Contribuição à definição do conceito eficácia jurídica

July 3, 2017 | Autor: H. de Oliveira Sa... | Categoria: Legal Theory
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CONTRIBUIÇÃO À DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE EFICÁCIA JURÍDICA CONTRIBUTION TO DEFINITION OF LEGAL EFFICACY CONCEPT Hermano de Oliveira Santos1

Resumo: este trabalho procura caracterizar analiticamente o conceito de eficácia jurídica, distinguindo-o do conceito validade jurídica, delineando suas características e aspectos, fazendo considerações sobre alguns possíveis efeitos decorrentes da interpretação/aplicação das normas jurídicas, e reconhecendo-o como um especial problema hermenêutico. Trata-se de uma tentativa de contribuir para uma maior precisão do conceito, abordado algo diferentemente pela teoria da norma jurídica e pelas teorias da aplicabilidade e efetividade das normas constitucionais. Durante a pesquisa, observou-se que essa relativa imprecisão conceitual procede mais de opções metodológicas e terminológicas do que da natureza mesma do objeto de estudo, o que gera consequências didáticas negativas. Observou-se também que o estudo das normas constitucionais constitui campo privilegiado para a definição do conceito, uma vez que, na interpretação/aplicação dessas normas, frequentemente ocorrem problemas hermenêuticos, relacionados tanto ao modo de sua interpretação quanto a dúvidas sobre quais delas devem ser aplicadas concretamente. Palavras-chave: eficácia jurídica; aplicabilidade; efetividade; efeitos jurídicos. Abstract: This paper aims to analytically characterize the concept of legal effect, distinguishing the concept of legal validity, outlining its features and aspects, making some considerations on possible effects arising from the interpretation/application of legal standards, and recognizing it as a special hermeneutical problem. This is an attempt to contribute to greater precision of the concept, something approached differently by the theory of rule of law and theories of the applicability and effectiveness of constitutional norms. During the research, it was observed that this relative conceptual vagueness comes over methodological and terminological than the same nature of the object of study, which generates negative consequences teaching options. It was also observed that the study of constitutional norms is privileged field for the definition, since, in the interpretation/application of these standards, often hermeneutical problems, both related to the mode of their interpretation as questions about which of them occur should be concretely implemented. Keywords: applicability; effectiveness; legal effects; legal efficacy. Sumário: Introdução. 1. Distinção entre validade jurídica e eficácia jurídica. 2. Três características: força, limite e âmbito normativos. 3. Dois aspectos: aplicabilidade e efetividade. 4. Efeitos jurídicos. 5. Uso doutrinário específico. 6. Eficácia jurídica como problema hermenêutico. Referências Bibliográficas Introdução

Estudar a eficácia de uma norma implica indagar qual a sua capacidade de produzir efeitos na realidade em que incide. Para a Ciência do Direito, a indagação recai sobre a eficácia jurídica, isto é, sobre as possibilidades de aplicação e de efetivação de uma dada norma jurídica na realidade social. O problema da eficácia jurídica consiste, portanto, na possibilidade de aplicar uma norma

jurídica, de acordo com os requisitos intrínsecos ao ordenamento jurídico, e na possibilidade de efetivá-la, o que diz respeito à observância social de sua normatividade2. Nesse sentido, vale dizer que toda norma jurídica, para ser aplicada, carece de efetividade, e para ser efetiva, carece de um mínimo de aplicabilidade (verbi gratia, a vigência). Nenhuma norma jurídica, por mais perfeita que seja a sua validade dentro do ordenamento jurídico, é aplicada prescindindo da observância social de sua normatividade, de sua efetivação; por outro lado, uma norma jurídica efetiva, efetivada pelo grupo social, pode não reunir suficientemente os requisitos técnico-normativos necessários para sua aplicação, mas algum ou alguns deles há de apresentar (como, por exemplo, e fundamentalmente, a vigência, decorrente de sua validade dentro do ordenamento jurídico). O estudo da eficácia jurídica é de interesse não apenas da Teoria do Direito, ou do Direito Constitucional, mas também da Hermenêutica Jurídica, e em particular da Hermenêutica Constitucional. Neste trabalho, aborda-se o conceito de eficácia jurídica não apenas na perspectiva da dogmática jurídica tradicional, como característica da norma jurídica que é, mas especialmente como problema hermenêutico, tal como visto pela doutrina constitucionalista contemporânea.

1. Distinção entre validade jurídica e eficácia jurídica

Um aspecto do conceito validade jurídica tem a ver com a sua função, com o ser um critério de pertencimento de uma norma a dado ordenamento jurídico. Outro aspecto desse conceito referese ao que ele de fato é, no que se assemelha e diferencia do conceito próximo eficácia jurídica, o qual será objeto de estudo mais detalhado nos itens seguintes. Como afirma Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2003, p. 181), “se dizemos de uma norma que ela vale, isto significa que ela existe em relação a. A questão é saber em relação a quê”. Aqui se verifica a mais importante característica do conceito validade jurídica, o ser um conceito relacional. Ainda segundo Ferraz Jr. (idem), esse conceito foi incorporado ao Direito por meio da filosofia dos valores, para a qual estes [os valores] são entidades (objetos) diferentes dos objetos reais, dos quais se dizem [sic] que são (no sentido de forma essencial e existência), ao passo que os valores valem (sua forma essencial não é um ser, mas um dever-ser, e sua existência expressa-se por sua validade);

e também que na origem o conceito tem sentido econômico, pelo qual “valores são, em princípio, relacionais: como o dinheiro para os valores econômicos, também os valores são medidos, submetidos a padrões, valem mais ou menos”. Em seguida, Ferraz Jr. apresenta três maneiras de dizer em relação a que uma norma jurídica existe, três diferentes concepções do conceito validade jurídica: semântica, sintática e pragmática.

Citando Alf Ross, Ferraz Jr. (2003, p. 181 e 182) diz que a concepção semântica entende validade jurídica como “um conceito relacional que manifesta a experiência social de uma conduta como obrigatória: dizer que uma norma vale é dizer que ela é aplicada pelos tribunais com a consciência de sua obrigatoriedade”, ou que “a norma é um signo que prescreve uma realidade comportamental, e sua validade verifica-se por uma relação signo/objeto, norma/comportamento de aplicação por parte dos tribunais”, de acordo com a probabilidade “do comportamento usual dos tribunais e da sociedade em que atuam”. Essa concepção deixa margem a dúvidas, sobretudo em situações-limite, como aquela da “norma recém-promulgada”, ou a da norma nem sempre observada socialmente: no primeiro caso, a objeção parte de Hans Kelsen, para quem a Ciência do Direito “tem de informar se uma norma vale ou não vale e não que uma norma vale em certo grau de probabilidade”; no segundo caso, a objeção é amparada nas ideias de Niklas Luhmann, para quem “o Direito é expectativa estabilizada sobre o não evidente”, “de modo contrafático”, o que quer dizer que, “por mais que seja não evidente a expectativa de respeito, esta é mantida normativamente”, ou seja, por mais que seja provável o comportamento desconforme, as normas jurídicas impõem a estabilidade das relações sociais (apud FERRAZ JR., 2003, p. 182). Segundo a concepção sintática, adotada por Hans Kelsen 3, Ferraz Jr. (2003, p. 183) diz que “uma norma vale em relação a outra norma, que a antecede hierarquicamente”, e, em outros termos, que “a norma é um signo, meio para outro signo, e a relação signo/signo, norma/norma, é uma relação de validade”; “não tem nenhuma relação com a regularidade empírica dos comportamentos prescritos”, havendo uma “distância entre validade e facticidade, que até podem coincidir, sem que a segunda determine a primeira”; em suma, “quando dizemos que normas valem, que têm validade, estamos exprimindo relações que não se reduzem a relações com os fatos por elas normados”. Fazse a seguinte objeção ao posicionamento de Kelsen, sempre repetida: acusa-se-a de “excesso de formalismo”, por “reduzir a validade a uma categoria formal do pensamento”, já que recorre ao postulado de uma norma fundamental, aquela que fundamenta todo o ordenamento jurídico, o que seria uma explicação “idealista e formal”, pela qual o ordenamento seria válido “porque teoricamente o postulamos como válido” (Idem, ibidem). Não obstante essa objeção, a concepção sintática, tal como formulada por Kelsen, é largamente seguida pela doutrina, talvez porque permita visualizar melhor a existência de uma norma como jurídica; nesse sentido, a observação de Flávia Piovesan (2003, p. 55): para Kelsen, “dizer que uma norma existe é dizer que ela é válida”. Não por acaso, é a partir da concepção sintática que Ferraz Jr. formula a concepção pragmática, ao passo que evita a primeira das objeções feitas à concepção semântica. Para a concepção pragmática, a validade jurídica é “a relação de um signo com seus usuários, ou seja, a validade da norma em relação a seu emissor (autoridade) e seu receptor (sujeito)”, chamada relação de autoridade, “que espera confirmação, admite negação, mas não suporta desconfirmação”; de

acordo com essa concepção, “normas são entendidas como uma forma de comunicação, comunicação normativa”; nesse sentido, “quando uma possível desconfirmação é, por sua vez, desconfirmada pela autoridade, que a ignora como desconfirmação e a toma como simples negação”, diz-se que a “norma ou comunicação normativa é válida”; mas isso não ocorreria como sugere Ross, a partir da probabilidade de comportamento dos tribunais e da sociedade, e sim a partir da imunização da relação de autoridade; assim sendo, “é preciso que a autoridade esteja imune contra a possível desconfirmação do sujeito”, observando que “nenhuma autoridade é autoridade em si, mas em razão de algum fundamento (reconhecimento social, inspiração divina etc.)”, e que “A imunização de uma norma jurídica repousa em outra norma”, de modo que “uma norma é válida se imunizada por outra norma”; a título de conclusão, diz-se que validade jurídica expressa uma relação de imunização (FERRAZ JR., 2003, p. 183 e 184). Norberto Bobbio, por seu turno, entende que validade é um critério de valoração da norma jurídica, ao lado dos critérios justiça e eficácia, os três “independentes um do outro” 4. Cada um desses critérios constitui um problema diferente para a Filosofia do Direito: o critério justiça encerra um problema de ordem axiológica ou deontológica, isto é, “o problema da correspondência da norma aos valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico”; o critério validade, um problema de ordem ontológica, isto é, “o problema da existência da regra enquanto tal, independentemente do juízo de valor se ela é justa ou não”; o critério eficácia, um problema de ordem fenomenológica, isto é, “o problema de [a norma] ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida (os chamados destinatários da norma jurídica) e, no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou” (BOBBIO, 2003, p. 45-47). Tratando do problema da validade, Bobbio (2003, p. 46) diz o seguinte: Enquanto o problema da justiça se resolve com um juízo de valor, o problema da validade se resolve com um juízo de fato, isto é, trata-se de constatar se uma regra jurídica existe ou não, ou melhor, se tal regra assim determinada é uma regra jurídica. Validade jurídica de uma norma equivale à existência desta norma como regra jurídica. Enquanto para julgar a justiça de uma norma é preciso compará-la a um valor ideal, para julgar a sua validade é preciso realizar investigações do tipo empírico-racional, que se realizam quando se trata de estabelecer a entidade e a dimensão de um evento.

Nesse sentido, importa dizer: uma norma tem validade jurídica quando (1) emana de uma autoridade com “o poder legítimo para emanar normas jurídicas”; (2) é vigente, ou tem vigor 5, isto é, emanada de autoridade legítima, “não foi ab-rogada” por outra norma, que a tenha sucedido no tempo ou que tenha tratado da mesma matéria de modo diferente; e (3) é compatível com as demais normas do ordenamento jurídico, especialmente as de hierarquia superior6 (BOBBIO, 2003, p. 47). Quanto ao problema da eficácia, Bobbio (2003, p. 47) diz: “Que uma norma exista como norma jurídica não implica que seja também constantemente seguida”. Diz também que

A investigação para averiguar a eficácia ou a ineficácia de uma norma é de caráter históricosociológico, se volta para o comportamento dos membros de um determinado grupo social e se diferencia, seja da investigação tipicamente filosófica em torno da justiça, seja da tipicamente jurídica em torno da validade (BOBBIO, 2003, p. 48).

Pode-se dizer que, nessa passagem, Bobbio não se refere especificamente ao conceito de eficácia jurídica. Com efeito, na tentativa de estabelecer diferenças entre o que chama de critérios de valoração da norma jurídica, ele não é preciso ao definir o conceito de eficácia, entendendo-o mais como problema histórico-sociológico do que jurídico. Aqui é preciso distinguir dois conceitos, designados com o mesmo substantivo (eficácia), que se aproximam, mas não se identificam, quais sejam: eficácia social e eficácia jurídica7. Assim, então, pode-se dizer que Bobbio define o conceito de eficácia social da norma jurídica, e não o conceito de eficácia jurídica da norma jurídica (permita-se a redundância). Ferraz Jr. (2003, p. 203) é quem demonstra a importância de se fazer tal distinção8, apresentando o seguinte resumo: Eficácia é uma qualidade da norma que se refere à possibilidade de produção concreta de efeitos, porque estão presentes as condições fáticas exigíveis para sua observância, espontânea ou imposta, ou para a satisfação dos objetivos visados (efetividade ou eficácia social), ou porque estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis para sua aplicação (eficácia técnica).

Vista em detalhes, no entanto, também a definição proposta por Ferraz Jr. carece de especificações. Nos itens a seguir, tentar-se-á demonstrar que o conceito de eficácia jurídica comporta desdobramentos.

2. Três características: força, limite e âmbito normativos

Analisando o conceito de eficácia jurídica, percebe-se a existência de três características principais, no sentido de elementos que revelam suas particularidades9. A doutrina não os especifica desse modo, como características do conceito de eficácia jurídica, razão pela qual cumpre advertir que aqui o autor deste trabalho vale-se de alguma liberdade criativa, propondo sua própria especificação. Como se apontou no item 1, o conceito de eficácia jurídica é um critério de valoração da norma jurídica em si, não da conduta por esta prescrita. Na qualidade de metalinguagem da linguagem normativa, esse conceito encerra as características de normatividade 10 da norma jurídica, a saber: força normativa, ou impositividade, ou vigor; limite normativo, temporal (ou vigência) e territorial; e âmbito normativo, quanto à extensão subjetiva (erga omnes ou inter partes) e quanto à legitimidade subjetiva (titularidade ou representatividade). Por força normativa11 entenda-se a qualidade da norma jurídica de se impor, o que em termos técnico-jurídicos chama-se vigorar, ou ter vigor. Quando se diz que uma norma jurídica é impositiva, que vigora, ou tem vigor, quer-se dizer que ela pode produzir efeitos jurídicos, o que

não é dizer, em absoluto, que ela efetivamente os produz. Ferraz Jr. (2003, p. 203) assim define vigor: “vigor é uma qualidade da norma que diz respeito a sua força vinculante [dir-se-ia força normativa], isto é, à impossibilidade de os sujeitos subtraírem-se a seu império”; e acrescenta: “independentemente de sua vigência ou de sua eficácia [entenda-se eficácia social]”. As normas jurídicas têm um limite normativo, definido no tempo e no espaço. De fato, elas não vigoram desde e para sempre, nem em todos os lugares; pelo contrário, estão submetidas a um termo inicial, e às vezes a um termo final predeterminado, assim como regulam condutas apenas numa certa área de abrangência. Por limite normativo, pois, entenda-se a qualidade da norma jurídica de vigorar num tempo e espaço definidos. O tempo é um limite histórico, e tem a ver com o momento a partir do qual, e até quando, uma norma jurídica pode produzir efeitos jurídicos, isto é, se ela é vigente, ou, em outras palavras, a partir de e até quando ela tem vigor 12. Especificamente quanto à vigência, vale citar a definição de Ferraz Jr. (2003, p. 203): vigência é uma qualidade da norma que diz respeito ao tempo de validade, ao período que vai do momento em que ela entra em vigor (passa a ter força vinculante [dir-se-ia força normativa]) até o momento em que é revogada, ou em que se esgota o prazo prescrito para sua duração.

O espaço territorial, por sua vez, diz respeito à área de abrangência da soberania do Estado, o emissor de normas jurídicas por excelência13, ou seja, onde uma norma jurídica pode produzir efeitos jurídicos. Como se sabe, toda norma jurídica se dirige a um sujeito, chamado destinatário. Desse modo, verifica-se que os efeitos jurídicos que uma norma jurídica pode produzir têm um viés subjetivo. Nesse sentido, então, é que se afirma que existe um âmbito normativo, compreendendo uma extensão subjetiva e a legitimidade subjetiva. Por extensão subjetiva entenda-se que uma norma jurídica pode produzir efeitos jurídicos erga omnes (isto é, de modo geral, em relação a todos, como ocorre com as normas gerais, a exemplo das constitucionais) ou inter partes (isto é, de modo individual, em relação a indivíduos determinados, como ocorre com as normas individuais, a exemplo dos negócios jurídicos)14. Por legitimidade subjetiva entenda-se que uma norma pode produzir efeitos jurídicos em relação ao titular ou a um representante destinatário da ação nela prescrita: no primeiro caso, tem-se o exercício da titularidade, a exemplo dos atos praticados, na vida civil, por um maior capaz; no segundo caso, tem-se o exercício da representatividade, a exemplo dos atos praticados por agentes políticos (administradores públicos e parlamentares) em representação dos interesses do povo15. Embora a doutrina de Teoria do Direito assim não especifique, aqui se diz que esses elementos são características do conceito de eficácia jurídica. Lembrando o que foi visto no item 1, entende-se que tais elementos caracterizam um dos três critérios de valoração das normas jurídicas, não o relativo ao problema da justiça, nem o relativo ao problema da validade, mas especificamente aquele que se refere ao problema da eficácia. Seguindo o entendimento de Norberto Bobbio, que diz

que o problema da eficácia é um problema de ordem fenomenológica, propõe-se que as aqui chamadas características de normatividade da norma jurídica (força, limite e âmbito normativos) referem-se ao ser, e não ao dever-ser dessa norma16. Mister oferecer a explicação que segue. Quando a doutrina se refere às categorias ônticas do ser e do dever-ser, tem em vista o comportamento humano, respectivamente, como ele ocorre e como ele deve ocorrer na realidade social17. Sabe-se que o que permite visualizar o comportamento como categoria do ser são os fatos e atos sociais, dentre eles os jurídicos, enquanto o que permite visualizar o comportamento como categoria do dever-ser são as normas éticas, dentre as quais as jurídicas (FERRAZ JR., 2003: 116123). Aqui se afirma que também as normas éticas, e nesse passo as que interessam são as jurídicas, podem ser valoradas de acordo com as categorias ônticas do ser e do dever-ser, tendo em vista, respectivamente, como elas se exteriorizam e como elas devem se exteriorizar, a partir da interpretação/aplicação. Essa parece ser uma outra maneira de referir-se ao que Bobbio chama de critérios de valoração das normas jurídicas, lembrando que ele diz que tais critérios valoram não o comportamento humano, mas as normas que o disciplinam (BOBBIO, 2003: 45-51). Nesse sentido, então, é que se afirma que as características de normatividade da norma jurídica (força, limite e âmbito normativos) referem-se ao ser dessa norma, constituindo, pois, problema de ordem fenomenológica, o problema da eficácia; por conseguinte, entende-se poder afirmar que as mencionadas características compõem o conceito de eficácia jurídica. Assim sendo, a especificação que aqui se propõe tem como consequência revelar outros elementos da norma jurídica, não internos como os apontados pela teoria da norma jurídica, mas elementos que se exteriorizam com a interpretação/aplicação, como apontado pelas teorias da aplicabilidade e da efetividade das normas constitucionais. Com efeito, dizer que o problema da eficácia é um problema fenomenológico, como o faz Bobbio, é dizer, em outras palavras, que há elementos que permitem visualizar o problema do ser da norma jurídica, enquanto objeto do estudo descritivo que é a interpretação/aplicação18. 3. Dois aspectos19: aplicabilidade e efetividade

Na definição do conceito de eficácia jurídica, é possível perceber ainda a existência de dois momentos conceituais, um que o aproxima do conceito validade jurídica (como visto no item 1) e outro que o aproxima do conceito de eficácia social (política, econômica etc.). Desse modo, distinguem-se dois aspectos do conceito, assim intitulados pela doutrina: aplicabilidade, aspecto de caráter técnico-normativo, próximo do conceito validade jurídica; e efetividade, aspecto de caráter sócio-normativo, próximo do conceito de eficácia social20. Observe-se que, para uma melhor definição do conceito de eficácia jurídica, é imprescindível estabelecer, tão precisamente quanto

possível, as distinções entre os aspectos desse conceito e os conceitos próximos, sobretudo o conceito de eficácia social. Para Kelsen (2005, p. 55), enquanto o conceito validade é “uma qualidade do Direito”, o conceito de eficácia é “uma qualidade da conduta efetiva dos homens e não, como o uso linguístico comum parece sugerir, do Direito em si”. Cumpre dizer que esse entendimento, valendo-se das categorias ônticas do ser e do dever-ser, extrema as diferenças entre os conceitos validade e eficácia, a ponto de afirmar que o primeiro é uma qualidade própria do Direito, um juízo de valor, enquanto o segundo não passa de uma constatação do que ocorre realmente, ou seja, de um juízo de realidade. Um outro entendimento, no entanto, propõe que ambos os conceitos são, por assim dizer, qualidades do Direito, ao menos num sentido (FERRAZ JR., 2003: 199). A seguir, demonstrar-se-á, com base nesse segundo entendimento doutrinário, que existem duas formas de eficácia relacionadas às normas jurídicas, uma que nelas tem apenas uma causa, e é chamada de eficácia social, e outra propriamente jurídica, que por essa razão é chamada de eficácia jurídica 21. Como diz Ferraz Jr. (2003, p. 199), eficácia é a qualidade da norma jurídica relacionada “à produção de efeitos”. Num primeiro momento, essa “produção de efeitos” é apenas uma capacidade, dependente de “certos requisitos”: alguns deles são técnico-normativos e outros são fáticos. Em sequência, num segundo momento, o qual, diferentemente do primeiro, não tem a ver com a só capacidade, fala-se em real produção de efeitos, isto é, produção de efeitos na realidade social (em sentido jurídico, uma produção de efeitos jurídicos); daí se falar em eficácia social, ou, sendo mais preciso, em eficiência22 (em sentido jurídico, eficácia social da norma jurídica, ou eficiência normativa)23. Voltando-se agora para o conceito de eficácia jurídica, primeiramente para os requisitos técnico-normativos, importante lembrar que Ferraz Jr. (2003, p. 200) fala numa “necessidade de enlaces entre diversas normas, sem os quais a norma [uma norma específica, individualmente considerada] não pode produzir seus diversos efeitos”; ele afirma que “A necessidade desses enlaces permite dizer que a eficácia técnica tem uma relevância sintática (relação signo/signo, norma/norma)”24. Nesse passo, a definição do conceito de eficácia jurídica volta-se para o aspecto aplicabilidade, aspecto este de caráter técnico-normativo. A esse respeito, Ferraz Jr. (2003, p. 200 e 201) diz que “A eficácia, no sentido técnico, tem a ver com a aplicabilidade das normas como uma aptidão mais ou menos extensa para produzir efeitos”, e que “essa aptidão admite graus”, segundo os quais “a norma é mais ou menos eficaz”, de acordo com o que chama de “funções eficaciais”, a saber: função de bloqueio, função de programa e função de resguardo. Por função de bloqueio entende-se aquela função eficacial que visa a “impedir ou cercear a ocorrência de comportamentos contrários a seu preceito”, a exemplo do que ocorre com as normas de proibição (FERRAZ JR., 2003: 201). A função de resguardo, por sua vez, é a função eficacial

que “tem o sentido de assegurar uma conduta desejada”, a exemplo das normas que reconhecem um direito subjetivo (Idem). Já a função de programa é a função eficacial que diz respeito “à realização de [um] objetivo”, funcionando assim “como um telos programático”, no “sentido de programa a ser concretizado”, a exemplo das chamadas normas constitucionais programáticas (Ibidem). Como se disse acima, vista pelo ângulo do aspecto aplicabilidade, a eficácia jurídica admite graus, o que leva Ferraz Jr. (2003, p. 201) a admitir que as normas jurídicas apresentam uma função eficacial prevalecente, chamada de “função eficacial primária”. Essa afirmação não quer dizer, em absoluto, que a presença de uma função eficacial impeça a de outra: é comum, por exemplo, que uma norma com função de bloqueio primária tenha função de resguardo secundária (como é o caso das normas penais); que uma norma com função de resguardo primária tenha função de bloqueio secundária (como é o caso das normas constitucionais que reconhecem direitos fundamentais); e ainda que uma norma com função de programa primária tenha funções de bloqueio e de resguardo como secundárias (como é o caso das já mencionadas normas constitucionais programáticas). Ferraz Jr. (2003, p. 201) acrescenta que, “Para a concretização de função eficacial primária, a norma pode ou não depender de outras normas ou, delas prescindindo, pode admitir, no entanto, uma restrição por meio de uma futura norma que lhe reduzirá a eficácia”. Com isso ele aborda tema caro à doutrina constitucionalista, que se vale do conceito de eficácia jurídica como critério para classificar as normas constitucionais. No que diz respeito especificamente à função eficacial, importa dizer o seguinte: (i) quando a concretização da função eficacial primária é imediata, a respectiva norma tem eficácia jurídica plena; (ii) quando a concretização da função eficacial primária é dependente de outras normas, a norma principal tem eficácia jurídica limitada; e (iii) quando a concretização da função eficacial primária pode ser restringida, “sendo plena enquanto não sobrevier a restrição”, a norma principal tem eficácia jurídica contida (ou contível, ou restringível25) (FERRAZ JR., 2003, p. 201 e 202). Ferraz Jr. (2003, p. 201 e 202) observa que, em geral, quando a função eficacial primária é de programa a norma respectiva tem eficácia limitada, “pois aquela função exige normas futuras para ser realizada”; já quando a função eficacial primária é de bloqueio ou de resguardo as respectivas normas têm normalmente eficácia plena ou restringível. Quanto aos requisitos fáticos de que fala Ferraz Jr. (2003, p. 199), diz-se que eles podem tornar a norma jurídica “efetiva ou socialmente eficaz”, ou que esta é “socialmente eficaz quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos”; desse modo, a “adequação entre a prescrição e a realidade de fato tem relevância semântica (relação signo/objeto, norma/realidade normada)”. A esse fenômeno dá-se o nome de efetividade ou eficácia social (dirse-á eficácia sócio-normativa)26.

Questão interessante é saber, como diz Ferraz Jr. (2003, p. 199), o que ocorre “Se a efetividade ou eficácia social depende de requisitos inexistentes de fato”. Parte dos doutrinadores de Teoria do Direito, como Kelsen, diz que “uma norma, sem um mínimo de eficácia, perde a validade” (apud FERRAZ JR., 2003, p. 199). Outra parte entende que não é esse o caso, que o que ocorre na categoria do ser do comportamento humano não tem o condão de infirmar a categoria do dever-ser da norma jurídica; nesse sentido, Ferraz Jr. (2003, p. 199) diz que, “se uma norma ficar sem observância e sem aplicação por longo tempo, entra em desuso, podendo-se falar na perda de seu sentido normativo”27. Nesse passo, cumpre analisar o que Ferraz Jr. chama de observância normativa, cuja definição compreende o conceito adesão espontânea (BOBBIO, 2003, p. 162-165). Segundo Ferraz Jr. (2003, p. 199 e 200), a observância ou “obediência é um critério importante para o reconhecimento da efetividade”, e que os inúmeros “exemplos de normas que nunca chegam a ser obedecidas” não representam que essas normas não são “socialmente eficazes” 28. Bobbio (2003, p. 162), por sua vez, esclarece que tal fenômeno não ocorre porque falte a essas normas a adesão espontânea do grupo social, entendida esta como “consenso, ou convenção, ou mero hábito”. Para Ferraz Jr. (2003, p. 200), “a efetividade ou eficácia social tem antes o sentido de sucesso normativo”, o qual exige observância espontânea ou observância por imposição de terceiros (a efetiva aplicação da norma pelos tribunais, por exemplo). Já para Bobbio (2003, p. 163), a questão é que “o ordenamento conta, em última instância, com a eficácia obtida através do aparato das sanções”. Como se pode perceber, pela negação da efetividade ou eficácia social, obtém-se a importante noção de que as normas jurídicas efetivas, ou socialmente eficazes, contam com uma característica que é própria do ser da norma jurídica, a que se chama sucesso normativo. Como afirma Ferraz Jr. (2003, p. 199), uma norma é “socialmente ineficaz de modo pleno se não for observada nem de um modo nem do outro”; como complemento, à maneira de Bobbio, poder-se-ia dizer que uma norma plenamente ineficaz seria aquela cuja violação não importasse sanção de qualquer natureza. Por outro lado, numa abordagem fenomenológica, pode-se afirmar que toda norma jurídica conta com um mínimo de efetividade ou eficácia social, dada sua necessária inserção num ordenamento jurídico impositivo, ou seja: toda norma jurídica, enquanto válida, tem algum vigor, e se não conta com o sucesso normativo espontaneamente, pode vir a contar com ele por imposição do ordenamento jurídico. Daí se falar que efetividade é um aspecto sócio-normativo da eficácia jurídica, que diz respeito à realidade da norma jurídica enquanto prescrição impositiva, isto é, dependente de requisitos presentes no grupo social e nas demais normas do ordenamento jurídico para a produção de efeitos; nesse sentido, diz-se, ainda, que é necessário que haja possibilidade ou que a realidade social apresente condições de ser normada, ao passo que existe normatização sobre essa mesma realidade29.

Como se pode ver, na análise feita até aqui, os ditos conceitos-próximos são, respectivamente, pura impositividade e pura concretude, e como tais, não-dependentes de requisitos ou condições (no caso de validade jurídica, situa-se na impositividade do dever-ser, na qual uma norma, para ser considerada juridicamente válida, basta pertencer a um ordenamento jurídico no todo válido e eficaz, isto é, impositivo, não sendo necessário que ela mesma, individualmente considerada, seja observada pelo grupo social; no caso de eficácia social, situa-se na concretude do ser, na qual não deixa de ser possível, por exemplo, comportar-se de dada maneira como se tal conduta se conformasse a uma norma jurídica, ainda que, por exemplo, essa norma tenha perdido sua validade perante o ordenamento jurídico). Já os aspectos do conceito de eficácia jurídica são realizáveis, dependentes, sempre, de certos requisitos ou condições (técnico-normativos, no caso de aplicabilidade; sócio-normativos, no caso de efetividade); isso indica que tais aspectos dizem respeito à realizabilidade da norma jurídica, isto é, a sua possibilidade de concretização na realidade social, e têm a ver tanto com seu objeto (a ação prescrita na norma, no caso da aplicabilidade), quanto com o sujeito a quem se destina (ao destinatário da norma, no caso da efetividade) 30. Sendo assim, a existência31 de uma norma jurídica pode ser resumida nesta ordem: (1) no tocante ao dever-ser da norma, que é também o dever-ser do comportamento humano32, uma norma adquire validade jurídica perante um ordenamento jurídico particular, o que ocorre quando essa norma atende às exigências da produção jurídico-normativa, e passa a disciplinar, hipotética mas impositivamente, um respectivo comportamento humano; (2) no tocante ao ser da norma, essa norma tem eficácia jurídica, tem aplicabilidade, ou seja, é aplicável, quando seu conteúdo normativo está plenamente definido pelo ordenamento jurídico como um todo, e tem efetividade, ou seja, é efetiva, quando apresenta sucesso normativo (possibilidade de observância/adesão espontânea ou observância por imposição) na realidade social; e (3) no tocante ao ser do comportamento humano, conforme ou em desconformidade a uma norma jurídica, ocorrem sua aplicação e efetivação, o que denuncia a eficácia social da norma jurídica, sua eficiência normativa ao disciplinar o comportamento humano, não se podendo esquecer a ocorrência de possíveis, até prováveis, efeitos não-jurídicos. 4. Efeitos jurídicos33

No resumo apresentado ao final do item anterior, parece ter ficado claro que a definição do conceito de eficácia jurídica passa pela identificação dos efeitos que ela pode produzir, e dos que ela de fato produz. Desse modo, pode-se perceber a existência de duas categorias de efeitos ligados à norma jurídica: aqueles que ela pode produzir, em estado de potência, que aqui são chamados

efeitos normativos; e aqueles que ela de fato produz, em ato, que aqui são chamados de efeitos jurídicos. Analisando-se os elementos estruturais da norma jurídica, fala-se em hipótese normativa e consequência jurídica. Aqui, entende-se que essa noção pode ser usada para identificar os chamados efeitos normativos. Inicialmente, é necessário lembrar que, quando se fala que de uma hipótese normativa decorre uma consequência jurídica, quer-se dizer que a ação ou omissão nela descrita implica, hipoteticamente, determinado efeito normativo. Pormenorizadamente, tem-se o seguinte: (1) hipótese normativa é a previsão abstrata de um comportamento humano, em outras palavras, trata-se da descrição hipotética de uma ação ou omissão; (2) consequência jurídica é o efeito normativo que se atribui, também abstratamente, a essa ação ou omissão; e (3) a relação entre eles não é de causa e efeito, mas de imputação34, isto é, o segundo elemento é uma atribuição ou qualificação do primeiro elemento. A relação de imputação35 fica mais clara quando a norma jurídica é concretizada na realidade social, ou seja, quando o comportamento humano se conforma aos elementos estruturais da norma jurídica. Aqui, entende-se poder aplicar o que Ferraz Jr. (2003, p. 249 e 250) chama de teoria dogmática da incidência normativa, a qual define um fenômeno normativo simultaneamente estático e dinâmico. Normas incidem sobre a realidade: doam-lhe sentido e atuam sobre ela no tempo e no espaço. Incidência significa, pois, configuração atual de situações subjetivas e produção de efeitos em sucessão. A norma que é válida e começa a viger pode estar ou não apta para produzir efeitos, para ter eficácia. Quando o efeito se produz e a situação subjetiva se configura, dizemos que ocorreu a incidência normativa.

Adverte-se, assim, que, enquanto “eficácia [jurídica] diz respeito à possibilidade de produção de efeitos”, “incidência refere-se ao efeito produzido”36. É necessário lembrar que a mencionada atribuição ou qualificação se dá com o uso dos chamados operadores linguísticos37: no texto normativo, a descrição da ação contém, explícita ou implicitamente, expressões do tipo “é proibido”, “é permitido”, “é obrigado”; daí se dizer que a eles correspondem efeitos normativos proibitivos, permissivos ou obrigatórios do comportamento humano descrito hipoteticamente, proibindo-o, permitindo-o ou obrigando-o. Assim, entende-se por efeitos normativos as diferentes previsões de observância/ocorrência, na realidade social, da normatividade das normas jurídicas, ou seja, a possibilidade de concretização da força, do limite e do âmbito normativos. No tocante à força normativa, têm-se os efeitos normativos proibitivos, permissivos e ou obrigatórios. No que se refere aos efeitos normativos proibitivos, fala-se em proibição de certo comportamento, cujo exemplo marcante são as normas penais, que proíbem condutas lesivas à integridade física da pessoa humana (como os crimes contra a vida, tipificados nos arts. 121 a 128 do CP), ao patrimônio particular (como os crimes de apropriação indébita, tipificados nos arts. 168

a 170 do CP) etc. Quanto aos efeitos normativos permissivos, distinguem-se a permissão positiva (a exemplo da liberdade constitucional de expressão, conforme ao disposto no art. 5º, IX, da CF), e a permissão negativa (a exemplo da liberdade constitucional da não-obrigatoriedade de associação, conforme ao disposto no art. 5º, XX, da CF). Por fim, os efeitos normativos obrigatórios, pelos quais se obriga o comportamento positivo, ou ação (como as obrigações civis de dar e de fazer, nos termos do disposto nos arts. 233 a 249 do CC), ou o comportamento negativo, ou omissão (como as obrigações civis de não-fazer, nos termos do disposto nos arts. 250 e 251 do CC). Como se viu no item 2, considerando-se o limite normativo, a norma jurídica tem vigor em certo tempo e espaço. Com base nessa característica da eficácia jurídica, é que se diz que a norma jurídica pode produzir os seguintes efeitos normativos: não-retroativos, ou ex nunc, que é a situação mais comum, pois em geral a norma tem eficácia “a partir de certo momento”, “desde já para o futuro”, de modo que os efeitos correspondentes não podem incidir sobre situações pretéritas (FERRAZ JR., 2003, p. 250); retroativos, ou ex tunc, quando a norma tem eficácia “desde já para o futuro e para o passado”, de modo que os efeitos correspondentes podem incidir sobre situações pretéritas, respeitado o limite de não-incidência imposto pelos chamados direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (Idem, p. 250 e 251); parciais, quando a norma tem eficácia numa parte do território, a exemplo de uma norma municipal ou estadual, cujos efeitos correspondentes só podem incidir, respectivamente, sobre situações restritas aos territórios de certo Município ou Estado-membro (BENEDET, 2007); e totais, quando a norma tem eficácia em todo o território, a exemplo das normas nacionais, cujos efeitos correspondentes podem incidir sobre situações em todo o território nacional (Idem). Quando se fala em situações subjetivas sobre as quais as normas jurídicas podem incidir, aborda-se a característica do âmbito normativo, e por essa razão há de se fazer distinção entre situações que abarcam a todos e situações que abarcam a apenas alguns sujeitos de direito. Especificamente no que se refere à extensão subjetiva da norma jurídica, fala-se em efeitos normativos gerais, ou erga omnes, quando uma norma se impõe em face de todos, e cujos efeitos podem incidir sobre todas as situações subjetivas, sejam elas individuais ou coletivas, a exemplo das normas que disciplinam os direitos e garantias fundamentais (arts. 5º a 16 da CF); e efeitos normativos concretos, ou inter partes, quando uma norma se impõe em face de indivíduos determinados, e cujos efeitos não podem incidir sobre situações subjetivas que extrapolem a relação existente entre eles, a exemplo das cláusulas de um negócio jurídico (arts. 104 a 184 do CC) ou da parte dispositiva de uma sentença. Pode-se identificar ainda outros três tipos de efeitos normativos, também relacionados ao âmbito normativo, mais especificamente à legitimidade subjetiva, a saber: efeitos normativos constitutivos, pelos quais se constitui um estado de direito (a exemplo da norma que dispõe que o

brasileiro que completa 16 anos de idade está apto a alistar-se eleitor, segundo o art. 14, § 1º, II, c, da CF) ou uma relação jurídica (como a que existe entre os promitentes contratantes, a teor do disposto no art. 427 do CC); efeitos normativos modificativos, aqueles pelos quais se modifica um estado de direito (a exemplo da norma que dispõe sobre a suspensão dos direitos políticos daquele que é condenado criminalmente, enquanto durarem os efeitos dessa condenação, segundo o art. 15, IV, da CF) ou uma relação jurídica (como a que existe entre pais e filhos, antes e depois dos dezesseis até os dezoito anos de idade, quando aqueles passam de representantes a assistente legais, e estes de absolutamente a relativamente incapazes, a teor do disposto nos arts. 3º, I, e 4º, I, do CC); e efeitos normativos extintivos, aqueles pelos quais se extingue um estado de direito (a exemplo da perda de personalidade civil, segundo o art. 6º, do CC) ou uma relação jurídica (como ocorre quando credor e devedor são a mesma pessoa, conforme ao disposto no art. 381 do CC).

5. Uso doutrinário específico

A doutrina de Direito Constitucional faz um uso específico do conceito de eficácia jurídica, ao procurar compreender a normatividade das normas constitucionais, identificar quais efeitos jurídicos elas podem produzir, e classificá-las. Ao se analisarem os aspectos do conceito de eficácia jurídica, no item 3, observou-se que a doutrina faz uma confusão terminológica que, senão inviabiliza, certamente complica uma definição mais precisa. De antemão, portanto, já se sabe que os termos da questão não são unânimes, que cada doutrinador ou conjunto de doutrinadores propõe sua própria terminologia. Entretanto, é de fundamental importância tanto definir o conceito, quanto depurar a terminologia empregada, para assim viabilizar uma melhor compreensão da classificação das normas constitucionais segundo a eficácia jurídica. José Afonso da Silva (2003, p. 60, 65 e 66) fala, inicialmente, numa distinção entre eficácia e aplicabilidade, e, posteriormente, em eficácia social (ou efetividade) e eficácia jurídica (ou aplicabilidade), para dizer que somente esta última constitui objeto de estudo da Ciência do Direito. Declarando superadas as classificações que distinguem as normas presentes na Constituição em dotadas e não-dotadas de imperatividade38, por entender que todas elas têm força normativa, ele propõe uma classificação das normas constitucionais baseada em sua eficácia ou aplicabilidade 39 (SILVA, 2003, p. 81-87). Assim se percebe que esse doutrinador ora distingue, ora identifica os termos eficácia e aplicabilidade; mas em sua classificação a confusão terminológica é secundária, não a infirmando, visto que ele aborda apenas o aspecto aplicabilidade, tratando as características dos tipos de normas constitucionais como requisitos técnico-normativos. Desse modo, distinguemse as normas constitucionais em: (i) normas constitucionais de eficácia plena, ou de aplicabilidade

direta, imediata e integral, como são “todas as normas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los)”, pois o constituinte “criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto”, que são a maioria das normas constitucionais (Idem, p. 82); (ii) normas constitucionais de eficácia contida 40, ou de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, que são “normas que incidem imediatamente e produzem (ou podem produzir)” seus efeitos desde logo, “mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias”, ou seja, estão “sujeitas a restrições previstas ou [são] dependentes de regulamentação que limite sua eficácia”, e “cuja eficácia é [dir-se-ia pode ser] contida pelo legislador ordinário ou por outro sistema (poder de polícia, bons costumes, ordem pública etc.)”, e “Se a contenção, por lei restritiva, não ocorrer, a norma será [continuará a ser] de aplicabilidade imediata e expansiva”, a exemplo do disposto no art. 37, I, da CF, segundo o qual “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei” (Idem, p. 82, 83 e 85); e (iii) normas constitucionais de eficácia limitada, ou de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, que são aquelas que “não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais”, pois o constituinte “não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado”, a exemplo do que ocorre com as normas “declaratórias de princípios institutivos ou organizativos” e “declaratórias de princípio programático”, cujos textos normativos normalmente fazem remissão a outra norma, por meio de expressões do tipo “a lei indicará..., regulará..., disporá...”, ou “estabelecem apenas uma finalidade, um princípio”, sem impor ao legislador “a tarefa de atuá-las”, apenas requerendo “uma política pertinente à satisfação dos fins positivos nelas indicados” (Idem, p. 82-86). Vista em pormenores, é possível afirmar que essa mesma classificação abarca o aspecto efetividade, tal como definido no item 3. Ao se falar em aplicabilidade integral, não-integral ou reduzida, refere-se não a requisitos técnico-normativos, mas a requisitos sócio-normativos, ou seja: não se trata da possibilidade de aplicação direta/imediata ou indireta/mediata da norma constitucional; trata-se da possibilidade de observância/ocorrência de efeitos jurídicos na realidade social, isto é, de efetivação integral, não-integral ou reduzida da norma constitucional. Assim sendo, entende-se que a classificação proposta por Silva seria mais bem definida nestes termos: normas constitucionais de eficácia plena (direta e imediata quanto à aplicabilidade, e integral quanto à efetividade); normas constitucionais de eficácia contível (direta e imediata quanto à aplicabilidade, e não-integral quanto à efetividade); e normas constitucionais de eficácia limitada (indireta e mediata quanto à aplicabilidade, e reduzida quanto à efetividade).

Classificação diferente, quanto ao modo de abordagem, é a proposta por Luís Roberto Barroso. Em sua classificação, ele considera as normas constitucionais, quanto à eficácia jurídica, nas diferentes situações subjetivas definidas na Constituição41, com o objetivo declarado de “reduzir a discricionariedade dos poderes públicos na aplicação” e de oferecer critério científico “à interpretação constitucional pelo Judiciário, notadamente no que diz respeito aos comportamentos omissivos do Executivo e do Legislativo” (BARROSO, 2003, p. 93). Nesse sentido, ele classifica as normas constitucionais em: (1) normas constitucionais de organização, aquelas que “têm por objeto organizar o exercício do poder político”; (2) normas constitucionais definidoras de direito, as que “têm por objeto fixar os direitos fundamentais dos indivíduos”; e (3) normas constitucionais programáticas, que “têm por objeto traçar os fins públicos a serem alcançados pelo Estado” (Idem, p. 94-122). Barroso (2003, p. 92) diz que sua análise aborda a “efetividade das normas constitucionais quanto aos direitos fruíveis individual e coletivamente”. Vê-se que esse doutrinador identifica os conceitos efetividade e eficácia social. Tomando por base o que foi dito até aqui, pode-se afirmar que sua classificação baseia-se, em termos mais precisos, não na efetividade, nem na eficácia social, mas no âmbito normativo das normas constitucionais42. Nesse sentido, portanto, representa uma especificação à classificação proposta por Silva, no tocante a uma das características da normatividade das normas constitucionais, identificando-as de acordo com as diferentes situações subjetivas que enfocam.

6. Eficácia jurídica como problema hermenêutico

Como se disse na Introdução, pode-se afirmar que o estudo da eficácia jurídica é de interesse não apenas da Teoria do Direito, ou do Direito Constitucional, como se vem analisando até aqui, mas também da Hermenêutica Jurídica, e em particular da Hermenêutica Constitucional. Nesse sentido, pois, é que se diz que o conceito aqui definido constitui um especial problema hermenêutico. A questão é sugerida por Kelsen (2005, p. 174), não obstante ele, ao distinguir validade jurídica e eficácia social, em parte identificar a primeira e a eficácia jurídica. É ele quem, falando num “princípio de efetividade”, diz que “A eficácia da ordem jurídica como um todo é condição necessária para a validade de cada norma individual”. É de se supor que o que está em questão não é a aplicação e efetivação de todo o ordenamento jurídico, mas que as normas que o compõem tenham normatividade e sejam aplicáveis e efetivas, ou seja, aqui não se trata de eficácia social, mas de eficácia jurídica. Assim sendo, cumpre citar a seguinte observação: “A eficácia da ordem jurídica total é uma condição, não um fundamento, para a validade de suas normas constituintes. Essas

normas são válidas não porque a ordem total é eficaz, mas porque elas são criadas de uma maneira constitucional”. Ao falar em “normas constituintes” e “maneira constitucional”, Kelsen refere-se ao fazer legislativo que se perfaz no texto constitucional, na Constituição. Daí a ideia de supralegalidade das normas constitucionais, enquanto condição de validade e eficácia jurídicas das normas infraconstitucionais. Nesse sentido, tratando da situação extrema de mudança de Constituição, esta outra observação: “as normas da velha ordem são consideradas como destituídas de validade porque a velha Constituição e, por conseguinte, as normas jurídicas baseadas nessa Constituição, a velha ordem jurídica como um todo, perdeu sua eficácia” (KELSEN, 2005, p. 173). Desse modo, a eficácia jurídica é condição para a interpretação/aplicação das normas constitucionais, sendo ela mesma um problema hermenêutico. Ou, como diz Margarida Maria Lacombe Camargo (2002, p. 369), “Falar em eficácia é falar em aplicação da norma constitucional; portanto, um problema hermenêutico”. Em seu ensaio sobre a eficácia constitucional, Camargo (2002, p. 371 e 372) anota que a Hermenêutica Jurídica deixou de centrar-se na legalidade, para centrar-se na constitucionalidade das normas jurídicas, daí porque tanto se fala em Hermenêutica Constitucional43. A interpretação/aplicação das normas constitucionais apresenta especificidades em relação à interpretação/aplicação das normas jurídicas em geral (MENDES et al., 2008, p. 141). Por essa razão, mister analisar o que há de específico na Hermenêutica Constitucional. Falando em necessidade da interpretação constitucional, Konrad Hesse (1998, p. 54) diz que, “Para o Direito Constitucional, [a] interpretação tem importância decisiva porque, em vista da abertura e amplitude da Constituição, problemas de interpretação nascem mais frequentemente do que em âmbitos jurídicos cujas normalizações44 entram mais no detalhe”. Nesse sentido, ele afirma que a tarefa da interpretação constitucional “é encontrar o resultado constitucionalmente ‘exato’ em um procedimento racional e controlável, fundamentar esse resultado racional e controlavelmente e, deste modo, criar certeza jurídica e previsibilidade – não, por exemplo, decidir por causa da decisão” (HESSE, 1998, p. 55). Em sequência, ele diz que o objetivo da interpretação constitucional não é apenas averiguar “uma ‘vontade’ objetiva ou subjetiva determinada na Constituição”, como diriam as teorias tradicionais da interpretação, mas concretizar o significado normativo da Constituição, completando o texto normativo e o trabalho do constituinte; assim seria porque ele entende que, “em todos os casos de interpretação constitucional, a Constituição ou o constituinte, na verdade, ainda não decidiram, senão somente deram pontos de apoio mais ou menos numerosos incompletos para a decisão”; desse modo, a mera subsunção do caso concreto à norma constitucional, objetivando “assimilar algo que não é [seria] preexistente realmente”, só serviria para “desacertar a problemática da interpretação constitucional”; daí que esta, ainda que as admita, não pode se limitar às regras tradicionais de interpretação, pois está “vinculada à matéria e ao

problema”, ou seja, à realidade social (Idem, p. 57-60). Assim ele propõe que interpretação constitucional é concretização da Constituição45, compreendendo “Exatamente aquilo que, como conteúdo da Constituição, ainda não é unívoco [e] deve ser determinado sob inclusão da ‘realidade’ a ser ordenada”46, subentendido que a interpretação constitucional “tem caráter criador”, pois o conteúdo da norma constitucional “conclui-se primeiro na interpretação” (Idem, p. 61). Definindo o que chamou de concretização da Constituição, ele diz que “o processo de concretização da Constituição deve ser determinado pelo objetivo da interpretação, pela Constituição e pelo problema respectivo”, o que significa que a interpretação constitucional envolve o conhecimento não apenas da norma, mas também do fato levado a concretizar seu conteúdo normativo, sob pena de incorrer-se num “‘normativismo’ unilateral e cego” (Idem, p. 63 e 65). Para tanto, além dos métodos de interpretação tradicionais, a interpretação/aplicação das normas constitucionais conta também com a chamada interpretação constitucional evolutiva, a qual considera que as normas “valem em razão da realidade de que participam, adquirindo novos sentidos e significados, mesmo quando mantidas inalteradas as suas estruturas formais”, como diz Miguel Reale (apud BARROSO, 1998, p. 137); assim, a interpretação constitucional evolutiva consiste “na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes” (BARROSO, 1998, p. 137). Barroso (1998, p. 141) fala do uso dos princípios na interpretação/aplicação das normas constitucionais47, ou, em suas palavras, dos “princípios constitucionais como condicionantes da interpretação constitucional”. Segundo ele, os princípios constitucionais são as normas48 eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie.

Nesse sentido, diz ainda que os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica (...) [e] consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos (BARROSO, 1998, p. 142 e 143).

Em sequência, esclarece que os “princípios de um sistema jurídico são normalmente enunciados em algum texto de Direito positivo”, e que, todavia, está “fora de dúvida que esses bens sociais supremos existem fora e acima da letra expressa das normas legais, e nelas não se esgotam, até porque não têm caráter absoluto e se encontram em permanente mutação”, ou seja, admite-se que os princípios jurídicos, entre eles os princípios constitucionais, existem expressa ou tacitamente no ordenamento jurídico (Idem, p. 143). Admite, contudo, que “Nem todos os princípios possuem o mesmo raio de atuação. Eles variam na amplitude de sua aplicação e mesmo na sua influência.

Dividem-se, assim, em princípios fundamentais, princípios gerais e princípios setoriais ou especiais”49: princípios fundamentais são aqueles que contêm “os fundamentos da organização política do Estado”, a exemplo da “opção política entre Estado unitário e federação, república ou monarquia, presidencialismo ou parlamentarismo, regime democrático etc.”; já os princípios gerais são “importantes especificações dos princípios fundamentais”, têm “menor grau de abstração e ensejam, em muitos casos, a tutela imediata das situações jurídicas que contemplam”, a exemplo dos princípios da legalidade, da isonomia, e do juiz natural50; por fim, os princípios setoriais ou especiais, “que presidem um específico conjunto de normas afetas a determinado tema”, a exemplo dos previstos expressamente no caput do art. 37 da CF, que tratam da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na Administração Pública (Idem, p. 143-150). Aqui cabe analisar, em especial, o chamado princípio da efetividade 51. Como diz Barroso (1998, p. 219), a ideia de efetividade, em Direito Constitucional, está “Ligada ao fenômeno da juridicização da Constituição, e ao reconhecimento e incremento de sua força normativa”, referindo-se “à necessidade de dar preferência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista que levem as normas a obter a máxima eficácia ante as circunstâncias de cada caso”. Ressente-se ele que “O malogro do constitucionalismo, no Brasil e alhures, vem associado à falta de efetividade da Constituição, de sua incapacidade de moldar e submeter a realidade social”, o que não deveria ocorrer, pois que “A Constituição tem uma existência própria, autônoma, embora relativa, que advém de sua força normativa, pela qual ordena e conforma o contexto social”, concluindo, assim, que “entre a norma e a realidade, [existe] uma tensão permanente”, e que “É nesse espaço que se definem as possibilidades e limites do Direito Constitucional” (BARROSO, 1998, p. 222). Feita essa constatação, ele afirma que é “Ao jurista [que] cabe formular estruturas lógicas e prover mecanismos técnicos aptos a dar efetividade às normas jurídicas”, ao tempo em que “terá de haver uma determinação política do Poder Público em sobrepor-se à resistência” (Idem, p. 226). E, citando Biscaretti di Ruffia, adverte que, “sendo a Constituição a própria ordenação suprema do Estado, não pode existir uma norma ulterior, de grau superior, que a proteja. Por conseguinte, ela deve encontrar em si mesma a própria tutela e garantia” (Idem, p. 227). Essa advertência vale sobretudo em relação aos chamados direitos constitucionais, tornando-se “relevante a determinação do conteúdo das normas constitucionais, para delas extrair a posição jurídica em que investem o jurisdicionado”; para tanto, “devem-se pesquisar no ordenamento os mecanismos de tutela e garantia dos direitos constitucionais. Esse é o caminho que conduz a sua efetividade” (Ibidem). Afinal, ele lembra que, das normas constitucionais que geram direitos subjetivos52 resultam para seus beneficiários – os titulares dos direitos – situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, efetivadas por prestações positivas ou negativas, exigíveis do Estado ou de outro eventual destinatário da norma. Quando a prestação a que faz jus o titular do direito não é entregue voluntariamente, nasce para ele uma pretensão, a ser veiculada através [sic] do exercício do direito de ação,

pela qual se requer a órgão do Poder Judiciário que faça atuar o direito objetivo e promova a tutela dos interesses violados ou ameaçados (Idem, 229).

Referindo-se ao relevante papel a ser desempenhado pelo Poder Judiciário na interpretação/aplicação da Constituição brasileira, José Carlos Barbosa Moreira (1988) fala da preocupação que deve haver em assegurar, “em toda a extensão do possível, o máximo de efetividade” às normas constitucionais53. Ele diz que, enquanto obra legislativa, a CF “é importante sobretudo por aquilo em que inova: por exemplo, quando consagra, ou faz ascender a nível constitucional, novos direitos, individuais e sociais”; e observa que o legislador constituinte “se esforçou por assegurar efetividade a sua própria obra”, ao “dispor expressamente que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’” (art. 5º, § 1º, da CF), e ao prever ações constitucionais que visam a garantir a efetividade das normas constitucionais, a exemplo do mandado de injunção (art. 5º, LXXI, da CF) e da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, da CF) (MOREIRA, 1988). Ele enumera “Alguns fatores adversos [que] costumam pôr em risco a efetividade” das normas constitucionais, como a existência de “interesses contrariados”, os quais podem “se valer do seu poder para bloquear a inovação ou minimizar-lhe os efeitos”; assim se revelaria “a possibilidade prática, que se abre a um poder constituído, de neutralizar determinações do poder constituinte”, a exemplo do que ocorre quando se exagera “a necessidade do diploma infraconstitucional, proclamado indispensável mesmo em casos nos quais o texto da Constituição, sem embargo da referência à lei complementar ou ordinária, já contém (...) todos os pressupostos de incidência imediata” (Idem). Nesse passo, ele acredita que cabe ao Poder Judiciário, em especial ao STF, “a que compete, ‘precipuamente, a guarda da Constituição’” (art. 102, caput, da CF), impor a efetividade das normas constitucionais, “mesmo que o legislador se conserve moroso”, no caso daquelas normas que carecem de ulterior normatização integralizadora ou restritiva, e o exemplo que ele dá é o do julgamento dos mandados de injunção porventura impetrados, aduzindo que, “Acerca das disposições que remetem a normas infraconstitucionais, a diretriz básica deve consistir em reconhecer-lhes, desde já, toda a eficácia praticamente possível” (Idem).

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Currículo: lattes.cnpq.br/8900052310138642. E-mail: [email protected]. Como diz Reale (1999, p. 611), “o problema da eficácia pode verificar-se em quatro hipóteses: ou a lei encontra logo correspondência na vida social, harmonizando-se vigência e eficácia; ou a lei, embora vigente e por ser vigente, deve subordinar-se a um ‘processo fático’ para produzir todos os seus efeitos; ou então pode dar-se um fenômeno delicado: o das leis que durante um certo período, mais ou menos longo, têm eficácia e depois a perdem; e, finalmente, o caso mais delicado ainda da vigência puramente abstrata, que não prenuncia uma experiência possível, e, como tal, sem qualquer efetividade”. 3 Ver também Kelsen (2005, p. 42-62 e 173-178). 4 Ao dizer que os três critérios de valoração da norma jurídica são “independentes um do outro”, Bobbio (2003, p. 48-51) tem em vista que uma norma (i) “pode ser justa sem ser válida”, (ii) “pode ser válida sem ser justa”, (iii) “pode ser válida sem ser eficaz”, (iv) “pode ser eficaz sem ser válida”, (v) “pode ser justa sem ser eficaz”, (vi) “pode ser eficaz sem ser justa”. Assim sendo, pode-se dizer que os critérios de valoração da norma jurídica, como os define Norberto Bobbio, têm por finalidade valorar a norma em si, não a conduta por esta prescrita; o que é dizer, em outras palavras, que os critérios justiça, validade e eficácia são uma metalinguagem da linguagem normativa, um claro exemplo da atividade teórica do Direito, qual seja, descrever normas jurídicas, como diz Kelsen (2005, p. 62 e 63, e 236-238). 5 No item 2, tentar-se-á demonstrar que vigência e vigor, dentre outras, são características do conceito de eficácia jurídica; assim sendo, não integrariam o conceito validade jurídica. 6 Explorando outros aspectos, Reale (1981, p. 105-112), com outras palavras, assim define o conceito validade jurídica: emitir-se norma em conformidade ao ordenamento jurídico, observando-se os requisitos de legitimidade subjetiva do emissor, legitimidade do emissor em razão da matéria e legitimidade do procedimento de emissão. 7 Também Kelsen e Reale não precisam os termos. Assim eles denominam os conceitos: validade = vigência, o primeiro (KELSEN, 2005, p. 59-61); e validade formal ou técnico-jurídica = vigência, validade social = efetividade, o segundo (REALE, 1981, p. 105-112). 8 É o que também demonstra Piovesan (2003, p. 57-59), citando, entre outros autores, Michel Temer, Maria Helena Diniz, Regina Ferrari e Barroso. 9 Definição lexicográfica do verbete “característica” em Ferreira (1999). 10 No termo normatividade, o sufixo latino “-(i)dade” forma um substantivo a partir do adjetivo normativo (do francês normatif.), e designa os atributos, as características, o modo de ser do que tem qualidade ou força de norma (FERREIRA, 1999). 11 Uso específico dessa expressão é o que faz Hesse (1991, p. 11), ao falar numa “força normativa da Constituição”, admitindo que esta “contém, ainda que de forma limitada, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado”, no que se contrapõe, em suas palavras, à “negação do Direito Constitucional” representado pelo entendimento de Ferdinand Lassale, que distingue uma “Constituição real”, como aquela que expressa “os fatores reais do poder” estatal, e a “Constituição jurídica”, que seria um mero “pedaço de papel”, cuja “capacidade de regular e de motivar está limitada à sua compatibilidade” à primeira (HESSE, 1991, p. 9; ver também LASSALE, 2001). 12 Casos interessantes envolvendo o conceito validade jurídica e os elementos vigor e vigência são os mencionados por Ferraz Jr. (2003, p. 203-206). Um primeiro caso é aquele em que uma norma pode “não ser nem válida nem vigente e, no entanto, ter força ou vigor, o que fundamenta a produção retroativa de efeitos (ultratividade), isto é, embora revogada, ela ainda conserva sua força vinculante e pode, por isso, produzir concretamente efeitos”. Um segundo caso é aquele em que uma norma perde sua validade, e logo seu vigor e vigência; para que esse caso ocorra, é necessário: (i) que uma norma preexistente seja posteriormente revogada, o que envolve o fenômeno da revogação normativa, que pode ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação), fenômeno este em que uma norma tem como objeto impor a saída de outra norma do ordenamento jurídico; ou (ii) que uma norma preexistente seja invalidada por ineficácia, por caducidade (situação em que não há revogação formal, mas material, ou seja, não há norma sucessiva que revogue norma anterior, mas ocorrência de fato que, tornando-a ineficaz, invalida-a, como o atingimento do termo final ou a superveniência de fato modificativo) ou por desuso (situação em que o comportamento dos destinatários da norma é determinante, quer por não cumpri-la, quer por ignorá-la). Um terceiro caso é aquele em que “uma norma pode ser válida, mas não ser ainda vigente (caso da vacatio legis)”, caso em que a norma, embora válida, sequer pode produzir efeitos jurídicos, pois não tem vigor nem vigência. Nos três casos, os problemas validade e eficácia confluem, 2

sendo a eficácia ou ineficácia determinante, porque torna norma inválida eficiente, ou porque torna norma válida inválida, ou porque torna norma válida ineficiente (a propósito dos termos eficiência e ineficiência, eficiente e ineficiente, ver item 3). 13 Kelsen (2005, p. 273) chega a falar num “caráter normativo do Estado”, a definir sua soberania, ao dizer que esta “é concebível apenas no domínio do normativo”; e, numa perspectiva de teoria geral do Estado, aduz que o tempo e o território são dois de seus “elementos” (KELSEN, 2005, p. 299-334). 14 Referência a essa ideia é o que Ferraz Jr. (2003, p. 149-154) chama de “uso dogmático da expressão direito subjetivo”, “exercitável” em face de todos, de alguns ou de alguém em particular, o que importa lembrar a necessária correlação entre “direito jurídico” e “dever jurídico”, de que fala Kelsen (2005, p. 83-91 e 107-128). 15 Francisco Pontes de Miranda especifica o conceito representatividade: ele diz que pode ocorrer “representação” ou “presentação”, afirmando que “O representante fala em nome de outrem; o presentante, atuando nesta qualidade, é a manifestação da própria pessoa” (apud BENEDET, 2006). 16 Pode-se dizer, ademais, que as características da norma jurídica que se referem ao dever-ser dessa norma dizem respeito aos problemas da justiça e da validade, ou, em outras palavras, aos critérios de valoração justiça e validade, que definem o conceito norma jurídica tendo em vista o valor justiça, no primeiro caso, e a correlação entre as normas do ordenamento jurídico, no segundo caso. 17 Ver Ferraz Jr. (2003, p. 98-101) e Kelsen (2005, p. 49-52, e 175 e 176). 18 A propósito, convém citar a definição lexicográfica do verbete “fenomenologia”: “S. f. Filos. 1. Estudo descritivo de um fenômeno ou de um conjunto de fenômenos em que estes se definem quer por oposição às leis abstratas e fixas que os ordenam, quer por oposição às realidades de que seriam a manifestação” (FERREIRA, 1999). Mais adiante, no item 6, diz-se que o conceito de eficácia jurídica é um problema hermenêutico, o que ganha sentido ao se dizer que a interpretação/aplicação é um estudo fenomenológico do problema da eficácia, enquanto critério de valoração da norma jurídica. 19 Aqui se vale de um dos sentidos da definição lexicográfica do verbete “aspecto”: “5. Cada um dos diversos modos com que um fenômeno, uma coisa, um assunto, etc., pode ser visto, observado ou considerado” (FERREIRA, 1999). 20 Piovesan (2003, p. 59) identifica os conceitos aplicabilidade e eficácia jurídica, a exemplo de Silva (2003), distinguindo-os dos conceitos efetividade e eficácia social, que também identifica, como o faz Barroso (2003). Convém citar os conceitos, tal como formulados por esses doutrinadores. Para Silva (2003, p. 13), aplicabilidade “significa qualidade do que é aplicável. No sentido jurídico, diz-se da norma que tem possibilidade de produzir efeitos jurídicos. Não se cogita de saber se ela produz efetivamente esses efeitos. Isso já seria uma perspectiva sociológica, e diz respeito a sua eficácia social”. Para Barroso (2003, p. 85), efetividade significa “a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais, e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”. Tais identificações parecem imprecisas, pois confundem termos irredutíveis um ao outro, o que, em última análise, pode reduzir o conceito de eficácia ao conceito validade e admitir a presença de elementos não-jurídicos na definição de um conceito jurídico: com efeito, tanto validade quanto eficácia são qualidades do Direito, ou critérios de valoração da norma jurídica, como diz Bobbio (2003, p. 45-68), critérios estes que apresentam diferenças significativas, e por essa razão são inconfundíveis e irredutíveis (um tem natureza ontológica, o outro, fenomenológica); assim, (i) se eficácia jurídica fosse apenas aplicabilidade, não haveria diferença entre eficácia e validade, pois dizer que uma norma jurídica eficaz/aplicável é uma norma capaz de produzir efeitos jurídicos é o mesmo que dizer que uma norma jurídica eficaz/aplicável é válida, já que toda norma capaz de produzir efeitos jurídicos é uma norma jurídica válida (o que seria um truísmo); (ii) se eficácia social fosse o mesmo que efetividade, esse segundo termo designaria os efeitos sociais de uma dada norma jurídica, não os efeitos jurídicos dessa norma, e desse modo se falaria em atos e fatos sociais, em lugar de se falar em atos e fatos jurídicos (o que seria incoerente). 21 Contrapondo os conceitos eficácia social e jurídica, Michel Temer diz o seguinte: “eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de situações concretas, mas já produz efeitos jurídicos, na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam” (apud PIOVESAN, 2003, p. 57). Invertendo esse raciocínio, está o entendimento de Regina Ferrari: “a norma jurídica tem antes eficácia jurídica para, em um segundo momento, adquirir eficácia social, o que leva à identificação, em relação ao fenômeno eficacial, de dois momentos distintos: um relacionado à possibilidade de produção de efeitos e outro a sua efetiva obediência. Portanto, é possível encontrar normas jurídicas dotadas de eficácia jurídica sem, contudo, possuir eficácia social, podendo disso resultar a revogação de normas anteriores, dentro do universo normativo, sem haver o seu efetivo cumprimento no plano social” (Idem, p. 58 e 59). 22 Não obstante serem sinônimos em algumas situações, “eficácia” e “eficiência” têm definições lexicográficas um tanto diferentes: “eficácia” é “qualidade ou propriedade de eficaz”, ou seja, do que pode produzir efeitos (acrescente-se: não quaisquer efeitos, mas efeitos específicos, condizentes com a natureza do que é eficaz, daquilo que pode causar tais efeitos); “eficiência”, por sua vez, é “ação ou força de produzir efeitos”, isto é, a própria produção de efeitos (acrescente-se: não um efeito específico, mas qualquer efeito) (FERREIRA, 1999).

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Por eficácia social ou eficiência pode-se compreender uma gama de situações diferentes, cuja análise inevitavelmente se afastaria dos objetivos deste trabalho. Por essa razão, entende-se conveniente analisar apenas o que se chamou de eficácia social da norma jurídica ou eficiência normativa, e, numa demonstração da diversidade de situações que se apontou, apresentar um ou outro efeito social não-jurídico (político e econômico, por exemplo) como prova da existência de uma eficácia social ou eficiência (política, econômica etc.). Para tanto, vale-se do exemplo analisado a seguir, tomado de empréstimo de Ferraz Jr. (2003, p. 2000), não obstante este tê-lo abordado com outra finalidade (ver nota 28 abaixo). Dispõe o art. 7º, IV, da CF: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (...): (...) IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. Podese dizer que a eficácia social da norma produzida com base nesse texto normativo, ou, em outros termos, sua eficiência normativa, está em ocorrer na realidade social que todas as pessoas que se enquadram numa das categorias de “trabalhadores urbanos e rurais” (como uma empregada doméstica ou um vaqueiro, por exemplo) são retribuídas pecuniariamente por quem se beneficia de seu trabalho (uma dona-de-casa ou um fazendeiro, por exemplo), em quantia que não seja inferior àquela que venha a ser definida como “salário mínimo”. Assim, de um lado está o conteúdo normativo (pelo qual se reconhece um direito subjetivo do empregado, em receber certa quantia, e o respectivo dever jurídico do empregador, a obrigação de pagar essa quantia, sempre que exista uma relação de trabalho); de outro lado está a eficácia social ou eficiência normativa (pela qual se observa que, na média das relações de trabalho regularizadas, o empregado recebe de seu empregador um salário, não inferior ao salário mínimo definido). Como se pode perceber, eis aqui uma produção de efeitos jurídicos na realidade social, ou seja, eficácia social ou eficiência de uma norma que disciplina as relações de trabalho, baseada no pagamento mensal de um salário mínimo ao empregado, por parte de seu empregador. Vistas de outro ângulo, como essas relações têm fundamentos políticos e econômicos (mais precisamente ideológicos, por se estabelecerem no regime capitalista de produção), a partir da eficácia social dessa mesma norma jurídica, isto é, de sua observância na realidade social, observam-se também a produção de efeitos não-jurídicos, daí se falar simplesmente em eficácia social ou eficiência, com conotações políticas (a satisfação ideológica de que o Estado garante o trabalho assalariado, ao passo que proíbe o trabalho escravo) e econômicas (a obtenção de meios de subsistência, por uma parte, e de força de trabalho, por outra parte; e, numa perspectiva ampliada, a circulação de recursos financeiros e a formação de capital). 24 Tal se dá, por exemplo, quando uma norma constitucional, de caráter geral e abstrato, tem termos seus definidos pela legislação infraconstitucional, por normas individuais e singulares. 25 Esse é o termo utilizado por Diniz (apud SILVA, 2003, p. 87). 26 Menos específicos ainda são os termos usados por Miguel Reale: efetividade = validade social (REALE, 1981, p. 93-116). 27 Dir-se-á ainda que essa perda nunca é total, tendo em vista que, em última instância, é o ordenamento jurídico como um todo que garante a força normativa das normas jurídicas particulares, ou, em outros termos, que uma norma válida, se vigente, é minimamente impositiva, tem vigor, força normativa. 28 Ferraz Jr. (2003, p. 1999 e 200) toma o art. 7º, IV, da CF como exemplo de uma daquelas “normas que estatuem prescrições reclamadas ideologicamente pela sociedade, mas que, se efetivamente aplicadas, produziriam insuportável tumulto social. Sua eficácia está, por assim dizer, em não serem obedecidas e, apesar disso, produzirem o efeito de satisfação ideológica”; segundo ele, no exemplo em questão, atender ao disposto na norma constitucional “certamente levaria a um tumulto nas relações econômico-sociais; mas a norma constitucional produz, não obstante isso, um efeito ideológico simbólico: a constituição garante o salário mínimo!”. Como se vê, a argumentação de Tércio Ferraz Jr. torna um tanto quanto evidente as diferenças entre eficácia social (nesse caso, político-ideológica) e eficácia social e jurídica da norma jurídica (no presente exemplo, até mesmo em detrimento destas). 29 Utilizando a terminologia empregada por Ferraz Jr. (2003, p. 199), entende-se poder afirmar aqui que a “realidade normada” por uma norma jurídica é, tendo em vista a inserção desta num ordenamento jurídico, uma realidade normativa, ou também normativa. Apresenta-se essa distinção tendo por base a diferença entre os sufixos “ada” (que remonta ao sufixo latino “-ata”, e significa “resultado da ação”) e “-iva” (do latim “-Cvus, a, um.”, que significa “modo de ser, que apresenta (certa qualidade ou característica)”, e transmite a ideia de ação) (FERREIRA, 1999). Ferraz Jr. (2003, p. 199) apresenta exemplo que pode contribuir para esse entendimento: fala ele numa norma que “prescreve a obrigatoriedade do uso de determinado aparelho para a proteção do trabalhador, mas esse aparelho não existe no mercado nem há previsão para sua produção em quantidade adequada”; aqui, há um conteúdo normativo obrigando à observância de determinado comportamento (uso de equipamento de proteção pelo trabalhador); mas não há, na realidade social, possibilidade de ocorrência desse comportamento (não existe o equipamento de proteção do trabalhador); com base nesse exemplo, pode-se vislumbrar que os mencionados requisitos fáticos são, em verdade, requisitos sócio-normativos, presentes parte no grupo social, parte na norma jurídica, ou seja, a realidade normada é também normativa, pois de suas possibilidades e condições depende a eficácia jurídica. 30 A esse respeito, ver Bobbio (2003, p. 179). 31 A propósito dessa expressão, e do que se quer que ela signifique, vale lembrar o que diz Kelsen (2005, p. 67): “A existência de uma norma jurídica é sua validade; e a validade de normas jurídicas, apesar de não idêntica a certos

fatos, é por eles condicionada. (...) esses fatos são: a eficácia da ordem jurídica total a qual pertence a norma; a presença de um fato criando a norma; a ausência de algum fato anulando a norma”. 32 Essa afirmação se baseia no fato de que, para a Ciência do Direito, o estudo do comportamento humano não é feito imediatamente, mas mediatamente, enquanto disciplinado por normas jurídicas; assim, as questões relativas ao dever-ser da norma jurídica referem-se também ao dever-ser do comportamento humano (FERRAZ JR., 2003, p. 98). 33 Na revisão bibliográfica, o autor deste trabalho não encontrou obra que sistematizasse o tema efeitos jurídicos. Não obstante essa falta, considera-se de fundamental importância para o estudo desenvolvido esboçar uma sistematização. 34 Definição lexicográfica do verbo “imputar” “[do lat. imp. imputare.]”: “2. Atribuir, conferir, dar”; “3. Caracterizar ou qualificar” (FERREIRA, 1999). 35 Para Kelsen (2005, p. 134), “O conceito de imputação refere-se à relação específica entre delito e sanção”, isso porque “para ele toda norma imputa uma sanção a uma conduta”, como lembra Ferraz Jr. (2003, p. 161). 36 Ou seja, incidência normativa é o mesmo que eficácia social da norma jurídica. 37 A depender do enfoque, o que se chamou de operadores linguísticos também é chamado de funtores e de modais deônticos (FERRAZ JR., 2003, p. 115). 38 A exemplo da que classifica as normas constitucionais em bastantes em si ou auto-aplicáveis (self-executing) e não-bastantes em si ou não auto-aplicáveis (not self-executing) (SILVA, 2003, p. 73-77). Ele chega a dizer que “não há norma constitucional alguma destituída de eficácia [jurídica]. Todas elas irradiam efeitos jurídicos” (Idem, p. 81). 39 Nesse mesmo sentido, Celso Bastos e Carlos Ayres Britto (apud SILVA, 2003, p. 86 e 87), todos apresentando terminologia diferente, mas significando o mesmo objeto, com o mesmo modo de abordagem. 40 Como observa Silva (2003, p. 85), há doutrinadores que usam o termo contível, em lugar do termo contida, porque as normas respectivas “contêm a possibilidade de ser contidas, e o ‘contível’ é que exprimiria essa possibilidade, enquanto o ‘contida’, passado, revelaria já o efeito da contenção”. Diniz (apud SILVA, 2003, p. 87) prefere o termo restringível, referindo-se à possibilidade de restrição da aplicabilidade. Esses termos, de fato, referem-se com maior precisão ao fenômeno, que é a possibilidade de contenção/restrição das características da normatividade (rever item 2), não à situação concreta (contenção/restrição). 41 Nesse mesmo sentido, classificação proposta por Celso Antônio Bandeira de Mello (apud BARROSO, 2003, p. 92 e 93). 42 Assim como Barroso, outros doutrinadores classificam as normas constitucionais não propriamente quanto aos aspectos aplicabilidade e efetividade, mas considerando as características da normatividade das normas constitucionais, mais especificamente, sua força normativa. Luiz Pinto Ferreira e Diniz falam em normas constitucionais com eficácia absoluta, “não emendáveis, com força paralisante total sobre as normas que lhes conflitarem” (apud SILVA, 2003, p. 87). Jorge Miranda, ao falar em normas constitucionais preceptivas, exequíveis e não-exequíveis, resgata a ideia, segundo Silva superada, de que haveria normas constitucionais imperativas e não-imperativas (SILVA, 2003, p. 77-81 e 87). 43 Segundo Camargo (2002, p. 373 e 374), essa mudança de concepção implica, também, um deslocamento na preeminência da clássica teoria dos Três Poderes: da primazia “do Poder Legislativo, que subordinava os demais, Executivo e Judiciário, (...) à atuação do Poder Judiciário na sua mais abrangente jurisdição constitucional”. Hesse (1998, p. 72-74) anota, no entanto, que essa ideia comporta limitação, tendo em vista o que ele chama de limites jurídico-funcionais da interpretação constitucional, segundo o qual deve haver uma reserva do julgador em face do legislador, como ocorre com a chamada interpretação conforme à Constituição. 44 O texto de Hesse foi traduzido como normalização, que significa o mesmo que normatização. 45 Rever a ideia de concretização do Direito, de Friedrich Müller (apud GRAU, 2003, p. 73-75), mencionada no item 1.3 acima. Para maiores esclarecimentos, ver Mendes et al. (2008, p. 104-108). 46 A propósito, rever a ideia da realidade normativa, expressa na nota 109 acima. 47 Barroso (1998, p. 146) diz que “é preciso destacar o papel prático dos princípios dentro do ordenamento jurídico constitucional, enfatizando sua finalidade ou destinação”: em primeiro lugar, “embasar as decisões políticas fundamentais tomadas pelo constituinte e expressar os valores superiores que inspiraram a criação ou reorganização de um dado Estado”; em segundo lugar, “ser o fio condutor dos diferentes segmentos do Texto Constitucional, dando unidade ao sistema normativo”; e em terceiro lugar, dirigir a atividade dos Poderes “Executivo, Legislativo e Judiciário, condicionando a atuação dos poderes públicos e pautando a interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas vigentes”. 48 Barroso (1998, p. 141) lembra que “já se encontra superada a distinção que outrora se fazia entre norma e princípio. A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípio e as normasdisposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema”. Ver também Grau (2003, p. 45). 49 Barroso não trata dos chamados princípios ou “postulados da Hermenêutica Constitucional”, os quais não são, como os por ele apontados, “originários da Constituição, mas sim da experiência, da lógica, da evolução histórica, do

surgimento e desenvolvimento do próprio constitucionalismo” (LIMA, p. 118). Ver também, nesse mesmo sentido, mas sob a denominação de “princípios da interpretação constitucional” Mendes et al. (2008, p. 110-122). 50 Incluir-se-ia entre eles o princípio da efetividade, do qual fala Barroso (1998, p. 219-244). Observe-se que o princípio da efetividade de que fala Barroso é bem diferente do que Kelsen chama de “princípio de efetividade” (KELSEN, 2005, p. 173 e 174): lembrando o que se disse em passagem do item 1.3 acima, o primeiro seria um princípio jurídico implícito de caráter geral, ou um princípio geral de Direito (ver GRAU, 2005, p. 43), enquanto o segundo seria um princípio geral do Direito. 51 J. J. Gomes Canotilho diz que “Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvida deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)” (apud BARROSO, 1998, p. 220). 52 Barroso (1998, p. 228 e 229) afirma que o chamado direito subjetivo “é a situação jurídica individual mais consistente, e que enseja a tutela jurisdicional para sua proteção”; definindo-o, diz que “Por direito subjetivo entende-se o poder de ação, assente no direito objetivo, e destinado à satisfação de certo interesse. Singularizam o direito subjetivo, distinguindo-o de outras posições, a presença, cumulada, das seguintes características: a) a ele corresponde sempre um dever jurídico; b) ele é violável, ou seja, existe a possibilidade de que a parte contrária deixe de cumprir o seu dever; c) a ordem jurídica coloca à disposição de seu titular um meio jurídico – que é a ação judicial – para exigir-lhe o cumprimento, deflagrando os mecanismos coercitivos e sancionatórios do Estado”. 53 A propósito, cabe referência ao movimento chamado de “ativismo judicial”, defendido, entre outros, por Mendes et al. (2008, p. 133-145), o qual não será tratado aqui por se tratar de tema que extrapola os limites do presente trabalho.

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