Contempt of Court e Fazenda Pública (Contempt of Court and Public Authorities)

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Copyright © 2015 by Ricardo Perlingeiro Direitos desta edição reservados à Editora da UFF - Editora da Universidade Federal Fluminense Rua Miguel de Frias, 9 - anexo - sobreloja Icaraí CEP 24220-900 - Niterói, RJ - Brasil Tel.: (21) 2629-5287 | Fax: (21) 2629- 5288 www.editora.uff.br - e-mail: [email protected] Acesso livre e gratuito. É autorizada a cópia deste livro e também a reprodução do seu conteúdo, desde que indicada a fonte.

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ P426

Perlingeiro, Ricardo. Contempt of court e fazenda pública / Ricardo Perlingeiro. – Niterói : Editora da UFF, 2015. – 1537 KB ; e-Book. ISBN 978-85-228-1135-9 BISAC LAW026000 LAW / Criminal Law / General 1.Direito penal - Brasil. 2. Execução contra a fazenda pública - Brasil. I. Título. CDD 345.01

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Sidney Mello Vice-Reitor: Antonio Claudio da Nóbrega Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Roberto Kant de Lima Faculdade de Direito (ESD) Diretor: Edson Alvisi Neves Coordenador: Ricardo Perlingeiro; Vice-Coordenador: Jean Albert Souza Saadi Programa de Pós-Graduação Justiça Administrativa (PPGJA) Coordenador: Ricardo Perlingeiro; Vice-Coordenador: Edson Alvisi Neves

Chefe: Fabiana D`Andrea Ramos Editora da UFF (Eduff) Diretor: Mauro Romero Leal Passos Comissão Editorial da Eduff: Mauro Romero Leal Passos (Presidente), Ana Maria Martensen, Roland Kaleff, Gizlene Neder, Heraldo Silva da Costa Mattos, Humberto Fernandes Machado, Juarez Duayer, Livia Reis, Luiz Sérgio de Oliveira. Marco Antonio Sloboda Cortez, Renato de Souza Bravo, Silvia Maria Baeta Cavalcanti e Tania de Vasconcellos

Milene (in memoriam)

O AUTOR Ricardo Perlingeiro, nascido em Niterói-RJ (1967), é Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2a Região/TRF2 (Rio de Janeiro), após ter sido Juiz Federal de 1993 a 2013, e Defensor Público em Cachoeiras de Macacu-RJ entre 1990 e 1992. Juiz auxiliar da Corregedoria do TRF2 (2001-2003), exerceu jurisdição como juiz convocado na aludida Corte, nos anos de 2001, 2005, 2007 e de 2011 a 2013. Foi presidente da Comissão de Treinamento da Seção Judiciária do RJ (1998-1999). Coordenador do Grupo de Precatórios da Justiça Federal (2001-2006), participou da sua instalação no Conselho da Justiça Federal/CJF. Entre 2012 e 2014, foi gestor coordenador das metas nacionais do TRF2 junto ao CJF e ao Conselho Nacional de Juscional de Precatórios e do Fórum Nacional de Precatórios/FONAPREC do CNJ, e membro do Subgrupo de Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil do CNJ. Na qualidade de magistrado é coordenador o monitoramento e resolução das -

de no RJ (2010-), coordenador de Pós-graduação da Escola da Magistratura Regional Federal/EMARF (2011-), ponto de contato brasileiro da Rede Ibero-americana de Cooperação Jurídica Internacional/ IberRED (2010-), e membro do quadro de magistrados que atuam nas inspeções e correições da Corregedoria Geral da Justiça Federal do CJF (2014-). Mestre e doutor em direito pela Universidade Gama Filho (1992-1998), e especialista pela Universidade de Brasília (1997-1998), é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense/UFF, onde se formou em 1989, tendo ocupado os cargos de professor auxiliar (1991), professor assistente (1996) e professor adjunto (1998). Lecionou direito internacional até 2011, dedicando-se hoje à justiça administrativa (procedimento e processo). Coordena o Núcleo Nupej e o Grupo de Pesquisa Efetividade da Jurisdição/GPEJ-CNPq, junto aos quais são desenvolvidos o Programa de Pós-Graduação Justiça Administrativa (mestrado sa interdisciplinares, nacionais e

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internacionais, todos de interesse da Justiça Federal. Tais atividades contam com o apoio da EMARF, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados/ ENFAM, e de universidades estrangeiras, dentre as quais a Deutsche Hochschule für Verwaltungswissenschaften Speyer, a Università degli Studi di Milano e a Universität Erfurt. Na UFF, em parceria de quase uma década com o Centro de Estudos Judiciários do CJF, foi coordenador do Curso de Pós-Graduação online Direito Processual Público (2004-2008), destinado a juízes federais, e de sua missão Tribunal Constitucional Alemão, no Supremo Tribunal Federal Administrativo Alemão e na Corte Europeia de Direitos Humanos. Foi pesquisador-visitante (pós-doutorado) do Forschungsinstitut für Öffentliche Verwaltung Speyer (2006-2007), professor-visitante das Universidades de Buenos Aires (2003) e de Málaga (2008), e da Università degli studi di Pavia (2013). Participou da instalação da ENFAM-STJ, onde atuou na qualidade de juiz colaborador (2007-2008). É autor de publicações sobre direito público e

direito internacional, no Brasil e no exterior, tendo exercido atividades docentes junto a escolas de magistratura no Brasil (BA, CE, DF, PE, PI, RJ, RN, RR, RS, SC, SP) e a insArgentina, Cidade do Vaticano, Colômbia, Estados Unidos, Espanha, França, Inglaterra, Itália, México, Panamá, Peru, Portugal, Rússia e Venezuela. Foi Secretário-Geral das Comissões que elaboraram o Código modelo de cooperação interjurisdicional para Ibero-América (2005-2008) e o Código modelo de processos administrativos - judicial e extrajudicial - para Ibero-América (2009-2012). Membro da International Association of Procedural Law e do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal, dentre outras

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CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

RESUMO vas de lege lata (em nível constitucional) para propiciar maior efetividade à prestação jurisdicional frente à Administração Pública. Sua proposta é sustentar a possibilidade da prisão processual do devedor recalcitrante que incidir em situasem que com isso haja ofensa ao princípio constitucional da proibição da prisão civil por dívida. A partir de análise dos princípios penais da proporcionalidade e da intervenção mínima, é demonstrada a insubsisde coerção psicológica da Administração Pública nas execuções

judiciais. À luz do direito comparado, o instituto contempt of court é recomendado aos juízes como condição sine qua non à autoridade e Judiciário. Trata-se de monograem direito penal, apresentada em 1999 ao Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal e à Fundação Universidade de Brasília, como parte dos requisitos para obtenção do título de Especialista em Direito, tendo como orientador o Prof. Dr. Leonardo Greco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A atualização, em 2014, se limitou ao uso da linguagem e à normalização.

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RICARDO PERLINGEIRO

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................... 11 14 1_ EXECUÇÃO CONTRA .............................................................. A FAZENDA PÚBLICA ...................................................... 15 1.1 Espécies de execução. 1.2 Precatório judicial e execução impossível. ........................... 16 2_ DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO DE COAÇÃO NA EXECUÇÃO DE SENTENÇA .............................................. 18 2.1 Aspectos do Direito Criminal. ............................................ 19 2.1.1 Natureza Jurídica do crime. ...................................... 19 2.1.2 Conceito de crime. .................................................. 20 2.1.3 O Direito Penal tem alcançado seu objetivo? ......................................................... 23 2.1.4 Da origem e dos fundamentos do dever de punir. ...................................................... 25 2.2 Do princípio da intervenção mínima.

.................................. 27

2.2.1 No que consiste tal princípio?

.................................. 28

2.3 Do princípio da proporcionalidade. ..................................... 31 2.4 Princípio da divisão dos poderes. ....................................... 34 2.4.1 A função jurisdicional. 2.5 Das ordens judiciais.

............................................ 35

....................................................... 36

2.6 Descumprimento de ordens judiciais e tipos penais relevantes ao tema. ....................................... 38 2.6.1

...................................................... 38

2.6.2 Prevaricação.

........................................................ 41 2.6.3 Crimes de responsabilidade. .................................... 46 2.6.4 Da legalidade da ordem judicial. .............................. 51 9

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3_ CONTEMPT OF COURT NO REGIME ANGLO-SAXÃO ....................................................... 52 3.1 Conceito do instituto e fundamento jurídico. ....................................................... 53 3.2

contempt of court. .................................... 55

3.3 Espécies de sanção.

........................................................ 58

3.4 Procedimento do contempt civil. ........................................ 58 3.5 Críticas ao contempt of court. ........................................... 60 4_ PRISÃO POR DÍVIDA E CONTEMPT OF COURT ........................................................ 61 4.1 Histórico da proibição da prisão por dívida. ..................................................................... 62 4.2 Constituição federal de 1988 e Pacto de São José da Costa Rica. 4.3 Conceito de dívida.

...................................... 64

........................................................ 65

4.4 Prisão por dívida e efetividade da jurisdição. ................................................................ 66 4.5 Responsabilidade pessoal do servidor público recalcitrante. ....................................................... 67 CONCLUSÃO

............................................................................. 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JURISPRUDÊNCIAS

................................................ 72

................................................................... 77

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INTRODUÇÃO As execuções de obrigação de fazer infungível ou de dar coisa certa são denominadas pela doutrina como execuções impossíveis,1 já que a satisfação plena do crédito dependerá de ato voluntário do devedor. Na em execução por quantia certa2, que, independentemente da vontade do devedor, culminará com a expropriação judicial do patrimônio responsável e a consequente satisfação do crédito. No entanto, a conversão na execução por quantia certa não afasta a possibilidade de coação psicológica do devedor para cumprir, através de ato próprio, a obrigação de fazer infungível ou dar coisa certa. O Cómento de sentenças condenatórias de obrigação de fazer e entrega de coisa certa3. Além disso, há sanções civis pela prática de atos atentaa administração da Justiça4, que, indiretamente, prestam-se à coação psicológica do devedor5. No procedimento de execução de quantia certa contra a Fazenda Pública, a proibição da expropriação judicial do patrimônio público compromete seriamente a efetividade da jurisdição. Como o cumprimento

1 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1969; LIEBMAN, Enrico Tulio. Manuale di diritto processuale civile. 4. ed., Milano: Giuffrè, 1984; ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 4 ed. São Paulo:

Malheiros, 1997. 2

Arts. 627 e 633 do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal).

3

Arts. 627, 633, 644 e 645 do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal).

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Arts. 599 a 601 do Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal).

É inegável que o direito penal se presta à coação de determinados deveres jurídicos. Os crimes contra a ordem tributária são um exemplo. O direito espanhol contempla diversos crimes para forçar a Administração Pública a cumprir as sentenças judiciais, tal como o

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dos precatórios depende de vontade política do Estado/devedor,6 a situação do credor se agrava, pois se tem a execução contra a Fazenda Pública como uma execução impossível e, pior, insuscetível de conversão numa execução possível (forçada). Nesse contexto, toma relevo a coação psicológica do devedor, único instrumento em poder dos jurisdicionados capaz de levar o Estado/devedor, no plano processual, à vontade de cumprir uma decisão judicial. intimidaria a Administração Pública, pois, não incidindo pessoalmente sobre o servidor responsável, as sanções também seriam executadas mediante precatório judicial. Portanto, no direito pátrio vigente, a única forma real de coação do Estado/jurisdição contra o Estado/devedor é a responsabilização penal dos servidores públicos que derem causa ao inadimplemento judicial. Na opinião de Marcelo Caetano, “se os Ministros e os funcionários souberem que (como sucede, por exemplo, em Inglaterra) serão acusados e condenados nos tribunais sem embargo das suas qualidades ou situações pessoais, decerto terão em maior conta os direitos alheios e 7 sendo esta, aliás, a razão primordial que levou certos autores dos mais autorizados, como Vedel e Benvenuti, a preconizar a adoção ou ampliação da responsabilidade penal dos agentes pela inexecução das sentenças dos tribunais administrativos. No entanto, o direito penal brasileiro é tímido no tocante ao descumprimento das decisões judiciais pela Administração Pública. Na reaEstado/devedor, primeiro porque a sanção não é aplicada imediatamente pelo juiz da execução. Além disso, embora alguns princípios penais sejam compatíveis com a incriminação da conduta de descumprimento à desnecessária a intervenção penal nessa seara. 6

Notadamente quando não houver previsão orçamentária, ante a omissão do legislador.

Marcelo Caetano apud AMARAL, Diogo Freitas do. A execução das sentenças dos tribunais administrativos. Coimbra: Almedina, 1997, p. 241. 7

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No Brasil, o contempt of court de prisão vem ganhado corpo, tanto na doutrina quanto na legislação. O anteprojeto nº 14 da Escola Nacional de Magistratura e do Instituto Brasileiro de Direito Processual altera a redação do Código de Processo Civil para permitir a prisão civil do responsável pelo descumprimento à ordem judicial. O direito alemão descriminalizou todas as condutas de descumprimento à ordem judicial, o descumprimento imotivado. cológica da Administração Pública enquanto devedora, notadamente em

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1 Execução contra a Fazenda Pública Obrigações de dar, fazer e não fazer. No direito processual, a obrigação de dar pode ser relativa à quantia certa de dinheiro ou à coisa genéricontra devedor solvente e insolvente, da seguinte maneira: execução para entrega de coisa (entrega de coisa certa e incerta); execução de obrigação de fazer e não fazer; execução de quantia certa contra devedor solvente (da penhora, avaliação e arrematação; do pagamento ao credor; da execução contra a Fazenda Pública); execução de prestação alimentícia; e execução por quantia certa contra devedor insolvente.8

8

PERLINGEIRO, Ricardo. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 91. 14

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1.1 ESPÉCIES DE EXECUÇÃO quantia certa, isto não só porque no cotidiano o dinheiro é o meio de circulação de riquezas, mas também pelo fato de que as obrigações de sendo convertidas em obrigações do equivalente pecuniário. Na verdade, todo bem econômico pode ser avaliado monetariamente e, via de 9

Não obstante, a execução de quantia certa é de complexo processamento, já que a satisfação do crédito, naquela via, tem em vista a expropriação de bem sobre o qual o credor pode não ter direito real e que, às vezes, pertence até a estranhos à lide (terceiros). A execução de quantia certa culmina com a desapropriação dos bens do devedor, para auferimento do valor pecuniário necessário ao crédito. A execução de obrigação para entrega de coisa devida, seja certa ou incerta, é muito mais simples, bastando encontrar materialmente o bem no patrimônio do devedor. A distinção entre execução de quantia certa e execução de coisa devida não reside na diferença entre direitos pessoais e reais. Embora a execução de quantia certa seja sempre referente a direito obrigacional, a execução de coisa devida pode ser referente a direito pessoal ou a direito real. A sentença que julga procedente pedido reivindicatório enseja um direito real. Contudo, uma sentença que condena o devedor à tradição de um bem móvel enseja um direito pessoal, não obstante os efeitos desta tradição virem a produzir um direito real de propriedade. A sanção aplicada pela sentença condenatória e materializada no não cumpriu. É uma atividade sub-rogatória de obrigação inadimplida. Contudo, na execução de quantia certa há desapropriação dos bens

9

PERLINGEIRO, Ricardo, op. cit., p. 92. 15

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apenas da posse de bens.10 As obrigações de fazer ou não fazer são peculiares, uma vez que o seu conteúdo depende de qualidades pessoais do devedor, de modo que a satisfação do direito está vinculada necessariamente ao concurso de sua vontade. Não há como substituir sua vontade e, tampouco, forçar a realização da conduta de fazer ou não fazer. A execução encontra limites naturais e é propriamente dita, a vontade do devedor (executado) é irrelevante. Por isso é que as medidas coativas (astreintes ou prisão civil) são mais aplicáveis às execuções de obrigação de fazer e não fazer. A conversão em perdas e danos será o caminho caso sejam infrutíferos os meios de coação. Na hipótese de execução de obrigação de fazer ou não fazer de caráter fungível, será possível a execução forçada através da atividade de terceiros.11 A execução por quantia certa pode ser proposta em face da Fazenda Pública. As demais espécies também são oponíveis em face do judicial, no caso de descumprimento das obrigações de fazer, não fazer ou perecimento da coisa certa, nas obrigações de dar. O procedimento será o previsto pelo Código de Processo Civil, pois a regra constitucional do precatório é exclusiva para pagamento de quantia certa.

1.2 PRECATÓRIO JUDICIAL E EXECUÇÃO IMPOSSÍVEL O regime do precatório judicial, imposto pelo art. 100 da Constituição Federal à execução de quantia certa contra a Fazenda Pública, impede que haja expropriação do patrimônio público. Dessa

10

LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1986.

11

PERLINGEIRO, Ricardo, op. cit., p. 94. 16

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está atrelado ao cumprimento das decisões judiciais, vale dizer, cumpre se desejar. Não há, em nossa legislação, mecanismos jurídicos de força ou coerção contra a Administração Pública, não sendo possível que o Estado/jurisdição substitua a vontade do Estado/devedor no cumprimento da sentença ou decisão.12 A situação do regime do precatório judicial é semelhante à das execuções de obrigações de fazer ou não fazer e de dar coisa certa, as quais a doutrina rotula como execuções impossíveis. Execução impossível, porque o cumprimento da decisão depende de manifestação de vontade do devedor, não sendo possível sua substituição pelo Estado/jurisdição. O mais grave na execução contra a Fazenda Pública é que, ao contrário das demais execuções impossíveis, não há como substituí-la por uma execução possível. No caso de descumprimento daquela decisão, ou eventual impossibilidade de cumprimento, a conversão em perdas e danos também será objeto do precatório judicial do art. 100 da Constituição. Fazenda Pública deve ser assegurada com meios de coação (execução indireta), comumente aplicados às execuções da obrigação de fazer ou de dar coisa certa.

12

PERLINGEIRO, Ricardo, op. cit., p. 253-267. 17

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2 Direito Penal como instrumento de coação na execução de sentença

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2.1 ASPECTOS DO DIREITO CRIMINAL

2.1.1 Natureza jurídica do crime primeira impressão é de que se trata de um ato jurídico, uma vez que o crime origina-se de uma manifestação da vontade humana, ainda que amparam no conceito cível de ato jurídico. les oriundos da vontade humana, destinados a realizar efeitos jurídicos cada de acordo com a norma, ou declarando-se norteada, direcionada a produzir tais efeitos. De qualquer modo, há o pressuposto de uma ação em conformidade com a norma (ou seja, licitude), de acordo com as disposições do art. 81 do Código Civil. No caso do crime, não se enfocaria essa conformidade, uma vez que a vontade humana é dirigida ao objetivo de descumprir a norma, ou seja, agir contrariamente ao que preceitua o Direito. Além disso, o delinquente não comete o crime esperando a punição, o que torna duvidosa a ideia de que se busca a produção de efeitos no campo do direito. Por analogia ao conceito cível, de que o ato jurídico tem que ser obrigatoriamente lícito, não seria o crime, portanto, um ato jurídico, já que os atos ilícitos não seriam considerados atos jurídicos. Outra corrente, 13 todavia, sustenta a tese de que ato jurídico é todo e qualquer ato

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efeitos jurídicos, como a que existe nos atos jurídicos (Cf. Manual de Direito penal. 2ed., v.3. São Paulo: Atlas, 1996). A isso se opõe Fragoso, que critica a ideia do direito civil de não se atribuir ao ato ilícito a qualidade de ato jurídico (Cf. Lições de Direito penal - A Nova parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 143). 19

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dico tendo em vista a presença do elemento da licitude ou da ilicitude do mesmo. Se uma determinada ação humana for ilícita (e dentro dessa se incluiria o crime), ainda assim não perderia a qualidade de ato jurídico. De qualquer modo, crime é um ato ilícito. quais são os bens jurídicos que o legislador entendeu por importante proteger ao ponto de cominar uma sanção extrema, como no caso da pena privativa de liberdade, àqueles que cometem o ato descrito na norma criminal. Como adiante será abordado, crime basicamente é tudo aquilo do delito.

2.1.2 Conceito de crime titua num atentado que vem a lesar ou expor a perigo, a um bem cujo valor é tão importante para a sociedade, que o ordenamento jurídico estabelece como sanctio uma pena, em geral de privação da liberdade, àquele que o comete. Na sua função de garantir a ordem social, o Estado cria normas destinadas a proteger esses bens jurídicos de delicado valor. Extrai-se daí, inevitavelmente, um debate, onde de um lado está a ofensa a um bem que não pode passar sem uma punição (sob pena de se abrir um precedente); a este, contrapõe-se a manutenção ou não do sagrado direito de liberdade, que será questionado em virtude do Justiça, combinada com a segurança e a estabilidade social. A questão cinge-se de uma gravidade quase que extrema, uma vez que está sendo posto em xeque, mormente, o direito de liberdade de alguém (um direito fundamental da pessoa humana). Destarte, não pode o direito penal mostrar sua presença de maneira leviana; somente bens jurídicos fundamentais devem ser objeto de atenção do legislador penal. 20

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O direito penal deve agir também quando não houver outros meios de proteção a bens jurídicos fundamentais. Onde outros ramos do direito

o caráter subsidiário do direito penal, sob duplo aspecto: primeiro, o da subsidiariedade de sua proteção a bens jurídicos; segundo, o dever estar 14

Além disso, num Estado Democrático de Direito, reclama-se que tal presença deve ser realizada com instrumentos totalmente adequados, isto é, precipuamente a lei, no sentido mais estrito possível.15 Não existirá crime sem lei prévia que descreva uma determinada conduta como tal. Distingue-se, portanto, respectivamente, o conceito formal, material e estrutural da conduta tida por delituosa. Sob o aspecto formal, o crime, dentro desse contexto, é toda ação uma espécie de ato ilícito, diferençando tão somente dos demais ilícitos (cíveis e administrativos) por causa do rigor da sanção. Via de regra, não há diferenças ontológicas entre o ilícito penal e o ilícito civil, por exemplo. Para Carmignani, crime é o fato humano contrário à lei.16

14

Cf. TOLEDO. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

Discute-se se outros atos normativos, como as Medidas Provisórias, teriam força para criar tipos penais. Em tese, pelo atual conteúdo extraído da Constituição de 1988, seria possível, 15

social, que se consideram senão eternos ao menos primordiais, de modo que o homem necessidade (art. 62 da Constituição) o que, por si só, a descaracterizaria como meio de proteger perenemente tais bens jurídicos. 16

Apud MIRABETE, op. cit., p. 93. 21

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O conceito material de crime representa uma ação ou omissão que contrasta violentamente valores sociais.17 É a violação de bens jurídicos de alto valor. Por isso, são protegidos pela norma penal. Relaciona-se fortemente esse conceito com a teoria social da conduta. Do ponto de vista estrutural, crime é o resultado de uma reunião de omissão) típica, antijurídica e culpável. Tipo ou conduta típica (adaptação da palavra Tatbestand, do direito que compõe o núcleo do que será considerado crime (ex. matar alguém, expor a perigo, subtrair coisa alheia móvel etc.). contradição entre o fato típico e a norma. A antijuridicidade é uma qualidade do injusto, que se opõe à norma de natureza penal. Culpabilidade associa-se ao juízo de reprovação que aquela conduta merece. Contudo, deve ser valorada tal culpabilidade, através da aplicação da norma penal, pelo magistrado, ao caso concreto. De acordo com Francisco de Assis Toledo,18 “[a culpabilidade] se apoia sobre a

A não utilização dessa faculdade, quando da prática do ilícito penal,

17

Segundo Fragoso (1994, p. 144), bem jurídico é todo valor da vida humana ou social,

do resultado de dano a um bem, mas sim da modalidade da ação, que apresenta intensa reprovabilidade social. 18 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 86-87.

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2.1.3 O direito penal tem alcançado seu objetivo? Conforme já salientava Émile Durkheim,19 não há como se falar em organização social sem um mínimo de transgressão; para ele, a sociedade possui, inerente à si própria, a criminalidade como uma situação da qual não se pode evadir, a despeito da presença de ideias, v.g., como da Escola de Política Criminal,20 idealizada por von Liszt, que, a partir da elaboração de projetos, diretrizes, estudos e ações21 (do Estado com ou sem a parceria da sociedade), visava à diminuição e até à redução total da quantidade de crimes. Todavia, por mais que se incrementem as condições de vida das pessoas, diminuindo a pobreza humana e as desigualdades (aponta-

em nossa sociedade. Diante desse quadro, surge como imperiosa a busca por uma solução do gravíssimo problema. Quais seriam, então, as origens da criminalidade acentuada? Poderíamos citar a falta de normas rigorosas, a impunidade, ou até a má estruturação das leis, mormente os Códigos Penal e Processual Penal. Há, sem dúvida alguma, um discurso, de motivação política, sobre o crime, em regra respaldado por forte sentimentalismo e sem o menor

19

(apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: RT, 1999, p. 31). 20 A Escola de Política Criminal (ou Escola Moderna Alemã) entendia que a criminalidade seria o resultado de uma equação, onde se levaria em consideração a quantidade de crimes cometidos em determinado lugar e época, procurando descobrir os motivos pelos

(pelo menos no Brasil, onde recente estatística, datada de 1995, consta que cerca de 47.000 homicídios foram registrados nas diversas delegacias espalhadas pelo país). 21

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 47.

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linha dos pensadores de se criar um direito penal mais ameno) para, em cumprimento à teoria relativa do fundamento do dever de punir, prevenir as pessoas e intimidar os eventuais delinquentes a não cometerem crimes. A prática, contudo, demonstra que aumentar penas para obter a redução da criminalidade é um mito. Seria, então, um problema de im22 no momento em que as cadeias forem abertas, soltando-se todos que cumprem pena, tal ato não acarre-

ainda que motivado pela suposta coação psicológica. Não consegue ser um padrão de conduta. Os valores morais, éticos, religiosos e as regras mana, ainda que desprovidos do caráter de obrigatoriedade, próprio das meio ambiente, que faz com que as pessoas temam o constrangimento da

de comunicação nos padrões de vida da sociedade. A mídia dita comportamentos. Cria-se, fortemente incentivada por ela (embora não se saiba o real motivo), um ambiente de insegurança e de falta de proteção (que

lizados na matéria (em geral de cunho extremamente sensacionalista). Incrementa-se, pois, a sensação de insegurança; se o crime for praticado contra uma personalidade notória, pior ainda. A solução que parece mais plausível, para muitos, é a simples edição de normas incriminadoras,

22 “la carga de reproche que deve restarsele a quien padece de una carencia social, debe cargala la sociedad que motiva esa carencia y no lo carenciado que no puede proveer

Humanos en América Latina (Informe Final). Buenos Aires: Depalma, 1986, p. 59).

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Normalmente, esses fatos acabam sendo a principal argumentação dos que defendem uma intervenção maior e mais rígida desse ramo jurídico. 23

Curiosamente, olvida-se de certos tipos de crimes, que não possuem o apelo publicitário do homicídio, do latrocínio e da extorsão mediante sequestro (respectivamente, arts. 121, 157, § 3o e art. 160 do CP), mas que causam prejuízos ainda mais irreparáveis à sociedade. São os denominados crimes contra a economia popular e os crimes contra a Administração Públimuito além do que realmente representa o custo total, deixa-se, em contrapartida, de investir as já parcas receitas públicas no que deveria interessar, escolas (aumento potencial do analfabetismo), menos casas e mais pessoas em situação de miséria e, o que é pior, menos leitos hospitalares. Quantas pessoas não morrem, todos os dias, por faltar frequentemente um equipamento ou medicamento que poderiam lhes salvar as vidas? Não seriam esses eventos, portanto, a real causa do aumento da criminalidade?

2.1.4 Da origem e dos fundamentos do dever de punir Depois de tudo que foi anteriormente apresentado até agora, o de se debelar a criminalidade, seja qual for o enfoque dado ao aspecto pena como meio de intimidar e prevenir. Porém, estatisticamente, o que

23

(STRECK. Escuta telefônica e os direitos individuais: o direito à interceptação e a

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CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

se tem visto é que a criminalidade tende a se manter nos seus atuais (ainda que reduzir a desigualdade não elimine totalmente a criminalidade – vide item 3.1.3, supra). 24

Quanto ao fato de a pena servir como meio de readaptação e reingresso do indivíduo à sociedade, é oportuno frisar que a pena realmente é cada vez maior, porquanto se tem um sistema prisional aviltante que desmoraliza e denigre, fazendo com que o condenado saia da prisão ainda mais perigoso do que porventura era.25 Depois de longo período histórico, o Estado passou a ter exclusividade na questão penal (em que pese a previsão da ação privada). E no seu dever de manter a ordem e a paz social é que se tenta fundamentar a como proibidas. O magistério punitivo do Estado não se baseia na retribuição, nem na prevenção, nem tem qualquer outro fundamento metafísico. A pena é uma amarga necessidade de uma sociedade de seres imperfeitos, de alemão. Visa à proteção de bens jurídicos de particular valor. Como bem salienta Fragoso, “saber quais bens jurídicos devem ser protegidos sob ameaça de pena, ou seja, quais devem ser os critérios de 26

cientes as garantias extrapenais fornecidas pelo ordenamento jurídico, o

24

“O Magistério punitivo do Estado não se funda na retribuição, nem em qualquer outro

25 Esse tem sido o principal objeto de discussão nos principais simpósios de direito penal que se realizam periodicamente em todo o país. A esse respeito destaca-se o texto

97, p. 39-46. 26

FRAGOSO, op. cit. 26

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não seria, contudo, a forma ideal de se garantir o bom funcionamento do

2.2 DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA Porém, necessário se faz que essa valoração dos bens jurídicos que mereçam tamanha proteção estatal, ao ponto de ser possível restringir a liberdade de alguém, seja realizada dentro de um critério o mais racional possível. Citamos o recente trabalho de Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira27, do qual passamos a transcrever uma parte: dentro de uma perspectiva nitidamente axiológica, pois o valor de um bem decorre de sua adedirigida à proteção dos bens jurídicos fundamentais e, portanto, de uma valia indiscutível, se demonstrará desvaliosa, se não estiver adequada à social e se passar a se preocupar com entidades normas penais protetivas dos bens fundamentais da sociedade, a consequência será a fragilidade da ordem jurídica; se edita leis penais protetivas de bens menos valiosos, estará se transformando no Estado prepotente que procura esconder suas debilidades através de tonitruantes, mas desnecessárias ameaças penais”. 27 OLIVEIRA, Marco Aurélio Costa Moreira. O direito penal e a intervenção mínima. BuscaLegis. Disponível em:. Acesso em: 29 mai 2014.

27

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

Chega-se ao entendimento, portanto, de que é uma situação de

penal, esse ideal é indiscutivelmente fundamental, visto que o bem jucomparado à vida) está em xeque; não seria humano restringir tal direito de alguém a menos que o ato praticado por este tenha sido deveras relevante, por ser particularmente de gravidade ímpar. A atuação do Estado enquanto castigador deve ser a ultima ratio do sistema.

2.2.1 No que consiste tal princípio? erção psíquica, quando da cominação da pena, é no mínimo duvidosa; talvez, melhor se dissesse que a pena ou ameaça penal não tem efeito algum sobre os transgressores eventuais. Paralelamente a isso, a elaboração de um sem número de normas das pessoas, mas cada vez mais o convite ao seu descumprimento. “O Estado, embora aparentemente mais forte e intervencionista, acaba se demonstrando incompetente para fazer cumprir suas leis. Parece já ter 28

Portanto, deve o Estado legislador, dentro de uma objetividade jurídica,

29

28

OLIVEIRA, op. cit.

29

PIERANGELI. Manual de Direito Penal brasileiro. São Paulo: RT, 1999). 28

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fundamentais para a sociedade e não elaborar normas de ocasião, amparacrime condutas que não implicassem risco concreto ou lesão a nenhum dos bem jurídicos reconhecidos pela ordem normativa constitucional. Na verdade a intervenção mínima,30 decorrente do caráter subsidiário do direito penal, consiste num princípio segundo o qual as normas incriminadoras devem ser criadas dentro de um número máximo necessário. a ideia de que “a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social 31

Prossegue o eminente jurista Cézar Bittencourt:

“Os legisladores contemporâneos – tanto de primeiro como de terceiro mundo – têm abusado da criminalização e da penalização, em franca contradição com o princípio em exame, levando ao descrédito não apenas o direito penal, mas a sanção criminal que acaba perdendo 32 lativa’ reinante nos ordenamentos positivos”.

30

31

BITTENCOURT (1999, p. 41).

32

BITTENCOURT, op. cit., p. 42. 29

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Observa-se uma certa contradição: enquanto os doutrinadores deno, os legisladores, ao revés, trabalham no sentido de ampliar a esfera de alcance do direito penal, contrariando a ideia da intervenção mínima, acerca da punibilidade, e seus efeitos, sejam eles civis ou penais. mas também no direito estrangeiro), que existem aqueles que defen-

do crime (conduta típica, antijurídica e culpável), um quarto elemento: 33

No trabalho elaborado por Hans Jescheck, denominado “Rasgos Fundamentales del Movimiento Internacional de Reforma del Derecho

una segunda vía de desincriminación es la solución procesal por aplicación del principio de oportunidade, que en los casos de escasa grade suspender condicionalmente el proceso antes de formular la acusación, posiblemente bajo determinados presupuestos y condiciones.34

ao se deparar com uma situação de pouca gravidade, não iria impulsionar a denúncia, não cometendo ilícito algum por isso. Conclui-se que se trata

33

Astrea, 1995, p. 128 JESCHECK, Hans. Rasgos Fundamentales del Movimiento Internacional de Reforma del Derecho Penal. In: PUIG, Santiago Mir (trad.). La reforma del derecho penal. Barcelona: Universidad Autónoma de Barcelona, 1982, p. 235 e segs.

34

30

RICARDO PERLINGEIRO

seja diferente, no sentido de criminalizar ainda mais o direito penal.

2.3 DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Como ensina a escola alemã,35 o direito penal “é uma amarga necessidade de uma sociedade de seres imperfeitos. Ela visa à proteção de princípio da intervenção mínima, os bens jurídicos a se proteger devem ser os mais importantes, fundamentais, e não simplesmente toda e qualquer conduta que o legislador entenda como oportuna, pois em regra tal ção, normalmente a norma cai em desuso e, por isso, o que é pior, não perde Assim como a intervenção do direito penal deve ser racional, também o deve ser o critério de cominação, aplicação e execução das punições para aqueles que violarem as leis penais (não só para as leis penais, mas para todo o ordenamento jurídico em geral). A doutrina alemã costuma oferecer uma tríplice caracterização do princípio da proporcionalidade:36 a) requisito de adequação, em que as medidas tomadas pelo poder público se mostrem aptas (adequadas) a atingir os objetivos pretendidos; dos – princípio da intervenção mínima (o que vai interessar quando do

35

FRAGOSO, op. cit., p. 277.

36

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed., Coimbra: Almedina, 1991, p. 386-388. 31

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c) a proporcionalidade em sentido estrito, que se opera na relação

estatal na esfera dos direitos dos cidadãos. 37

alemão, Konrad Hesse,

38

Outro doutrinador

assevera que

já que os direitos fundamentais, também enquanto estiverem protegidos pela reserva de lei, fazem parte da ordem constitucional, essa relação de proporcionalidade não pode jamais dade limitada mais que o necessário ou suprimiportanto adequada para proteger o bem jurídico em virtude do qual ela é feita. Ela também deve ser necessária, o que não será o caso se mente o princípio da intervenção mínima – Ela estrito, isto é, estar em correta relação com o

Portanto, inserindo-se no princípio da proporcionalidade, a punição mais severa, como pretendem muitos, não deveria ser o norteador das disso tudo é: o Estado se preocuparia em editar normas incriminadoras

37

Neuwied, 1998, p. 53. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20. ed. Cf. MÜLLER VERLAG, Heidelberg, 1995, p. 142.

38

32

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dentro do necessário e cominaria sanções na proporção da gravidade

determinada sanctio juris. Seguindo essas linhas de raciocínio, o novo Código Penal espanhol, aprovado em sessão plenária de 08.11.1995, baixou o limite máximo da pena de privação de liberdade até 20 anos,39 o que teria se demonstrado adequado para preservar a dignidade da pessoa e cumprir o preceito constitucional que proíbe “las penas inhumanas y degradantes”.40 Por outro lado, dentro do limite de 20 anos, o Código modula a pena atendendo a critérios retributivos, com submissão ao princípio da culpabilidade, imposto pela Constituição espanhola. tabelecimento da pena in concreto na suposição de que não concorram bilidade) e à maior ou menor gravidade do ato (grau de antijuridicidade). Após o destaque sobre esses dois princípios, importante se faz analisar os mesmos no aspecto prático, isto é, o paralelo com a ordem judicial descumprida, sob o prisma da estrutura legal e judiciária em nosso país, ressaltando a divisão entre os Poderes e o comando judicial em si, que deve ser cumprido sem pretextos de seus destinatários.

39

dez. 1996. 40

Art. 15 da Constituição espanhola. 33

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2.4 PRINCÍPIO DA DIVISÃO DOS PODERES A vida em sociedade pressupõe a subordinação dos indivíduos que Essas normas são impostas pelo poder político, que se realiza pela exiciedade. O Estado é quem detém esse poder. Ele o exerce, por meio dos bem da coletividade. O poder político, uno, indivisível e indelegável se desdobra e se compõe de várias funções, fato que permite falar em distinção das funrisdicional. A distinção de funções constitui especialização de tarefas governamentais em vista de sua natureza.41 A divisão dos poderes concretiza-se através da atribuição das funexercício dessas funções e que por esta razão passam a ter a designação de Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. cia que lhe foi atribuída; no entanto, há casos em que um determinado órgão realiza atividade diversa daquela predominante em sua funções, caráter de excepcionalidade nessa prerrogativas, tem-se a partir daí que as funções exercidas pelos órgãos governamentais não são absolutamente exclusivas. A Constituição Federal, em seu art. 2º, declara que os Poderes da

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

41

34

RICARDO PERLINGEIRO

estabelecida, e ao mesmo tempo manter o entendimento entre eles, a A inamovibilidade constitui-se em uma faceta reveladora da indedição sem temor de eventual remoção por haver desagradado quem quer dá por decisão do tribunal competente.42 A harmonia entre os Poderes caracteriza-se pelo “Sistema de Freios entre os Poderes, evitando desmandos e medidas abusivas contra governados e até mesmo contra a própria estrutura estatal. Ocorrendo a hipótese de desequilíbrio, haveria iminente risco ao bem da coletividade e o Estado se encontraria ameaçado. Tem-se como exemplos da aplicação do citado Sistema: a autorização dos tribunais para declararem a inconstitucionalidade de uma lei, uma vez que não cabe ao Judiciário elaborá-las; o direito de escolha dos ministros dos tribunais superiores concedido ao Presidente da República, que não tem o direito de interferir na atividade jurisdicional, entre outros. Existem, no entanto, exceções ao princípio da divisão de poderes; no entender de José Afonso da Silva, as mais marcantes se acham na possibilidade de adoção pelo Presidente da República de medidas provisórias com força de lei, e na utilização de delegação de atribuições legislativas ao chefe do Executivo.43

2.4.1 A função jurisdicional A função jurisdicional, que tem como agente o Poder Judiciário, -

42

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

43

SILVA, op. cit., p.116.

35

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

soberania, através do Judiciário, aplica a lei ao caso concreto, visando também desta forma o bem comum. O Poder Judiciário detém o monopólio da atividade jurisdicional. No entanto, as leis a serem aplicadas, no exercício dessa atividade, devem com o direito positivo. Não podem ter origem em decisões arbitrárias, que contrariem os preceitos constitucionais. Norteiam também a atividade jurisdicional, alguns princípios de disposto no art. 5º, XXXV da Carta Magna (princípio da inafastabilidade do Judiciário), que pressupõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Através desse princípio, as deJudiciário pode exercer a atividade jurisdicional. Não devem existir tribunais de exceção, nem as pessoas devem pensar em fazer justiça com as próprias mãos, uma vez que esta tarefa cabe ao Estado, que detém os meios necessários para tal.

2.5 DAS ORDENS JUDICIAIS É certo também que o Direito existe para contrabalançar as relacial sejam cometidos por quaisquer pessoas, o Estado ou o particular. O Estado cria a norma a ser cumprida tanto pelo particular quanto por ele mesmo. Resulta daí o denominado Estado Democrático de Direito,44 em que o poder público, democraticamente constituído, elabora regras a serem cumpridas por todos. Não se pode admitir, pelo bem da segurança nas relações jurídicas, que o ordenamento jurídico seja desrespeitado. Impõem-se, por isso, sanções pelo descumprimento, notadamente de natureza penal, muito embora, em face de tudo que foi anteriormente

44

SILVA, op. cit., p. 119. 36

RICARDO PERLINGEIRO

A ordem judicial, espécie de norma emanada do Estado, é instru-

A ordem emanada por um magistrado tem relevante valor social, O comando emana do poder do Estado/juiz, para garantir a paz berania do Estado ilumina a ordem judicial, e o seu descumprimento por parte de quem quer que seja, particular ou funcionário público, constitui à população, pois esta se vale daquele para ver seus bens jurídicos protegidos, sejam patrimoniais, morais ou de qualquer conteúdo. Surgindo um entrave ao bom andamento da Justiça, nada mais pridor daquela ordem, que, como já asseverado, traz em si o princípio Como instrumento garantidor de que as normas realmente prevalecerão, aplicando-as aos casos concretos, surge o Poder Judiciário, verdadeiro escudo protetor do cidadão, para evitar as ilegalidades ou abusos de poder, Destarte, as ordens emanadas desse Poder não devem ser desobedecidas, para que isso não represente ameaça ao Estado de Direito. Se uma decisão judicial é injusta ou ilegal, a Constituição e as leis processuais asseguram o direito de pedir a reformulação daquela ordem. Tudo, ressalte-se, dentro da mais correta legalidade. Observe-se o valor, como

previsão criminal. Será que verdadeiramente a cominação dos ilícitos penais intimidaria os cidadãos a cumprirem com as designações judiciais, emanadas do Judiciário? 37

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Assim, pelo atual ordenamento jurídico brasileiro, existem crimes para art. 330), a prevaricação (Código Penal, art. 319) e a responsabilidade.

2.6 DESCUMPRIMENTO DE ORDENS JUDICIAIS E TIPOS PENAIS RELEVANTES AO TEMA O direito penal brasileiro, sensível à vulnerabilidade da Administrame diversas condutas que, direta ou indiretamente, são óbices ao regular cumprimento das decisões judiciais. É inegável que o direito penal se presta a coagir, psicologicamente, ao cumprimento dos julgados. Porém, devido à demora que se observa na maioria dos processos penais que envolvem crimes contra a administração da justiça, faz-se necessária a adoção de outras medidas, além das penais, para que o bem desenvolvimento da prestação jurisdicional não seja prejudicado. peito ao descumprimento de ordem judicial, tanto pelo particular como espécie, pois quase sempre a condenação de um provável agente nesses tipos penais demanda tempo e onera a Justiça, mormente quando se trate de funcionário público.

2.6.1 Desobediência ao descumprimento de uma ordem legal de funcionário público por um particular. O bem jurídico tutelado é, novamente, a Administração Pública. Se a ordem é expedida por magistrado, seu descumprimento é ato repudiável que fere a soberania e a dignidade da Justiça. 38

RICARDO PERLINGEIRO

O sujeito ativo do crime é aquele que desobedece à ordem. É o particular, podendo até ser funcionário público, desde que, no momento do delito, não esteja investido em suas funções públicas. O perito do juízo, elevado à categoria de auxiliar da Justiça por força da lei adjetiva civil, é tido como funcionário público (Código Penal, art. 327) 45

Sujeito passivo é o Estado, e secundariamente, o funcionário que cionário competente para emitir ordem legal, ou seja, funcionário cujo conceito é dado pelo direito administrativo, não tendo agora aplicação o 46

O elemento objetivo do tipo é a conduta de desobedecer, não cumprir. O crime pode ser praticado por ação ou omissão, segundo constar no conteúdo da ordem, respectivamente, uma conduta negativa ou positiva. A ordem deve ser emanada por funcionário competente, tendo seu conteúdo fundado na lei. Se a ordem é ilegal, não há crime. O destinatário deste. O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico, consubstanciandose na vontade livre e consciente de descumprir a ordem. Por se tratar de crime formal, não é necessário um resultado, oriundo da conduta delituosa. Consuma-se o delito com a ação ou omissão daquele a quem é se-á omissão quando expirar o prazo determinado para o cumprimento daquela ordem. Sem prazo marcado, exige-se um período de tempo juA ordem judicial contida em liminar de mandado de segurança é para ser cumprida de imediato. O adiamento imotivado e ilegítimo implica crime 47

TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL/SP, Habeas Corpus (HC). Relator: Juiz Segurado Braz. São Paulo: RT 598/327.

45

46

STOCO (1997, p. 3681).

TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL/SP. Apelação cível (AC) 5051538. Relator: Juiz Mafra Carbonieri. São Paulo: RT 633/306.

47

39

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Admite-se a tentativa na forma comissiva. Não existe desobedisanção sem ressalvar sua cumulação com a imposta no art. 330 do Código Penal. De fato, o desrespeito à proibição imposta pelo poder público, a par esse constituir infração administrativa, caracteriza também o crime Não há que se falar em bis in idem entre as esferas administrativa e penal, máxime quando o próprio diambas as esferas.48 cazmente aquele que descumpre uma ordem judicial, vez que a comum juiz criminal. Em sede de execução contra a Fazenda Pública (como também em outros casos), o próprio juiz da execução deveria revestir-se ele mesmo emanada. Essa ideia, trazida do direito anglo-saxão e denominada contempt of court, é que se procura difundir através do presente trabalho, com as devidas ressalvas ao sistema legal brasileiro. O Tribunal Regional Federal da 2a Região já proferiu, inclusive, decisão a respeito desse tema.49 Em verdade, o que se busca é a conciliação entre a possibilidade de atuação pelo magistrado que teve sua ordem penal, o que é admissível também pelo Superior Tribunal de Justiça.50

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Recurso em Habeas Corpus (RHC). Relator: Min. Néri da Silveira. Brasília: RT 570/401.

48

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF) (2. REGIÃO). Habeas Corpus (HC) 0216896-4. Relator: Des. Carreira Alvim. Rio de Janeiro, 1994.

49

50

Relator: Min. Felix Fisher. 40

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2.6.2 Prevaricação Desde o direito romano, já havia previsão penal das faltas cometidas por funcionários públicos, no exercício de suas funções, com punições severas para aqueles que infringissem a Lei: “quinque libris auri multandos ... capitali poena plectendos”.51 Ainda remontando à História romana, Ulpiano considerava que “os prevaricadores eram aqueles que entregavam a seus adversários a causa, passando da parte do autor à 52

Modernamente, nosso Código Penal de 1830 (art. 129) já tratava a prevaricação como a violação a vários deveres de ofício praticados por empregados públicos, o que foi se mantendo nas leis penais subsequentes (Código Penal de 1890), até chegar à forma do atual Código Penal, que adotou melhor técnica, mantendo a prevaricação no rol dos “Crimes contra a admiprimento de ordem ou mandado judicial, mais razoável que o bem jurídico encontrar obstáculos para o desenvolvimento de seu munus. De fato, quando uma ordem judicial é expedida, a sociedade de dade e imediatidade no cumprimento daquela norma. Se o destinatário desta se recusa a cumpri-la, está afetando o interesse público, perturbando o normal desenvolvimento da Administração, que deve também puni-lo exemplarmente, através da legislação penal. No tocante ao descumprimento de ordens judiciais por agentes públicos, é controvertida a adequação do tipo penal. O crime de desobeincidiria sobre o servidor público recalcitrante, uma vez que se trata de

51

Codex Thedosianus, 12, 6, 30.

praevaricatore eos appelamus, qui causam adversariis suis donant, et ex parte actoris in partem rei concedunt – Digesto, 50.16.212

52

41

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ção correta para a hipótese seria o delito de prevaricação, que é praticado por servidor contra a própria Administração.53 O art. 319 do Código Penal dispõe sobre a prevaricação, crime próprio de funcionário público que deixa de cumprir ato de ofício, ou visa praticá-lo contra disposição legal ou ordem judicial, para satisfazer interesse pessoal. Novamente, o bem jurídico que se assegura é a administração pública; se descumprida ordem ou mandado judicial, atenta-se contra o bom funcionamento da administração da Justiça. Cumpre observar que é possível a participação de terceiro que não seja funcionário público. Sujeito passivo, novamente, é o Estado. Na doutrina de Rui Stoco,54 de ofício, à função exercida. É o não cumprimento das obrigações que lhe são inerentes, movido o agente por interesse ou sentimentos próprios. Não é a hipótese de corrupção, mas sim a satisfação de interesse pessoomissão ou retardamento da prática do ato administrativo. O funcionário quele ato, sem a qual se descaracterizará o delito. O dolo, na prevaricação, é a vontade consciente dirigida à realização das seguintes condutas: retardar ou deixar de praticar um ato dentro dos prazos legais (conduta omissiva), ou praticá-lo contra expressa disposição legal (conduta comissiva). Retardar é não cumprir a ordem no prazo previsto. Antonio Pagliaro entende que “O prazo pode ser estabeleter-se-á atraso quando o ato ainda puder produzir efeitos, derivando da não tempestividade um dano ou perigo para a administração pública ou 55

STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. v. 1, Tomo II. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997. p. 3.619.

53

54

STOCO, op. cit.

PAGLIARO, Antônio; COSTA JÚNIOR, Paulo José. Dos crimes contra a administração pública. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 135-136.

55

42

RICARDO PERLINGEIRO

O interesse perseguido pode ser de natureza material ou moral, desde que não haja pacto envolvendo vantagem indevida (pecúnia etc.), pois assim invadir-se-ia o tipo da corrupção. Admite-se a tentativa, mas somente na modalidade comissiva, pois as formas omissivas não admitem fracionamento do processo executivo: a mera abstenção já consumaria o crime previsto. ponsabilidade civil. O agente deve estar ciente não só de que o ato em questão é de seu ofício e mister, como também de que sua conduta de descumprimento é indevida.56 Ivan Lira de Carvalho anota também que “para o delineamento da prevaricação, é importante que o comportamento (comissivo ou omissivo) do funcionário público seja indevido. Assim, deverá o servidor público 57 A conduta é indevida quando é contrária ao dever funcional do servidor. Outro elemento subjetivo do tipo

interesse nobre ou fútil (isso, porém, induzirá na valoração da pena). Sua ou desleixo, excluem o crime, ensejando a atipicidade do fato. Mirabete explica, com acerto, que “interessepessoal é a relação de reciprocidade entre um indivíduo e o objeto que corresponde a determinada necessidade daquele. (...) Sentimento pessoal é um estado afetivo ou emocional, decorrente, pois, de uma paixão ou emoção (amor, ódio, avareza, simpa58 59

56

Mário Sérgio Leite corrobora

PAGLIARO, op. cit., p. 139.

CARVALHO. Ivan Lira. Descumprimento de ordem judicial por funcionário público. Revista Trimestral de Direito Público, 10. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 192. 57

58

MIRABETE Manual de Direito penal, 2 ed., v. 3. São Paulo: Atlas, 1996, p. 319.

59

FRAGOSO, Jur. Criminal, nº 414. 43

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esta ideia, no sentido de que “caso a denúncia não descreva qual o sentimento ou interesse pessoal, ela deve ser rejeitada, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal. É de se ressaltar que a simples menção a sentimento ou interesse não preenche os requisitos legais, sendo necessário descrever no que consistiram.60 Nelson Hungria entendia por sentimento pessoal “a afeição, a sim-

61

Se o servidor público julga ilegal a ordem judicial e deixa de cumpri-la no interesse público, poder-se-ia dizer que o dolo está afastado, 62

Contudo, o melhor posicionamento a respeito é que não compete à autoridade administrativa valorar a legalidade de decisão judicial, que, 63 E mais, ainda que no futuro venha a ser reformada, o desrespeito existiu e deve ser punido. O servidor que nega cumprimento a uma ordem judicial, sob o fundamento da sua ilegalidade, está agindo para satisfazer interesse pessoal e sujeito às sanções do crime de prevaricação. Evidentemente, na hipótese de impossibilidade material de cumprimento da decisão judicial, não haverá crime algum, justamente por Daí a demora, na maioria das vezes, das decisões nestes procescom o risco de incentivar a prática desses atos, postura que não deve imperar em nossa sociedade. 60

LEITE. Mário Sérgio. Requisitos típicos dos delitos de prevaricação e o princípio do livre

Tribunais, out./dez. 1995. 61

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 376.

62

Esse entendimento, de certa forma, foi encampado pelo STJ no RHC 1543/GO, de que

legalidade formal e autoridade competente. Além disso, inexistirá o delito havendo

44

RICARDO PERLINGEIRO

Exemplo interessante é a ordem liminar concedida por juiz federal em medida cautelar, para que os autores levantassem o Fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS), devido à mudança de regime jurídico. Empregados da Caixa Econômica Federal (CEF), destinatários da ordem judicial, alegando que o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarara constitucional a lei que vedava levantamento de FGTS em tais condições, não cumpriram o comando judicial. A CEF, receosa da prisão de seus recalcitrantes funcionários, ajuizou habeas corpus preventivo. Este, porém, foi denegado, pois o destinatário da ordem judicial emanada por juiz competente, através do due process of law, não pode sob qualquer pretexto descumprir o determinado, ainda que invoque precedente da mais alta Corte do país. Esse destinatário tem meios criados pelo próprio sistema para tentar impedir a execução de decisão judicial que ele reputa superada (STJ, 6a Turma, RHC 2817-3/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU 21/02/94, p. 2184/5).64 Ivan Lira de Carvalho assinala que

na análise da caracterização da prevaricação, deve o juiz apurar cada vez mais o seu equilíbrio, no intuito de aferir se realmente o funcionário agiu objetivando a satisfação de interesse ou sentimento pessoal. Dos dois requisitos subjetivos, o primeiro oferece melhores condições de constatação, como ocorre, por exemplo, no caso de dirigente de repartição pública que retarda o cumprimento de ordem judicial que suspende a integração de vantagem

O Min. Costa Leite, vencido no cit. HC. 1543, consignou que “este é um ponto fundamental no Estado de Direito Democrático, que tem no império da lei a sua pedra angular. As decisões judiciais devem ser cumpridas ou civilizadamente questionadas, visto como, ao juiz compete

63

64

1994. 45

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

sob o seu comando – quiçá dos seus próprios ganhos. Já com referência ao sentimento pessoal, parece acontecer, na maioria dos casos, uma subserviência intolerável dos funcionários para com os seus superiores, em muito transcendendo o respeito à hierarquia recomendado pelo pré-citado art. 116, IV, da Lei 8.112/90. Noutros casos, são constatadas manifestações explícitas de prepotência, do tipo ‘quem manda ao restabelecimento da primazia do interesse público no trato da matéria administrativa.65

Aquele funcionário que se recusa a cumprir ordem judicial (inclusive servidores da Justiça) está incurso no delito de prevaricação, pois decorre de em princípio, outra explicação para que se descumpra o decisum do magistrado, que se reveste de força cogente e deve ser cumprido, para garantia da prestação jurisdicional.

2.6.3 Crimes de responsabilidade Crimes de responsabilidade são aqueles suscetíveis de serem praticados por agentes públicos, em razão dos cargos que ocupam.66 Segundo a doutrina, os crimes de responsabilidade denominam-se próprios ou impróprios. No entendimento de Magalhães Noronha, “crimes de respon67

65 CARVALHO, Ivan Lira de. Descumprimento de ordem judicial por funcionário público. Revista Trimestral de Direito Público. n. 10. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 187-195. 66

BARROSO, Luís Roberto. Revista Forense. v. 334, 1998.

67

NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 1972, p.283. 46

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A Constituição Federal atual trata dos crimes de responsabilidade no artigo 85, parágrafo único, onde estabelece que os crimes contidos Silva, “a lei especial estabelecerá as normas de processo e julgamento, 68

A Lei nº 1.079/50, reconhecida como a lei de que trata o parágrafo único dos crimes de responsabilidade, segundo o roteiro da previsão constitucional.69 Ocorre que os chamados crimes impróprios estão elencados na Lei nº impeachment. Para José Frederico Marques, crime de responsabilidade que promana o impeachment não pode ser conceituado como ilícito penal. Se a sanção que se contém na regra secundária pertinente ao crime de responsabilidade não tem natureza penal, mas tão-só o caráter de sanctio juris política, tal crime se apresenta como ilícito político e nada mais.70

Fala-se ainda em crimes de responsabilidade próprios, os quais o em especial por prefeitos. O referido Decreto-lei, ao contrário da Lei nº 1079/50, que trata somente de infrações político-administrativas, institui a responsabilidade criminal de prefeitos e vereadores que agem na forma maior a reprovabilidade atribuída a essas condutas e ao mesmo tem-

68

SILVA, op. cit., p. 519.

69

BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 289.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito penal, III/376, n. 864. Rio de Janeiro: Forense, 1962.

70

47

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po evidencia-se maior severidade na punição de agentes políticos, que praticam tais crimes, com a aplicação de penas restritivas de liberdade. impeachment apurar crimes de responsabilidade, pois os prefeitos estão sujeitos ao mara de Vereadores, sendo que o “impeachment 71

No entendimento do Supremo Tribunal Federal só podem ser punidos pelas sanções impostas pelo Decreto-lei nº 201/67 os prefeitos que, tendo cometido um dos crimes elencados no referido dispositivo legal, ainda devem se encontrar no exercício de suas atividades executivas à época do recebimento da denúncia. Não haverá procedibilidade da ação penal proposta se o 72

Uma vez acolhida a posição do STF, sob a perspectiva da doutrina dominante atual, a restrição de liberdade imposta pelo Decreto-lei sua aplicabilidade, dado que a grande maioria dos crimes praticados no exercício do cargo de prefeito são descobertos pela administração subsequente, época em que o agente da conduta criminosa não mais se sujeitaria às penas cominadas pelo legislador ao criar tal decreto-lei. Vigorando o Decreto-lei nº 201/67, o Código Penal deve ser deixado à margem da legislação especial, sendo vedada sua aplicação supletiva, sob o argumento de que através do referido decreto-lei não seria possível a realização do processo criminal. É incorreto pensar existirem tipicidades semelhantes com diferentes ilicitudes.73 mete crime de responsabilidade o prefeito que negar a execução de lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Administração e responsabilidade de prefeitos e vereadores. São Paulo: Sugestões Literárias, 1974.

71

72

RTJ 86/114.

73

VELO, Joe Tennyson. Revista da Procuradoria Geral do Paraná, V. II, 1991. 48

RICARDO PERLINGEIRO

XIV, existem duas correntes doutrinárias, que se fundam na concepção 74

A primeira corrente entende que, se o prefeito considerar inconstiprovidenciar judicialmente a declaração de sua inconstitucionalidade. A segunda apoia o descumprimento da lei pelo prefeito, se for ela sua atitude à autoridade competente, e procure acionar o Poder JudiciáEntende-se, ainda, que o prefeito poderá deixar de cumprir a lei até que o Tribunal competente se pronuncie. É, entretanto, essencial para a caracterização do delito que o prefeito aja de maneira dolosa, recusandose a cumprir determinada lei em razão de interesse pessoal. O inciso XIV refere-se também ao descumprimento de ordem judicial por prefeito. O conceito de ordem judicial estende-se às decisões judiciais, uma vez que trazem, implícita, uma ordem que se torna explícita com a execução do julgado.75 A caracterização do crime de descumprimento de ordem judicial prir a ordem judicial recebida. O prefeito que comprova estar tomando cia, impondo-se sua absolvição nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.76

74 COSTA, Antônio Tito. Responsabilidade de prefeitos e vereadores. São Paulo: RT, 1979, p. 91-92.

STOCO, Rui. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. Tomo II, v.2. São Paulo: RT, 1998, p. 1957.

75

76

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Relator: Guido de Andrade, RT-756/1998. 49

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

A prática dessas infrações contraria de forma incontornável a Constituição da República. Fere o Estado Democrático de Direto e os princípios por ele instituídos, destacando-se, entre eles, o princípio da separação dos poderes. quando membros de outro Poder cometem infrações que podem vir a comprometer o aparelho estatal implantado pela Constituição Federal. Diante dessa situação, o Estado inevitavelmente precisa assegurar a suUma breve pesquisa jurisprudencial nos tribunais, acerca de processos envolvendo esses delitos já revela uma demora expressiva na apuração da culpa do agente e na execução de sua respectiva punição, se condenado. Não cabe aqui buscar a responsabilidade pela morosidade desses julgamentos. O que nos interessa é demonstrar a necessidade de um caz àquele que não cumpriu a ordem recebida, pois se estaria assim ferindo a autoridade do Poder Judiciário. Esse instrumento perfaz a ideia do contempt of court máximo de 90 dias). Atualmente, muitos habeas corpus impetrados nos tribunais são contempt of court e da prisão civil ou administrativa nas hipóteses de descumprimento de ordem judicial.77

77

Vide, i.e., TRF (2. Região) HC 92.02.15426-0/ES. 2a Turma. Relator: Juiz Sérgio 78 CARVALHO (1995, p. 194). 50

RICARDO PERLINGEIRO

2.6.4 Da legalidade da ordem judicial Após a abordagem dos crimes supra, cumpre ressaltar que a ordem judicial a ser cumprida deve ter fundamento legal. Se uma decisão judicial é injusta ou ilegal, a Constituição Federal e as leis processuais asseguram o direito de pedir a reforma daquela ordem, tudo fundado na legalidade. Questiona-se, porém, a efetividade de tal previsão. Será tão somente o direito penal efetivamente hábil para punir aquele descumpridor Ou, por outro lado, deveriam ser criados outros elementos para garantia do cumprimento de comando judicial? Faz-se mister surgir um temor reverencial naquele a quem tal ordem se destina, obrigando-o a cumpri-la, sob pena de atentar não só contra o Poder Judiciário, mas como já exposto supra, contra toda a sociedade. Para que a ordem judicial prevaleça, é preciso mais do que simplesporém dentro dos limites constitucionais impostos no art. 5o, mormente os incisos LIV, LV e LXI da Constituição. Seguindo a ideia de Ivan Lira de Carvalho, não se pode somente analisar o descumprimento da ordem judicial sob a ótica do direito penal, mas também deve haver meios coativos em outros campos do mundo jurídico, principalmente no direito processual civil e no direito administrativo, ou seja, um remédio em nível de legislação a esse respeito, prevendo a decretação de prisão do agente, pelo próprio juiz que teve sua ordem descumprida, assim como ocorre aos inadimplentes de pensão alimentícia.78

78

CARVALHO (1995, p. 194). 51

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3 Contempt of court no regime anglo-saxão A expressão contempt contempt of court (desacato à corte) tem sido utilizado no direito anglo-saxão como meio de coerção destinado a assegurar a execução de sentenças judiciais.79 O Digesto de Justiniano (Título III, Livro I) já dispunha que “a todos os magistrados será assegurada a faculdade de defender sua jurisdição com Canon 1640) também 80

79

1981 (MILLER, Christopher J. Contempt of court. 2. ed. London: Oxford Univ. Press, 1997. p. 464-480). 80 MOLINA PASQUEL, Roberto. Contempt of court: correcciones disciplinarias y medios de apremio. Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1954. p. 176.

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3.1 CONCEITO DO INSTITUTO E FUNDAMENTO JURÍDICO No sistema common law há distinção entre money judgements e other than money judgements. Na observação de Marcelo Guerra, apenas as other than money judgements estão sujeitas ao contempt of court, pois as money judgements execução própria. No entanto, C.J. Miller menciona hipóteses em que, mesmo em se tratando de dívida de dinheiro, o contempt of court será utilizado. São as seguintes: dívidas decorrentes de sanções penais, custas processuais, 81 Ademais, nas execuções contra a Fazenda Pública não há mecanismo de força (expropriação judicial) no sistema common law.82 É, portanto, o mesmo que uma execução impossível e deve se sujeitar aos mesmos meios de coação psicológica, vale dizer, do próprio contempt of court. Creio assim que o contempt of court é aplicável não só nas obrigações de fazer e dar, mas também nas de dinheiro, ao menos enquanto a Fazenda Pública estiver na posição de devedora. O contempt of court é por demais amplo. Na opinião de Marcelo Guerra, as condutas que estão sendo alvo da punição do contempt of court são as seguintes:

de fato têm sido punidas condutas das mais diversas, seja das partes, seja de advogados, testemunhas, jurados e até meros espectadores de uma audiência. Entre os múltiplos exemplos de condutas que podem constituir contempt of court é comum mente um juiz, um advogado ou outra parte no

81 82

MILLER, Christopher J., op. cit., p. 461. PERLINGEIRO, Ricardo. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 55.

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processo; interromper continuamente o curso da de justiça; alterar documentos; recusar-se a testemunhar; não cumprir ordens judiciais, e até mesmo algumas condutas que causam certo espanto serem equiparadas a essas acima indicadas, como chegar atrasado ou faltar à audiência ou trajar-se com determinado tipo de roupa.83

Segundo Molina, “todos los actos tendientes a obstruccionar (interfere with) el cumplimiento de los deberes judiciales de un tribunal, envuelve una afrenta material hacia él, si produjeren inmediato distur84 Após citar diversos exemplos de contempt of court recorrer ou de litigar é um ato passível de contempt: “El abuso voluntario de procedimientos legales, tales como iniciar o procurar la iniciación promover juicios para lograr proveídos del tribunal por medio de fraude o 85

A origem do contempt of court está associada à ideia de que é ineque o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha o condão de fazer valer os seus julgados. Não há utilidade alguma em declarações de direitos sem cumprimento ou efetividade. Negar instrumentos contempt is based on broadest of principles, namely that the courts cannot and will not permit interference with the due administration of justice. Its appli-

83 84 85

GUERRA, Marcelo L. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 72. MOLINA, op. cit., p. 104. MOLINA, op. cit., p. 106. 54

RICARDO PERLINGEIRO

86

Na doutrina de Swayzee, “contempt of court may

the administration of justice or to lessen its authority or dignity, whether 87

A Suprema Corte norte-americana já registrou que o poder de punir por desacatos (à corte, isto é, o contempt of court) é inerente a todos os tribunais; é o que tem sido decidido reiteradamente, e pode ser considerado como direito estabelecido. Os tribunais dos Estados Unidos, quando estabelecidos e investidos de jurisdição em qualquer assunto, tornaram-se de imediato possuidores desse poder. No que concerne às cortes federais inferiores, entretanto, não está além da autoridade do Congresso; mas os atributos, os quais são inerentes a este poder e do qual são inseparáveis, não podem ser nem anulados, nem tornados praticamente inoperantes”.88

3.2 CLASSIFICAÇÃO DO CONTEMPT OF COURT contempt direto e indireto; e contempt civil e criminal. Contempt direto é aquele em que a conduta desrespeitosa ocorre na presença do juiz. No contempt indireto a conduta ocorre fora da corte. A punição do contempt direto é sumária, enquanto que a do contempt indireto requer processo autônomo. No tocante ao contempt civil e criminal, vale lembrar que, no início, sua distinção estava

86 87

Press, 1968. p. 17. Apud GUERRA, Marcelo, op. cit., p. 92.

88

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calcada na natureza da conduta. Se estivesse obstruindo a decisão judicial estaria sujeita ao contempt civil. Se houvesse apenas ofensa ao magistrado, a hipótese seria de contempt criminal. contempt. Se destinado ao cumprimento da decisão judicial, será contempt civil. Porém, se se desejar uma punição pelo descumprimento, contempt criminal. O contempt civil é preventivo e coercitivo, o contempt criminal é punitivo. Note-se que uma conduta desrespeitosa pode ser ao mesmo tempo passível de contempt civil e criminal, seja no processo civil, seja no processo penal. Segundo Ramachandran, a distinção entre contempt civil e criminal, nos termos do , 70, de 1971 (direito indiano), é a seguinte:

“Civil Contempt means wilful disobedience to any judgement, decree, direction, order, writ, or other process of a court or wilful breach of an undertaking given to a court; Criminal Contempt means the publication (whether by words, spoken or written or by signs or by visible representations or otherwise) of any matter or the doing of any other act, whatsoever which (i) scandalises or tends to scandalise, or lowers or tends to lower the authority of any court; or (ii) prejudices, or interferes or tends to interfere with, the due course of any judicial proceeding; or (iii) interferes or tends to interfere with, or obstructs, or tends to obstruct the administration of justice in any other manner”.89

89

RAMACHANDRAN, V. G. Contempt of Court. Delhi: Eastern Book Co., 1992. p. 2.

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Relativamente ao procedimento no contempt criminal, o processo é instaurado de ofício ou por provocação das partes interessadas. No caso de contempt so legal ordinário, sendo sumária a defesa.90 Em qualquer hipótese, no entanto, há um processo autônomo para ser aplicado o contempt criminal, cuja decisão deve delimitar a punição. No contempt civil o processamento ocorre nos próprios autos principais, mediante provocação dos interessados, garantida a ampla defesa, como outro processo qualquer. Uma vez que depende sempre de provocação para ser instaurado, é permitida a transação ou acordo sobre o contempt civil. Sua decisão não requer delimitação da pena, já

90

the use of the summary procedure is the urgency with which the conduct may need to be dealt. This being so, we consider that as a matter of principle the contempt jurisdiction should or (b) where urgency or practical necessity require that matter be dealt with summarily. We recommend that these general principles should govern the use of this remedy. In general it cannot be said that this recommendation has been implemented since there are numerous cases have stressed the need for caution in using the contempt power, especially in relation to Ramachandran cita precedente da Corte Suprema Indiana sustentando que o contempt deve ser aplicado imediatamente: “Contempt is an offence to the court and not to the person who sits as a Judge. Ergo an insult to the court if not punished will create a general dissatisfaction of justice should in the opinion of ... have such power to punish brevi manu to vindicate its own dignity. A summary and quick mode of meting out punishment to the contemner if he is (op. cit., p. 12). 57

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

3.3 ESPÉCIES DE SANÇÃO O contempt of court (civil e criminal) pode ensejar as seguintes sanções: prisão, multa, perda de direitos processuais e sequestro. No contempt civil, como já consignado, a punição é por prazo indeterminado, vale dizer, até que haja cumprimento da medida judicial. Se a decisão se tornar de impossível cumprimento, a sanção do contempt civil também deve cessar, motivando, entretanto, o contempt criminal. A prisão é pena restritiva de liberdade e, portanto, deve levar o grande praticidade para a efetividade da Jurisdição. A multa pode ser compensatória ou não. Quando compensatória, reverte ao prejudicado e se presta à compensação das despesas e prejuízos pelo atraso ou descumprimento da ordem judicial. Na hipótese de multa não compensatória, no contempt criminal e civil, o valor pago é revertido para o

3.4 PROCEDIMENTO DO CONTEMPT CIVIL São requisitos do contempt of court civil:91 1) que haja prova de que a alegada ação ou omissão ocorreu; 2) que a ordem judicial determine com clareza a ação ou omissão imposta à parte; 3) que a parte judicial; 4) que a ordem judicial desrespeitada seja de possível cumpri-

91

Miller (op. cit, p. 181-187, 238-279).

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RICARDO PERLINGEIRO

contempt não seja regulamentado, nos Estados há uniformidade a respeito. Marcelo Guerra, citando Perrit, descreve tal procedimento:

Os atributos essenciais do procedimento relativo ao contempt civil são a citação e a tação impõe que a pessoa sujeita a sanções por contempt saiba as condições dentro das quais o atendimento (à ordem judicial) resultará na nidade de ser ouvido impõe que a pessoa tenha oportunidade para apresentar alegações e provas sobre possíveis defesas, tais como cumprimento substancial, impossibilidade (material) de cumprimento, ou a realização de esforços de boa-fé para cumprir. Dessa forma, na sua estrutura básica, o procedimento relativo ao civil contempt é iniciado a requerimento da parte, por uma petição na qual se faz a acusação do contempt, sendo o alegado contemnor citado para, dentro de prazo determinado, apresentar razões (show cause) pelas quais ele não deve ser considerado em contempt. Em seguida, o juiz decide, apreciando as provas que tenham sido produzidas, considerando a parte em contempt (se for o caso) e impondo uma sanção condicionada, a incidir no caso da parte resistir em não cumprir a ordem desobedecida. Finalmente, a sanção imposta é concretamente aplicada se o contemnor não cumprir a ordem judicial.92 92

GUERRA (1998, p. 104). 59

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

3.5 CRÍTICAS AO CONTEMPT OF COURT São várias as críticas apresentadas ao contempt of court, notadamente ao contempt criminal. Questiona-se a parcialidade do juiz ofendido pessoalmente, como julgador da conduta desrespeitosa. A condenação sumária também é de duvidosa constitucionalidade, já que seria uma exceção ao princípio da ampla defesa. Além disso, a falta de no processamento dos feitos judiciais. Não obstante, os maiores críticos do contempt of court reconhecontempt civil como instrumento de coação para o cumprimento das decisões judiciais. Aliás, as críticas comumente apresentadas ao contempt of court são sempre direcionadas ao contempt criminal, pois no contempt civil não há sumariedade na aplicação da pena; não há risco de quebra da imparcialidade, vez que o juiz não é diretamente o ofendido; e há objetividade no que se considera contempt civil - descumprimento de ordem judicial.

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RICARDO PERLINGEIRO

4 Prisão por dívida e contempt of court que ora elenco como contempt civil no direito brasileiro é a prisão. No direito pátrio está praticamente limitada aos casos de devedor de prestaConstituição Federal veda expressamente a prisão por dívida. Costumadesumana.93 Nesse contexto, vale investigar até que ponto realmente o legislador infraconstitucional está impedido de criar contempts com sanção de prisão.

93

61

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

4.1 HISTÓRICO DA PROIBIÇÃO DA PRISÃO POR DÍVIDA No Código de Hamurabi (Babilônia) a previsão da prisão por dívida está nos artigos 115 e 116. Seres humanos eram dados em garantia, para tornar efetivo o direito de crédito. O Código de Manu (Índia) acolheu do crédito.94 No Egito era admitida a escravidão por dívida, em toda sua ferocidade, tendo o Rei Sesostris, certa ocasião, concedido liberdade a todos os devedores que se encontravam presos por dívida. O devedor seu débito, sujeitando-se a trabalhar para o credor até o pagamento de quanto devesse.95 No direito romano existia a prisão por dívida. A Lei das XII Tábuas (Tá-

gos de Hammurabi e Manu, tratava também com rigorismo aqueles que deixassem de pagar suas dívidas. Estabelecia o prazo de trinta dias para o devedor se desobrigar do pagamento de sua dívida. Decorrido este tempo, era permitida a apreensão de sua pessoa para que fosse conduzido à presença do magistrado. Não sendo paga a dívida, nem dada caução, o credor tinha o direito de lavrar o devedor e prendê-lo com correias ou ferros do peso de quinze libras, no máximo, ou

94

Ibid., p. 13-14.

95

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de um peso menor, à sua vontade. Então passava o devedor a viver à sua custa. Se o devedor não tem de que viver, que o credor lhe dê uma libra de farinha por dia, no máximo. No terceiro dia de feira, não sendo paga a dívida, se forem muitos os credores, que eles cortem o devedor em pedaços; se cortarem de mais ou de menos, estão em seu direito.96

No entanto, a evolução do direito romano foi no sentido da execução dos bens do devedor, e não mais de sua pessoa. A Lex Poetelia Papiria, com a execução patrimonial, foi abrindo campo ao surgimento do instituto da fraude contra credores. Seguindo o seu curso histórico, o vínculo pessoal, estabelecido pelo nexum, foi sendo substituído pelo vínculo jurídico, em que o patrimônio do devedor deve ser o responsável pelo inadimplemento obrigacional. O direito romano distancia-se da prisão por dívida. Com relação ao direito brasileiro, vale registrar algumas considerações sobre o princípio no plano constitucional. As Constituições de 1824, 1891 e 1937 foram omissas a respeito. A Constituição de 1934 (art. 113, n. tituições de 1946 e 1967 estabeleceram que “não haverá prisão civil por

VITRAL, Waldir. Prisão civil. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, v. 61, apud FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 195.

96

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CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

4.2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA A Constituição Federal de 1988 (art. 5o, LXVII) dispõe que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntá-

dívidas, exceto o devedor de alimentos.97 ma internacional incorporada ao direito interno possui natureza jurídica de lei ordinária ou lei complementar, de acordo com a sua matéria.98 Dessa maneira, será considerado inconstitucional o tratado que violar a Constituição. Da mesma forma, porém, um tratado terá o condão de revogar uma norma infraconstitucional ou esta poderá revogar um tratado. O dispositivo constitucional que proíbe a prisão por dívida é autoaplicável apenas na parte proibitiva. Na parte em que excepciona a regra proibitiva não é autoaplicável, dependente de regulamentação. Quando da promulgação da Constituição de 1988, as normas que permitiam a prisão do deposisido, portanto, recepcionadas. No entanto, o Pacto de São José entrou em vigor no direito interno em 1992 (Decreto Legislativo 27, de 26 de maio de 1992, e promulgado pelo Presidente da República através do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992), revogando todas as disposições em contrário.99 PAOLINELLI MONTI, Italo. Derechos económicos fundamentales y tributación. Revista de Direito Tributário, v. 14, n.

97

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 19.

98

99

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, indeferiu o habeas corpus em que se discutia

não seja encontrado ou não se ache na sua posse (DL 911/69, art. 4º). Os Ministros Marco Aurélio, relator originário, Francisco Rezek, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence votaram pela Ilmar Galvão, Celso de Mello, Octavio Gallotti, Sydney Sanches e Néri da Silveira. HC 72.131RJ, rel. p/ ac. Min. Moreira Alves, sessão de 22.11.95. 64

RICARDO PERLINGEIRO

A propósito da vedação constitucional, o que na realidade se pretende é proibir que o devedor seja preso nos casos de inadimplemento. A prisão não pode se prestar como instrumento para impor o cumprimento de uma obrigação, pois o uso da força para o cumprimento das obrigações é, modernamente, procedido através da expropriação do patrimônio do devedor. A proibição vale tanto para o legislador civil quanto para o de simples inadimplemento como criminosas.100 Da mesma maneira, não penalidade semelhante na legislação cível.101 Interessante saber se o que se veda é qualquer prisão civil ou somente a prisão civil por dívida. Após o advento da Constituição de não jurisdicional, assim como as prisões decretadas num processo civil, seriam inconstitucionais. Ao que me consta, somente a prisão por dívida é vedada. A prisão por outro fundamento pode ser decretada desde que seja por “autoridade judiciária competente, exceto nos casos de que tenha Jurisdição penal. Qualquer juiz que a lei considere competente para prender poderá assim proceder.

4.3 CONCEITO DE DÍVIDA Dívida é toda prestação capaz de reparar uma lesão a um direito subjetivo. Trata-se sempre de um comportamento positivo (obrigação

100 Perlingeiro, Ricardo. Apropriação indébita tributária? Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 34, n. 136, out./dez. 1997, p. 113. 101

TALAMINI, Eduardo (1998, p. 49), que nega a mandamentalidade no art. 461 do CPC, admite

haver igualmente para punição civil, desde que, obviamente não implique bis in idem. 65

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

de fazer ou dar) ou negativo (obrigação de não fazer) por parte de alguém, em favor de outrem. A lei não pode impor tal comportamento mediante ameaça de prisão. Nesse contexto, seria inadmissível o contempt of court de prisão para cumprimento de decisão judicial. Porém, tal conclusão só tem sentido se o conceito de dívida for ca que permite a expropriação do patrimônio do devedor no caso de em aplicar sanção pelo atraso, muito menos contempt de prisão, se o credor não depende da manifestação de vontade do devedor para satisfação plena do seu crédito. Ao contrário, o credor detém meio mais Hipótese distinta ocorre, entretanto, nas dívidas de obrigação de fazer, não fazer (infungível) ou entrega de coisa certa. A satisfação do crédito requer, necessariamente, um ato de vontade do devedor. São as denomi-

humanidade de não se prender por uma simples dívida e, ao mesmo tempo, a necessidade de prover meios para uma efetiva Jurisdição, como garantia prisão por dívida se isso acabaria por permitir um mecanismo em que não mais haveria dívidas, por absoluta falta de sanção no seu descumprimento?

4.4 PRISÃO POR DÍVIDA E EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO É evidente que deve prevalecer a efetividade da Jurisdição. A prisão por dívida será vedada quando desnecessária à satisfação do crédito ou título executivo. Porém, se não há mecanismos, até mesmo por uma impossibilidade física, de prover a execução de um julgado (satisfação do crédito) sem a vontade do devedor, indispensável se torna a utilização de força psicológica contra o devedor, incluída aí a prisão. 66

RICARDO PERLINGEIRO

mara, que chegam a admitir que o art. 461 do Código de Processo Civil 102

Convém, ainda, mencionar que, mesmo nas execuções de dinheiro, a prisão de alguém por praticar atos atentatórios à dignidade da Justiça não deve ser confundida com a prisão por dívida. Não se pune pelo inadimplemento, mas sim pelo desrespeito ao Poder Judiciário, que regulares. Nessa linha, entende Leonardo Greco: “Se o devedor obstrui os esforços para localizar e penhorar os seus bens, pode sofrer uma injunction para abster-se de continuar a obstrução, exequível através de contempt of court 103 De fato, a coerção psicológica, através da possibilidade de ser preso, induz o devedor a cumprir o comando judicial, seja ele pagar uma quantia, fazer ou não fazer alguma coisa.

4.5 RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SERVIDOR PÚBLICO RECALCITRANTE Nas execuções contra a Fazenda Pública a situação é mais delicada. A uma, porque o devedor, que é a Fazenda Pública, não pode ser confundido com o servidor ou agente público responsável pelo cumprimento do julgado. Assim, nesse caso, a proibição de prisão por dívida é totalmente impertinente. A duas, porque, mesmo nas execuções de dinheiro, como não há o mecanismo da expropriação do patrimônio público, a única alternativa de efetividade é a coação psicológica dos agentes responsáveis pelo pagamento.

102

GUERRA (1998, p. 243).

103

GRECO, Leonardo. Anotações em sala de aula. Rio de Janeiro: UGF, 1997. 67

CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

Ramachandran considera inevitável o contempt of court contra o Estado/devedor:

No organ of Government can show disrespect to courts of justice. Government exists by the State itself, it will be indeed a very sad state of

of this rule will invite the sanction to safeguard the rule of law – namely the contempt jurisdiction of the superior courts of the land.104 A restrição de liberdade do servidor público que deu causa ao des“Contempt of Court

Nothing can be less accurate or more ridiculous than to ask that a particular State should itself be committed to prison or that the State should be committed to prison in person of that

duty of obeying the court’s order and who with knowledge of such order disobeyed it. 105

De toda sorte, no direito brasileiro, seria saudável que houvesse legislação ordinária prevendo tal situação, para evitar insegurança jurídica, excessos ou abusos. 104 105

RAMACHANDRAN (1992, p. 703). RAMACHANDRAN, op. cit.., p. 708-709. 68

RICARDO PERLINGEIRO

CONCLUSÃO Não é concebível seja permitido o descumprimento imotivado das decisões judiciais. A humanização do processo de execução, a qual afasta a prisão por dívida em prol da expropriação forçada do patrimônio do devedor, não pode ser instrumento para tal acinte. Na execução por quantia certa, o devedor responde com seu patrimônio, que será aliena-

de mau negociador. Não há porque utilizar meios de coação psicológica. Na execução de obrigação de fazer, não fazer (infungíveis) ou de dar coisa certa, a execução não pode incidir sobre o patrimônio do devepor outra. Nos casos de impossibilidade material de cumprimento da obrigação (deterioração do bem, perdimento, ou falecimento do devedor), realmente inadmissível a aplicação de qualquer medida coercitiva, mesmo porque seria inócua. O que não deve ser permitido é que o devedor deixe de cumprir a decisão judicial por lhe ser mais conveniente. Nesse contexto, é legítimo que o devedor seja coagido, através dos mais variados meios, ao cumprimento da decisão judicial. Note-se do bem depositado. Caso não seja possível materialmente a devolução do bem, a prisão deixa de ser útil e a obrigação converte-se em perdas e danos. Mesmo na hipótese do devedor de alimentos, não há espaço para a prisão do devedor que deixa de pagar por motivo justo. A situação do credor frente à Fazenda Pública é semelhante à do credor de obrigação de fazer, não fazer (infungíveis) e de dar coisa certa. O patrimônio público não pode ser objeto de expropriação. A satisfação do crédito depende da vontade do devedor. Nos casos de impossibilidade física de cumprimento é legítima a recusa. Porém, não faz sentido permitir que o Estado/devedor, imotivadamente, deixe de cumprir uma decisão judicial condenatória de dinheiro.

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CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA

As medidas de coerção utilizadas comumente, tais como astreintes executadas da mesma maneira que o crédito principal, pelo precatório judicial. A única medida que teria como realmente coagir o Estado/de-

servidor que der causa ao inadimplemento de decisões judiciais. Muito embora compatíveis com o princípio da proporcionalidade, atentam contra o princípio da intervenção mínima. Além disso, a falta de imediatidade na aplicação da pena, a ser executada apenas por um juiz crimicoerção no cumprimento das decisões judiciais. A exemplo do direito alemão, o direito brasileiro reclama descriminalização para condutas de descumprimento à ordem judicial, em prol do contempt of court civil de prisão, no qual é o próprio juiz cível quem aplica a sanção restritiva de liberdade. Dependendo do caso (contempt direto) o juiz cível pode prender o responsável pelo atraso, No entanto, mesmo nas situações de contempt indireto, o juiz cível aplica a sanção, embora, para tanto, seja incidentalmente instaurado um outro processo. Molina registra que

“los tribunales han constantemente reclamado que si hubiere necesidad de promover un juicio para vindicar su propia dignidad o hacer cumplir su propios mandatos, proteger a sus empleados y escudarse contra quienes mantener el respeto que debe el público a ley y al orden. Por tanto, la facultad sumaria de castigar el desacato se basa en que es necesario conservar inmaculado el halo de gloria

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que resplandece a su alredor, e impedir que se trate de hacer despreciable a la Justicia ante los ojos del público”.106

O reconhecimento da necessidade da prisão civil nas execuções contra a Fazenda Pública é condição sine qua non para o restabelecimento da autoridade do Poder Judiciário. Não há qualquer inconstitucionalidade nisso. A prisão pode ser decretada pela autoridade judiciária competente e a lei pode considerar como competente o juiz cível. Não é a prisão civil que é vedada pelo texto constitucional, mas sim a prisão civil de dívida. Para esse efeito, o conceito de dívida deve excluir as obrigações que não podem ser suscetíveis de execução forçada contra o patrimônio do devedor, sob pena de negar-se,

análise do instituto no direito brasileiro e comparado, sugere que “se criem

“só o direito público, nos casos previstos em lei, pode criar situações pri107 Na execução contra a Fazenda Pública seria bom que houvesse a responsabilização de seu patrimônio, mas a Constituição a veda (art. 100). A efetividade da jurisdição é matéria de direito processual e constitucional, ramos do direito público que podem criar situações de privação de liberdade. Não se deseja a prisão indiscriminada de servidores públicos pelo atraso no cumprimento das decisões, o que certamente causaria insegurança jurídica. A prisão só teria cabimento nos casos previamente regulamentados em lei e quando a decisão fosse materialmente de possível cumprimento. Dessa maneira, o direito brasileiro, enquanto não abolido o regime do precatório judicial nas execuções contra a Fazenda Pública, reclama urgentemente de instituto jurídico semelhante ao contempt of court civil e de prisão, tal como aplicado no direito anglo-saxão.

106

MOLINA PASQUEL (1954, p. 81).

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