CONSUMO CULTURAL HÍBRIDO DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS: Mercado de Entretenimento e Cibercultura como Articuladores de Encontros Cosmopolitas

July 25, 2017 | Autor: Renato Mader | Categoria: Cosmopolitanism, Cultural consumption
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Trabalho apresentado na Divisão Temática Ibercom Comunicação e Cultura Digital do XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de São Paulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015.
Doutor em Comunicação pelo PPGCOM PUC-SP; professor das disciplinas de criação e produção publicitárias; projeto e interfaces de novas mídias nos cursos de graduação em Publicidade e Design da ESPM-SP e Universidade Anhembi-Morumbi – [email protected].
MSc em Comunicação e Consumo pelo PPGCOM ESPM-SP, professor assistente II das disciplinas de criação, comunicação, design, direção de arte, conceitos e estratégias publicitárias nos cursos de Graduação em Publicidade da ESPM - SP e BELAS ARTES - SP – [email protected].

CONSUMO CULTURAL HÍBRIDO DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS: Mercado de Entretenimento e Cibercultura como Articuladores de Encontros Cosmopolitas

HYBRID CULTURAL CONSUMPTION OF YOUNG UNDERGRADUATES: Entertainment Market and Cyber Culture as Organizers of Cosmopolitan Encounters

Wilson Bekesas
Renato Mader

Resumo: Este artigo apresenta a discussão dos dados empíricos exploratórios utilizados para problematizar o consumo cultural híbrido, concentrado nos meios digitais, articulado a contextos de cosmopolitismo. Essa discussão faz parte do projeto de pesquisa "Cosmopolitismos juvenis. Projeto Brasil. Etapa 1: Concepções e práticas cosmopolitas em jovens universitários brasileiros", vinculado ao projeto internacional "Cosmopolitismo Cultural dos Jovens". O recorte enfatizado está ancorado em uma base reflexiva sobre (1) o consumo cultural e sua relação na sociedade contemporânea com o entretenimento; (2) a cibercultura como relação da comunicação individual de massa e a ubiquidade, potencial gerador de encontros cosmopolitas. A análise dos dados empíricos é realizada a partir de uma triangulação com os dados das pesquisas "O jovem digital brasileiro" do IBOPE (2012), e "Juventude conectada" da Fundação Telefônica/USP (2014).
Palavras-Chave: Consumo cultural. Cosmopolitismo. Hibridismo. Entretenimento. Cibercultura.

Abstract: This article presents a discussion of the exploratory empirical data used to discuss the hybrid cultural consumption, focused on digital media, articulated to contexts of cosmopolitanism. This discussion is part of the research project "Youth cosmopolitanisms. Brazil project. Step 1: cosmopolitan conceptions and practices in Brazilian undergraduate students", linked to the international project "Young People´s Cultural Cosmopolitanism". The emphasized proposal is anchored on a reflective base over (1) the cultural consumption and its relationship in contemporary society with entertainment ; (2) cyber culture as means of the individual mass communication and ubiquity, which generate potential cosmopolitan encounters. The analysis of empirical data is developed through a triangulation of data from the researches "Brazilian digital youth" of IBOPE (2012) and "Connected Youth" Telefónica/USP Foundation (2014).
Keywords: Cultural consumption. Cosmopolitanism. Hybridity. Entertainment. Cyber culture.

Mercado de Entretenimento e Cibercultura

As tecnologias e modos de produção-consumo midiáticos atuais pressupõem apropriações de plataformas, formas e formatos, em novos arranjos constitutivos das experiências cotidianas e juvenis no cenário brasileiro contemporâneo. O sujeito histórico reconhecedor dos códigos, gêneros e formatos narrativos, indica nesse contexto outras formas de disputa por significação. Ele disputa o acesso à participação em redes imateriais de informação e entretenimento, híbridas, num processo que Néstor Canclini (2009) denomina como desmaterialização da cultura pelas redes digitais. Nessas redes, os jovens adquirem, por meio das múltiplas telas, conhecimento e entretenimento combinados, sendo que o foco prioritário no processo se concentra no lazer e no entretenimento.

É nesta centralidade do entretenimento pelo consumo midiático híbrido que o processo de publicidade interativa (COVALESKI, 2010) estabelece relação direta com o consumo cultural juvenil. Interatividade, compartilhamento e acesso resultam em fluxos culturais globais, consumidos e multiplicados em velocidade crescente. Fluxos apropriados tecnicamente pela indústria do entretenimento atraindo consumidores a expandir as experiências de lazer para vários meios. O entretenimento permite tanto fruição estética como distração intelectual, gerando formação de repertório cultural, assim como uma demanda constante por opções de lazer.

Segundo Gisela Castro (2013), é na relação entre entretenimento e cultura que se emula o consumidor-fã, que – de modo colaborativo e lúdico – por compartilhamento de conteúdo, ou envolvimento como parceiro-fã das marcas nos meios digitais, nos faz questionar a lógica da troca publicitária. A publicidade, ao convocar este jovem, explora seu trabalho, torna informações e conteúdo privados em públicos, e inverte polaridades midiáticas de suporte, em um fluxo suficientemente inédito para ser analisado com propriedade. Questionamentos em relação ao processo de interação de consumidores com produtos/marcas nos meios digitais surgem pela necessidade de uma análise crítica dessa realidade.

Questionamentos em relação à conceituação do que vem a ser a mass media entertainment industry buscam compreender a lógica de produção e consumo no sistema digital. É imprescindível considerar essas práticas não a partir da massa (mass), mas da lógica individual de massa (mass self), estabelecendo distância considerável da dependência midiática e da indústria do entretenimento por uma audiência massiva. Assim, denomina-se pós-massiva, a comunicação em rede, e suas interações digitais (LEMOS & LÉVY, 2010).

É nessa direção que Manuel Castells (2009) afirma haver um poder inédito, a partir das redes digitais de transmissão de conteúdos, reprogramação das redes de comunicação e mudança do paradigma da comunicação de massa. Subverte a lógica industrial da comunicação do século XX, e propõe nova configuração, estabelecida como conexão e como conteúdo. Poder pelo qual articulam-se tanto os principais movimentos coletivos e sociais ao redor do globo, como a promoção mais hedonista de futilidades, trivialidades e singularidades, que de outro modo não teriam espaço midiático para distribuição e consumo. Castells (2009) relaciona o paradigma pela alteração da lógica do mass communication e sua estrutura – restritiva de produção e ampla de consumo – para a comunicação individual de massa (mass self communication). Amplifica assim a condição produtiva, desvincula a condição de consumo do conteúdo gerado. Per se, o conceito desestrutura a restrição aos meios de produção, característica capitalista, e potencializa a individualidade como autora da própria identidade social digital. Na topografia das redes digitais, convivem as causas globais e inequívocas, como ecologia, até o hedonismo extremo, como selfies e paixões isoladas. Havendo representatividade plena de toda a gama situada desde o individualismo até o comunalismo. Em contraste, a polaridade que se divisa entre global e local amplia ou restringe geográfica e socialmente a existência e o alcance de conteúdo.
No âmbito da produção e consumo de entretenimento digital, há uma relação distinta de dimensões, uma vez que o digital não se desfaz com o tempo, ou pelas condições físicas, assim como não se tangibiliza em forma, mas em conteúdo. Assim, entendemos que no cenário da cibercultura, a discussão sobre tempo e espaço, e as condições de ubiquidade e remediação permitem compreender o consumo cultural híbrido do entretenimento. Para o jovem, entretenimento significa ação social e política para a experiência de vida que se constrói pelos pixels dos suportes, usados aqui como dicionário, sintaxe e gramática simultâneas, da experiência de convivência à velocidade da luz. Nesta, não se permite o espaço, mas tempo.

Paul Virilio (2000) considera perversa esta equação presente no cibermundo, lembrando-nos do tempo local, diferente do agora incessante, que se faz global, glocal e único. A organização temporal local permitiu ao homem experimentar sua própria existência. Mas a velocidade da velocidade contemporânea elimina, em simultâneo, os intervalos em que se vive o espaço, comprime o tempo, subtraindo referências e experiências humanas, pois não há como vivê-las à sombra da velocidade-luz. É sob a luz e comando desta aceleração que está o sujeito, em meio a imagens suportadas pelo ciberespaço-cibermundo.

Para Lucrécia Ferrara (2010), "se o espaço ciber é o locativo da cibercultura, ela decorre da aceleração que o mobiliza" (p. 67). Embora tal aceleração não ocorra no formato linear da comunicação tradicional. Conforme explica a autora,
"o ciberespaço e seus efeitos culturais se afastam de modo acelerado daquilo que foi rotulado pelos antigos meios e, superando a linearidade comunicativa, procuram-se as circularidades imprevisíveis ou díspares, porque decorrem da indeterminada característica de meios comunicativos que, ambientalmente, contagiam o planeta, mas resistem à sua determinação e controle." (FERRARA, 2010, p. 68)

Seria a relação espacial na cibercultura um processo produtivo de mundos virtuais e desterritorialização, ou mais controle e territorialização e produção relacionada a objetos e lugares? André Lemos (2010) não considera a dicotomia dos processos da cibercultura e sentidos de lugar suficientes a explicar o contexto da sociedade de informação contemporânea, denominado por ele como território informacional. Áreas de interseção entre ciberespaço e espaço urbano, intersecção digitalmente controlada, que criam novas funções para lugares, uma heterotopia (LEMOS, 2010, p. 101). Redes sem fio, sensores e mobilidade criam novos usos do lugar, novas camadas de informação digital, e, portanto, novas formas de territorialização e controle informacional.

No entanto, para os jovens desse contemporâneo, a compressão espaço-tempo não é encarada como "catástrofe" ou emergência da "política do pior". A estes a tele-vigilância e controle informacional pouco significam. Voluntariamente se apresentam aos dispositivos conectados à rede e através deles ocupam espaço possível em meio à transmissão de dados, inclusive os próprios. Partilham, compartilham, refazem o mundo à sua volta porque se sentem potentes de transformá-lo a partir de sua ação em rede. Embrica-se a ação jovial, nesse território. E é no território informacional que o jovem se percebe autor/co-autor, pelo 'copy-paste', mixagem e re-mixagem diárias.

Neste processo, é pela concepção de remediação (BOLTER e GRUSIN, 2000), que surge o fenômeno pelo qual jovens e sociedade se preservam frente ao avanço da conformidade, presente na numerização cotidiana. A remediação conecta formas de troca/interação por entre os paradigmas comunicativos dos modos de contato entre meios digitais e analógicos. Tendendo à invisibilidade das mediações, os meios assumem vínculos de reabilitação de uns em relação aos outros. Ocorre uma desmaterialização das interfaces comunicativas que provoca um acesso "transparente" do real, como um processo de fascinação midiática, ou multiplicação das mediações (BOLTER & GRUSIN, 2000). A remediação marca o contágio transversal entre mídias num dado momento. Com os meios digitais o processo adquire jovens [co]autores, que, imersos na estética e cientes da experiência do entretenimento, criam possibilidades de recuperação do espaço - não o físico, mas o que se forma por flashes, em vários lugares ao mesmo tempo. Nesse processo ubíquo o compartilhar multiplica, mistura-se, por entre sujeitos presentes em quaisquer lugares, e seus próprios conteúdos.

Diante da hibridização do espaço físico e do ciberespaço - com novos sentidos de lugar e comunidade - e das várias relações dos jovens com a cibercultura - consumidores e /ou produtores –, ocorre a transformação de territórios informacionais em entretenimento, na perspectiva individual de massa, promovendo contato entre fluxos globais e sentidos locais. A partir desse processo, seria então possível que encontros cosmopolitas (aqueles que permitem o desenvolvimento de uma visão do Outro) ocorram a partir do consumo cultural híbrido (tanto global, quanto local, tanto na realidade híbrida do ciberespaço quanto da cibercultura)?

Consumo Cultural Híbrido de Jovens Universitários: Possíveis Encontros Cosmopolitas

O estudo aqui proposto se insere na reflexão sobre as culturas juvenis, onde há cruzamento entre subjetividades e tecnicidades sensorias e cognitivas, pois os jovens seriam sujeitos estruturalmente mediados por suas interações pela e com a tecnologia, principalmente no contexto contemporâneo das tecnologias digitais (MARTIN-BARBERO, 2006). Os estudos que traçam o perfil de internautas (RECUERO, 2009) mostram que eles são prioritariamente jovens, público esse que tem deixado cada vez mais a televisão para ficar em companhia do computador, estabelecendo novas relações com os meios, cujo processo já não é mais de "um para vários", mas de "muitos para muitos", corroborando com a visão da comunicação individual de massa.

Para compreendermos especificamente o consumo cultural híbrido de jovens universitários, inserido na lógica do entretenimento e da cibercultura, nossa análise faz uma triangulação dos dados de: (1) pesquisa "O jovem digital brasileiro" do IBOPE (2012); (2) pesquisa "Juventude conectada" da Fundação Telefônica/USP (2014); (3) recorte sobre consumo cultural nos meios digitais, retirado de 52 entrevistas estruturadas realizadas com jovens universitários em São Paulo em maio de 2014, da etapa exploratória do projeto de pesquisa "Cosmopolitismos juvenis. Projeto Brasil. Etapa 1".

De acordo com o perfil dos jovens que acessam meios digitais no Brasil (Tabela 1), a classe C é a mais representativa na realidade brasileira, seguida pela classe B, fator que demonstra o crescente acesso dos jovens à Internet, e a concentração da população brasileira na classe C. Da mesma forma, a baixa representatividade da classe A segue a relação desse segmento na população brasileira, uma vez que há fácil acesso aos meios digitais para esses jovens, diferentemente da realidade dos jovens das classes D/E.

Tabela 1. Perfil dos jovens que acessam meios digitais.
Classes
A
B
C
D
E
IBOPE (2012)
36%
53%
11%
Fundação Telefônica/USP (2014)
5%
38%
49%
8%
-

A realidade de formação desses jovens é de 32% no ensino superior e 34% com ensino médio completo, sendo que 38% deles não trabalham e 53% são estudantes em tempo integral (IBOPE, 2012); na proporção específica do ensino superior, 21% estão cursando e 3% já concluíram (Fundação Telefônica/USP, 2014). A proporção de jovens que cursam ensino superior ainda não representa a maioria do universo dessa faixa etária na realidade brasileira, mas está mais próxima das classes que possuem mais acesso à Internet, com mais recursos para aquisição de aparelhos e/ou acesso para locais com conexão e máquinas para acesso. A maioria dos jovens já trabalha fator que também contribui tanto na renda para aquisição de aparelhos, quanto no acesso à Internet no ambiente de trabalho.

A pesquisa da Fundação Telefônica/USP (2014) divide os jovens conectados em três perfis. São eles os exploradores iniciantes (62%), os exploradores intermediários (33%) e os exploradores avançados (5%). Desses perfis, os que mais se assemelham aos jovens universitários entrevistados em São Paulo são os exploradores intermediários e avançados, pois esses estão no ensino superior, na região Sudeste (principalmente das capitais), estudam e trabalham, e acessam a Internet de suas próprias casas ou aparelhos. Devido à relação mais próxima de acesso (tanto financeiro quanto físico) à Internet, esses jovens já possuem conhecimento das ferramentas e das possibilidades oferecidas no ciberespaço, e são co-autores no compartilhamento e criação de conteúdos nos meios digitais, demonstrando grande afinidade com temas da cibercultura e com suas possibilidades, tanto para seus objetivos pessoais, quanto acadêmicos e profissionais.

Em relação às formas de acesso à Internet (Tabela 2), especificamente para as atividades de consumo cultural, os jovens universitários de São Paulo responderam que utilizam: 28,8% o computador pessoal, 17,4% o smartphone e 2,2% o tablet (ESPM, 2014). Na pesquisa realizada pela USP o smartphone não aparece como meio de conexão, porém ele surge como um meio de consumo de entretenimento, principalmente para uso cada vez mais frequente das redes sociais, (também apontado pelo IBOPE, 2012). Em comparação com outros meios tradicionais, como televisão (17,2%), livro impresso (9,9%), rádio do carro (8,5%) e revista impressa (4,4%), o computador e o smartphone já são mais utilizados para o consumo cultural cotidiano desses jovens, acentuando o grau de conexão que eles possuem, e a relação entre o consumo midiático digital e o entretenimento.

Tabela 2. Formas de acesso à Internet.
Formas de acesso
Celular
Computador de mesa
Computador Portátil
Tablet
Fundação Telefônica/USP (2014)
71%
62%
51%
16%

Corroborando com essa visão, 47% dos jovens da pesquisa IBOPE (2012) afirmam que a Internet é a principal fonte de entretenimento, sendo que são utilizados múltiplos meios para seu consumo, na relação híbrida do ciberespaço, que também cria a possibilidade de remediação. Segundo os dados da pesquisa Fundação Telefônica/USP (2014), as principais atividades na Internet realizadas pelos jovens são: comunicação (37,3%), lazer (29,6%), leitura de jornais e revistas, busca de informações (28,7%), educação e aprendizado (28,1%). Considerando as atividades de lazer e entretenimento especificamente, as mais frequentes são: assistir filmes, séries e programas de TV, postar músicas, vídeos e conteúdos digitais, fazer downloads; e as menos frequentes: acessar sites de revistas, ler livros digitais, jogar games. Nas entrevistas realizadas em São Paulo com os jovens universitários, 44,5% do tempo de consumo cultural é concentrado nas redes sociais, seguido por 16,5% em música, 12,4% em sites/blogs, 6,3% em livros e 5,7% na televisão. O consumo por meio das redes sociais, seja para compartilhar conteúdos digitais ou para acompanhar os posts dos amigos, é o mais frequente, fator também apontado na pesquisa IBOPE (2012), onde 92% dos jovens navegam em redes sociais, 90% para ver fotos postadas, 86% para ler atualizações na timeline, e 75% para expressar suas opiniões sobre assuntos gerais. Há também um interesse destacado para postar, compartilhar e ver/ouvir tanto música, quanto fotos, fato que é menos destacado para notícias e textos em geral. No caso dos jovens universitários especificamente, há maior destaque para o consumo de livros, principalmente pela demanda de sua formação acadêmica, e consequente queda do consumo de televisão (de filmes, séries e programas variados).

A relação social e de aproximação com as pessoas é fator destacado pelos jovens (49% na pesquisa Fundação Telefônica/USP, 2014). A quantidade de contatos das redes sociais, por exemplo, mostra a amplitude de possibilidades de socialização: na pesquisa do IBOPE (2012), são 352 contatos, sendo 31 amigos em média. Já os universitários de São Paulo possuem 677 contatos e 17 amigos em média, fato que mostra a relação ainda mais avançada dessa amplificação no perfil desse estudo (ESPM, 2014). Esse fato referenda as possibilidades de contato com outras culturas, seja pelos produtos culturais consumidos (estrangeiros ou em outro idioma), ou o contato direto com pessoas que estão em outro país (viajando ou morando) e/ou estrangeiros; há a possibilidade de se conhecer pessoas que não se conheceria fisicamente, assim como de se conhecer lugares sem a necessidade de viajar (Fundação Telefônica/USP, 2014). Na pesquisa do IBOPE (2012), 67% afirmaram que desejam viajar e conhecer lugares exóticos, sendo que no caso dos universitários paulistanos, 51 dos 52 já viajaram para o exterior (média de 7 países) e 29 já viveram fora do país (ESPM, 2014). O perfil de jovens de São Paulo também mostra maior aproximação com diferentes culturas, fator que lhes possibilita maior contato e possibilidades de encontros cosmopolitas.

No caso dos jovens da pesquisa IBOPE (2012), 26% falam inglês e 15% espanhol. O que sinaliza maior aproximação com o consumo global na formação dos jovens universitários de São Paulo é que 100% afirmam falar inglês e 77% espanhol. Esse conhecimento, aplicado no cotidiano, resulta no consumo de produtos culturais de origem estrangeira (60,1% dos casos), com ênfase principalmente nos de origem norte-americana (17,3%), tanto pelo conhecimento do idioma inglês (preferem consumir filmes, música e outros no idioma original), quanto pela proximidade com a indústria de entretenimento do país, que é a principal produtora mundial de produtos culturais (em volume).

A partir da análise da formação dos jovens universitários em São Paulo, verificamos que seus perfis intermediários e avançados, vinculados tanto ao seu perfil-socioeconômico, quanto à sua formação acadêmica (ensino superior e aprendizado de idiomas), revelam a exploração mais acentuada das funções de comunicação, entretenimento e busca de informações nos meios digitais. Além dos contatos formados por viagens, o consumo cultural concentrado em produtos estrangeiros, principalmente norte-americanos, permite que esses jovens aumentem seu capital cultural, ampliando possibilidades de encontros com outras culturas. A hibridização do consumo cultural desses jovens concentra-se, portanto, na realidade híbrida do ciberespaço e da cibercultura, mas não necessariamente proporciona encontros que formem uma cultura glocal.

Verificamos que há dentre os jovens universitários de São Paulo um perfil prioritariamente de elite, que constrói seu capital cultural para distinção na sociedade. O fenômeno de "digital divide" explica o perfil específico desse grupo e as diferenças das realidades de acesso que ainda existem no Brasil, uma vez que há camadas da sociedade que são hiperconectadas e que possuem acesso a comunicação, informação e entretenimento privilegiados.

Na perspectiva de consumo do ciberespaço, os jovens universitários dão prioridade ao entretenimento, sendo que a cibercultura ganha traços de "ciberfun", e a hibridização do consumo cultural dos jovens não se constrói a partir de uma visão local e/ou individual. Nessa linha, buscamos compreender como seria possível para eles encontrarem a visão de si para o mundo.

A partir da disponibilidade atemporal e fisicamente ilimitada da comunicação digital desses jovens, questionamos como essa interação midiática colaboraria com o reconhecimento reflexivo do Outro, possibilitando encontros cosmopolitas.

Espelho de reconhecimento cosmopolita?

Pensando nas oportunidades de contato com outras culturas e com pessoas de outros locais é que destacamos o fato das inscrições midiáticas deixarem brechas para percebermos como os sujeitos constroem representações de si para e com o mundo, através do consumo nos contextos glocais (ROBERTSON, 1992), ou seja, tanto de produtos culturais globalizados, quanto de suas remediações a partir do contato com o Outro. Vincenzo Cicchelli e Sylvie Octobre (2013) afirmam haver a necessidade de se empregar o conceito de cosmopolitismo em relação a situações comuns e banais, como o consumo cultural cotidiano. Assim, desenvolvemos a discussão da possibilidade dos encontros cosmopolitas a partir do consumo midiático híbrido e do contato com outras culturas, por meio de um espelho de reconhecimento cosmopolita.

A figura do espelho aqui é utilizada como o meio através do qual as narrativas desses jovens se desenvolvem. Nele, estão as reflexões do mercado de entretenimento e da tecnologia da cibercultura, assim como as refrações do eu e do Outro. Nessas narrativas estariam as possibilidades do eu te reconhecer, do você me reconhecer e do nós nos reconhecermos. Nesses contatos, pelos fluxos híbridos midiáticos, estaria, portanto, a possibilidade de encontros cosmopolitas cotidianos. Os dados cruzados apontam para um jovem que possivelmente vivencia encontros cosmopolitas, que seria potente para, junto de/com seus pares, desenvolver e envolver-se em narrativas comuns no contemporâneo, por meio dos contatos proporcionados e/ou viabilizados pelo digital.

Assim como Alice (CARROLL, 2014), eles vislumbram, através do espelho, outro mundo, assim como a própria imagem de seu mundo refletida, e se aproximam dessas representações como aceitando um convite para que elas sejam constantemente ressignificadas. Alice avança sobre a interface representada pelo espelho, uma lâmina fina de vidro que se torna permeável e envolvente como um líquido, a partir do contato feito por ela, e que se desfaz. Através do espelho, reconhece a conquista do "novo mundo", e a interface se transforma numa possível ponte entre mundos mantidos separados, mas com uma interlocução possível quando há mediação.

A pesquisa também recupera as narrativas dos jovens como uma maneira de entender o fascínio, a dúvida e o medo presentes no exercício da autoria/co-autoria que eles parecem construir nas suas práticas nos meios híbridos. A ação desse jovem mostra-se, desenvolve-se, ou constrói-se como autor/co-autor de narrativas, por experiências estéticas viabilizadas pelos sentidos, nas pontes entre diferentes mundos. Nos fluxos midiáticos híbridos, eles lêem, escrevem, fotografam, assistem, escutam, curtem, comprilham e se ressignificam, em torno das tecnologias que lhes permitem estender seus domínios de ação sobre toda a diversidade de conteúdos que estiverem ao seu alcance. As narrativas são arquitetadas através das mídias disponíveis ao longo do caminho, nos encontros com elementos de diferentes origens, que vão sendo visitados e absorvidos, juntamente com os códigos midiáticos utilizados e reproduzidos.

Do outro lado do espelho, Alice encontra um jogo de xadrez, as suas opções de encontros, definidas a partir das suas decisões/jogadas, rei-rainha-peão-quadropreto-quadrobranco. Ela deve jogar para dar continuidade a seu caminho narrativo, a seu reconhecimento. Durante o jogo, Alice vai tomando suas posições no tabuleiro. Ela encontra o Outro, o Outro a encontra, e nessas relações, que podem ser de reconhecimento e ressignificação, ou de estranhamento e resistência, estão as possibilidades da interface fluída.

Assim como no jogo da amarelinha, os jovens seguem nessa interface tecendo e juntando códigos, construindo pontes entre diferenças, disjunções. Ao mesmo tempo, seguem caminhos e chegam a lugares quase como que por acaso, mas dentro de uma lógica construída por quem conhece o enredo que se desenrola. A narrativa do jovem diante da hibridez cultural se assemelha à multiplicidade de percursos e encontros, a partir da perspectiva de si e do Outro, assim como Julio Cortázar (1999) apresenta em seus diferentes caminhos entre o céu e a terra da amarelinha.

No horizonte da imersão/absorção de histórias que façam ou que construam significado na aventura humana, há possibilidades constantes da descoberta de si e do Outro. Contar e ouvir histórias garante a existência, a despeito das tecnologias que nos acompanham. A novidade, talvez, é a de que os jovens/autores contemporâneos as escrevem e as recebem em simultâneo, sem limites físicos ou simbólicos. As narrativas, como um de nossos mecanismos cognitivos mais primários para entendimento do mundo, passam a fluir pelas redes, em velocidade-luz. Um livro-papel, por exemplo, pode ter sua narrativa interrompida, pode esperar. Em rede, está sempre aberto, queiramos ou não. Aguarda pela eterna continuidade da narrativa se desenrolando e alguém está sempre conectado ao seu desenrolar.

Quando Alice, nosso jovem contemporâneo, segue para atrás do espelho, adentra numa narrativa permanente em leitura-escritura constantes, é um mergulho no holodeck (MURRAY, 2003), esse cubo negro e vazio, que pode ser preenchido por essa história sem fim em meio ao cotidiano tecnológico em que vive. O holodeck oferece a "mais poderosa tecnologia de ilusão sensorial que se pode imaginar" (MURRAY, 2003, p. 36). Alice sabe que seu espaço é codificado, demarcado, mas avança através dele porque paulatinamente adquire consciência sobre o meio, como seu fator de libertação, de humanidade.

Uma vez que a realidade híbrida desse jovem se interlaça com esse ciberespaço, e, consequentemente, com a apropriação da cibercultura, as narrativas se multiplicam. No entanto, nesse processo de múltiplos sentidos e códigos, os dois lados do espelho não necessariamente se encontram. Portanto, não há necessariamente reconhecimento mútuo. Por um lado, a comunicação digital permite ao jovem construir novos caminhos e posicionar-se no tabuleiro de forma inusitada, reconhecendo o Outro a partir de sua perspectiva. Por outro lado, a aceleração dos contatos e a concentração no entretenimento e no jogo em si, vazio em si mesmo, não chega a permitir um caminho de reconhecimento reflexivo do Outro, que levaria a uma nova visão do seu próprio mundo. O relógio do coelho estaria sempre lembrando que é tarde, que não há tempo para compreender o Outro, assim como o espelho cada vez se multiplica, tornando seus reflexos cada vez mais fragmentados, sendo cada vez mais difícil responder às questões: Quem é você? Quem é ele? Quem somos nós?

Pelas subjetividades e tecnicidades sensoriais e cognitivas cruzadas, ante a perspectiva da potência comunicativa digital nos reflexos e refrações espalhados pela constância e intermitência conectiva, nos questionamos se, de fato, não estariam estes jovens, sujeitos mediados por suas interações pela e com a tecnologia, abrindo espaço para a construção de narrativas. Tais narrativas, investidas de possibilidades de encontros cosmopolitas, seriam respostas a questões tanto de identidade quanto de identificação de si e do Outro.

REFERÊNCIAS
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