Conhecimento nas Organizações: evolução das abordagens econômicas

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Conhecimento nas Organizações: evolução das abordagens econômicas Antonio Carlos Lima Nogueira1 Abstract Given the increasing relevance of the knowledge as base for the innovations, that are each time faster in diverse markets, the article has for objectives to analyze the evolution in the economic treatment of the subject " knowledge " in the organizations, presenting a revision and comparison of the approaches adopted for the theoretical chains Neoclassic Economics, Austrian, Transaction Costs Economics and Evolutionist. The main conclusions were: (1) The subject of knowledge has been treated with bigger depth for the economic schools in the measure where they start to analyze the internal functioning of the firms and organizations. Or either, those that have limited visions of the firm deal with superficial way the knowledge. (2) The Austrian school, that does not own a theory of the firm, presents a concept of knowledge extremely sprayed and subjective, and therefore of difficult treatment. However, Hayek is cited by authors of the other schools, when aspects of decentralization of the power of decision inside of the firms are analyzed, in opposition to the transactions it saw market. (3) It seems that the Evolutionists theories present complementariness with the Transaction Costs Economics, in the direction of that the first one analyzes dynamic aspects of the evolution of the firms and second one carries through static comparisons between alternative structures of governance. The possibilities of mutual contribution inhabit in the dynamic analysis of the governance structures or in the search of explanation of the evolution of the firms as a form to look for economizing in the transaction costs. In any situation, the knowledge can be included in those types of study, either as specific relationship of human capital or as pertaining the dynamic capabilities. Palavras-chave Conhecimento; informação; organizações. Introdução A questão da gestão do conhecimento tem adquirido enorme relevância para as organizações, em diversos setores econômicos. Pode-se identificar pelo menos duas razões para essa tendência, a primeira, de caráter mais geral, relacionada à evolução da chamada 1

M.Sc.em Eng. Agrícola, Prof. Assistente da FACESP-Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo e UNIBAN-Universidade Bandeirante, mestrando em Administração na FEA-Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. E-mail: [email protected], fone: 3873-9592.

economia da informação e a segunda, mais específica, relativa ao papel da inovação tecnológica. Sobre a economia da informação, trata-se do processo de participação cada vez maior da informação e do conhecimento como fatores determinantes da competitividade de organizações, países ou blocos econômicos. Um dos aspectos mais relevantes e recentes desse processo é a evolução e disseminação das tecnologias da informação, provocando profundas alterações nos canais de distribuição, comunicação e logística ao longo das cadeias produtivas até o consumidor final, redução de custos e aumentos na competição e na produtividade. O principal vetor dessa dinâmica é a Internet, rede mundial de computadores que seria responsável pela implantação da chamada Nova Economia. Os impactos que a Rede tem produzido na aquisição de conhecimento por pessoas e organizações estão relacionados à possibilidade que ela oferece para a obtenção, armazenagem e processamento de um volume gigantesco de informações, com baixos custos. Além disso, ela facilita a criação de comunidades virtuais entre pessoas e organizações para a troca de informações e o desenvolvimento de projetos conjuntos. Neste ambiente, fica evidente a importância de que as organizações tenham mecanismos para lidar com todo esse potencial de geração e disseminação de conhecimento, e como utilizá-lo nos negócios. Com relação à inovação, a vertiginosa evolução tecnológica observada nas últimas décadas tem provocado a necessidade de gerar inovações a um ritmo cada vez maior por parte das empresas. Essa exigência envolve as políticas de P&D, diretamente relacionadas com a geração de conhecimento, assim como a criação de culturas corporativas que favoreçam a inovação em todas as áreas da empresa. Isso pode ser obtido pela valorização da criatividade, da participação dos funcionários, do aprendizado com os erros e a criação de ambientes que favoreçam o aproveitamento dos conhecimentos tácitos (não formalizados e provenientes da experiência). Assim, as competências corporativas relacionadas à aquisição, disseminação e geração de conhecimento tornam-se extremamente importantes como ferramentas competitivas. Schwartz (2001) comenta as inquietações recentes provocadas no mundo dos negócios pelo fim da bolha especulativa das ações de tecnologia na Bolsa Nasdaq. Ele cita artigo de Joseph E. Stiglitz no periódico “Quarterly Journal of Economics (novembro de 2000), que contém uma resenha sobre as contribuições da economia da informação à teoria

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econômica ao longo do século 20, dando claras indicações de que a economia da informação antecede à Internet. Para Stiglitz, a ortodoxia, o pensamento dominante nas escolas de economia, governos e empresas, passou décadas ou subestimando a questão da informação, ou acreditando que ela teria solução, como qualquer problema em economia, automática e inevitável por meio de mecanismos de mercado. Esse autor alerta que o pensamento econômico ortodoxo fixou sua atenção sobre o problema da escassez, concluindo que o sistema de preços é o melhor mecanismo para resolvê-lo. Entretanto, o autor alerta para problemas relativos à qualidade da informação e aos padrões de comportamento das pessoas e das empresas. Para ambos, não haveria mecanismos garantidos de ajuste. Em uma conclusão radical, o autor recomenda deixar em segundo plano conceitos como mercado e empresa, passando a considerar noções de vocação mais imediata e coletiva, como o de “organização”. A questão principal seria saber como as organizações absorvem nova informação, aprendem e se adaptam para criar, transmitir, absorver e usar conhecimento (Schwartz, 2001). A Nova Economia Institucional tem contribuído para o aprofundamento dessa questão ao adotar abordagens que buscam compreender o funcionamento das organizações, seja através de análises contratuais (Economia dos Custos de Transação) ou considerandoas como repositórios de recursos e competências (Escolas Evolucionistas). No caso das vertentes originárias do conceito de custos de transação, o conhecimento pode ser tratado como um tipo de especificidade de ativo atribuído às pessoas e organizações, assim como um dos elementos que pode contribuir para explicar o comportamento dos agentes na elaboração e cumprimento de contratos de diversos tipos. As correntes evolucionistas apresentam uma abordagem mais voltada para aspectos dinâmicos, fazendo com que considerem o conhecimento como o resultado da história da organização, ou de suas escolhas no sentido de adquirir determinadas competências. Tratase, portanto de um processo dependente do caminho percorrido (path-dependent). A relevância do presente estudo reside na contribuição para uma visão comparativa do tratamento que as escolas oferecem ao tema do conhecimento, com ênfase para aquelas pertencentes à Nova Economia Institucional. Essa comparação visa a identificação de eventuais pontos de tangência ou aspectos de complementaridade, que poderiam orientar futuros estudos com abordagens mais abrangentes.

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Objetivos Dada a crescente relevância do conhecimento como base para as inovações, que são cada vez mais rápidas em diversos mercados, o artigo tem por objetivos analisar a evolução no tratamento econômico do tema “conhecimento” nas organizações, apresentando uma revisão e comparação das abordagens adotadas pelas correntes teóricas Neoclássica, Austríaca, de Custos de Transação e Evolucionista. Conhecimento: conceitos envolvidos Beckman (1996), ao tratar da gestão de conhecimento, apresenta uma revisão das definições existentes, afirmando que elas adotam abordagens práticas, conceituais ou filosóficas, das quais ele escolhe algumas que seriam relevantes para o enfoque que ele adota: §

Conhecimento é informação organizada e aplicável para a resolução de problemas – Wolf;

§

Conhecimento é a informação que foi organizada e analisada de modo a torná-la compreensível e aplicável para a solução de problemas e tomada de decisões – Turban;

§

Conhecimento abrange as restrições implícitas e explícitas estabelecidas sobre objetos (entidades), operações e relacionamentos com heurísiticas gerais e específicas e procedimentos de inferência envolvidos nas situações modeladas – Sowa;

§

Conhecimento consiste de crenças e expectativas, perspectivas e conceitos, julgamentos, metodologias e “know-how” – Wiig;

§

Conhecimento é o conjunto de “insights”, experiências e procedimentos que são considerados corretos e verdadeiros e que portanto guiam os pensamentos e comportamentos e comunicação das pessoas. – Van der Spek and Spijkervet;

§

Conhecimento é o raciocínio sobre informações e dados para permitir ativamente a performance, resolução de problemas, tomada de decisões, aprendizagem e ensino – Beckman;

Esse autor também enumera definições de conhecimento organizacional, que giram em torno do conceito de capital intelectual, conforme segue: §

Conhecimento organizacional é a soma coletiva dos ativos centrados em seres humanos, ativos de propriedade intelectual, ativos de infraestrutura e ativos de mercado – Brooking;

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§

Conhecimento organizacional é a informação processada envolvida em rotinas e processos que geram ações. É também o conhecimento capturado pelos sistemas, processos, produtos, regras e cultura da organização.

Além dessa definições, o autor apresenta uma hierarquia do conhecimento, no qual ele poderia ser gerado a partir dos elementos dos níveis inferiores, conforme segue: 1. Dados: textos, fatos, códigos, imagens, sons; (+ significado + estrutura = ) 2. Informação: organizada, estruturada, interpretada, dados sumarizados (+ raciocínio + abstração + relacionamentos + aplicação = ) 3. Conhecimento: caso, regra, processo, modelo (+ seleção + experiência + princípios + limitações + aprendizagem =) 4. Expertise: recomendações rápidas e acuradas, explicação e justificação de resultados e raciocínios (+integração + distribuição + navegação =) 5. Competência:

expertise

organizacional,

através

de

repositórios

de

conhecimento, sistemas de suporte integrado de performance, competências centrais. Possas (1997) apresenta uma discussão sobre os diversos tipos de conhecimento relevantes para a atividade econômica, suas características e conseqüências econômicas na sociedade atual. Essa autora parte dos conceitos de fatores de produção tradicionais (terra, capital e trabalho) e incorpora o conhecimento a esse conjunto, considerado imprescindível à realização do processo produtivo e de fundamental importância para a determinação do grau de produtividade alcançado. Assim, o conhecimento permite ao seu possuidor auferir rendas, estando presente nas decisões e processos de produção e outros aspectos do processo econômico. O conhecimento e as informações teriam as seguintes características: §

podem ser considerados bens não rivais, isto é o fato de alguém os utilizar não prejudica seu uso por outros;

§

há a possibilidade de garantir-se certa exclusividade ao seu possuidor, mas não inteiramente, visto que sempre uma parcela esse conhecimento ou informação torna-se de domínio público; 5

§

quem tem interesse em adquiri-los não sabe de antemão qual a sua utilidade, só podendo avaliá-los depois que os tenha obtido;

§

a obtenção de conhecimentos e informações novos pode ser encarada como um custo fixo, pois eles podem ser utilizados quantas vezes forem necessárias;

§

são bens que se ampliam pelo uso e se esvaem ao não serem utilizados.

Escola Neoclássica Nonaka e Takeuchi (1997) apresentam um resumo da evolução do tema nas teorias econômicas, afirmando que os economistas clássicos tratavam o conhecimento como uma categoria de “irregularidade” nas especificações de seus modelos. Entretanto, Alfred Marshall, um antepassado da atual tradição da economia neoclássica foi um dos primeiros a afirmar explicitamente a importância do conhecimento nas questões econômicas. Segundo Marshall (1890), citada por Possas (1997), conhecimento é o nosso motor de produção mais poderoso: ele nos permite subjugar a natureza e fazer com que ela satisfaça nossos desejos. Esse autor afirma também que o capital consiste, em grande parte no conhecimento e na organização (Marshall, 1965). A escola neoclássica construiu um corpo teórico com elevada formalização matemática que busca descrever e prever o comportamento do consumidor, dos mercados, das firmas e setores econômicos. Apesar de ter produzido conceitos e ferramentas aplicáveis em algumas situações, ela apresenta limitações com relação ao tratamento do funcionamento interno das firmas, enquanto organizações. Para essa escola, as firmas são tratadas basicamente como funções de produção, que utilizam fatores para gerar determinada quantidade de produtos, dada a tecnologia em uso. Um dos conceitos produzidos por essa escola que tem relação com o conhecimento é a curva de aprendizagem. Trata-se de reconhecer que em algumas firmas, no longo prazo os custos médios podem declinar, visto que os trabalhadores e administradores podem absorver novas informações tecnológicas à medida que eles se tornam mais experientes em seu trabalho. Para Pindyck & Rubinfeld (1998), à medida que os administradores e trabalhadores ganham experiência com a produção, os custos marginais médios para determinado nível de produção caem por quatro razões: (1) os trabalhadores geralmente levam mais tempo para realizar determinadas tarefas quando as executam nas primeiras vezes, tornando-se mais rápidos à medida que adquirem prática; (2) os administradores aprendem a organizar o processo de produção com esquemas mais eficientes, seja no fluxo de materiais ou na organização da própria manufatura; (3) os engenheiros, que no início tendem a ser 6

cautelosos nos projetos, ganham experiência suficiente para permitir níveis de tolerância nos projetos que reduzem custos sem aumentar a ocorrência de defeitos, assim como podem desenvolver melhores ferramentas e esquemas de produção; (4) os fornecedores podem aprender a produzir as matérias-primas requeridas com maior eficiência e podem repassar parcelas desse ganhos na forma de menores custos de materiais. A escola neoclássica considera que a curva de aprendizagem é uma característica do setor onde a firma atua. Assim, os ganhos possíveis em custos de produção são aqueles previstos pelo formato da curva de aprendizagem da indústria, o que não deixa de ser uma visão limitada, por não considerar inovações tecnológicas que podem surgir dentro ou fora da firma. Segundo Nonaka e Takeuchi (1977), os economistas neoclássicos preocupavam-se com a utilização do conhecimento existente, que é representado por um sistema de preços. No mecanismo de mercado, toda empresa tem o mesmo conhecimento fixo que permite a maximização dos lucros, e não diferentes conhecimentos criados por cada empresa. Assim, para esses autores, a economia neoclássica negligenciou uma enorme quantidade de conhecimentos, tanto tácitos quanto explícitos, que os agentes econômicos tinham e que não foram representados sob a forma de um sistema de preços. Eles consideram ainda que os neoclássicos não estavam preocupados com a criação do conhecimento e não posicionaram a empresa como criadora do conhecimento. Escola Austríaca A escola austríaca de economia, representada por Frederich von Hayek e Joseph A. Schumpeter, levou em consideração o conhecimento nos assuntos econômicos. Eles argumentavam que o conhecimento é “subjetivo” e não pode ser tratado como algo fixo. Em contraste com os economistas neoclássicos, tanto Hayek quanto Schumpeter tentaram descrever a dinâmica da mudança econômica concentrando sua atenção no conhecimento singular de cada agente econômico, e não no conhecimento em comum compartilhado pelos agentes econômicos. Hayek (1945), defendendo as vantagens do mercado, argumenta que os economistas que advogam o planejamento centralizado não compreendem a natureza do problema econômico. Ele afirma: ... o problema econômico da sociedade é ... não somente um problema de como alocar os recursos dados – se a expressão “dado” é referente a uma única mente... mais do que isso, é um problema de como assegurar o melhor uso dos

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recursos conhecidos por qualquer membro da sociedade, ... um problema de utilização do conhecimento que não está disponível a todos em sua totalidade. Jensen e Meckling (1992), ao comentar esse trabalho, afirmam que a visão de Hayek era de que a performance de uma organização depende da colocação da autoridade para a tomada de decisão junto com o conhecimento relevante para as decisões envolvidas. Ele defende que a distribuição do conhecimento na sociedade exige a descentralização, conforme segue: Se nós ... concordamos que o problema econômico da sociedade é principalmente relativo à rápida adaptação às mudanças em circunstâncias particulares no tempo e no espaço, ... as decisões devem ser delegadas às pessoas que estão familiarizadas com essas circunstâncias, que sabem diretamente sobre as mudanças relevantes e sobre os recursos disponíveis imediatamente para realizalas. Não podemos esperar que esse problema seja resolvido primeiramente pela comunicação de todo esse conhecimento a um escritório central, que, após integrar todo esse conhecimento, tome as decisões. Devemos resolver esse problema por alguma forma de descentralização. Foss e Christensen (1996) observam que a Escola Austríaca apresenta como principal deficência não apresentar uma teoria da firma. Segundo eles, autores dessa linha como Kirzner e outros argumentam que eles estão interessados primordialmente no empreendedor, porque isso lhes permite construir uma teoria dinâmica do mercado, e que essa teoria não trataria somente dos atores individuais no mercado. Assim, os economistas Austríacos praticamente não se referem às questões de determinação de preços, relações entre compradores e vendedores, integração vertical, questões importantes relacionadas ao comportamento das firmas. Entretanto, os autores consideram que se pode obter inspiração quando as idéias dessa linha teórica são aplicadas às organizações. Economia de Custos de Transação Por ser um corpo teórico que evoluiu de forma predominante no estudo das relações contratuais e das fronteiras da firma, o tema do conhecimento aparece freqüentemente associado a essas questões. Trata-se de avaliar qual o impacto do conhecimento nas estruturas de governança, sejam através de contratos no mercado ou internos às firmas. O tema do conhecimento aparece de forma indireta quando Williamson (1983) define os tipos possíveis de especificidade de ativos, que é a perda de valor que determinado ativo tem em seu melhor uso alternativo, ele considera o principal fator a ser considerado nas decisões sobre integração vertical. 8

Ao lado da especificidade de local (impossibilidade de mobilidade do ativo), de ativos físicos (investimentos em equipamentos com características de projeto específicas para a transação em curso) e de ativos dedicados (investimentos que se justificam somente pela transação em curso), o autor relaciona a especificidade de recursos humanos, que seriam investimentos em capital humano resultantes de processos de aprendizagem pela prática. Essa especificidade poderia ser atribuída ao conhecimento tácito, ou seja, adquirido pela experiência, não formalizado e de difícil transferência Monteverde and Teece (1982) realizaram um esforço de examinar empiricamente o papel da especificidade de ativos na determinação da estrutura de relações verticais. Eles enfocaram a decisão entre a produção interna (integração vertical) e a busca no mercado de componentes automotivos pela Ford e General Motors (GM). Esses autores estudaram a aplicação de esforços de engenharia como uma medida da especificidade de ativos, que pode ser enquadrada como especificidade de capital humano. A hipótese que formularam foi que quanto maior o esforço de engenharia aplicado no desenvolvimento do componente, maior a propensão para a integração vertical dessa etapa. Os resultados apresentaram evidências que suportam a hipótese formulada de acordo com a teoria, ou seja, quanto maior a especificidade, maior a integração vertical. Com esses resultados pode-se relacionar a aquisição de conhecimentos como um fator que influi nas fronteiras da firma, de modo que ao adquirir competência em determinada etapa, e quando essa aquisição implicou em investimentos e tempo, justificase que ela seja realizada internamente e não sub-contratada no mercado. Jensen e Meckling (1992) tratam dos instrumentos institucionais utilizados para atribuir os direitos de tomada de decisão em mercados e dentro das firmas, assim como os instrumentos de motivação dos agentes para que tomem decisões apropriadas. Para tanto, eles enfocam o modo como o custo de transferir informações entre os agentes influi na organização de mercados e de firmas. Neste trabalho os autores apresentam alguns dos fundamentos da Economia dos Custos de Transação relacionados ao conhecimento. O primeiro é o conceito de “racionalidade limitada”, desenvolvido por Simon e March, segundo o qual os sistemas cognitivos dos seres humanos são limitados em termos de processamento e armazenagem de informações, assim como são limitados os canais de entrada e saída desses sistemas. Essa capacidade limitada do cérebro significa que o conhecimento possuído por qualquer indivíduo tomador de decisões é uma minúscula parte do conhecimento da humanidade. Assim, esses agentes estão sempre em busca de conhecimento. 9

Outro conceito utilizado foi o de custos de transação, introduzidos por Coase e desenvolvidos por Williamson, aplicando-os à transferência do conhecimento. Quando a produção, transferência e aplicação dos conhecimentos são os principais bens a serem oferecidos, as transações tendem a adotar a forma de relacionamentos de longo prazo, sendo que os mais comuns são os contratos de trabalho. Essas configurações são explicadas pelos custos de transação. Se os proprietários das firmas tivessem que elaborar contratos caso a caso para a produção e aplicação de todo o conhecimento envolvido em suas atividades, os custos se tornariam proibitivos. Os autores definem conhecimentos específicos como aqueles que envolvem custos em sua transferência entre os agentes e conhecimentos gerais aqueles que não envolvem custos de transferência. Em virtude desses custos, a aquisição dos conhecimentos específicos necessários para a tomada de decisão envolve descentralizar os direitos de decisão seja no mercado, seja dentro das firmas. Essa delegação gera dois problemas: a própria atribuição dos direitos (quem deveria ter esses direitos) e problema de controle ou de agency (como garantir que os agentes com interesses próprios decidam de acordo com os objetivos da empresa). Em economias capitalistas, o problema de atribuição pode ser resolvido pela instituição do direito de trocas voluntárias em um sistema de direitos de decisão que possam ser comercializados. As transações voluntárias de direitos de decisão tendem a garantir que o agente com conhecimento e habilidades relevantes, que portanto valoriza mais o direito de decisão, irá adquiri-lo. Além disso, esse sistema também resolveria o problema de controle, por motivar os agentes a utilizar os direitos de decisão eficientemente. Isso ocorre por que o sistema de alienabilidade possui mecanismos efetivos como o preço de mercado ou o valor do capital do direito de decisão, que medem a performance de cada indivíduo no uso dos direitos de decisão. O uso de direitos alienáveis geralmente não podem resolver o problema de controle dentro das firmas porque usualmente elas não atribuem a alienabilidade de direitos de decisão sem transformar cada agente individual em uma firma independente. Na verdade, a ausência de alienabilidade é um das principais diferenças entre firmas e mercados. Essa característica implica em que o mecanismo de trocas que permite a alocação dos direitos de decisão para os agentes com os conhecimentos e habilidades relevantes não pode operar. Além disso, essa inalienabilidade dentro de uma organização significa que os problemas de controle devem ser resolvidos por meios alternativos, como o estabelecimento de algumas regras que fornecem: 10

1) Um sistema de repartição dos direitos de decisão entre os agentes; 2) Um sistema de controle que contenha: a) Um sistema de mensuração e avaliação de performance; b) Um sistema de recompensas e punições. Para os autores, como esses sistemas internos não simulam perfeitamente os retornos de capital reais, eles não operam tão efetivamente quanto os direitos alienáveis do mercado. Portanto, para que sobreviva, é necessário que a firma obtenha ganhos altos o suficiente ao utilizar os sistema de direitos compartilhados, de modo a suplantar as desvantagens decorrentes do sacrifício da alienabilidade. As economias de escala e de escopo, vantagens em informações e a especialização são potenciais fontes desses benefícios. Teorias Evolucionistas e Pós-marshalianas Enquanto Schumpeter preocupou-se principalmente com o processo de mudança na economia como um todo Edit P. Penrose (1959) concentrou-se no crescimento individual das empresas. Ela via a empresa como uma organização administrativa e um conjunto de recursos produtivos, tanto humanos quanto materiais. Segundo Penrose, os recursos nunca são os insumos do processo de produção mas sim os serviços que podem ser gerados pelos recursos. Os serviços são uma função da experiência e do conhecimento acumulado dentro da empresa e portanto específicos à empresa. Em essência, a empresa é um repositório de conhecimentos. Alem disso, Penrose (1959), conforme Nonaka e Takeuchi (1997), considerou o processo de planejamento como um fator determinante central do crescimento das empresas. Ela argumenta que os responsáveis pelo planejamento empresarial criam imagens ou modelos mentais da empresa e seu meio avaliando seus pontos fortes e fracos em termos dos serviços produzidos e das oportunidades e limitações do seu meio. Essas imagens surgem da experiência e do conhecimento dentro da empresa. Embora tenha observado a importância da experiência e do conhecimento acumulados na empresa, ela não entrou em detalhes quanto ao mecanismo ou processo organizacional através do qual os membros da empresa podem acumular conhecimentos. Nelson e Winter, citados por Nonaka, também viram a empresa como repositório de conhecimentos em sua teoria evolutiva da mudança econômica e tecnológica. Repetindo a visão hayekiana de conhecimento, Winter (1988) argumentou o seguinte: As empresas são fundamentalmente, organizações que sabem com fazer as coisas... Na verdade, uma empresa específica em um determinado momento é um 11

repositório de uma faixa de conhecimento produtivo bastante específica, faixa essa que muitas vezes envolve idiossincrasias que a distinguem até de empresa semelhantes na superfície que atuam nas mesmas linhas de negócios. Para Foss e Christensen (1996), que buscam aprofundar o conceito de coerência das organizações, afirmam que as considerações de Penrose (1959) – que a coerência corporativa é uma categoria cognitiva que envolve uma dimensão dinâmica através de aprendizagem, dependência do caminho percorrido e a acumulação de ativos de conhecimento heterogêneos – não podem ser associadas ao conceito de coerência mais estático, relacionado a economias de escopo ou a atuação em mercados relacionados entre si. Assim, os autores acham necessário retomar aos conceitos básicos que essa autora propôs e reconstruir o raciocínio conjugando com teorias baseadas em processos de mercado, como a escola Austríaca. Ao analisar a natureza e o papel do conhecimento no processo de crescimento econômico, Langois (2000) acredita que as dificuldades para se entender os aspectos econômicos do conhecimento são em parte resultantes de abordagens que adotam definições mutamente excludentes, ao classificá-lo como tácito ou explícito (codificado), geral ou localizado, abstrato ou concreto. Para esse autor, o conhecimento é uma commodity peculiar que vai além de seu caráter de bem público, podendo em última análise ser considerado uma estrutura. Para descrever essa estrutura, ele cita Hayek, quando esse autor afirma que o conhecimento é basicamente um sistema de regras de ação apoiado e modificado por regras que indicam equivalências ou diferenças de várias combinações de estímulos. No mesmo texto, Langlois apresenta três aspectos que ele considera negligenciados na literatura que tem tratado de conhecimentos codificados, gerais e abstratos, supostamente de importância crescente na sociedade moderna: (1) A generalidade e abstração não requerem necessariamente codificação ou explicitação. O conhecimento tácito não precisa ser idiossincrático, visto que existem conhecimentos que só podem ser adquiridos através da experiência, mas que apresentam grande generalidade de aplicação. O exemplo apresentado pelo autor é o aprendizado do idioma chinês, que envolve justamente esses aspectos. (2) O conhecimento pode ser externalizado e tornado menos idiossincrático de modos que não necessariamente envolvam codificação. Como o conhecimento é uma estrutura, ele pode ser externalizado a partir de um indivíduo criador e ser absorvido seja por máquinas ou outras tecnologias físicas, assim como por diversas estruturas sociais ou comportamentais, que podem ser chamadas de instituições. Nesse 12

sentido, a crescente integração econômica e a mobilidade da força de trabalho tendem a padronizar e generalizar o conhecimento existente nas instituições de cada país, permitindo que ele seja amplamente reutilizado e adotado em maior variedade de situações. (3) As instituições sociais são freqüentemente valiosas na medida em que elas abreviam a codificação do conhecimento. Na medida em que as instituições possuem conhecimento, elas tornam menos necessária a transmissão de informações ou a aquisição de conhecimento pelos agentes, seja codificado ou tácito. Assim, em muitos ambientes as atividades podem ser realizadas com um mínimo de transmissão de informações entre os agentes. Na verdade, em algumas situações, a existência de um grande fluxo de informações codificadas pode ser uma evidência de estruturas de conhecimento menos efetivas, e não a evidência de mais conhecimento. Condiderações Finais O estudo papel do conhecimento nas organizações representa um desafio para as diversas correntes econômicas, assim como pode representar um enorme avanço para o desenvolvimento de uma Ciência das Organizações. Pela revisão apresentada, pode-se concluir que, apesar da existência de diversas correntes, nenhuma parece fornecer uma explicação compreensiva do tema. Além disso, existem diversas sobreposições nos tratamentos, aspecto visível pelas citações cruzadas de autores entre as correntes teóricas. Isto parece demonstrar o caráter incipiente do tratamento do conhecimento, assim como indica a possibilidade de convergência futura entre essas correntes de pensamento. Com relação a esse potencial de convergência, destaca-se o uso dos conceitos de conhecimento disperso e individualizado proposto por Hayek por autores de diversas correntes teóricas. As contribuições de cada corrente parecem ser complementares, como a conjugação entre a dependência de caminho proposta pelos evolucionistas com o tratamento das atribuições de direitos de decisão, que influem nas fronteiras da firma, proposta pela Economia de Custo de Transação. Em linhas gerais, as análises realizadas permitem as seguintes observações: (1) O tema do conhecimento tem sido tratado com maior profundidade pelas escolas econômicas na medida em que elas passam a analisar com mais detalhe o funcionamento interno das firmas e organizações. Ou seja, aquelas que têm visões limitadas da firma tratam de maneira superficial o conhecimento. (2) A escola austríaca, que não possui uma teoria da firma, apresenta um conceito de conhecimento extremamente pulverizado e subjetivo, e por isso de difícil tratamento. Entretanto, Hayek é citado por autores das outras escolas, quando se analisam aspectos de 13

descentralização do poder de decisão dentro das firmas, em oposição às transações via mercado. (3) Aparentemente existem complementaridades entre a corrente Evolucionista e Economia de Custos de Transação, no sentido de que a primeira analisa aspectos dinâmicos da evolução das firmas e a segunda realiza comparações estáticas entre estruturas alternativas de governança. As possibilidades de colaboração mútua residem na análise dinâmica das estruturas de governança, tratando a evolução das firmas como uma busca da minimização dos custos de transação ao longo do tempo, processo em que o conhecimento teria papel relevante. Assim, acredita-se que o tema do conhecimento poderia ser agregado nesse tipo de estudo, seja como especificidade de capital humano ou como pertencente às competências dinâmicas. Bibliografia BECKMAN, T. J. 1999. The Current State of Knowledge Management, in Knowledge Management Handbook, CRC Press, pp 1-1 a 1-7. FOSS, N. J. e Christensen, J. F. 1996. A Process Approach to Corporate Coherence. DRUID Working Paper no. 96-7, Dept of Industrial Economics and Strategy, Copenhagen Business School, disponível no Social Science Research Network Paper Collection, http//www.ssrn.com. HAYEK, F. (1945). “The use of knowledge in society”, American Economic Review 35, no. 4 (September). JENSEN, M. C. e Meckling, W. H. (1992). “Specific and General Knowledge, and Organizational Structure”, Contract Economics, Lars Werin and Hans Wijkander, eds, Blackwell, Oxford, pp 251-274. LANGLOIS, R. N., (2000) “Knowledge, Consumption, and Endogenous Growth” in Social Science Research Network Paper Collection, http://www.ssrn.com. MARSHALL, A. 1965. Principles of Economics. Londres, Macmillan. MONTEVERDE, K & Teece, D. (1982) “Supplier Switching Costs and Vertical Integration, Appropriable Rents and the Competitive Contracting Process” 21 Journal of Law and Economics 297. NONAKA, I. e Takeuchi, H. (1997). Criação de Conhecimento na Empresa. Ed. Campus, Rio de Janeiro, 358 p. PINDYCK, R. S. & RUBINFELD, D. L. (1998). Microeconomics, Prentice-Hall, Inc., Upper Saddle River, New Jersey, 726 p.

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SCHWARTZ, G.(2001). “Economia da informação está acima da crise na Web”, Folha de São Paulo, Ano 80, no. 26.247 (11 de fevereiro:) pág. B2. PENROSE, E. T. 1959. The Theory of the Growth of the Firm. Oxford, Basil Blackwell. POSSAS, S. (1997). “Conhecimento e Atividade Econômica”, Economia e Sociedade, Campinas (8) pp 85-100. WILLIAMSON, O. E. (1983). “Organizational Innovation: The Transaction Cost Approach.”In J. Ronen, ed., Entrepreneurship, Lexington, Mass.: Heath Lexington. WINTER, S. G. 1988. “On Coase, Competence and the Corporation”. Journal of Law, Economics and Organization, 4, no. 1:163-180.

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