Considerações sobre a passagem de um a outro modo de produção.

September 27, 2017 | Autor: I. Costa | Categoria: Historia, História, Modos De Producción, TEORIA MARXISTA
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A PASSAGEM DE UM A OUTRO MODO DE PRODUÇÃO


Iraci del Nero da Costa


Em artigo de minha autoria intitulado "A história universal e a
'Teoria Geral das Revoluções'", com o qual pretendi criticar, basicamente,
o determinismo mecanicista próprio do stalinismo e de outros pensadores que
se tomaram como marxistas, lê-se: "a gênese de cada modo de produção pode
ser única, específica, sendo impossível, portanto, confundir os
constituintes genéticos – tanto seus elementos constitutivos como as inter-
relações que os vinculam – de um modo de produção com os de outro. De
outra parte, na medida em que não tem de haver, necessariamente, apenas um
padrão genético, torna-se impossível o estabelecimento de uma lei, ou
conjunto de regularidades, que explique, de maneira unívoca, abrangente e
genérica, a passagem de um para outro modo de produção." (Cf. versão em
português do Pravda.ru online, 20/07/2012, disponível em:
http://port.pravda.ru/mundo/20-07-2012/33392-teoria_geral_revolucoes-0/).
No texto vertente discorro mais especificamente sobre a forma assumida, em
cada caso, pela aludida "passagem".(1)

Quanto a este tema não podemos nos socorrer das opiniões de K. Marx o
qual, interessado essencialmente em analisar a lógica do capital industrial
e em estabelecer os caminhos teóricos e práticos aptos a concretizar a
superação do modo de produção capitalista, desenvolveu um método em face do
qual se tornou dispensável o estudo dos modos de produção pretéritos,
segundo ele: "...nuestro método pone de manifiesto los puntos en los que
tiene que introducirse el análisis histórico, o en los cuales la economía
burguesa como mera forma histórica del proceso de producción apunta más
allá de sí misma a los precedentes modos de producción históricos. Para
analizar las leyes de la economía burguesa no es necesario, pues, escribir
la historia real de las relaciones de producción. Pero la correcta
concepción y deducción de las mismas, en cuanto relaciones originadas
históricamente, conduce siempre a primeras ecuaciones – como los números
empíricos por ejemplo en las ciencias naturales – que apuntan a un pasado
que yace por detrás de este sistema. Tales indícios, conjuntamente con la
concepción certera del presente, brindan también la clave para la
comprensión del pasado; un trabajo aparte, que confiamos en poder abordar
alguna vez". (grifos de MARX, cf. Elementos fundamentales para la crítica
de la economía política (Grundrisse) 1857-1858. 11a ed. México D.F.: Siglo
Veintiuno Editores, vol. 1, 1980, p. 422). Infelizmente, como sabemos, Marx
não chegou a efetuar o prometido estudo; vemo-nos, pois, obrigados a
especular sobre o aludido passado.

Diga-se desde logo que, como quer K. Marx, empresto papel fundamental
ao elemento econômico, ou seja, ao "desenvolvimento das forças produtivas";
não obstante, advogo que não existe um "motor interno" que propicie em cada
um dos modos de produção o desenvolvimento das ditas forças produtivas. Tal
desenvolvimento, segundo penso, deu-se de maneiras diversas e deveu-se a
causas distintas em cada uma das referidas passagens; ademais, como
evidenciado adiante, tais causas mostraram-se tanto endógenas como exógenas
com respeito aos modos de produção que foram negados no correr da história.
Atenhamo-nos, pois, a casos concretos.

A superação da comunidade primitiva dependeu da ação dos homens
visando a poupar energia; nossos avoengos inventaram apetrechos cuja
utilização, dada sua grande produtividade, acarretou de tal sorte o aumento
da produção que se criaram as condições para o estabelecimento do
escravismo. De uma situação na qual apenas a atividade conjugada de cada
pequeno grupo era capaz de produzir o bastante para a subsistência de seus
integrantes passou-se a uma nova condição na qual cada indivíduo produzia o
bastante para sobreviver e um excedente que poderia ser apropriado por um
terceiro. Geraram-se, desta maneira, as condições para a emergência do
escravismo; vale dizer, a existência deste "delta" permitirá sua
apropriação pelos que, com base nas mais variadas formas, subjugaram
elementos do próprio grupo ou de grupos "inimigos", tornando-se
escravistas.

Já a passagem do escravismo para o feudalismo estaria assentada, para
vários autores, nas invasões dos bárbaros, as quais teriam suas raízes no
crescimento demográfico observado, sobretudo, na Índia. Tais "invasões" –
que devem ser tomadas como um deslocamento lento e não como uma "guerra
relâmpago", especialistas afirmam que considerando-se a área onde hoje está
a Alemanha passaram-se cem anos até tal movimento chegar à Península
Ibérica – colocaram em xeque o Império Romano que se desagregou. Pois bem,
estes povos, tidos como "bárbaros", à medida que iam se estabelecendo em
seus novos domínios territoriais transferiam para as relações
socioeconômicas a estrutura hierarquizada que mantinham em seu seio, pois
não adotavam o escravismo como os gregos e os romanos; disso teria
resultado o feudalismo caracterizado pelas obrigações dos servos para com
os seus senhores. Já na área central do Império Romano teria se dado uma
transformação similar, com a elite saindo das cidades e indo para o campo e
concedendo liberdade a seus ex-escravos, que passaram à condição de servos.
Segundo tal visão, o processo de pressão econômica teria se originado nas
fronteiras do Império e não em seu centro, também não se pode falar de uma
revolução promovida pelos escravos, embora ocorressem revoltas que abalavam
o sistema no sentido de amenizá-lo.

De sua parte, a superação do feudalismo apresentou uma fundamentação
econômica própria e teria dependido, sobretudo, da expansão econômica
devida à expansão das atividades comerciais, as quais revelaram duas faces
inter-relacionadas: por um lado ocorreu a expansão ultramarina da Europa e
o consequente alargamento em escala planetária do comércio, por outro as
relações comerciais, crescentemente, teriam se interiorizado na Europa, é
nesse processo, por exemplo, que se deu a chamada Segunda Servidão em áreas
situadas na parte mais oriental do continente europeu. Observou-se,
correlatamente, o processo de acumulação primitiva ao qual deve-se atribuir
a emergência do trabalhador livre tanto de um senhor feudal como dos meios
de produção indispensáveis à sua subsistência o que o leva a ser obrigado a
vender sua força de trabalho à burguesia fato este que, como anotado por K.
Marx, representa o nascimento do proletariado. Tal nascimento propiciou a
autonomização do elemento econômico, o qual não se vê mais preso
imediatamente à face política da vida social. Assim, mercadoria, dinheiro e
capital, relações sociais que são, chegam à sua culminância, vale dizer,
universalizam-se objetiva e absolutamente, com a emergência da mercadoria
força de trabalho enquanto propriedade absoluta do trabalhador direto.

Enfim, em cada um dos momentos históricos aqui contemplados
verificaram-se fenômenos de caráter econômico que não podem ser enquadrados
num esquema único, disso concluímos no estudo acima citado não ser possível
formular-se uma teoria geral das revoluções. O fenômeno econômico é básico
e sempre está "conduzindo" os processos de transformação política, mas os
determinantes desse desenvolvimento econômico são distintos e não podem ser
reduzidos à ideia de um "motor interno" existente no seio de cada modo de
produção. Evidentemente, esta última postulação não implica a inexistência
da pressão, sobre os segmentos economicamente dominantes, exercida por uma
classe ou mais classes sociais dominadas e/ou menos privilegiadas; tal ação
define-se, ademais, como ingrediente indispensável ao coroamento das
transformações políticas e econômicas que lastreiam a afirmação dos novos
modos de produção. Destarte, embora o elemento econômico sempre apareça
como o propulsor das transformações havidas em termos dos modos de
produção, cada passagem tem suas peculiaridades próprias, sendo
impertinente referi-las a um corpo teórico unívoco.

Anote-se, por fim, que uma eventual superação do capitalismo pelo
socialismo só admite, por ora, especulações sem bases objetivas concretas.
Nossa postura quanto a tal passagem foi expendida no artigo COSTA, Iraci
del Nero da & MOTTA, José Flávio. Hegel e o fim da história: algumas
especulações sobre o futuro da sociabilidade humana. Revista da Sociedade
Brasileira de Economia Política. Rio de Janeiro, Editora 7 Letras, número
7, dez. 2000, p. 33-54; a ele, pois, remetemos o leitor interessado nessa
nossa divagação teórica. Nesse texto, em termos genéricos, afirmamos que...
"o capitalismo é a forma superior e derradeira da existência natural da
sociabilidade humana [...] tal forma de existência só será superada pela
ação do espírito, da consciência, votada à negação da propriedade privada
sobre os meios de produção, base objetiva sobre a qual se assenta aquela
forma de sociabilidade. Tal ação, política por sua natureza, pressupõe a
conjugação orgânica de consciências, às quais, necessariamente, cumpre
efetuar a crítica da situação presente e estabelecer, teórica e
empiricamente, as bases da nova sociedade. A crítica da lógica do capital e
a formulação do quadro em que se movimentará a nova forma de sociabilidade
definem-se, portanto, como pressupostos desta última [...] A partir daí,
abrir-se-ia a possibilidade para uma etapa distinta, diríamos mesmo
antinatural, em que a sociabilidade humana ver-se-ia moldada
conscientemente pelo homem: é o fim da história natural, o início da
história posta pelo homem. É evidente que nada garante, a priori, que se
efetive essa sociedade fruto da ação consciente do ser humano. Exatamente
porque ela não se porá "naturalmente" é que ela se apresenta como mera
possibilidade [...]" Ademais, sua "sustentação só se verá garantida se
forem obedecidas duas condições essenciais e sem as quais, cremos, é
impossível pensar-se numa sociedade "pós-capitalista" auto-sustentável. Em
primeiro, considerando que terá de haver livre assentimento com respeito à
nova forma de sociabilidade, é indispensável uma ambiência democrática,
vale dizer, a democracia e os direitos que expressam a cidadania têm de
prevalecer, absoluta e irrestritamente, e a estes elementos, obviamente, há
de estar aliado o maior grau possível de liberdade pessoal e coletiva. De
outra parte, as vontades individuais desenvolvidas em tal ambiência devem
associar-se livremente de sorte a chegar-se à organização necessária àquela
sustentação. Liberdade e associação definem-se, pois, não só como metas
desejáveis por si, mas, e sobretudo, como elementos imanentes à assim
chamada sociabilidade "pós-capitalista" ou socialista, caso se queira."
(Cf. artigo citado).





NOTA



(1) Sou grato ao Prof. Julio Manuel Pires pelas críticas e sugestões que
efetuou à versão inicial deste texto.
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