Conteúdo Gerado pelo Usuário: Telenovelas e suas Intertextualidades

Share Embed


Descrição do Produto

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

Conteúdo Gerado pelo Usuário: Telenovelas e suas Intertextualidades1 Fernanda Pires de Sá2 Universitat Oberta de Catalunya, Barcelona, Espanha.

Resumo O presente artigo demonstra o conteúdo gerado pelo usuário (CGU) como um elemento chave na era da convergência e da cultura participativa por ser o tipo de conteúdo criado por pessoas comuns, pela audiência. Também elucida os CGUs e as formas pelas quais eles podem se materializar. Para isso, foram utilizadas as categorias textuais do estruturalista francês Gerard Genette e exemplos de CGUs extraídos do Facebook que têm como fonte cânone a telenovela Babilônia, da Rede Globo. Palavras-chave: conteúdo gerado pelo usuário; intertextualidade; telenovela; cultura participativa. Introdução As mudanças nas relações e nos padrões de uso dos meios de comunicação por suas audiências, as transformações nas formas em que os conteúdos audiovisuais são produzidos e distribuídos no meio digital e dispositivos móveis (HOLT; SANSON, 2014) acarretaram durante as últimas décadas, diversas alterações na ecologia dos meios de comunicação. Podemos observar que as tecnologias da informação e comunicação (TICs) estão sempre em um processo de constante inovação o que de certa forma contribui para que as pessoas modifiquem suas práticas econômicas e sociais. Este processo de constante inovação ficou ainda mais visível com o desenvolvimento das tecnologias e dispositivos móveis. Segundo Tussey (2014), a expansão destes dispositivos móveis, como smartphones e tablets, podem ser usados em diferentes locais, e oferecem ferramentas úteis para criarmos nossas próprias agendas políticas e culturais.

1

Trabalho apresentado no GP Ficção Seriada, XV Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento

2

Doutoranda do programa de Sociedade da Informação e o Conhecimento da Universitat Oberta de Catalunya (UOC), pesquisadora vinculada ao grupo de pesquisa em comunicação e cultura digital, Mediacciones: cultura digital, do Internet Interdisciplinary Institute IN3-UOC, email: [email protected]

1

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

Isso contribui para uma variação nas práticas de visualização e envolvimento com os conteúdos de mídias, já que estes dispositivos oferecem maneiras fáceis de produzir vídeos, fotos, entre outros tipos de textos, abrindo portas para que pessoas comuns e os adeptos dos movimentos Do-it-yourself (Faça você mesmo) criem e distribuam conteúdos. Em outras palavras, a utilização de diferentes plataformas neste ambiente conectado fomenta as práticas de conteúdo gerado pelo usuário (CGU).

Conteúdo Gerado pelo Usuário As práticas de conteúdo gerado pelo usuário são partes importantes da era da convergência e da cultura participativa, já que estes são os textos criados pelo público ou pelos usuários de mídia. De acordo com Van Dijck (2009) os usuários são comumente considerados os contribuintes ativos da internet que usam o seu esforço criativo para produzir conteúdo fora do âmbito profissional. O CGU pode ser parte de um fandom, ser criado em grupo ou individualmente, ou pode ser feito em diferentes formatos de textos, tais como extensões de narrativa ou comentários e paratextos (GUERRERO, 2013). Krumm, Davies e Narayanaswam (2008) afirmam que o CGU se refere a pessoas comuns que contribuem voluntariamente, para a criação de dados, informação e criação de conteúdo de mídia na web, como por exemplo, a criação e participação em wikis, em sites de avaliação, em blogs, fóruns de discussão e redes sociais. Ou como Scolari (2012) descreve, o que define o que é o CGU é o seu enunciador porque quem cria a enunciação é um usuário, uma pessoa que faz parte da audiência que parou de apenas receber e começou a também produzir conteúdo na web. Esse enunciador também é conhecido como prosumer (TOFLER, 1980) ou produser (BRUNS, 2008), é alguém que além de consumidor passa a ser produtor ou um usuário que também produz conteúdo. Mas vale lembrar que antes da era digital os fãs já tinham uma participação ativa que agora pode ser vista de uma forma mais evidente. O CGU é uma prova do processo turbulento de adaptação que a indústria cultural tradicional está sofrendo nas esferas de consumo e produção. Por um lado, os usuários têm mais poder para exigir e formar parte no processo de criação de conteúdo. Mas, por outro lado, isso gera uma grande quantidade de dados que ficam à disposição das empresas que os utilizam para alcançar seus consumidores, através dos motores de busca, e pelo uso de algoritmos (VAN DIJCK, 2009) ou, para serem usados nas tão famosas análises de Big

2

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

Data (dados massivos). Este outro lado da moeda, demostra o que Bird (2011) diz a respeito da tendência que temos em classificar toda a atividade participativa como uma prova de uma mudança revolucionária em nosso relacionamento com os meios de comunicação. Na verdade, em parte é um equivoco; pois ao mesmo tempo em que produzimos dados gratuitamente, há o fato de que a maioria das pessoas, por acessibilidade ou por disponibilidade de tempo não são criadoras e sim, reprodutoras ou colecionadoras de conteúdo. Lessig (2008) chama isso de cultura do remix, posto que o conteúdo gerado pelo usuário existe tanto dentro como fora de contextos comerciais. Os conteúdos sofrem diversas transformações e a sua lógica de produção é regida pela criatividade. Passa muitas vezes, por cima de direitos autorais de grandes corporações, o que pode tanto apoiar como subverter o controle corporativo. Por essas características da cultura do remix, podemos afirmar, ainda que não seja oficial, que os CGUs também podem ser considerados parte de um mundo narrativo transmídia, já que os mesmos têm a capacidade de expandir as narrativas oficiais e muitas vezes serem incorporados pelas empresas responsáveis por dita produção. Entende-se por uma narrativa transmídia uma história ou narrativa que é expandida através de múltiplas plataformas. Cada plataforma gera um novo texto com um valor distinto e contribui para a criação e ampliação do significado de toda a história (JENKINS, 2003, 2006), contribuindo para que os fãs se engajem com o mundo em torno da narrativa em questão. Scolari (2011) acrescenta que a narrativa transmídia é em realidade uma galáxia textual que foi criada graças ao processo de centrifugação textual, que se expande através de diferentes sistemas de significação, tais como verbal, icônico, audiovisual, interativo e outros. Roig (2009) afirma que a narrativa transmídia acontece quando novas visões e novas narrativas relacionadas a um mundo ficcional, já existente, e novas personagens são criadas em diferentes plataformas e meios de comunicação. Os lugares mais visíveis para observar os CGUs e essa lógica de apoio ou subversão aos grandes conglomerados de mídia são os grupos online que compartilham interesses em comum ou os fandoms. O fandom é o território dos fãs. Nele, os fãs produzem suas próprias narrativas e textos. Também podem se encontrar com outros fãs e se juntar para criar suas próprias

3

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

histórias (MIRANDA, 2009). O fandom é, portanto, um espaço de transição entre o consumo e a produção de textos (ABERCROBIE; LONGHURST, 1998). Com as redes sociais e as plataformas colaborativas, as atividades dos fãs ou de audiências mais ativas ficaram mais em evidência já que são de fácil acesso e ficam armazenadas na rede. No entanto, um CGU como fora dito anteriormente, pode ser criado ou não dentro de um fandom. Também pode ser um dos componentes de uma narrativa transmídia e ter a capacidade potencial de mudar ou reafirmar seu cânone. O cânone ou cânon, neste caso, é a história ou narrativa oficial, criado por um autor ou uma corporação (GUERRERO, 2013). Os acontecimentos no cânone são representados através de uma fonte principal, que produzirá um universo em que nós podemos encontrar o espaço e o tempo em que as personagens são representadas (ROIG, 2013). Neste artigo, utilizaremos a telenovela Babilônia, da Rede Globo, como cânone para elucidar diferentes tipos de CGUs e suas intertextualidades. Esta escolha foi fundamentada por serem as telenovelas da Rede Globo os produtos culturais de maior consumo no Brasil (DE FARIA; DE ANDRADES FERNANDES, 2007; DE LIMA, 2001;VASSALLO DE LOPES, 2002) e também porque são os que geram maior intertextualidade nas práticas conversacionais dentro da nossa sociedade. Telenovela Babilônia A telenovela Babilônia tem como principais autores Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga. Sua primeira transmissão foi no dia 16 de março de 2015, no então horário nobre (21 horas) da Rede Globo. A trama principal do folhetim se baseia nas maldades e nas vinganças de duas vilãs que tiveram suas histórias cruzadas no passado, e se reencontram no tempo presente da trama: Beatriz representada pela atriz Glória Pires e Inês pela Adriana Esteves. No entanto, os diferentes núcleos e tramas vão além da história das vilãs. Como afirma Vassallo de Lopes (2002, 2009) a telenovela traz a cada edição uma novidade para atrair a audiência. Também apresenta temas de cunho social que promovem o debate e buscam uma melhora nas relações interculturais de um país que por natureza é multicultural. A

telenovela

Babilônia

começou

apresentando

temas

sociais

como

o

homossexualismo, a ninfomania, além da já batida prostituição e infidelidade.

4

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

Tudo isso foi apresentado sem preparar o público e sem este estar contextualizado com as tramas e as personagens. Logo nas primeiras cenas do primeiro capítulo foram mostradas cenas de um casal de senhoras (Teresa e Estela) se beijando, representado pelas atrizes veteranas, Fernanda Montenegro e Nathália Timberg. Além de mostrar a personagem Beatriz tendo relações com distintos homens. O tema do homossexualismo aparece cada vez mais nas telenovelas desde a década de 1990. Na maioria das vezes, sob forma caricata, até então aparentemente tem tido uma aceitação positiva por parte do público (LA PASTINA; JOYCE, 2014). Entretanto, o mesmo tema, homossexualismo, foi representado de forma natural em Babilônia e gerou diversas discussões no Twitter, no Facebook, nos blogs sobre famosos, nos programas de televisão, na imprensa tradicional. Promoveu ainda, campanhas anti telenovela por políticos que defendem a religião e a formação da família tradicional. Por essas razões, os índices de audiência da telenovela caíram e a trama teve que sofrer modificações e perder frentes de gravação (BRAGA, 2015). Os beijos entre o casal maduro de senhoras pararam de ser exibidos, o ator Marcos Pasquim representaria um homossexual passou a ser heterossexual. A personagem Alice (Sophie Charlotte) que era uma moça de família deveria ser agenciada pelo próprio namorado Murilo (Bruno Gagliasso) para ser prostituta de luxo, se apaixonou pelo milionário Evandro (Cássio Gabus Mendes) e virou boa moça. A personagem de Gloria Pires diminuiu a quantidade de homens com que se relacionava e se apaixonou. A mocinha Regina vivida por Camila Pitanga foi sabotada muitas vezes para conseguir um pouco da empatia do público. Todas essas transformações podem ser consideradas ruins, mas em termos intertextuais foram bem produtivas, já que os usuários de redes sociais criaram muitos conteúdos positivos/negativos para o mundo narrativo de Babilônia. Intertextualidade nos CGU de telenovelas O conteúdo gerado pelo usuário pode ser muito heterogêneo, mas também semelhante ao seu cânone. A sua quantidade pode ser imensa e rapidamente viralizada, como é o casos dos memes, que não passam de mais uma das várias formas nos quais os CGUs podem se materializar.

5

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

Para

demonstrar os mais variados tipos de CGUs criados com base em uma

narrativa cânone, tomamos como marco teórico as categorias de intertextualidade do estruturalista francês Gerard Genette. Os estudos da intertextualidade, no seu início, foram mais centrados na literatura e cada vez mais estão se alargando a outros fenômenos culturais e sociais, como cinema, teatro, televisão, música, arte (NAVARRO, 2006) e também nos novos meios de comunicação, nas rede sociais e nos CGUs. No entanto, a noção de intertextualidade semiótica foi introduzida pela teórica búlgara Julia Kristeva em 1967 (NAVARRO, 2006). A autora foi influenciada pelos estudos de dialogismos do soviético russo Mikhail Bakhtin. Kristeva coincide com Bakhtin ao considerar que todo texto tem uma importância na história (no seu contexto) e a história aparece em forma de texto. Ela totalizou o conceito do texto. A compreensão do texto passa a não ser somente literário e sim serve para descrever todos os tipos de textos em geral (BUENO, 2002). Além disso, ela explica que um mosaico de citações é o que forma cada texto e cada texto é absorvido e transformado por um outro texto (KRISTEVA, 1967). Em outras palavras, o ato de escrever ou produzir um texto está sempre ligado com a redistribuição ou a divulgação de um texto anterior, significando que dentro de um texto, há sempre outros textos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2005). De acordo com Chandler (1994), a autora também se referiu aos textos por meio de dois eixos. Um dos eixos é o horizontal que é a ligação entre o leitor e o autor de um texto. O outro é o eixo vertical que faz uma conexão entre um texto e outros textos. É importante notar que, como afirma Navarro(2006), desde os gregos antigos, sempre existiram termos para se referir aos textos e às relações diretas ou indiretas que eles teriam com outros textos. Em 1982, Gerard Genette propôs o termo chamado transtextualidade como um termo mais abrangente que a intertextualidade para caracterizar as relações textuais (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2005).

De acordo com Genette (1992), a

transtextualidade (transcendência textual) inclui diversos elementos, como elementos de imitação, transformação, e outros que permitem a classificação dos tipos discursivos. Genette, por ser um estruturalista, usa o conceito de transtextualidade para demonstrar como os textos podem ser interpretados e compreendidos de forma sistemática. Ele acredita que as várias formas de transtextualidade são ao mesmo tempo, todos os aspectos da textualidade, por isso, ele fez uma classificação muito meticulosa dos fenômenos

6

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

intertextuais (BUENO, 2002). Dentro das relações transtextuais podem ser encontrados cinco tipos: intertextualidade, paratextualidade, metatextualidade, arquitextualidade e hipertextualidade (GENETTE, 1989). Explicaremos abaixo cada uma das categorias de transtextualidade criadas por Genette. Para isso utilizamos CGUs extraídos de publicações feitas dentro de dois grupos fandom do Facebook que seguem a telenovela Babilônia, ambos com o mesmo nome, Novela Babilônia. Ainda vale salientar que os textos foram extraídos destes grupos mas também fazem parte de fontes externas com difícil identificação de autoria. Além disso, a escolha desta pequena amostra de textos foi intencional para poder elucidar as formas de transtextualidade por meio da telenovela Babilônia. A intertextualidade para Genette (1997) consiste nas citações, no plágio, e na alusão, proporcionando assim, uma relação intertextual pragmática e determinável entre elementos específicos de textos individuais. Abaixo vemos no CGU uma citação da cena de Babilônia onde a personagem Teresa manda um beijinho no ombro para as invejosas. Essa fala da personagem faz alusão ao hit Beijinho no Ombro da cantora Valesca Popozuda.

Figura 1. CGU intertexto. Fonte: Facebook, figura extraída com NCapture. A paratextualidade é formada pelos elementos iniciais do texto, os elementos que ajudam a direcionar a recepção de um texto pelos seus leitores. Os paratextos, se subdividem peritexto e epitexto. Os peritextos podem ser os títulos, títulos de capítulos, prefácios, legendas, notas de rodapé, também podem ser considerados peritextos as dedicatórias, as ilustrações, as epígrafes e os prefácios. No caso de Babilônia, assim como, em outras telenovelas, os exemplos de peritextos que não foram criados pela própria Rede Globo podem ser encontrados, por exemplo, em publicações de usuários de grupos do Facebook que seguem a telenovela. Muitas vezes, estes usuários ajudam os outros a entenderem certas partes da narrativa, ou explicam acontecimentos para outros fãs que não puderam acompanhar os

7

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

capítulos. No caso da telenovela Babilônia podemos enquadrar textos contrários à telenovela, os quais diziam que a telenovela denegria a família brasileira. Tais textos poderiam talvez até mudar o olhar dos telespectadores que ainda não tivessem assistido o folhetim. Seguem abaixo alguns exemplos.

Figura 2. CGUs em forma de peritextos. Fonte: Facebook, figuras extraídas com NCapture. Os epitextos consistem nos elementos fora do texto em questão, tais como entrevistas, anúncios publicitários, críticas, opiniões, entre outros (GENETTE, 1997). Os epitextos são os tipos de paratextos mais utilizados por usuários que seguem as telenovelas (GRAY, 2010). Como podemos ver na figura abaixo, é comum que usuários ou fãs de telenovela expressem através de redes sociais suas opiniões e expectativas, compartilhando também textos criados por outros usuários ou até mesmo pela imprensa tradicional.

Figura 3. CGUs em forma de epitextos. Fonte: Facebook, figuras extraídas com NCapture.

8

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

A metatextualidade contém referências explícitas ou implícitas de um texto em outro (GENETTE, 1989) É o que une um determinado texto a outro sem a necessidade de citá-lo. A metatextualidade se refere explicitamente a referências óbvias que não deixam dúvidas quanto ao significado textual, ainda que de forma implícita. A metatextualidade pode ser encontrado nos bordões criados na telenovela que são reproduzidos no dia a dia dos telespectadores. O exemplo abaixo é referente ao bordão utilizado pela personagem Beatriz de Babilônia ao falar com sua arquirrival .

Figura 4. CGUs com metatextualidade. Fonte: Facebook, figuras extraídas com NCapture. A arquitextualidade se refere a um texto que forma parte de um gênero ou gêneros ou seja, a sua essência está baseada nas expectativas temáticas e figurativas em relação a estes textos. De certo modo é o que cria certas expectativas relacionadas ao texto, porque faz parte de um gênero já conhecido do futuro leitor (GENETTE, 1989). Babilônia estava de antemão categorizada como uma novela do autor Gilberto Braga, ou seja a maioria dos fãs ou simpatizantes das novelas escritas por este autor já esperavam algo polêmico, já que suas telenovelas anteriores apresentaram estas características (AQUINO; PUHL 2011). Este tipo de arquitextualidade é dificilmente encontrada sozinha dentro dos CGUs. Normalmente, ela pode ser acompanhada da hipertextualidade.

9

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

Figura 5. CGU arquitexto. Fonte: Facebook, figura extraída com NCapture. O último tipo de transtextualidade é a hipertextualidade, um dos tipos de transtextualidades mais desenvolvidos nos CGUs. Como explica Genette (1989)

a

hipertextualidade se dá por meio da relação entre um texto B (hipertexto) com um texto de existência anterior A (hipotexto). Esta relação não se materializa em forma de comentário mas, através de transformações, imitações, modificações tais como a paródia, travestimento e pastiche, que são algumas das muitas subcategorias do hipertexto. Para Genette(1989) a paródia é o que muda o estilo do texto por meio de uma simples transformação que causa um efeito cômico para ver o trágico em outra perspectiva. O travestimento é uma transformação estilística com função degradante, enquanto que o pastiche pode ser considerado uma imitação de um estilo que pode conter ou não uma função satírica e caricata. O hipertexto pode ser entendido tanto isoladamente quanto relacionado ao seu hipotexto ou hipotextos. É importante salientar que Genette(1989) chama atenção ao dizer que não é possível separar completamente um tipo de transtextualidade do outro, já que muitas vezes uma categoria aparece conjuntamente com a outra. O paratexto é o CGU mais produzido mas o hipertexto é o tipo de CGU que mais chama a nossa atenção por sua criatividade, posto que vivemos a cultura do remix. No caso da telenovela os hipertextos se apresentam muitas vezes por meio de memes na web e nas redes sociais. Abaixo seguem alguns CGUs em formato de hipertexto, nos quais as personagens da telenovela Babilônia estão representadas. Na figura número sete identificamos mais de um hipotexto cânone, já que em uma das imagens vemos a atriz Fernanda Montenegro como personagem do filme O Auto da Compadecida com referência ao horário que nos remete a Cinderela. Na figura número oito temos outra vez mais de um hipotexto cânon do beijo entre as personagens Estela e Teresa e do O Auto da Compadecida, mostrando de uma maneira

10

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

irreverente as diferenças de comportamento com os quais nos apresentamos em família e fora com os amigos. Já na figura número nove vemos um exemplo de uma relação hipertextual que também é intertextual, paratextual e metatextual. O beijo entre um ser humano e um cachorro

representa uma mudança formal na maneira de representar o beijo das

personagens de Babilônia. Também faz alusão ao beijo entre Teresa e Estela, sem a necessidade de explicitá-lo, sendo ainda, uma crítica às telenovelas da Rede Globo.

Figura 6. Hipotexto – beijo entre Estela e Teresa. Fonte: Rede Globo, figura extraída do Facebook com NCapture.

Figura 7. CGU- Hipertexto com diversos hipotextos de referência. Fonte: Facebook, figura extraída com NCapture.

Figura 8. CGU- Hipertexto com diferença de comportamentos. Fonte: Facebook, figura extraída com NCapture.

11

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

Figura 9. CGU- Múltiplas relações textuais. Fonte: Facebook, figura extraída com NCapture. Considerações Finais Para Bird (2011), os CGUs são formas de produção participativa que se materializam na maioria das vezes quando são relacionados a programas cânones de entretenimento. Têm ainda, o potencial de serem incorporados pelas empresas produtoras de uma narrativa cânon para chamar a atenção do seu público que está cada vez mais disperso e fragmentado (BIRD, 2003) frente à imensa possibilidade de acesso a conteúdos no meio ambiente conectado. As telenovelas, por exemplo, apesar de serem consideradas por muitos, apenas como uma forma de entretenimento, desempenham uma grande função social e têm um enorme potencial de produzir os mais variados tipos de CGUs. Como nos chama a atenção Vassallo de Lopes (2002), a telenovela costuma abrir um debate para questões sociais e práticas de cidadania. Pudemos encontrar CGUs contrários e a favor da representação homossexual na telenovela Babilônia. Talvez no futuro, estes CGUs conjuntamente com outras telenovelas ampliem essa função social, já existente, e deem origem a uma maior empatia e aceitação de grupos minoritários. Isso é provável se pensarmos nos recentes ciberativismos que através de redes sociais tomaram as ruas do Brasil em junho de 2013 com o Movimento Passe Livre (MORAES;SANTOS, 2014) , e nos Estados Unidos e Europa nos movimentos Occupy e 15M (DELUCA; LAWSON; SUN, 2012). Exemplificamos, em nosso artigo, como a telenovela Babilônia deu origem a múltiplos CGUs em formato de fotos, convém ressaltar que os mesmos podem aparecer em outros formatos, sejam eles vídeos, áudio, etc.

12

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

A Rede Globo, como podemos ver no site do Gshow, cria intertextos (GENETTE, 1997), que reproduzem ou fazem alusão aos formatos de CGUs, tipicamente criados por usuários de redes sociais e da internet para poder assim, chamar atenção de seus telespectadores e utilizar a mesma linguagem deles, como por exemplo, blog/vblog e frases das personagens, em formato de memes entre outros. Cumpre nos ressaltar que o constante desenvolvimento e fácil acesso às novas tecnologias, aos novos meios de comunicação e plataformas potencializam CGUs cada vez mais elaborados, com a possibilidade de se apresentarem em novos formatos e novas propostas, inclusive sociais. Isso significa também que podemos criar CGUs com padrão de qualidade de empresas de mídia e/ou virais, na internet, criados com qualidade amadora pelas empresas. Finalizando, embora não de forma totalitária, lembramos Jenkins (2006) quando afirma que há um espaço na era da convergência para romper barreiras entre a produção e consumo. Os CGUs são a comprovação disso e serão produzidos cada vez mais de modo dinâmico e disseminado. Referências bibliográficas ABERCROMBIE, N.; LONGHUSRT, B.J. Audiences: a sociological theory of performance and imagination. London: Sage, 1998. AQUINO, M. C.; PUHL, P. Vale tudo no Twitter: a visibilidade da ficção televisiva em tempos de convergência midiática. Revista Alceu, Rio de Janeiro, RJ, v.12, n. 23, p. 34-48, 2011. BIRD, S. E. ARE WE ALL PRODUSERS? Cultural Studies. v. 25, n. 4-5,p. 502-516, 2011. BIRD, S. E. Audience in everyday life: living in a media world. New York: Routledge, 2003. BRAGA, G. Gilberto Braga comenta audiência abaixo do esperado de 'Babilônia' e promete castigar vilã no final: 'Não aguento mais impunidade'. [31 de maio, 2015]. Rio de Janeiro. O Globo. Entrevista concedida a Zean Bravo. BRUNS, A. Blogs, Wikipedia, Second Life, and beyond: From production to produsage. New York: Peter Lang, 2008. BUENO, M. F. El pasado literario en la obra de Christoph Hein. 2002. 372 f. Tese (Doutorado em Filologia) - Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2002. CHANDLER, D. Semiotics for beginners. Aberystwyth: Daniel Chandler, 1994. Disponível em: < http://visual-memory.co.uk/daniel/Documents/S4B/> Acesso em: 12 jul.2015. CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D.Diccionario de análisis del discurso. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 2005.

13

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

DE FARIA, M. C. B.; DE ANDRADE FERNANDES, D. Representação da identidade negra na telenovela brasileira. Revista da Associação Nacional os Programas de Pós-Graduação em Comunicação. v.9, p.2-5., 2007 DE LIMA, S. M. C. A personagem negra na telenovela brasileira: alguns momentos. Revista USP, n.48, p. 88-99, 2001 DELUCA, K. M; LAWSON, S; SUN, Y. Occupy Wall Street on the public screens of social media: The many framings of the birth of a protest movement. Communication, Culture & Critique, v. 5, n. 4, p. 483-509, 2012. GENETTE, G. Palimpsestos: la literatura en segundo grado. Madrid: Taurus, 1989. GENETTE, G. The architext: an introduction. Berkeley: University of California Press, 1992. GENETTE, G. Paratexts: thresholds of interpretation. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. GRAY, J. A. Show sold separately: promos, spoilers, and other media paratexts. New York, New York: University Press, 2010. GUERRERO, M. Glosario. In SCOLARI, C. A. Narrativas Transmedia: Cuando todos los medios cuentan. Barcelona: Centro Libros PAPF, S.L.U, 2013. HOLT, J.; SANSON, K. Connected viewing: selling, streaming, & sharing media in the digital era. New York; London: Routledge, 2014. JENKINS, H. Transmedia Storytelling: Moving characters from books to films to video games can make them stronger and more compelling. In MIT Technology Review. Disponível em: < http://www.technologyreview.com/news/401760/transmedia-storytelling/ >Acesso em: 12 jul.2015. JENKINS, H. Convergence culture: where old and new media collide. New York: New York University Press, 2006. KRISTEVA, J. Bakhtine, le mot, le dialogue et le roman. In NAVARRO, D. Intertextualité. Treinta años después. Intertextualité. Francia en el origen de un término y el desarrollo de un concepto.UAM-X., v.18, p.15-25, 2006. KRUMM, J.; DAVIES, N.; NARAYANASWANI, C. User-generated content. IEEE Pervasive Computing, v.7, n.4, p.10-11, 2008. LA PASTINA, A.; JOYCE, S. Changing GLBTQ representations: The Sexual Other in Brazilian Telenovelas. Lumina, v.8, n. 2, 2015. LESSIG, L. Remix: making art and commerce thrive in the hybrid economy. New York: Penguin Press, 2008. MIRANDA, F.M. O Fandom como sistema literário: uma análise crítica do texto na Era da Reapropriação virtual. 2002. 155 f. Dissertação(Mestrado em Letras)-Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009. MORAES, T.P.B.; SANTOS, R. M. Os protesto no Brasil - Um estudo sobre as pesquisas por interesse na web e na primavera brasileira. Derecho y Cambio Social, n. 35, ano XI, p. 1-15, 2014. NAVARRO, D. Intertextualité. Treinta años después. Intertextualité. Francia en el origen de un

14

Intercom)–)Sociedade)Brasileira)de)Estudos)Interdisciplinares)da)Comunicação) XXXVIII)Congresso)Brasileiro)de)Ciências)da)Comunicação)–)Rio)de)Janeiro,)RJ)–)4)a)7/9/2015

término y el desarrollo de un concepto. UAM-X, v.18 p. 15-25, 2006. ROIG, A. Cine en conexión: Producción industrial y social en la era" cross- media”. Barcelona, Spain: Editorial UOC, 2009 ROIG, A. T.¿Fans productores? Una aproximación a la ficción y los films de fans. In ARANDA, D., SÁNCHEZ-NAVARRO, J., & ROIG, A. T. Fanáticos: La cultura fan. Barcelona, Spain: Editorial UOC, 2013. SCOLARI, C. A. El texto DIY (Do It Yourself) In CARLÓN, M.; SCOLARI, C. A. Colabor_arte: Medios y artes en la era de la producción colaborativa. Buenos Aires: La Crujía, 2012. SCOLARI, C. A. in MUNGIOLI, M. C. A construção de mundos possíveis se tornou um processo coletivo. MATRIZes, MATRIZes, v4., n. 2, p.127-127, 2011. TOFFLER, A. La tercera ola. Barcelona: Plaza & Janés, 1980. TUSSEY, E. Connected Viewing on the Second Screen: The Limitations of the Living Room. In HOLT, J.; SANSON, K. Connected Viewing: Selling, Streaming, & Sharing Media in the Digital Age. New York: Routledge, p. 202-216, 2014. VAN DIJCK, J. Users like you? Theorizing agency in user-generated content. Media, Culture and Society.v. 31, n.1, p. 41-58, 2009. VASSALLO DE LOPES, M. I. Telenovelas as a communicative resource. Revista MATRIZes v. 3, n.1, p.1-23, 2009. VASSALLO DE LOPES , M. I. Narrativas televisivas e identidade nacional: o caso da telenovela brasileira. In XXV CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, INTERCOM, Salvador, 2002. Disponível em Aces so em: 12 jul.2015.

15

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.