Consumo e as vicissitudes do individualismo contemporâneo: Um olhar a partir do seriado de TV Mad Men

July 22, 2017 | Autor: Jose Mauro Nunes | Categoria: Marketing, Consumer Behavior, Series TV, Individualism
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Consumo e as vicissitudes do individualismo contemporâneo: Um olhar a partir do seriado de TV Mad Men José Mauro Gonçalves Nunes

1. Introdução: televisão, industria cultural e entretenimento de massa

“Não existe uma grande mentira, Não existe o sistema, o universo é indiferente”. (Don Draper, The Hobo Code, temporada 1, episódio 8).

Criticar o entretenimento televisivo tornou-se lugar comum na literatura de Ciências Humanas e Sociais. Se em seus primórdios, a televisão era uma mídia dirigida às elites econômicas – dado o preço elevado dos equipamentos de acesso –, sua difusão entre as camadas econômicas médias e remediadas da sociedade rapidamente deram origem a um conjunto de críticas que ressaltavam os aspectos deletérios do tipo de entretenimento oferecido, levando a sua “demonização”: “A televisão foi acusada de ser viciante, corruptora, responsável por manipular crianças antes perfeitas e adoráveis a um comportamento violento e depravado” (Martin, 2013, p. 22). Os contornos da televisão como um grande Leviatã manipulador de corações e mentes foram ganhando corpo a partir dos anos 1970 e 1980, conforme a sua crescente popularização como veículo de entretenimento de massa. Outras críticas a esta envolvem o reforço à passividade do espectador diante dos conteúdos apresentados na “telinha”, a homogeneização de crenças, gostos e valores políticos, sociais, culturais e comportamentais impostos pelos grandes conglomerados de comunicação, que são detentores das grandes redes de canais abertos, chegando até a falta de ousadia destas empresas em promover enredos alternativos que fugiriam ao lugarcomum das tramas lineares, previsíveis e insossas que caracterizam o grande entretenimento televisivo de massa. Vários intelectuais contribuíram para este processo de estigmatização da televisão como uma mídia perversa, manipuladora, pasteurizadora de conteúdos e alienante. Uma inspiração teórica para tal literatura proveio, em primeiro lugar, da discussão de Walter Benjamin sobre perda de autoria da obra de arte e sua posterior comercialização no âmbito do capitalismo (Benjamin, 2000, orig: 1936). Em segundo lugar, amparada pelo desenvolvimento da teoria da Indústria Cultural desenvolvida pelos intelectuais da Escola de Frankfurt, em especial pelo trabalho de autores como Theodor Adorno e Max Horkheimer ao discutem o papel da Indústria Cultural como despotencializadora do pensar crítico (Adorno & Horkheimer, 1985, orig: 1944). A homogeneização do conteúdo a partir da veiculação de um discurso dominante torna a televisão, no entender dos pensadores críticos, uma mídia promotora de conteúdos superficiais, ligeiros, leves e que exigiriam pouco esforço reflexivo por parte dos espectadores. Além disso, reforçariam de forma sutil a ideologia da classe dominante posto seus conteúdos serem a expressão do pensamento “consensual” da sociedade. Para tal, a presença de personagens principais caracterizadas como tipos comuns, conformados e adaptados ao entorno social se tornou lugar comum no entretenimento televisivo. O contraponto a estes “mocinhos” cotidianos é dado por vilões desadaptados à ordem social vigente, promotores do caos, verdadeiros outliers, CONSUMO E AS VICISSITUDES DO INDIVIDUALISMO CONTEMPORÂNEO

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instilando nos espectadores uma dicotomia entre o bem e o mal, entre a desordem e a ordem estabelecida, que domesticariam as tensões subjetivas e sociais existentes ao proporcionar um espaço de catarse para os telespectadores. Dessa forma, a popularidade da televisão como mídia de comunicação de massa se justificaria apenas por sua narrativa conformista, reducionista e estereotipada, extirpando do debate a diversidade de posições, o posicionamento crítico e uma visão mais complexa sobre questões prementes a sociedade da qual tais produções se encontrariam. Um dos maiores exemplos deste tipo de padronização do entretenimento televisivo é representado pelas soap operas – alcunha derrogatória referente aos longevos seriados da TV norte-americana, exibidos durante os anos 1980 no horário da tarde, por justamente serem patrocinados por empresas fabricantes de sabão. Na televisão norte-americana, alguns exemplares deste tipo de entretenimento são General Hospital, Dynasty, Dallas, Beverly Hills 90210, Melrose Place, dentre outras. No Brasil, as soap operas são representadas pelas telenovelas produzidas pelos grandes canais de televisão, que durante muito tempo reinavam absolutas no domínio da audiência de massa até o surgimento da TV a cabo. Entretanto, a entrada em cena dos canais a cabo, a partir do final da segunda metade dos anos 1990, tanto no Brasil quanto no restante do mundo, tem como efeito principal a progressiva perda de hegemonia das soap operas como forma dominante de entretenimento televisivo, levando a um declínio da audiência dos canais de TV de massa e proporcionando uma transformação sem precedentes no entretenimento televisivo de massa1. Por extensão, a consequente diversificação dos gostos e preferências da audiência impõe uma onda de experimentação e de criatividade até então ausentes nas grandes redes abertas, preocupadas em manter altos índices de audiência que garantiriam significativas cotas de patrocínios de seus shows e demais programas. É justamente nesse nicho de mercado que os canais a cabo irão procurar ocupar, ofertando uma programação de cunho diferente que usualmente é disponibilizado nas redes de TV abertas. Com orçamentos mais modestos e uma preocupação não tão urgente na busca de grandes índices de audiência, os canais de TV a cabo irão promover uma verdadeira revolução nos formatos de séries e programas de televisão. Um novo formato de entretenimento televisivo começa, então, a se descortinar sob a forma de novos seriados TV, explorando temáticas até então não abordadas. O escopo deste trabalho é dado por uma destas produções norte-americanas para TV a cabo, o seriado Mad Men. Tendo como cenário o cotidiano de uma agência de publicidade em Nova Iorque no início dos anos 1960, ao longo de seus episódios o seriado permite um entendimento bastante interessante sobre os dilemas e tensões individuais e sociais na América daquele momento histórico, envolvendo temas polêmicos como consumo, publicidade, tabagismo, alcoolismo, homossexualidade, discriminação de gênero e de raça, dentre outros. Neste trabalho, o foco será a discussão das tensões subjetivas na contemporaneidade a partir da emergência da sociedade de consumo contemporânea, abordadas no seriado. Parto da pressuposição de que o seriado, a despeito de suas incorreções e imperfeições, possibilita uma compreensão das vicissitudes do individualismo na contemporaneidade, bem como o seu impacto na esfera subjetiva, tendo como mote o projeto de felicidade identificada ao consumo de bens e serviços engendrado pela indústria do Marketing e da publicidade. A verossimilhança que procuro estabelecer entre o seriado e as formas de vida contidas na sociedade ocidental contemporânea são embasadas no fato de que: A televisão é a cópia da vida real ou, utilizando o termo grego para imitação, oriundo da filosofia da arte e da literatura, é um caso de mimesis artística. Ao invés de 1 Um dos exemplos disso foi o desaparecimento das novelas na grade dos canais de TV de sinal aberto, e a

hegemonia da chamada reality TV, consubstanciada em shows como Big Brother, American Idol e, no Brasil, em programas como Big Brother Brasil, The Voice, Fama, Ídolos, A Fazenda, Casa dos Artistas. 166

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saudar Mad Men por sua autenticidade, talvez deveríamos saudá-lo por ser uma mimesis extremamente acurada e charmosa do mundo que ele representa. (Dunn, 2010, p. 22). Para tal, este trabalho será dividido em quatro seções. Em primeiro lugar, abordarei de maneira breve o novo formato de entretenimento televisivo promovido pelos canais de TV a cabo norte -americanos, e sua relação com a questão da qualidade televisiva. Em segundo lugar, uma breve apresentação do seriado, abordando sua trama, suas personagens e suas principais temáticas abordadas. Em terceiro lugar, será discutida as vicissitudes do individualismo contemporâneo na sociedade de consumo, tendo como pano de fundo a suposição de autores como Bellah et al. (1985) e Campbell (2001, orig: 1987) da coexistência entre duas vertentes do individualismo: o utilitário e o expressivo. Por fim, o trabalho é encerrado ao se abordar a inconsistência da equação consumo/felicidade individual/sucesso social, discutindo as implicações, tensões e impasses do individualismo na subjetividade contemporânea.

2. Canais de TV a cabo e o surgimento de um novo formato de entretenimento televisivo “Esse país foi construído e governado por homens com passados piores”. (Bertram Cooper, Nixon vs. Kennedy, temporada 1, episódio 12).

A história do novo entretenimento televisivo se confunde com o canal de TV a cabo norte-americano HBO. Acrônimo de “Home Box Office”, o canal foi lançado em 1972 com a proposta de exibição de filmes sem cortes e a cobertura de grandes eventos esportivos, sofrendo uma mudança de posicionamento a partir de 1977 quando o canal iniciou a produção de programas próprios. Como a censura aos canais a cabo era mais branda, a HBO e os respectivos canais concorrentes desse formato iniciaram a produção de shows com um formato bastante peculiar: produções cuja marca registrada era uma combinação de nudez, violência e vocabulário chulo em enredos direcionados para o público adultos, algo até então impensável nas soap operas dos canais abertos. O resultado disso foi a consolidação de uma imagem de marca não tão positiva: durante alguns anos, para o espectador americano a HBO era sinônimo de entretenimento de baixa qualidade, e proibido para menores de idade (cf. Edgerton & Jones, 2008). No entanto, o próprio canal iniciou um processo de reversão deste estigma ao transmitir, em 10 de janeiro de 1999, o episódio piloto de um seriado intitulado The Sopranos. A série, considerada um marco na história televisiva mundial2, tornou-se parâmetro de comparação para outros programas do gênero dado o seu enorme sucesso proveniente de sua ousadia e ineditismo. The Sopranos gira em torno do cotidiano atribulado de um mafioso de Nova Jérsei (Tony Soprano) que tenta gerenciar, a um grande custo psíquico, dilemas familiares e de negócios: no âmbito familiar, um balanço delicado entre o protagonista, sua mãe anciã, controladora e manipuladora (Livia Soprano), sua esposa exigente (Carmela Soprano), e seus filhos imersos na turbulência característica da fase da adolescência; no âmbito profissional, tensões constantes provenientes de um negócio “sujo” baseado em roubo, extorsões, jogo, prostituição e drogas, com a presença de rivais agressivos e violentos. O inusitado é que, dado o imenso custo psíquico, a forma que o protagonista encontra para gerencial tais conflitos é iniciar um tratamento psicoterápico com uma psicoterapeuta do sexo feminino (Dr. Jennifer Melfi) que lhe desperta 2 A série, desenvolvida ao longo de 6 temporadas e 86 episódios, ocorreu entre 10/01/1999 a 10/07/2007. CONSUMO E AS VICISSITUDES DO INDIVIDUALISMO CONTEMPORÂNEO

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sentimentos ambíguos, aliado ao consumo de medicamentos antidepressivos que aliviam um pouco as suas constantes crises de angústia. O sucesso do seriado criado pelo roteirista David Chase foi tão grande que, além de agraciado com cinco prêmios Globo de Ouro, vinte e um prêmios Emmy e um prêmio Peabody, atingiu níveis de audiência impressionantes a despeito do número reduzido de domicílios norte-americanos com acesso a canais de TV a cabo naquele período3. As bases para uma revolução do entretenimento televisivo contemporâneo estavam, dessa forma, lançadas. O sucesso estrondoso da saga do mafioso com fortes crises de angústia, rompantes de fúria e inconstâncias emocionais, violento e adúltero, encorajou não apenas a HBO como outros canais de TV a cabo concorrentes a lançar produções similares. O início dos anos 2000 foi um período profícuo para os canais de TV a cabo norte-americana para a produções deste gênero, ampliando o espectro de tramas, enredos e temáticas: desde dramas históricos, suspenses de cunho sobrenatural, tramas rocambolescas de ficção científica, dramas pós-apocalípticos distópicos, policiais em busca de terroristas infiltrados ou serial killers cruéis, dentre outros mais. Os exemplos mais destacados destas produções são: Six Feet Under, The Wire, Deadwood, Rome, True Blood, Boardwalk Empire, Game of Thrones, True Detective (HBO); Alias, Lost (ABC); Weeds, Dexter, The Tudors, Spartacus, The Borgias, Homeland, Masters of Sex (Showtime); Mad Men, Breaking Bad, The Walking Dead (AMC); The X-Files, Fringe (Fox); The Shield, Sons of Anarchy, The Americans (FX); e, mais recentemente, House of Cards, Orange Is The New Black (Netflix). A despeito da diversidade destas tramas alguns elementos comuns podem ser destacados nessas produções. Segundo Martin (2013), uma das principais características destas séries é a presença de personagens principais que são moralmente ambíguas, contraditórias, confusas, complicadas, infelizes e, principalmente, humanas – algo até então absolutamente ausente no mundo ideal, asséptico e maniqueísta das soap operas. Além disto, nestas produções é difícil rotular as personagens como “bandidos” ou “mocinhos”, vilões ou heróis, dado que tais posições são facilmente intercambiáveis ao longo do desenvolvimento da série (quando não dentro da mesma temporada), criando o efeito de “pegada” na audiência, ansiosa pelas reviravoltas inesperadas da trama e a virada de posição de suas personagens preferidas. É como se a instabilidade do cotidiano fosse transferida para a telada televisão, criando um efeito de mimesis entre a trama e o mundo real. Além do mais, temas até então tratados como interditados, proibidos ou até mesmo abordados de forma tangencial – tais como adultério, assassinatos em massa, poligamia ou vampirismo –, tornam-se centrais em seus enredos. Como se isso não bastasse, as personagens femininas, outrora conformadas, referidas à família heterossexual tradicional e ocupando papéis de suporte às personagens masculinas, também ganham novos contornos e matizes: podem ser venais, implacáveis, sexualmente ambíguas, equivocadas, assumindo atitudes moralmente discutíveis, podendo tornar-se ora heroínas ora associadas a cônjuges/parceiros algozes e monstruosos4. Tais produções não apenas são consideradas como um novo parâmetro para o entretenimento de qualidade na televisão norte-americana (Nelson, 2006), como acabaram por se tornar um novo locus de oportunidades para produtores, roteiristas e atores que, dada a diminuição do orçamento dedicado à novas produções por parte dos grandes estúdios de cinema, migraram para este novo tipo de formato. Atualmente, é muito comum encontrar atores e atrizes reno-

3 Em seu ápice, o seriado atingiu a média de 11 milhões de espectadores durante a 4ª. temporada. 4 Nesse ponto, como não se lembrar de personagens como Carmela Soprano (The Sopranos), Atia de Julii

(Roma), Lucrezia Borgia (The Borgias) e Skyler White (Breaking Bad)? 168

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mados do cinema em produções para a TV a cabo, diminuindo o preconceito e reerguendo a até então combalida reputação do entretenimento televisivo para público adulto nestes canais5. Um dos aspectos ressaltados pela literatura que discute os seriados como um novo gênero televisivo diz respeito à questão da arquitetura da trama. Martin (2013) afirma a emergência de um novo padrão formal, assemelhado às novelas seriadas da Era Vitoriana do século XIX, como por exemplo The Pickwick Papers (1836), de Charles Dickens. Comparado aos enredos de cinema, limitados temporalmente e invariavelmente escritos de forma linear com início, meio e fim (exceção feita ao cinema de arte e ao cinema experimental), o formato destes novos roteiros é muito mais aberto do que o observado em produções para a tela grande: o escopo da série é mais amplo, as estórias invariavelmente se entrecruzam, as trajetórias das personagens são menos lineares e progressivas, sendo mais retorcidas, repletas de reviravoltas inesperadas e de movimentos de ida-e-volta tanto, especialmente no âmbito temporal6. O resultado disso é um adensamento da tessitura narrativa, proporcionando uma obra em aberto cujos possíveis desfechos são debatidos incessantemente durante o andamento da temporada pela legião de fãs, resultando em índices de audiência cada vez maiores, gerando graus elevados de engajamento dos espectadores disposto a não perder nenhum capítulo da trama. Buscando qualificá-lo, para Martin (2013) essa arquitetura de enredo pode ser representada sob a forma de colunata7: “cada episódio é um em sua própria solidez, de tamanho satisfatório, mas também parte de um longo arco ao longo da temporada que, dessa maneira, estará relacionado a outras temporadas de forma coerente, uma obra de arte em aberto” (p. 5). Logo, estamos diante de um novo formato de entretenimento televisivo para o público adulto onde: A trama aberta, dividida em doze ou treze episódios, amadureceu-se em uma nova e distinta forma de arte. O mais notável, é que se transformou na assinatura da obra de arte norte-americana da primeira década do século XXI, o equivalente ao que os filmes de Scorsese, Altman, Coppola e outros foram nos anos 1970 ou as novelas de Updike, Roth e Mailer foram nos anos 1960 (Martin, 2013, p. 11). Além desta característica formal da trama, a ironia, o humor autodepreciativo e as críticas ao contexto social da época são outros aspectos presentes em tais produções. Coube a um dos roteiristas do seriado The Sopranos, em um arroubo de ironia e mimesis, criar uma nova trama tendo como pano de fundo a América dos anos 1960, a indústria da publicidade, as promessas de felicidade da vida do consumo e as respectivas tensões e transformações metabolizadas pela sociedade norte-americana daquele momento histórico.

5 Só para citar um exemplo atual, os dois detetives protagonistas da série de True Detective (também do canal

a cabo HBO), Rust Cohle e Martin Hart, são interpretados por Matthew McConaughely e Woody Harrelson, respectivamente. Ambos são atores hollywoodianos de primeira linha, sendo que o primeiro recebeu em 2014 o Oscar de Melhor Ator pelo filme Dallas Buyers Club (Clube de Compras Dallas).

6 Um dos exemplos mais característicos deste tipo de narrativa não-convencional ocorreu no seriado de ficção

científica Lost (ABC), de autoria do roteirista J. J. Abrams, cuja trama foi apoiada por recursos de fast-forward (a projeção de elementos do futuro no espaço temporal da cena principal), flashbacks (a projeção de elementos do passado no espaço temporal da cena principal) e flash sideways (o entrecruzamento de uma cena em um presente alternativo no espaço temporal presente da cena principal). Isso acabou tornando o enredo do seriado muito mais complexo, denso e enigmático, gerando no espectador um estado de engajamento que se traduziu no sucesso estrondoso de público (tanto nos EUA quanto no restante do mundo) obtido pela produção. 7 Segundo o dicionário Aulete, a colunata é uma forma arquitetônica caracterizada pela sequência de colunas

dispostas simetricamente, como numa fachada ou no espaço diante ou em torno de uma edificação (tal como na Praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano). CONSUMO E AS VICISSITUDES DO INDIVIDUALISMO CONTEMPORÂNEO

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3. Mad Men: uma breve apresentação

“A propaganda é baseada em uma única coisa: felicidade. E o que é a felicidade? A felicidade é o cheiro de um carro novo, Um outdoor na estrada dizendo em letras garrafais que tudo que Você está fazendo é perfeito, que você vai ficar bem”. (Don Draper, Smoke Gets In Your Eyes, temporada 1, episódio 1). Mad Men foi concebido pelo produtor/roteirista Matthew Weiner, e sua estréia ocorreu em 19 de julho de 2007 no canal de TV a cabo norte-americano AMC. Em seu episódio piloto, o seriado atingiu o pico de 1,4 milhões de espectadores segundo dados do instituto de pesquisas Nielsen, representando um aumento de 75% de espectadores do canal (McLean, 2011). Originalmente, o canal AMC tinha a proposta de exibir filmes clássicos sem cortes, tendo posteriormente apostado na produção de séries próprias, acompanhando a trilha de seus concorrentes8. Apesar de seu produtor ter participado da equipe de roteiristas de The Sopranos, o lançamento do seriado em um canal a cabo de menor porte possibilitou pressões menores de audiência, gerando maior liberdade criativa, o que levou a série a angariar inúmeros prêmios da crítica especializada. Mad Men recebeu, até o presente momento (posto a série estar em andamento), quinze prêmios Emmy, quatro Globos de Ouro e, numa lista de 110 seriados promovida pelo Sindicato de Roteiristas Norte-Americanos, alcançou o sétimo posto de melhor seriado de televisão de todos os tempos. O número de prêmios concedidos é surpreendente ao se analisar mais detidamente o seriado. Diferentemente de outros produtos do gênero, como ficções científicas intrincadas (tais como Lost e Fringe) ou distopias pós-apocalípticas (como no caso de The Walking Dead), sua trama possui um ritmo mais lento e pausado, os diálogos entre as personagens são afiados (o que demanda uma maior atenção do telespectador), além da presença marcante de silêncios e pausas significativa (que são de fundamental importância para compreensão do enredo). Ou seja, comparado aos padrões estéticos dos novos seriados televisivos, Mad Men é um ponto fora da curva ao exigir do espectador uma dose considerável de atenção, dada a tessitura sutil e delicada da trama (cf. Dean, 2012). Para um espectador mais desavisado, Mad Men se assemelha muito mais a uma película de cinema em contínua construção do que propriamente uma série de TV, tal como no formato discutido na sessão anterior9. O figurino recriado de época é outro ponto a se destacar, bem como a cenografia esmerada que acompanha a evolução do contexto histórico do seriado ao longo de suas temporadas. Atualmente, a série possui 6 temporadas com 13 episódios cada, sendo que a sétima (e derradeira temporada), estreará em 13 de abril de 2014. Conforme exposto no episódio piloto da série (sugestivamente intitulado Smoke Gets In Your Eyes), o título do seriado é uma refinada peça de piada interna: Mad Men é um termo de autoreferência criado pelos próprios profissionais de publicidade do final da década de 1950, para descrever aqueles que trabalhavam nas agências localizadas na Madison Avenue durante esses anos loucos (McLean, 2011, p. 17). Ou seja, um exemplar típico da criatividade ferina dos publicitários – Ad Men vs. Mad Men (algo como “Publicitários vs. Loucos”).

8 AMC era um acrônimo de “American Movie Classics” abandonado após a reestruturação societária do canal.

Atualmente, o canal é responsável por outros seriados bem-sucedidos como The Walking Dead, Breaking Bad, The Killing, The Borgias e Hell On Wheels. 9 Entretanto, o seriado também utiliza a técnica do flashback em seus episódios, especialmente ao lançar luz

sobre o passado da personagem principal. 170

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A audiência de Mad Men, assim como ocorrido em alguns seriados bem-sucedidos10, foi aumentando ao longo do tempo com o passar das temporadas, demonstrando o poder da propaganda boca-a-boca feita por seus espectadores – e a despeito das características peculiares de sua narrativa, um tanto o quanto “vintage” e “old-fashioned”. Tendo começado com um público médio de 900 mil espectadores em sua primeira temporada, a quinta temporada atingiu a média de 2,7 milhões de espectadores, e a sexta apresentou a média de 2,4 milhões de espectadores (sendo que a estréia desta temporada atingiu o pico 3,37 milhões de pessoas), conforme dados de audiência coletados pelo instituto de pesquisas Nielsen. No que tange a trama em si, a mesma situa-se no contexto histórico da América início dos anos 1960. Como não poderia deixar de ser, dada a importância deste intervalo temporal para a história do país, vários acontecimentos históricos significativos são utilizados como pano de fundo para os seus episódios: a proibição do fumo por parte das autoridades de saúde do país, a eleição de John F. Kennedy para a Presidência do país, seu respectivo assassinato e de seu irmão Boby Kennedy durante a campanha presidencial, a Guerra do Vietnã, o assassinato do Pastor afro-americano Martin Luther King, a luta do movimento negro... Enfim, Mad Men é uma verdadeira aula da história recente do nosso vizinho do Hemisfério Norte. Entretanto, para além dos grandes acontecimentos históricos, o seriado também apresenta as transformações graduais (porém decisivas) que irão moldar o presente da sociedade ocidental. Transfromações estas que, no entender dos autores da Nova História (cf. Le Goff, 1983), ocorrem na esfera das mentalidades, dos costumes e do cotidiano, impactando nas formas de pensar e de agir das pessoas. Alguns exemplos destas transformações retratadas no seriado são: a ascensão da televisão como mídia de comunicação de massa; a emergência da publicidade como motor do consumismo das famílias americanas; a progressiva liberalização dos direitos das mulheres, resultado direto da luta do movimento feminista; a dura luta do movimento afro -americano em busca da aquisição da cidadania e dos direitos civis plenos, face a uma segregação racial existente na porção sul do país, um dos resquícios da Guerra Civil; a afirmação dos direitos das minorias, em especial do movimento gay; por fim, a baixíssima preocupação com o meio ambiente e com a agenda de um planeta sustentável, algo que realmente só começará a ser introduzido na agenda dos países desenvolvidos a partir dos anos 1970. Dessa maneira, Mad Men pode ser entendido como uma mimesis da sociedade norte-americana daquele momento histórico, com todas as suas virtudes, defeitos, contradições, tensões e impasses. É esse material, e tendo como pano de fundo campanhas publicitárias famosas, que os roteiristas da série buscam inspiração para entreter o seu público ao longo de seis temporadas. Mais especificamente, o desdobramento da trama ocorre na fictícia agência de publicidade Sterling Cooper, localizada em Nova York. Sua personagem central é Don Draper, diretor de criação e um dos sócios da agência: uma personagem complexa, de espírito irascivo, ego hipertrofiado, autoconfiante, mulherengo contumaz, bebedor e fumante compulsivo, com muitos segredos referentes a sua história de vida passada. Don é casado com Betty Draper, uma linda loira ex-modelo, que abandonou uma vida de menina mimada e protegida na casa dos pais, para assumir o papel de mãe de três filhos e de dona de uma casa tipicamente de classe média, outorgando uma fachada socialmente respeitável para Don. Na agência de publicidade, outras personagens a serem destacadas são: Roger Sterling, um ex-veterano da Segunda Guerra Mundial, extremamente machista, dono de tiradas sarcásticas “politicamente incorretas”, parceiro de Don no gosto pelo dinheiro, bebida, cigarro, mulheres e outras coisas perigosas; o diretor júnior de contas Pete Campbell, oriundo de uma família novaiorquina tradicional e pertencente a uma geração mais jovem, um espírito imaturo e deveras invejoso, porém dotado de um senso intenso de competição, a despeito de sua pouca competência; a roteirista (e ex-secretária pessoal de Don) Peggy Olson, uma ilha feminina em meio a um mundo dominantemente machista e discricionário da agência. Peggy, aliás, é uma das personagens mais interessantes 10 Como foi o caso de Breaking Bad, outra produção do mesmo canal AMC. CONSUMO E AS VICISSITUDES DO INDIVIDUALISMO CONTEMPORÂNEO

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pois, ao longo do seriado, ela torna-se a protegida de Don por justamente ser dele uma espécie de alter ego: ambos são oriundos de famílias muito pobres, sem história, portanto os melhores candidatos ao sonho americano do self made man – vini, vidi, vi, isto é, vieram do nada, vislumbraram o topo e venceram em meio à selva corporativa. Ela traça um caminho para o topo da indústria publicitária altamente doloroso e arriscado, posto enfrentar não apenas o ambiente competitivo da agência mas também todas as dificuldades do papel da mulher em uma sociedade altamente discricionária como a América do início dos anos 1960. É preciso lembrar Mad Men é um mundo dominado por brancos de classe média e alta do sexo masculino (Schurtz, 2010). Isto fica claro quando se analisa o contraste entre a trajetória de Peggy e das outras personagens femininas do seriado. Ela não apenas é díspare, mas é gritante, não apenas entre as secretárias e recepcionistas da agência (meros joguetes dos folguedos sexuais dos homens da agência), mas também quando se comparado tanto a própria mulher de Don quanto a gerente do escritório da Sterling Cooper (Joan Holloway), uma femme fatale que não tem pudor em utilizar as artimanhas do charme e da beleza para atingir seus objetivos. Entretanto, para além de suas dificuldades de sua vida afetiva, Joan enfrenta também frustrações em sua vida profissional, especialmente diante da ascensão de Peggy na agência, aumentando a sua insegurança e sua baixa autoestima. Se Betty representa o ideal da dona de casa norte-americana de classe média e a esposa ideal (conformada, pouco ambiciosa e dedicada ao lar), Joan situa-se no extremo oposto, sendo a representação de uma “suposta” liberdade feminina, ao ser solteira, livre, e escolher as suas aventuras sexuais – preferencialmente com homens casados da agência. Desta maneira, além de um retrato da sociedade norte-americana dos anos 1960, ao longo dos episódios o seriado revela paulatinamente as tensões, impasses e contradições da sociedade norte-americana, para além da sutil camada de verniz de felicidade, consumo e melhoria dos padrões de vida das famílias que recobre as frágeis estruturas econômicas, políticas, culturais, raciais e de gênero. Primeiro, por abordar a questão da competitividade exacerbada e das disfunções da vida corporativa das grandes organizações (leiam-se conluios, tráfico de influência, assédio moral e sexual, dentre outros). Segundo, ao ressaltar consumismo exacerbado, de natureza conspícua, pautado pela busca incessante de padrões de acumulação material e de visibilidade social cada vez maiores, temperados pelo conformismo da vida doméstica, a opressão feminina, o alcoolismo e o tabagismo. Tal cisão entre uma faceta pública de felicidade e autoconfiança e uma vida privada emocionalmente miserável e contraditória, será o solo fértil para as tensões experimentadas pelas personagens em suas esferas subjetivas. Desde o primeiro episódio, a marca registrada da série é inserir o espectador na “atmosfera moralmente ambígua da vida corporativa e familiar” (Carveth & South, 210, p. 2). São estas tensões que irei discutir na próxima seção deste trabalho.

4. Mad Men e as duas vertentes do individualismo contemporâneo “Saia daqui e siga adiante. Isso nunca aconteceu. Você vai ficar chocada com o quanto isso nunca aconteceu”. (Don Draper a Peggy Olson, The New Girl, temporada 2, episódio 5). Conforme afirmei no início deste trabalho, para além da estrutura formal da narrativa, da cenografia impecável e do figurino exuberante, Mad Men pode ser entendido como uma metáfora do mundo contemporâneo, especialmente nas tensões e ansiedades experimentadas pelos indivíduos em sua trajetória na sociedade do consumo. Nesse sentido, vale destacar a vinheta de abertura da produção, emblemática por si só: um homem – cuja silhueta lembra a personagem principal – que cai vertiginosamente em espiral do topo de um arranha-céu de Manhattan. Enquanto isso, várias imagens de peças publicitárias são projetadas nas janelas dos edi172

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fícios ao redor durante a sua queda, para depois a mesma reaparecer, agora em seu escritório, sentado de costas em seu sofá, com um cigarro na mão. A trilha sonora de fundo, mesclando a música orquestral do final dos anos 1950 com batidas eletrônicas ao fundo, não apenas indica a mistura entre o novo e o antigo, entre o clássico e o contemporâneo, mas leva o espectador a pensar o quão atual são as trajetórias e os dramas enfrentados pelas personagens do seriado. Portanto, se a arte imita a vida, conforme um ditado tradicional, Mad Men é a mimesis destas contradições, inconsistências e impasses da subjetividade na contemporaneidade. E a forma como o roteirista da série encontrou para discutí-las foi por intermédio do mundo mágico da publicidade e do consumo. Afinal, palavras do próprio Don Draper, “a publicidade é baseada em uma única coisa: a felicidade” (Smoke Gets In Your Eyes, temporada 1, episódio 1). A América de Mad Men vive tempos exuberantes para os padrões de um país que, antes das duas Grandes Guerras Mundiais, não era nem a sombra do que tinha se transformado: uma potência econômica, política e militar, vivendo um cenário de terror em meio ao auge da Guerra Fria. Se instável no plano internacional, no âmbito doméstico o país vivia uma era de autoconfiança extremada, impulsionada pela bonança econômica que alavancou o consumo das famílias norte-americanas a inéditos níveis. Bens de consumo, serviços, automóveis, viagens, cinema, lazer e entretenimento, o seriado mostra a construção do chamado “sonho americano”, a partir da crença convicta de seus habitantes no trabalho duro e na acumulação material de riquezas. Um dos retratos mais bem elaborados deste momento histórico foi descrito por John Kenneth Galbraith, economista, diplomata e um dos assessores mais influentes da Presidência de John F. Kennedy. Este denomina o momento histórico como a alcunha de Sociedade Afluente (The Affluent Society). A transformação do complexo militar-industrial da Segunda Guerra Mundial em uma indústria de bens de consumo de massa impulsionou o crescimento econômico, a criação de novos empregos, a explosão da natalidade e a melhoria da qualidade de vida das famílias norte-americanas. A publicidade, evidentemente, é tributária deste processo, uma vez que está será responsável pela criação da demanda de bens de consumo por parte dos indivíduos. É neste momento história que Don Draper, personagem arquetípica do segmento da publicidade, é uma das milhares de peças da engrenagem publicitária que enceta a relação tripartite ente acumulação material, sucesso social e felicidade individual. Entretanto, Galbraith é um crítico deste processo, posto identificar no consumo exacerbado uma ameaça ao livre-arbítrio e às liberdades individuais. Nos anos 1960, um dos debates mais intensos ocorreu entre Galbraith e o economista liberal Milton Friedman11: o primeiro sustentando os perigos do consumismo exacerbado e o segundo entendendo este processo como decorrência natural de uma economia de mercado baseada na livre-concorrência. Para Galbraith, a sociedade afluente se apóia em uma “sabedoria convencional” do pensamento econômico vigente da época, de que: Os desejos do consumidor são a força motriz e o árbitro final do sucesso em uma economia livre de mercado. Essa sabedoria repousa em duas proposições: (1) a urgência dos desejos não diminui conforme estes vão sendo satisfeitos”. Os cidadãos da sociedade afluente tiveram saciados os seus desejos por comida, abrigo e segurança básica. Entretanto, eles possuem desejos urgentes por bens de luxo. As pessoas não se satisfazem com o que possuem. Eles querem o item mais próximo de maneira intensa; (2) “Desejos são originados da personalidade do consumidor”. Meus desejos podem ser irracionais, imorais e até mesmo impossíveis, mas são meus (Guilfoy, 2012, p. 36).

11 O debate é expresso nas publicações de Galbraith (A Sociedade Afluente, de 1958) e de Friedman (Capitalismo e Liberdade, de 1962). CONSUMO E AS VICISSITUDES DO INDIVIDUALISMO CONTEMPORÂNEO

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Os argumentos de Galbraith são altamente contestáveis, posto estarem baseados em uma certa moralidade da atividade do consumo que soa um tanto o quanto ingênua, dado que, para ele, o fenômeno do consumido exacerbado afastaria os indivíduos de uma ética puritana do trabalho ascético presente nas assertivas de Benjamin Franklin e dos demais fundadores dos Estados Unidos. É justamente neste momento histórico que Galbraith e outros cientistas sociais assistem espantados ao colapso da estrutura de valores puritana tal como descrita por Weber (1904/05, orig: 1991), uma vez que: O saber sociológico aprovado dos anos pós-guerra e, na verdade, da geração anterior, estivera assentado na suposição de que as sociedades modernas continuariam a progredir no caminho da racionalidade, do materialismo e da secularidade. Que significativas parcelas dos jovens educados de classe média deviam, pois, voltar-se para a magia, para o mistério e para a religião exótica, apresentando uma acentuada alienação da cultura da racionalidade e um decidido antipuritanismo, foi tão inexplicável quanto inesperado (Campbell, 2011, orig: 1987, pp. 11 – 12). O choque de gerações no escritório da Sterling Cooper, bem como as contradições entre a vida pública controlada e a vida privada repleta de excessos e desregramentos (noites mal dormidas, alimentação pouco saudável, álcool e fumo em doses cavalares) indicam este choque entre uma ética puritana do trabalho duro e uma ética privada da busca de uma vida repleta de experiências prazerosas do ponto de vista sensual, emocional e intelectual. É como se, fora do ambiente de trabalho, as personagens buscassem de maneira incessante a sua capacidade de autoexpressão, para além das convenções sociais e culturais vigentes. Em Mad Men, a geração mais velha (como a de Don e Roger) busca no álcool, no tabaco, nos prazeres gastronômicos e nos flertes amorosos tal compensação. Na geração mais jovem dos redatores (assim como Peggy), a busca ocorre no âmbito da arte abstrata e do cinema experimental, do rock and roll, da experimentação com drogas alucinógenas e das religiões orientais (como o budismo e as diversas práticas de meditação). Don se dá conta destas tensões ao viajar para Califórnia, onde mergulha no universo na contracultura e da Era de Aquário. É significativo o abandono do seu “uniforme de combate” composto por paletó e gravata escuros, e o uso de uma vestimenta colorida e mais relaxada na atmosfera da Costa Oeste. Em meio a corpos bronzeados vestidos minimente, festas à beira da piscina regadas a doses cavalares de drogas alucinógenas, o contato com atores e atrizes (veteranos ou iniciantes) adeptos do amor livre, da recusa à guerra e do amor livre que Don paulatinamente se dá conta do fosso que separa duas formas de vida, ou melhor, do individualismo e suas manifestações. O individualismo foi identificado por Alexis de Tocqueville como a principal forma de vida estruturadora da sociedade norte-americana (Tocqueville, 1969, orig: 1835). Para Bellah et al. (1985), “o individualismo é a primeira linguagem na qual os americanos tendem a pensar sobre suas vidas, independência de valores e autoconfiança acima de tudo” (p. viii). O individualismo pode ser entendido como uma outra “sabedoria comum”, que perpassa as estruturas familiares, organizacionais, políticas, econômicas e culturais da América. Mad Men, dessa maneira, representa tal senso comum: a autoconfiança, o espírito empreendedor e o “espírito animal” característicos do espírito americano, e que movimentam o mercado, os indivíduos e a sua demanda por consumo. E Don Draper, por seu turno, seria o homem americano per se, o arquétipo do individualismo, “a epítome do homem norte-americano que venceu pelos próprios meios” (McLean, 2011, p. 71). Não é por acaso que, no episódio The Hobo Code (temporada 1, episódio 8), a personagem Bertram Cooper exalta os livros “Quem é John Galt?” e “O Desafio de Atlas”, escritos por Ayn Rand 1 74

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(1905 – 1982). A autora, filósofa e escritora russa radicada nos EUA era uma das defensoras da moralidade do autointeresse nos anos 1960 e criadora de uma abordagem filosófica intitulada de “objetivismo” (White, 2010). De maneira astuta e ferina, Cooper vê uma semelhança entre ele, Don e os ensinamentos da autora, pois ambos identificam-se com o conceito de “homem produtivo e razoável, e no final completamente autointeressado”. Em suas obras, Rand defendia um “egoísmo racional” exacerbado, indicando que o altruísmo (denominado por ela de “autossacrifício forçado”) era antinatural, danoso à sociedade e produtor de externalidades nocivas como a preguiça, o caronismo social, a falta de ambição, a acomodação e a usurpação (cf. McLean, 2011, p. 108). Neste sentido, Don e os altos executivos da agência representariam uma versão ideal do “egoísmo racional” de Rand, dado orientaram suas crenças, valores e condutas pelo credo do autointeresse. Entretanto, para a infelicidade de seus executivos, o mundo real não se resume à agência: ou melhor, uma simples olhada na sua equipe de criação indica as tensões e transformações no seio da sociedade norte-americana da década de 1960. Curiosamente, a bonança econômica, o aumento do nível de acumulação de riquezas materiais e o consumismo exacerbado se constituem nos elementos que irão impor uma transformação da ética do individualismo puritano, egoísta, moralmente auto-interessado. Ironicamente, a ação racional dos grandes capitalistas e seus executivos white collars proporcionou os motivos da fissura de suas próprias moralidades. A coexistência, no seriado, de duas moralidades distintas do ponto de vista geracional indica as vicissitudes do individualismo contemporâneo. Autores como Bellah et al. (1985) e Campbell (2001, orig: 1987) indicam a existência de duas vertentes do individualismo: uma primeira vertente, o individualismo utilitário, de inspiração econômica e baseado na ação racional e autointeressada dos indivíduos; e uma segunda vertente, o individualismo expressivo, de inspiração romântica, autoexpressiva e baseado na fruição dos prazeres sensuais e na busca da autorealização individual. O choque entre Don e as gerações mais novas vai se desenvolvendo ao longo do seriado para atingir o seu ápice, na sexta temporada, onde a personagem se sente absolutamente deslocada em um novo mundo que se descortina, tendo como grande exemplo sua segunda esposa mais jovem e sua filha adolescente. Tal conflito de identidades é, no entender de Bellah et al. (1985), resultado da configuração do individualismo americano contemporâneo organizado entre dois opostos contraditórios: uma ética de trabalho baseado na frugalidade e no esforço duro, e uma ética expressiva baseada no prazer e na busca do autoconhecimento, independentemente das restrições sociais e culturais. Dessa forma, o novo individualismo assumiria “uma forma utilitária dura (hard) e uma forma expressiva suave (soft)” (p. viii). Tal como a divindade romana Janus12, estas duas vertentes contraditórias seriam a explicação para as vicissitudes do individualismo e as tensões subjetivas daí oriundas. Nesse sentido, o senso de nostalgia e melancolia vivenciado pelas personagens da geração mais experiente seria o resultado da dificuldade em absorver e metabolizar tais transformações em curso na sociedade ocidental. No entender de Campbell (2001, orig: 1987), o individualismo expressivo não é um fenômeno recente, posto suas raízes históricas remeterem ao século XVIII. Entretanto, ele é posto em evidência pela associação entre as práticas de consumo, a acumulação material e a busca da felicidade e da autorealização, impulsionado pelos profissionais de Marketing e de Publicidade. Dessa maneira, a ética protestante e puritana weberiana, inerente aos primórdios do sistema econômico capitalista e fundadora da Nação Americana, seria insuficiente para os propósitos de uma sociedade do consumo em massa – um anátema para os puritanos. Logo, entra em marcha uma “engenharia social” de cooptação subjetiva do mundo do trabalho ascético e do consu12 Divindade que deu origem ao nome do mês de Janeiro, considerada por estes o deus dos inícios, das deci-

sões e das escolhas. A figura de Janus é associada a duas portas (uma de entrada e outra de saída), bem como a transições, daí sua representação ser bifronte. A sua faceta dupla tambem simbolizaria o passado e o futuro. CONSUMO E AS VICISSITUDES DO INDIVIDUALISMO CONTEMPORÂNEO

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mo frugal para um mundo onírico, prazeroso e excessivo das necessidades, não mais atendidos em seus níveis mais básicos (tal descrito na Pirâmide de Maslow), em um novo e vasto mundo repleto de possibilidades, nuances e matizes: o universo dos desejos. Galbraith identificava nos segmentos afluentes da sociedade como os mais vulneráveis a este tipo de deslocamento da esfera das necessidades (biológicas e instintivas) para o âmbito dos desejos (social e culturalmente construídos), por serem fortemente orientados para a ascensão social (Guilfoy, 2010). Um exemplo deste mecanismo é dado no episódio A Night to Remember (Temporada 2, Episódio 8), onde Betty Draper oferece um sofisticado jantar internacional em sua residência para Don e seus colegas executivos. Ao servir vinhos franceses e uma famosa marca de cerveja holandesa (envasada em sua característica garrafa verde) aos convivas, Betty sucumbe aos apelos da publicidade ao dispor de um cardápio internacional que seria indicativo do caráter afluente de sua família. Numa sutil ironia, os convivas (doravante publicitários) não apenas sorriem, mas inquirem a anfitriã sobre o porquê da escolha daquela marca específica de cerveja, causando constrangimento e uma subsequente briga familiar por expor uma conduta emergente e orientada para o status de sua parte. Para além de sentir-se uma “cobaia” nas mãos dos executivos machistas, a conduta da anfitriã pode ser entendida como expressão do individualismo expressivo nas decisões de compra. Ao escolher um menu internacional, Betty procurou não apenas pô-los em uma viagem gastronômica, mas sim expressar um estilo de vida sofisticado, refinado e cosmopolita, buscando revestir as suas práticas de consumo com elementos expressivos e indicativos de bom-gosto – elementos centrais em práticas de consumo indicativas de um mecanismo de ascensão social. As tensões e contradições em personagens como a anfitriã do jantar ilustram os dilemas do individualismo cindido em duas vertentes, e que terão repercussões significativas na esfera da subjetiva, objeto da seção final deste trabalho.

5. Observações finais: Mad Men e as vicissitudes do individualismo contemporâneo “Fico observando a minha vida, ela está logo ali. E eu fico arranhando, tentando chegar até ela... mas não consigo” (Don Draper, The Mountain King, temporada 2, episódio 12).

Apesar do objetivo final de um seriado de TV ser o de, em última instância, divertir os espectadores, isto não significa que eles devam ser vistos sinônimos de superficialidade e de entretenimento leve visando alienar as massas. Pelo contrário, ao longo deste trabalho procurei discutir as condições que possibilitaram o surgimento dos novos produtos de mídia que, dado a sua popularidade crescente, tornam-se uma nova forma de entretenimento televisivo de massa. Outrora vista como uma mídia malévola e alienante, atualmente tais seriados elevaram os padrões de qualidade dos programas de televisão a ponto de serem vistos como sendo uma nova forma de arte, dada sua complexidade narrativa, suas experimentações formais e suas tramas cada vez mais complexas e intrincadas. Por tratar do tema do consumo na contemporaneidade, Mad Men por si só atrai a atenção de críticos de TV, pesquisadores do consumo, historiadores e demais estudiosos, dado o enredo ser tratado com razoável verossimilhança aos fatos históricos. O embate entre as duas vertentes do individualismo – utilitário e romântico – é constantemente abordado em cada episódio, com diferentes nuances, graus de profundidade e dramas inerentes à trajetória de cada personagem. Além disso, muitos dos conflitos vivenciados pelas personagens podem ser facilmente extrapoláveis para os dramas do nosso cotidiano, em especial no que diz respeito a questão da moralidade das práticas de consumo. 176

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Uma série de transformações sociais responsáveis pela alteração das práticas do consumo são abordadas na própria série. A principal, e discutida exaustivamente ao longo deste trabalho, é a relação direta entre consumo e busca da afluência material, proporcionando estados subjetivos de prosperidade, sucesso e felicidade. Tal questão é, sobretudo, interessante quando, a partir dos anos 1960, observa-se um entretecimento cada vez maior das duas vertentes aparentemente excludentes do consumo, gerando formas e estilos de vida cada vez mais complexas e refratárias às categorias de entendimento até então disponíveis. Brooks (2002, orig: 2000) identifica essa nova forma de vida – para ele a nova elite dominante – com o rótulo de burgueses boêmios ou, simplesmente, Bubos. Um novo (e híbrido) perfil identitário cujas práticas de consumo estão situadas no contexto da Era do Conhecimento, dos empreendimentos pontocom, do capitalismo financeiro e das tecnologias digitais: As pessoas que prosperam nesse período são aquelas capazes de transformar idéias e emoções em produtos. É uma turma muito instruída que tem um pé no mundo criativo da boemia e outro no reino burguês da ambição e do sucesso no mundo. Os membros da nova elite da informação são burgueses boêmios. Ou, tomando as duas primeiras sílabas de cada termo, Bubos (p. 10). Os Bubos formam esse novo establishment onde as fronteiras entre os executivos e a contracultura boêmia são cada vez mais difíceis de serem distinguidas, posto que Era impossível distinguir um artista bebedor de café expresso de um banqueiro engolidor de capuccino. E não se tratava apenas de uma questão de acessórios de moda. Descobri que se fosse investigar a atitude das pessoas em relação a sexo, moralidade, tempo de lazer e trabalho, tornava-se cada vez mais difícil separar o renegado antiestablishment do homem de empresa pró-estabilishment. Contrariando as expectativas e talvez a lógica, as pessoas pareciam ter combinado no ethos social a contracultura dos anos 60 com a época das realizações da década de 1980 (Brooks, 2002, orig: 2000, p. 10). No entanto, tal processo de construção de identidades híbridas não ocorre sem tensões, tanto sociais quanto individuais. Conforme afirmei neste trabalho, os seriados atuais exibidos pelos canais de TV a cabo são marcados pela presença de protagonistas que podem ser atrelados à idéia de “Homem Problemático” (Martin, 2013): são ansiosos, moralmente dúbios, desenvolvem comportamentos contraditórios, normalmente desenvolvem algum tipo de adicção, capazes de tomar decisões que maximizem o seu autointeresse a despeito de repercussões negativas para as pessoas e o entorno que as cerca. Bellah et al. (1985) e Lipovetsky (1989) identificaram as vicissitudes da subjetividade na contemporaneidade. A primeira delas é a hipertrofia do ego e a inflação da esfera privada, em grande parte impulsionada pela busca de autoexpressão nas práticas de consumo contemporâneas. Os burgueses boêmios seriam um exemplo cabal deste fenômeno, onde o narcisismo exacerbado seria uma nova etapa do individualismo, manifesto por intermédio da obsessão com o corpo, o sexo e a libertação pessoal. Em decorrência deste processo, a erosão das identidades sociais, da filiação a grupos e do descrédito frente a grandes narrativas e as ideologias políticas são outros efeitos a serem destacados. Outro aspecto a ser destacado é a desestabilização acelerada da personalidade frente a um contexto de transformações sociais e culturais intensos, podendo levar a estados de esgarçamento subjetivos. Em Mad Men, tais manifestações são bastante frequentes e assumem diferentes CONSUMO E AS VICISSITUDES DO INDIVIDUALISMO CONTEMPORÂNEO

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nuances: seja nas busca de auxílio psicoterápico, na eclosão de crises de ansiedade, ganhos excessivos de peso, alcoolismo e tabagismo exagerados, instabilidades nos relacionamentos afetivos, dificuldades com o sexo oposto, seja até mesmo a melancolização das personagens. No mundo da felicidade ilusória do seriado, o sofrimento psíquico atinge homens e mulheres, crianças e adultos, de forma indiscriminada, como se a solidão das personagens fosse um sinal de tempos bastante turbulentos. Os tênues vínculos estabelecidos a partir de relações transitórias no tempo e no espaço geram, como resposta subjetiva, fortes tensões que podem assumir um espectro que se desdobra desde o isolamento social (caso da personagem adolescente Glen Bishop) até formas mais extremadas, como o suicídio (caso da personagem Layne Pryce). Portanto, a moralidade das práticas de consumo associadas à acumulação material pura e simples, tal como propugnada pelo individualismo utilitário, é reconfigurada a partir da introdução, a partir da década de 1960, do ideário do individualismo romântico e seus valores de autorealização, autoexpressividade e a busca do prazer e da fruição de experiências estéticas – porém atrelados ao consumo de bens e serviços. É neste mundo tenso que as personagens da série Mad Men desenvolvem suas trajetórias de vida, seus dramas e suas atitudes em um balanço extremamente frágil e precário, alterando momentos de euforia e depressão contidas num mundo onde a expressão exagerada de si era vista como indicador de inadequação social. Para Calligaris (1996), essas tensões são expressas em um dilema ético da contemporaneidade onde: Por sermos indivíduos, sujeitos da razão subjetiva, acabamos sempre envergonhados e culpados de nossas escolhas e de nossos atos. Se invocamos nossos interesses, somos culpados da miséria de nossas motivações. Se invocamos princípios éticos universais, somos culpados de mentir. Que saída estaria a nossa modernidade inventado para esse impasse? (p.22). Talvez a sabedoria das personagens de Mad Men, dado o seu caráter especular, nos proporcionem um entendimento mais acurado dos impasses, inconsistências e tensões da subjetividade e das práticas de consumo, no contexto de um individualismo híbrido. Seu principal tradutor é Don Draper, protagonista do seriado e quintessência do “Homem Problemático”: “A vida é sua. Você não sabe quanto tempo vai durar, mas sabe que vai terminar mal” (Six Month Leave, temporada 2, episódio 9)...

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Resumo

Abstract

O presente trabalho tem como objetivo discutir as vicissitudes do individualismo contemporâneo, assim como as tensões subjetivas daí oriundas, tendo como pano de fundo o seriado de televisão a cabo Mad Men. Baseado em uma revisão bibliográfica do tema, este foi dividido em quatro seções. Na primeira, identificou-se o novo formato de entretenimento televisivo promovido pelos canais de TV a cabo norte-americanos, e sua relação com a questão da qualidade televisiva. Na segunda, realizou-se uma breve apresentação do seriado, abordando sua trama, suas personagens e suas principais temáticas abordadas. Na terceira parte, discutiu-se as vicissitudes do individualismo contemporâneo na sociedade de consumo, tendo como pano de fundo a suposição de autores como Bellah et al. (1985) e Campbell (2001, orig: 1987) da coexistência entre duas vertentes do ideário individualista: o utilitário e o expressivo. Por fim, o trabalho é encerrado ao se abordar a inconsistência da equação consumo/felicidade individual/sucesso social, discutindo as implicações, tensões e impasses do individualismo para a problemática da subjetividade na contemporaneidade.

This paper aims to discuss the vicissitudes of contemporary individualism, as well as the subjective tensions arising therefrom, with the backdrop of the cable television series Mad Men. Based on a literature review of the subject, it was divided into four sections. At first, we identified the new format of television entertainment promoted by television American cable channels, and its relation to the issue of television quality. In the second, there was a brief presentation of the show, approaching its plot, its characters and its main themes addressed. In the third part, there was a discussion of the vicissitudes of contemporary individualism in the consumer society, having as background the assumption of authors such as Bellah et al. (1985) and Campbell (2001, orig: 1987) of the coexistence between two strands of the individualistic ideology: the utilitarian and the expressive. Finally, the paper is finished when addressing the inconsistency of the equation consumption / individual happiness / social success, discussing the implications, tensions and dilemmas of individualism for subjectivity in contemporary times.

Palavras-chave: Consumo; Individualismo; Série de TV.

Key-words: Consumption, Individualism, TV Series.

Sobre o autor José Mauro Gonçalves Nunes é Professor Adjunto do Instituto Multidisciplinar de Formação Humana com Tecnologias (IFHT/UERJ), e Professor Colaborador do Mestrado Executivo em Gestão Empresarial (EBAPE/FGV). Doutor em Psicologia (PUC-Rio), Psicólogo (UFRJ).

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