“Confia na lança do santo guerreiro!”: cultura e política na carreata de São Jorge do GRES (Grêmio Recreativo Escola de Samba) Império Serrano/RJ.

September 27, 2017 | Autor: C. Dias Souza | Categoria: Political Sociology, Cultural Sociology, Brazilian Studies, Escolas De Samba
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“Confia na lança do santo guerreiro!”: cultura e política na carreata de São Jorge do GRES (Grê mio Recreativo Escola de Samba) Impé rio Serrano/RJ. Carlos Eduardo Dias Souza 1 Departamento de Sociologia, FFLCH-USP Resumo: Ao analisar as práticas de devoção a São Jorge e a Ogum realizadas no âmbito da carreata em suas homenagens em 2011 como expressão de disputas políticas dentro da escola de samba Império Serrano, no Rio de Janeiro, busca-se neste artigo compreender discursos e práticas sobre tradição, memória e religião. A partir de observações feitas na carreata realizada naquele ano, véspera de eleição na escola, e também de vivências pessoais em outras situações de sociabilidade, pretende-se aqui desenvolver a análise dessas práticas religiosas de duas formas: a primeira, dentro de uma situação de disputa política que demanda a reconstrução de discursos tradicionais como forma de legitimação; a segunda busca articular esse processo de reconstrução a discussões sobre cultura e política, tomando a cultura co mo prática exercida pelos agentes a partir de um repertório comum de temas e significados disponibilizados em contexto de periferia urbana e também dentro da hierarquia das grandes escolas de samba do Rio. Palavras-chave: Tradição; Religiosidade; Política.

O meu Império é raiz, herança E tem magia pra sambar o ano inteiro Imperiano de fé não cansa Confia na lança do Santo Guerreiro E faz a festa porque Deus é brasileiro! O trecho acima, refrão do samba-enredo O Império do Divino de autoria de Arlindo Cruz – ele próprio um imperiano de fé – junto a outros compositores 2 e com enredo homônimo, foi defendido pela escola no ano de 2006. Esse enredo, desenvolvido num desfile em que a escola veio toda de verde, branco e dourado, mexia com os brios do torcedor do Império Serrano, recém-retornado do grupo de acesso do carnaval carioca em 2001 e desde então lutando para se manter entre a nata das escolas de samba que desfilavam no grupo especial do carnaval do Rio de Janeiro. Já em 1984, no famoso samba do enredo Bumbum Praticumbum Prugurundum, a escola criticava as “super escolas de samba S/A” que 1

Aluno de doutorado do Programa de Pós -graduação em Sociologia da USP, bolsista FAPESP. E-mail: kdudiaz@g mail.co m. Agradeço a Adilson Chacon Filho por me lembrar de detalhes que a memória e as anotações não captaram; agradeço, ainda, às sugestões dos colegas presentes na sessão do dia 2 de dezembro de 2014, por acaso também dia do samba, do ST Crenças, discursos e práticas religiosas do V Encontro do GT História das Religiões e Religiosidades, para o qual foi preparado este artigo. 2 Alem de Arlindo Cru z, co mpuseram a obra Maurição, Carlos Sena, Alu ízio Machado e Elmo Caetano.

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escondiam seus bambas e sua gente, seu chão, em nome de uma grandiosidade midiática que só viria crescer após os tempos de Sambódromo, inaugurado em 1984 e q ue criava novas perspectivas para aquela festa tão tradicional. Os tempos de Sambódromo foram difíceis para o Império Serrano: vencedor de nove campeonatos, a escola passou a oscilar entre o grupo especial e o grupo de acesso a partir de 1991. Desde 2010 a escola vem desfilando no grupo de acesso, atual Série A, do carnaval do Rio. E não por acaso, acredita-se aqui, também nesse período a escola passou a elencar como enredo temas caros a ela mesma, como seu papel na formação do que se entende ser, hoje, a tradição do samba fluminense, pautado no tripé samba, religiosidade e africanidade. O samba enredo de 1992, intitulado Fala Serrinha! – a voz do povo sou eu mesmo sim, senhor! deixava clara a valorização de uma memória do carnaval que as outras escolas, criticadas pela grandiosidade do enredo de 1982, haviam deixado de lado: “do prato, reco-reco, agogô” até “o primeiro destaque no samba”, incluindo a reverência aos mais velhos, que do céu pediam “pro Império não parar de entoar seu canto de euforia”. Ocorre que desde então parece ter ocorrido a alguns dos membros da escola que se vivem outros tempos, o que tem feito a escola oscilar entre a adoção de enredos laudatórios ou de tom mais tradicional, associados a lógicas de um tempo anterior em que o carnaval era considerado mais livre e brincado, identificado às décadas de 1950 e 1960. Especialmente a partir de 2011, um ano após a renúncia da presidência que fez o desfile João das Ruas do Rio da tradicional carnavalesca Rosa Magalhães, a escola propôs enredos de mais fácil captação de recursos, como um sobre a cidade de Caxambu e outro sobre Angra dos Reis. No que pese, mesmo nesses casos, a construção de enredos e sambas que buscavam valorizar possíveis associações com a história da escola, a lógica que preside a política atual do fazer carnavalesco, de aspecto midiático, parece ter chegado ao Império Serrano. Tradição, memória e política: são essas as três peças-chave sobre as quais será construído o argumento deste trabalho. Parte-se delas pois acredita-se que também delas partiram os projetos políticos dos grupos em disputa na escola desde o ano de 2011, quando houve eleições gerais bastante agitadas para a presidência da escola. O que se busca discutir neste trabalho é um olhar sobre a cultura menos como algo que envolve os agentes (Geertz, 1989)3 e mais como um fazer cotidiano, tal qual uma espécie de repertório disponibilizado aos agentes e a partir dos quais eles agem em situações específicas (Swidler, 1986, 2001). A 3

Ao pretender entender as relações entre símbolos e estruturas sociais, Geert z enfatiza em sua análise a busca de “estruturas conceituais que informam os atos dos nossos sujeitos” (Geert z, 1989: 37).

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situação aqui proposta para análise condensa os três e lementos, somando a eles mais um: a carreata promovida pela escola em homenagem a São Jorge e ao orixá Ogum, padroeiros da escola, acompanhada por mim durante alguns anos e que em 2011, em véspera de eleição, mobilizou alguns outros elementos para a cena, como se verá.

O ser imperiano como repertório cultural

A devoção ao santo guerreiro é daquelas tradições que se perdem nos fios da memória: além de padroeiro da escola, é ele também cultuado e festejado de tal forma pelos subúrbios do Rio de Janeiro que se poderia dizer que, além de São Sebastião, padroeiro oficial da cidade, São Jorge com ele divide a função de protetor da cidade, ainda que “informalmente”. A alcunha de guerreiro seria um dos motivos que fariam o carioca se identificar ao santo: o cotidiano de trabalho intenso dos moradores dos subúrbios facilitaria a opção por São Jorge, aquele que mata o dragão, e não pelo perseguido São Sebastião, repleto de flechas pelo seu corpo (Medeiros, 2007). Some-se a isso a presença de uma forte tradição de religiões de matriz africana na periferia do Rio de Janeiro, além da grande presença de centros espíritas de matriz sincrética africana. Na tradição local, São Jorge é “sincretizado”4 ao orixá iorubá Ogum (ou mesmo o contrário), deus da guerra e da metalurgia. No que se refere ao Império Serrano, como toda escola de samba, a opção por São Jorge/Ogum vinha de antes. Nas palavras de um de seus fundadores, Sebastião Molequinho, sobre a escolha do padrinho da escola fundada em 1947,

Então, tivemos uma reunião em que decidimos que o padrinho do Império não seria nem Mangueira nem Portela, mas sim São Jorge, pois o Império sempre acompanhava a procissão que saía da casa da Dona Marta e do Seu Gabriel, no morro... Eu apenas tive a ideia de oficializarmos isso. 5

Já ali se marcava um diferencial: ainda que pouco tempo depois, seguindo a tradição, a escola tomasse a coirmã Império da Tijuca como madrinha, o Império Serrano a princípio considerou a existência de uma tradição religiosa local do morro da Serrinha, comunidade 4

Utiliza-se aqui o termo sincretismo com algumas reticências devido à sua carga semântica negativa e que tende a subsumir tradições religiosas mais fracas – neste caso, o candomblé/a umbanda – dentro de outras mais fortes – o catolicis mo. Mantém-se o seu uso devido às relações de poder que marcam relações do tipo. 5 Entrevista realizada pelo grupo Imperion@autas a Sebastião Molequinho. O Império da Tijuca veio a ser a escola madrinha do Império Serrano, mas tal batis mo só aconteceu tempos depois.

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berço da escola, como matriz de sua formação cultural. 6 O morro, assim como o bairro de Madureira e outros bairros cortados pelas linhas férreas que ligavam, desde a segunda metade do século XIX, o centro do Rio à baixada e ao vale do Paraíba fluminense, recebeu tanto migrantes baianos e trabalhadores da estiva expulsos das áreas afetadas pelas reformas urbanas que buscavam oferecer um ar mais “civilizado” ao centro da cidade no início do século XX quanto ex-escravos que, após o fim da escravidão, deixaram as fazendas onde trabalhavam no vale do Paraíba em busca de novas oportunidades de emprego na capital federal. Junto com esses grupos, aspectos de suas culturas locais foram disseminados pelos bairros do subúrbio do Rio. Dentre esses aspectos culturalmente riquíssimos estava, por exemplo, o jongo, dança de matriz banto com aspectos religiosos de louvação às almas dos espíritos de escravos mais velhos e que era muito praticada no vale. Como se vê, a Serrinha era já há algum tempo um verdadeiro “caldeirão cultural” (Valença e Valença, 1981). A procissão motorizada, que atualizou e deu continuidade à procissão já existente em homenagem a São Jorge, condensa essa série de elementos em sua organização. Tia Maria do Jongo lembra que antes mesmo da fundação da escola o pessoal da Serrinha descia o morro “todos vestindo branco com detalhes em vermelho pra saudar o santo”. Tia Maria completa: “A devoção a São Jorge aqui é muito grande. Qualquer coisa, a gente grita ele. E ele atende!”, diz a matriarca. Em 1970, o presidente da escola Irani Santos Ferreira colocaria a data no calendário oficial da agremiação: alugou carros e, num deles, pôs uma imagem do santo que defende e protege a quadra de ensaios da escola, localizada no centro do bairro de Madureira, levando-a até a Igreja Matriz de São Jorge no bairro de Quintino Bocaiúva, um dos maiores focos de devoção ao santo na cidade do Rio. Do sucesso dessa experiência, realizada até hoje no primeiro domingo após o dia 23 de abril, 7 data em que se comemora o santo, foram somadas novas tradições: a queima de fogos na saída e na chegada da carreata, a parada no Centro Espírita Caminheiros da Verdade, a roda de samba em Ramos, junto a sua afilhada Imperatriz Leopoldinense e a feijoada realizada ao final da carreata na quadra da escola (Aldir, 2009: 38).

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Há ainda relatos de que vovó Maria Joana, rezadeira, jongueira e umbandista, teria tirado em jogo de búzios que o padroeiro da escola seria São Jorge. Vo lto ao ponto adiante. 7 O dia de domingo foi escolhido para que todos pudessem participar. Hoje o dia 23 de abril é feriado no estado do Rio, o que facilitaria a presença daqueles que teriam que trabalhar. Mesmo assim, preferiu -se “manter a tradição” do domingo subsequente.

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Começando na quadra de ensaios e atual sede social da escola Elói Antero Dias com uma missa afro-católica, 8 a carreata logo cedo é tomada por “fieis” vestidos a caráter: a grande maioria participa vestida de vermelho e branco, cores associadas ao orixá Ogum na umbanda carioca. Os “salves” ao orixá são constantes. 9 Enquanto aguardam o início da procissão motorizada, os segmentos da escola – alas, como a dos cabelos brancos, e departamentos como o de carnaval – vão se organizando nos seus ônibus alugados para a ocasião. Há ainda outros que seguem em seus próprios veículos, perdendo muito da experiência de interação social que se desenrola nos ônibus, regados a muita conversa, “água de São Jorge” – ou aquela cervejinha – e petiscos em geral. Reencontros pós-préstito carnavalesco são comuns, além de conversas ainda girando em torno dos pontos altos e baixos do desfile da escola naquele ano. No percurso, na medida em que a cervejinha vai ganhando mais adeptos, novos temas vêm à tona, como críticas mais abertas à gestão da escola mas também declarações de amor ao santo/orixá e, por reboque, à sua agremiação do coração. Especialmente após a parada em Ramos, quando o Grêmio Recreativo Escola de Samba (GRES) Imperatriz Leopoldinense recebe a carreata do Império Serrano e quando há novos encontros nas ruas e num bar próximo de onde para a carreata, novas confissões são feitas no sentido de se valorizar a experiência de ser imperiano de fé: o fato da escola ser receptiva com todos; suas festas serem pautadas numa relação de amizade e companheirismo; a realização de desfi les carnavalescos ainda seguirem padrões considerados tradicionais; a criação e rememoração de sambas enredos antológicos; e, claro, a bênção de São Jorge/Ogum são elencados como fatores que justificam o amor e a confiança na escola, apesar dos pesares. O caminho para o fim da carreata parece ser um verdadeiro momento de epifania coletiva: o retorno ao berço da escola, a comunidade da Serrinha, onde (quase) todos 10 se reúnem ao som de sambas aclamadíssimos pela crítica 11 como Aquarela Brasileira, Heróis da Liberdade, Os Cinco Bailes da História do Rio ou Bumbum Paticumbum Prucurundum 8

No que pese a presença, em algu mas ocasiões, de um padre ou algum representante da igreja Católica, a presença de elementos de relig iões de matriz africana, co mo as plantas conhecidas como “espada de São Jorge” e a saudação “Salve!” são nítidos e centrais para o ritual. 9 Em missa acompanhada por mim e u m amigo na matriz de São Jorge em Qu intino no ano de 2010, o padre, recém-chegado à paróquia, deu a entender que o uso da locução “Salve, Jorge!” deveria ser preterida e m favor do uso de “Viva, Jorge!”. O padre era do sul do Brasil. No decorrer das variadas missas daquele 23 de abril, no que pese a observação do padre, o uso do “Salve, Jorge!” foi u ma constante. 10 Co mo bem lemb rou Pavão (2007), grupos de torcedores da escola de classe média, quando vão até o final da carreata, mostram-se no geral apreensivos com possíveis ações do tráfico que ainda do mina a região. Não é incomu m vermos rapazes armados passando entre os transeuntes que vieram da c arreata, pelo contrário: os men inos do tráfico passam a todo mo mento armados com fu zis e armas de grande porte em moto ou a pé. 11 Sobre a tradição imperiana na criação de sambas enredos antológicos, ver Mussa e Simas, 2010.

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parece reforçar os laços com a tradição do samba, da religiosidade e com uma lógica mais comunitária, de laços mais estreitos e verdadeiros que aqueles construídos na sociedade mais ampla. Assim, os ali presentes parecem ser mais uma vez chamados a avançar e defender sua escola, tão combatida no meio do samba já tão “midiatizado” mas, entre os seus, símbolo da defesa da melhor tradição dos carnavais cariocas. Assim, na carreata estariam condensados diversos elementos típicos de um certo padrão sociológico de sociabilidade 12 bastante comum nos subúrbios cariocas: a camaradagem e os encontros realizados nos fins de tarde nas calçadas suburbanas, local onde ainda seriam mantidos, no que pese ser esse subúrbio parte de uma metrópole de mais de seis milhões de habitantes. Os candidatos à presidência da escola naquele ano dialogaram com esse repertório comum de temas. Não obstante pequenas variações de ênfase temática, todos enfatizaram sua relação desde criancinha – em alguns casos antes mesmo disso, por conta de relações familiares pré-existentes – com a escola. Havia quatro candidatos à presidência naquele ano: Helton Dias, neto de três fundadores da escola; Valdir Carola, presidente de ala; Mestre Átila, mestre de bateria da escola; e Vera Lúcia, candidata à reeleição. 13 Na carreata, novos elementos foram incorporados: carros de som com jingles dos candidatos, assim como “santinhos” com o nome e um resumo de sua trajetória e projetos para o Império foram distribuídos aos participantes, tudo sob a bênção de São Jorge/Ogum. Em comum, a crítica às dissensões internas na escola, consideradas por quase todos os candidatos um dos motivos que faziam a escola oscilar entre o grupo especial e o de acesso do carnaval carioca – dissensões que alguns deles faziam questão de incentivar, diga-se de passagem. No entanto, em comum a todos estava a crença na valorização da tradição imperiana como mote a partir do qual se reergueria a escola, incluindo projetos de modernização. A fala do candidato Helton Dias é paradigmática: “Porque o Império Serrano precisa ser reconstruído com base na sua tradicional história rumo à modernidade e resgate de nossa grandiosidade”. A tradição em si legitimava as propostas de candidatura, mas não necessariamente servia de fio condutor a partir do qual se construiriam projetos para o carnaval da escola. Um

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Pensado enquanto um arquétipo a partir de representações feitas pelos habitantes da região, que não por acaso não é reconhecida como periferia, mas sim co mo subúrbio. Daí a ênfase, nos discursos dos agentes, em aspectos mais comunitários que societários de sua vida cotidiana. Ver, por exemp lo, textos de Antônio Ed milson Rodrigues, que vem trabalhando questões nesse sentido. As observações aqui feitas pautam-se em co municação oral do professor no evento Nos quintais da grande Madureira, realizado no dia 26 de novembro na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 13 Para mais detalhes e propostas dos candidatos, consultar . Acesso em 28 de nov de 2014.

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“choque de ordem” era clamado por todos: a necessidade de se burocratizar a gestão administrativa da escola se fazia presente em todos os discursos. No que tange sua relação comunitária tão valorizada, buscava-se fornecer ao Império Serrano uma gestão mais profissionalizada, principalmente na organização das contas da escola. Este ponto é uma questão cara à escola desde seus primórdios: diferente de quase todas as outras escolas de samba do Rio de Janeiro, no Império nunca houve a influência direta de bicheiros no financiamento e organização do seu carnaval. A tão valorizada marca de independência e participação popular desde o nascimento da agremiação seria uma constante desde 1947, quando se fundou o Império Serrano a partir de uma dissidência democrática na escola Prazer da Serrinha. Sugere-se aqui, por isso, que os membros da escola vêm construindo seus discursos a partir de um repertório cultural disponível a eles naquele ambiente de periferia urbana. Partindo do conceito de repertório como sugerido por Ann Swidler (1986, 2001), considero a cultura como uma espécie de “caixa de ferramentas”, a partir da qual e dentro de situações específicas os sujeitos fazem uso de simbologias e questões. Para a autora,

Devemos pensar a cultura menos como um grande fluxo no qual estamos imersos, mas sim como uma ‘sacola de truques’ ou uma estranhamente sortida ‘caixa de ferramentas’ contendo utensílios de formas variadas que se ajustam mais ou menos bem à situação, mas que nem sempre são fáceis de usar e que apenas às vezes nos servem (Swidler, 2001: 24).

Dessa metáfora proposta pela autora, a ênfase passa a ser dada nas habilidades apreendidas pelos agentes e que fazem deles, a partir de suas experiências que lhes permitiriam aprendizagens diversas, mais ou menos hábeis em usar símbolos e temas presentes naquele repertório cultural a partir da situação na qual se inseriam. Aqui, a situação de agentes periféricos, membros de uma tradicional escola de samba relegada ao segundo plano na esfera midiática mas com forte apelo histórico e religioso faria esse repertório cultural funcionar a partir de situações-problema que, ao mesmo tempo, se ajustavam ao modo de vida dos membros da escola. É importante destacar que não necessariamente todas as escolas de samba mobilizam os mesmos temas na sua autopromoção. Assim, a presença das velhas-guardas, por exemplo, é marca de escolas como Portela, Mangueira, Salgueiro e Império Serrano, consideradas também as “quatro grandes” do carnaval carioca quando o

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tema é a tradição do samba. 14 Da mesma forma, religiosidades de matriz africana, apesar de presentes em todas, não necessariamente são mobilizadas como diferencial das agremiações. Para além da presença dos símbolos dessas religiosidades ou da memória africana no samba nas escolas importa, aqui, entender os usos feitos pelos agentes desses símbolos e seus significados para o grupo (Swidler, 2001: 16) – neste caso, para os membros do Império Serrano. Assim, as disputas políticas construídas ao redor da carreata em homenagem a São Jorge/Ogum mobilizam, a meu ver e de maneiras mais ou menos próximas, temas comuns presentes no repertório da agremiação. Dessa forma, para além de uma continuidade ou mesmo uma possível pouca diferenciação entre as escolas de samba, a ênfase nos usos menos que nos fluxos permitiria construir o argumento considerando estratégias construídas pelo grupo estudado. Os “cenários” também desenham os repertórios (Swidler, 2001: 38): a carreata para São Jorge/Ogum é exclusividade imperiana, apesar de outras escolas também terem o mesmo santo/orixá como padroeiro. Daí, as lógicas que presidem os discursos dos agentes envolvidos na carreata e na escola ganham mais força se considerados as situações em que se inserem os agentes – neste caso, uma disputa política.

A disputa política e as tradições reinventadas

Assim, entravam em cena na carreata de São Jorge elementos caros à escola, começando por sua situação suburbana. Apesar de formalmente ser identificada como favela, a Serrinha condensaria tradições comunitárias que estariam se perdendo na grande metrópole, como a camaradagem, uma moral fortemente calcada nos costumes locais e, num extremo, a fé. Uma lógica comunitária que seria descendente direta de grupos de ex-escravos que para a região se mudaram após o fim da escravidão e as reformas urbanas no centro da urbe teriam marcado o olhar que via o subúrbio do Rio numa chave pós-escravista e menos classista. Como corolário dessa abordagem, certo bucolismo construiu-se ao redor de tradições que seriam típicas, como a quitanda, o bonde, o papo furado no botequim, as macumbas e, não menos importante, o samba.

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Ainda que “invenção” da Portela, a organização de u ma velha-guarda, que tem v irado uma “marca” no mercado carnavalesco, tende a valorizar a experiência de grupos de baluartes preferencialmente dessas escolas e não de outras.

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Ainda que outras escolas também tenham se formado em espaços periféricos, entendidos neste caso como locais geograficamente distantes do centro urbano, nem todas contavam com elementos que favoreceriam a gestação de uma forma de sociabilidade bastante típica, quase exclusiva, daquela região, especialmente Madureira, considerada “a capital do subúrbio”. O Salgueiro e a Mangueira, por exemplo, tinham como base sóciohistórica favelas que, tal qual a Serrinha, seriam espaços de camaradagem mas também de muita violência. Não raro os jornais da época denunciavam casos os mais diversos e assustadores de agressões ocorridas nesses locais tão obscuros para a “cidade”. Já os subúrbios, ainda que contando em alguns casos com áreas bastante miseráveis, não necessariamente eram identificados àquela lógica geográfica e urbanística típica das favelas cariosas. Lima Barreto, em seu lado cronista, costumava contar num tom meio crítico meio anedótico os costumes suburbanos, inclusive de sua “pequena burguesia”, exatamente os donos das quermesses e bares que construíam suas residências, geralmente próximas às estações de trem que se foram criando, ao molde da aristocrática Botafogo, ainda que em escala muito menor e também com ausência de algum bom-senso (Souza, 2010). O estigma da violência pesava, porém bem menos que aquele construído sobre as favelas. Por isso, a Serrinha e Madureira poderiam mais facilmente ser identificados como espaços que, simbolicamente, facilitavam a construção de discursos identitários para além da pecha do globalizante “periférico”: a ideia de subúrbio permitiria pensar lógicas mais diversas e abrangentes. Daí o jongo, a umbanda e o candomblé como elementos chave que, numa lógica comunitária diretamente vinculada à tradição dos ex-escravos, tornariam aquele espaço, e em especial o Império Serrano, o “quilombo do samba”. O próprio samba e o carnaval, tão próximos que eram às culturas negras urbanas cariocas, englobariam de forma mais natural esses elementos. A construção de repertórios com esses elementos seriam mais facilmente elaborados nesse contexto, portanto, e não em outras escolas de samba. Escolas como o Salgueiro, formado na favela homônima, por exemplo, também tematizariam temas afro em seus enredos. No entanto, no Salgueiro tal tematização teria se dado a partir de um diálogo maior construído pela escola com grupos de origem acadêmica, como os carnavalescos e membros do que viria a ser o “departamento cultural” (Costa, 1984). Assim, no que se refere à construção de discursos que soem mais “tradicionais”, o Império Serrano teria desde seus primórdios, pelo papel que tiveram pessoas como vovó Maria Joana e tudo que ele representava (jongueira, descendente de escravos, mãe de santo) em sua fundação, facilitado a construção de uma certa tradição “afro”.

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A criação de escolas de samba em Madureira, como a Portela em 1923 e o Império Serrano em 1947, condensariam manifestações até então dispersas no bairro e nas suas adjacências. A Portela, por exemplo, foi criada a partir de blocos menores que desfilavam na região entre Madureira e Oswaldo Cruz. Já o Império foi fundado na área entre Madureira e Vaz Lobo, caminho para Irajá, outro bairro também importante na construção da tradição do samba de roda suburbano. Mineiros, paulistas, fluminenses e imigrantes das mais diversas nacionalidades compunham a composição da região. Em cada escola, lógicas políticas diferentes se organizavam: enquanto o Império Serrano nasceu de uma cisão da Prazer da Serrinha, tendo como fundadores Mano Décio da Viola, Silas de Oliveira, Sebastião Oliveira (Molequinho), Mano Elói Dias e Mestre Fuleiro a partir de uma formação considerada democrática, a Portela, desde a década de 1950 até 1975, teve no banqueiro e depois chefe do jogo do bicho madureirense Natalino José do Nascimento seu patrono e algumas vezes presidente (Lopes, 2012: 184; 249; 271; 285; 341). As lógicas religiosas também acabariam tendo diferença. No Império, como já se destacou, foi sob a proteção de São Jorge, o santo guerreiro padrinho da escola, que a escola pôde ganhar “prestígio e glória pra sambar o ano inteiro” (Costa, 2007: 206). Já a Portela contava com a proteção de São Sebastião/Oxossi e Nossa Senhora da Conceição/Oxum. Interessa notar, porém, que a festa em homenagem a Nossa Senhora da Conceição/Oxum costuma ter mais visibilidade, enquanto a festa em homenagem a São Sebastião/Oxossi, organizada pela bateria da escola em 20 de janeiro, é menos divulgada e tem participação visivelmente menor que a da festa realizada em 8 de dezembro. Da mesma forma, enquanto no Império músicas que associam o santo ao orixá são tocadas com grande frequência, além de serem puxados pontos de Ogum na umbanda, nas comemorações realizadas na quadra da Portela ouvem-se apenas (ou majoritariamente) cânticos e orações católicos. Interessa notar que há alguns anos grupo neopentecostais vêm se aproximando das escolas de samba, criando conflitos internos no que se refere à participação de segmentos tradicionalíssimos das escolas, como das baianas por exemplo, nos eventos das agremiações que por ventura tematizem questões vinculadas à tradições de matriz africana. As festas mais “sincréticas” ou de tom mais claramente umbandista realizados pela Portela costumam ser feitos na antiga quadra, conhecida como Portelinha, atual sede da velha guarda. 15 Já no Império não há essa divisão: todas as festas se realizam na quadra principal de ensaios e sede social da escola.

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Em certa ocasião, entrei com alguns amigos na Portelinha e percebemos uma festa repleta de elementos amarelo-ouro. Ao centro, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, que na tradição católica está mais para o

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De maneira diversa, a carreata de São Jorge costuma reunir diversos segmentos da escola da mesma forma, e eu apostaria que até de forma mais intensa, que outros eventos também concorridos, como as feijoadas mensais, as rodas de samba, shows de artistas locais e mesmo nacionais e, nas vésperas do préstito carnavalesco, nas disputas dos sambas de enredo. Assim, sobrepõem-se as esferas religiosa e política no âmbito da animada procissão motorizada organizada pela escola. De forma relativamente indireta, eu e um amigo que participou da carreata daquele ano comigo aderimos, após algumas cervejas e já no caminho rumo à Serrinha, à campanha de um dos candidatos à presidência da escola, expondo camisetas com o símbolo da chapa e fotos do candidato no ônibus no qual estávamos. O próprio ônibus havia sido alugado pelo candidato, que era aquele ao qual tínhamos também mais simpatia. O ambiente de fato facilitava aquela adesão política: presentes na escola há alguns anos, vínhamos observando uma critica frequente de segmentos da escola com os quais tínhamos contato no que se refere a projetos de modernização “por si mesma” que vinham se desenvolvendo nas escolas em geral. O Império ainda oscilava: os candidatos prometiam modernização depois de moralizar a escola mas operavam ainda com categorias pra lá de conhecidas pela rede de patronagem e compadrio da qual faziam parte algumas pessoas. A única saída real parecia, para diversas pessoas, a ajuda do santo guerreiro, protetor e padroeiro da escola. Há uma sobreposição de campos e posições, portanto: as esferas religiosa/cultural e política se fizeram imbricadas na ocasião da carreata do ano de 2011. A observação dos capitais sociais ali eficientes permitiria, acompanhando sugestão analítica de Pierre Bourdieu, observar as relações de poder existentes e operantes em dado espaço social. O autor sugere que a apreensão do espaço social como um campo de forças permite observar a participação dos agentes nas disputas no sentido de se perceber que mecanismos os mesmos se utilizam, a partir de sua posição naquela disputa, para se enfrentarem, Tais mecanismos podem ter efeitos mais conservadores ou transformadores, a depender do tipo de capital mobilizado (Bourdieu, 1996: 50). Assim, o capital cultural – que reunia e se condensava ao capital religioso – mobilizado pelo candidato Mestre Átila possuía maior eficácia simbólica em sua pretensão de constituir um ideal de grupo unido: os elementos por ele mobilizados (sua participação como mestre de bateria, um dos elementos tradicionais no qual o Império Serrano se fazia forte e representante no mundo do samba; o nome “Tocou Reunir”, referência a um samba de Dona azul que para o amarelo. Pelas conversas que ouvimos co m as pessoas presentes, majoritariamente negras e idosas, percebemos tratar-se ali de uma festa em homenagem a Oxu m. No mes mo dia e na quadra social ocorria um ensaio. A missa em ho menagem à santa ocorrera no mesmo d ia mais cedo, na quadra social da escola.

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Ivone Lara; a chamada à participação para além da mera adesão à candidatura, imprimindo uma marca democrática bastante cara ao Império Serrano; a valorização de elementos-chave de uma “escola de samba de raiz”, como o seu “chão – a sua comunidade de origem –, os mais velhos – a velha-guarda – e os compositores – quesito no qual o Império Serrano se fazia mestre) 16 facilitavam o reconhecimento da comunidade e sua adesão a um projeto político comum (Bourdieu, 1996: 50-51). A carreata, assim, servia como momento em que tais projetos políticos poderiam ser divulgados em, mais que isso, postos em prática, mesmo que a principio a nível simbólico. No decorrer da carreata, o que por ventura poderia ter começado segmentado, uma vez que cada um participava junto a seu grupo/ala no próprio ônibus alugado para a ocasião ou mesmo em seu carro particular, tornava-se no percurso um grande encontro fraternal. Os laços comunitários que faziam da comunidade da Serrinha – incluindo aqueles que não habitavam lá – o chão, a raiz, da escola justificavam discursos, práticas e ações daqueles que queriam o bem da sua escola. Propostas modernizantes, neste sentido, não mais eram problema, posto que a tradição e a experiência por trás de quem falava justificavam e legitimavam aquele discurso. Havia um repertório comum a partir do qual os agentes da escola mobilizam temas e questões que, portanto, não estavam necessariamente ausentes d e possíveis discussões e, por isso, de serem usados quando uma situação específica o permitisse. E esse repertório era prometido como prática por um candidato em especial, o mesmo que viria a vencer as eleições naquele ano: Mestre Átila. Os outros candidatos, argumenta-se aqui, oscilaram na organização de um ideal comunitário nas disputas pelo poder, dificultando o autorreconhecimento e a adesão dos segmentos na escola em seus projetos políticos. A candidata Vera Lúcia, por exemplo, deu a entender em ocasiões na escola que a opção por Vânia Love como rainha de bateria se devia à falta de compromisso e “amor” à escola por parte da antiga rainha de bateria, Quitéria Chagas. Quitéria, porém, reunia elementos considerados fundamentais para alguém que estivesse no cargo de rainha de bateria: ser da comunidade, ou ter forte presença junto a ela; participar de ensaios da bateria, mesmo os menores e não midiáticos organizados na própria escola; e, principalmente, ter muita cadência, tal qual a bateria, e samba no pé. 17 Um “tiro no pé”, diria a expressão popular, de Vera, ao se contrapor àquela que reunia simbolicamente diversos 16

Consultar as propostas do candidato em seu blog oficial: . Acesso em 7 de dezemb ro de 2014. 17 Consultar, por exemplo, a matéria Presidente do Império quer processar Quitéria Chagas . Acesso em 7 de dezembro de 2014.

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elementos caros à tradição imperiana. Os outros candidatos, Helton Dias (neto, ademais, dos fundadores Elói Antero Dias e Tia Eulália) e Valdir Carola (presidente de ala), não souberam mobilizar signos comuns de adesão para além daquele que tinha na tradição o fundamento principal da organização e, apostavam, reorganização da escola. Assim, a opção pela equipe de carnaval de Mestre Átila, já enquanto presidente, em 2013 e 2014 por enredos a princípio distantes do histórico de temas que seriam chave para a agremiação, como Caxambu e Angra dos Reis, respectivamente, seriam justificadas na prática. Enquanto o samba enredo sobre Caxambu conseguiu amarrar a fama das fontes termais da cidade à história e à cultura do escravos da região, valorizando a dança do congado e do próprio jongo, praticados em menor escala na região até hoje – estando, portanto, afinado à própria tradição imperiana – o samba de enredo sobre Angra dos Reis, intitulado Angra com os Reis, valorizou a religiosidade negra-popular, ao pôr em cena a festa de devoção aos Reis Magos, os grupos remanescentes de quilombolas da cidade de Angra (e com eles o jongo) e, sendo a festa dos Reis Magos uma procissão náutica famosa na cidade, abriu-se o samba com uma homenagem a Iemanjá, orixá das águas salgadas e que já fora enredo do Império Serrano em 1976. Tudo isso, desnecessário dizer, sob as bênçãos de São Jorge guerreiro. Ann Swidler argumenta que em períodos de transformação social ficam mais nítidas as evidências da influência da cultura sobre a ação social. Seguindo a já tradicional sugestão analítica de Max Weber, que dizia ser “as ‘imagens do mundo’ criadas pelas ideias [que] determinaram, qual manobristas de linha de trem, o trilhos em que a ação é levada pela dinâmica dos interesses” (Weber, 1971: 323), a autora assevera que condutas dependem de percepções e imagens que tem o sujeito sobre a situação em que pretende agir. Assim, “ação e valores são organizados tendo em vista adquirir vantagens a partir de competências culturais” (Swidler, 1986: 275). Os candidatos à presidência do Império Serrano, uns mais, outros menos, fizeram uso desse repertório. Argumenta-se aqui que Mestre Átila em especial. A carreata ganha maior importância nesse jogo dentro de uma lógica estratégica: a religiosidade afro, a tradição e a memória do samba que ela condensava ganhava importância ao atualizar, ritualisticamente naquele período pré-eleitoral, elementos caros à escola, permitindo aos candidatos desenhar novas estratégias de ação. Nem todos o fizeram, porém; ganhou quem soube, “oportunisticamente”, organizar seu discurso no sentido de se obter efeitos cultural e politicamente válidos entre os imperianos (Swidler, 1986: 280). Sendo também as ações religiosamente motivadas atentas a um fim mundano, deste mundo (Weber, 2009), e havendo lógicas rituais e temporais não necessariamente

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circunscritas a padrões ocidentais de religião e política (Prandi, 2001), ser imperiano de fé pode ser entendido como estratégia culturalmente produzida – mesmo porque antes do samba enredo de 2006, o imperiano identificava-se preferencialmente como uma família, a “família imperiana”. No que pese as tradições religiosas de matriz africana e afro-católica, a carreata ganha força política após aquele samba enredo e, argumentou-se aqui, durante a carreata de 2011, período de eleições na escola. Mudanças no contexto trouxeram à baila temas caros à escola; esse mesmo contexto deu a elas novos significados.

Considerações finais

Tendo tirado nos búzios que seriam São Jorge e Ogum os padroeiros da escola, Vovó Maria Joana punha em cena um elemento central à compreensão histórica das escolas de samba do Rio de Janeiro: a forte presença de tradições de matriz religiosa africana na organização simbólica das escolas de samba e na construção de discursos e práticas sobre o samba. Nessa chave, o Império Serrano, “quilombo do samba”, possuiria alguns diferenciais. Para além das Super-escolas de samba S/A, o que se vivenciaria na escola especialmente após a década de 1980 seria uma experiência culturalmente articulada e mais explícita acerca das representações sobre o samba carioca a partir de uma herança que especialmente ali foi mobilizada, e não em outras escolas. Neste sentido, São Jorge/Ogum e a carreata em sua homenagem são viáveis e são elementos chave para a escola até hoje porque possuem significados politicamente válidos e centrais na construção do discurso acerca do que é ser imperiano. Para além de uma chave que contém elementos culturalmente globalizantes, como a centralidade da agência e da cultura negras – que, ademais, praticamente todas as outras escolas de samba também possuem –, as experiências vividas pelos imperianos lhes permitem a construção de discursos que trazem à cena, e dela informam a prática, de questões centrais como a carreata e a devoção ao santo e ao orixá. A partir disso tudo aparece, e também se [re]constrói e se atualiza, a tradição da própria escola.

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