica trabalhava para manter baixos os salários e conseqüentemente os custos de produção. Sendo qualquer reinvidicação trabalhista por melhores salários reprimida com violência. Por outro lado os salários dos profissionais liberais da classe média subiram consideravelmente bem como as facilidades de crédito. Na verdade o “milagre” gerou grande desigualdade na distribuição de renda. No entanto no que se refere aos direitos sociais, percebe-se que houveram alguns avanços; neste período foram criados: − Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) − Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) − Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) − Banco Nacional de Habitação (BNH) − Ministério da Previdência e Assistência Social No fim da década de 70 fica mais forte as divergências de diferentes setores da classe capitalista com o regime militar Após 10 anos de regime nas eleições de 1974 o partido de oposição MDB mesmo com dificuldades venceu o situacionista ARENA. Houve ainda o esgotamento do milagre econômico que contribui para o processo de abertura.

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Ilustração 3: Charge de Henfil

Ilustração 4: Manifestação Popular pelas Diretas Já.

Movimento pelas Diretas Já: foi um dos movimentos de maior participação popular, da história do Brasil. Teve início em 1983, no governo de João Batista Figueiredo e propunha eleições diretas para o cargo de Presidente da República. A campanha ganhou o apoio dos partidos PMDB e PDS, e em pouco tempo, a simpatia da população, que foi às ruas para pedir a volta das eleições diretas. Lideranças estudantis, como a UNE (União Nacional dos Estudantes), sindicatos, como a CUT (Central Única dos Trabalhadores), intelectuais, artistas e religiosos reforçaram o coro pelas Diretas Já. Nas eleições indiretas previamente marcadas , após derrota do movimento das Diretas Já no Congresso o Colegiado Eleitoral reuniu-se em 15 de janeiro de 1985 para escolher o novo presidente dando a vitória a Tancredo Neves. Mesmo com complicadas manobras politicas após 21 anos o governo militar acabava, e uma nova época se iniciava no país.

ATIVIDADE De acordo com Carvalho (2001) no Brasil, diferentemente de outros países, a evolução na conquista de direitos se deu na seguinte ordem: primeiro os direitos sociais, depois os políticos e civis. De acordo com as discussões feitas neste capitulo discuta como se deu o processo de conquista e/ou perda de cada um destes direitos durante o regime militar. REFERENCIAS: CARVALHO , José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilizações Brasileiras, 2001.

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COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1995. SAES, Décio Azevedo Marques de. A questão da evolução da cidadania política no Brasil. Estud. av. [online]. 2001, vol.15, n.42, pp. 379-410. ISSN 0103-4014.

FILMES INDICADOS: Título: O Que É Isso, Companheiro? ( Brasil / EUA – 1997) Sinopse: Em 1964, um golpe militar derruba o governo democrático brasileiro e, após alguns anos de manifestações políticas, é promulgado em dezembro de 1968 o Ato Constitucional nº 5, que nada mais era que o golpe dentro do golpe, pois acabava com a liberdade de imprensa e os direitos civis. Neste período vários estudantes abraçam a luta armada, entrando na clandestinidade, e em 1969 militantes do MR-8 elaboram um plano para seqüestrar o embaixador dos Estados Unidos (Alan Arkin) para trocá-lo por prisioneiros políticos, que eram torturados nos porões da ditadura. Titulo: Pra Frente, Brasil ( Brasil- 1982) Sinopse: Em 1970 o Brasil inteiro torce e vibra com a seleção de futebol no México, enquanto prisioneiros políticos são torturados nos porões da ditadura militar e inocentes são vítimas desta violência. Todos estes acontecimentos são vistos pela ótica de uma família quando um dos seus integrantes, um pacato trabalhador da classe média, é confundido com um ativista político e "desaparece".

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