Contribuições do materialismo histórico e a lógica histórica de E. P. Thompson para a relação entre história e música

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CONTRIBUIÇÕES DO MATERIALISMO HISTÓRICO E A LÓGICA HISTÓRICA DE E. P. THOMPSON PARA A RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E MÚSICA. Icles Rodrigues1 Resumo: O presente trabalho tenta demonstrar como as proposições de E. P. Thompson a respeito da “lógica histórica” podem fornecer parâmetros para usar a música como fonte histórica, de modo a fazer um trabalho que dialoga com outros campos de conhecimento sem perder suas particularidades. Palavras-chave: Thompson; Música; Historiografia. Abstract: The present work tries to demonstrate how E. P. Thompson’s propositions about the “historical logic” can give parameters to use music as a historical source, to make a work that speaks to others fields of knowledge without lose its particularities Keywords: Thompson; Music; Historiography. Em artigo publicado na Revue de Musicologie da Sociedade Francesa de Musicologia (no original, Société Française de Musicologie) em 1998, Myriam Chimènes propôs uma discussão sobre o que ela chama de “terra de ninguém” no que concerne aos estudos de história e música; um campo nebuloso onde a História e a Musicologia por vezes lançam proposições de trabalho conjunto, mas onde há pouca produtividade, no sentido de que a maior parte dos trabalhos penderia demais para um ou outro lado.1 Para a História, as especificidades de linguagem e estética da música seriam uma barreira que dificulta o uso da música como fonte, enquanto a Musicologia vê pouca serventia na contextualização histórica no qual a produção musical se insere, ou não enxergam o potencial da música como fonte, segundo as reflexões da autora. Neste artigo, Chimènes cita uma série de exemplos de trabalhos e iniciativas que diluem as fronteiras entre ambas as áreas, demonstrando a gradativa superação dos obstáculos que mantem objeções neste diálogo. Contudo, há de se levar em consideração que o trabalho em questão, além de fazer parte do fim da década de 1990, aborda majoritariamente os avanços na área na França. Nos Estados Unidos são proeminentes os trabalhos de Richard Middleton, Charles Hamm, Robert Walser, entre outros entre o fim da década de 1980 e primeira metade da de 1990. No Brasil, temos como referências principais nos trabalhos teóricos a respeito da relação entre História e Musicologia alguns nomes como Marcos 1

Graduado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestrando em História pela Universidade Federal de Santa Catarina sob orientação do Prof. Dr. Márcio Roberto Voigt. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected].

Napolitano, José Geraldo Vinci de Moraes e José Miguel Wisnik. Se levarmos seus trabalhos em conta, poderíamos dizer que o aprofundamento dos estudos sobre história e música no Brasil se deu com mais firmeza a partir da década de 2000, e a área apresenta certo vigor. Não pretendemos neste trabalho fazer um apanhado dos avanços na área, tampouco repetir sobre seu crescimento em uma verborragia desnecessária, haja vista que essa reflexão pode ser encontrada em outros lugares. Menos ainda pretendemos afirmar a necessidade do uso da música como fonte histórica sem apresentar proposições de como fazê-lo. Muito se duvidou que fontes como a música – tanto seus aspectos líricos como estéticos –, mas também outras produções da Cultura da Mídia (como a literatura) pudessem ser fontes relevantes para o conhecimento histórico. No entanto, há muito – principalmente a partir dos estudos voltados à cultura como fonte de compreensão de diferentes aspectos da sociedade a partir da década de 1950 e da negação da menor relevância da cultura como uma “superestrutura” – a historiografia tomou consciência da relevância dessas fontes, pois, como afirma Antonio Celso Ferreira (citando a literatura, mas cuja afirmação se aplica a outros tipos de fontes literárias ou de ficção), “toda ficção está sempre enraizada na sociedade [...] é em determinadas condições de espaço, tempo, cultura e relações sociais que o escritor cria seus mundos de sonhos, utopias ou desejos, explorando ou inventando formas de linguagem”.2 Nesse sentido, trazemos à discussão parte do trabalho do historiador inglês Edward P. Thompson, mais precisamente A miséria da teoria. Publicado em 1978 (e traduzido para o português em 1981), nos é interessante trazer à baila suas proposições a respeito da lógica histórica – ou seja, de como a história é feita dentro de suas particularidades, incompreendidas por outras áreas das ciências humanas, segundo Thompson – e tanto sua definição quanto defesa do materialismo histórico. Qual seria, contudo, o objetivo de trazer estes pontos a uma discussão do diálogo entre História e Musicologia? Os apelos a um maior diálogo entre essas duas áreas costumam apontar o fato de que o historiador que se aventura a analisar música como fonte deve ter consciência de que esta se apresenta não apenas como fonte verbal (sua letra); sua estética, suas pausas, escolhas de notas, entonação vocal, ritmo, entre outros aspectos estéticos da música também se comunicam, em maior ou menor grau, com o ouvinte – entraremos nessa discussão mais adiante. Marcos Napolitano em seu ensaio A história depois do papel lembra-nos que Mesmo que o historiador mantenha sua identidade disciplinar e não queira se converter em comunicólogo, musicólogo ou crítico de cinema, ele não pode desconsiderar a especificidade técnica de linguagem, os suportes tecnológicos e os gêneros narrativos que se insinuam nos documentos audiovisuais, sob pena de enviesar a análise.3

Contudo, ainda que concordemos com a afirmação, atentamos para o começo desta; o uso da música como fonte histórica requer, comumente, o cotejamento com reflexões de diferentes disciplinas. A falta de habilidade com o uso de fontes da cultura da mídia pode fazer com que o pesquisador pouco experiente perca do seu horizonte parâmetros que o definem como historiador. Logo, encontramos em Thompson algumas formulações que podem ser úteis no que concerne a manter este horizonte visível. Douglas Kellner em seu Cultura da mídia aponta uma série de reflexões possíveis a respeito de produtos da cultura da mídia e suas relações com a sociedade que os produz. Entre elas, a seguinte afirmação: Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente. A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de “nós” e “eles”. Ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos: define o que é considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral. As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global.4

Ainda que tal afirmação faça todo o sentido, o historiador deve ter cautela ao analisar a fonte – e nesse sentido, qualquer uma, não apenas a música –, de modo a não ser tentado a esquecer suas relações com o contexto, tanto sincronicamente quando diacronicamente. No artigo citado anteriormente, Marcos Napolitano faz uma observação estranha, para dizer o mínimo, quando diz que [...] à medida que analisamos a escritura específica do material audiovisual ou musical, suas formas de representação da realidade vão tornando-se mais nítidas, desvelando os “fatos” social e histórico nela encenados direta ou indiretamente. O cotejo com informações contextuais, localizadas fora do filme, do programa de TV ou da canção, é importante, mas somente na medida em que a fonte específica demanda e sugere questões e problemas para o historiador responder. Como em toda operação historiográfica, crítica externa e crítica interna, análise e síntese, devem estar devidamente articuladas. Nesse sentido, o uso de fontes audiovisuais e musicais pelo historiador pode ir além da “ilustração” do contexto ou do “complemento soft” de outras fontes mais “objetivas” (escritas ou iconográficas), revelando-se uma possibilidade a mais de trabalho historiográfico (grifo nosso).5

Este trecho merece ser devidamente destrinchado. Thompson, ao definir o que entende por “lógica histórica” afirma que esta seria “um método lógico de investigação adequado a materiais históricos, destinado, na medida do

possível, a testar hipóteses quanto à estrutura, causação etc., e a eliminar procedimentos autoconfirmadores”.6 Evidências e conceitos dialogam entre si, e quem conduz este diálogo são as hipóteses sucessivas por parte do pesquisador, de um lado, e a pesquisa empírica do outro, no sentido de que esta parte de problemáticas prévias (porém não rígidas). Thompson complementa: “O interrogador é a lógica histórica; o conteúdo da interrogação é uma hipótese (por exemplo, quanto à maneira pela qual os diferentes fenômenos agiram uns sobre os outros); o interrogado é a evidência, com suas propriedades determinadas”.7 Quanto ao que Napolitano afirma sobre as informações contextuais serem úteis apenas de acordo com a demanda da fonte em ter suas lacunas preenchidas, a afirmação soa contraditória, haja vista que o próprio autor afirma em outra de suas obras, História e música, que a análise musical descolada da contextualização “fragmenta este objeto sociológica e culturalmente complexo, analisando ‘letra’ separada da ‘música’, ‘contexto’ separado da ‘obra’, ‘autor’ separado da ‘sociedade’, ‘estética’ separada da ‘ideologia’”.8 Minha postura em relação ao uso da música como fonte histórica é de que ela deve ser usada de modo a compreender a sociedade que a produz, em maior ou menor grau. Um exemplo de “menor grau” seria a compreensão “microscópica” do universo de onde ela se origina: quem a compôs? Quais as origens do compositor (ou dos compositores, em caso de composição em grupo)? Como a música em questão se articula com seu contexto social, cultural, político, econômico, etc., do indivíduo em questão e seus pares? É possível a identificação clara de ideologias que permeiam a música? Se a identificação não é clara, seria possível, no estudo sobre as origens do(s) compositor(es) encontrar informações que corroborem as hipóteses – respondendo definitivamente ou não às questões? Apresento, então, algumas reflexões a partir de autores previamente citados neste trabalho, sobre como a música pode ser analisada contextualmente. a) Letra e música: O motivo pelo qual essa separação é deficiente é o fato de que elementos da música alteram a conotação de palavras, trechos do texto e, consequentemente, influenciam o efeito do discurso. Nuances vocais, rítmicos e/ou melódicos têm o poder de dar a determinadas palavras uma acentuação em seu apelo como discurso que fazem com que a música não possa ser negligenciada, como um objeto a ser deixado em segundo plano em detrimento dos aspectos discursivos líricos. O sentido das letras depende, em parte, do contexto sonoro, a junção entre letra e som, o quanto um complementa o outro; forma-se, então, um discurso não atrelado apenas à narrativa textual inteligível da letra, mas também aos elementos sonoros que, carregados de sentido compreensível através de uma bagagem musical prévia do ouvinte, compõem a mensagem

que a obra apresenta. Logo, essa ‘linguagem musical’ possui efeitos claros sobre o discurso lírico, que não podem ser ignorados. b) Contexto e obra: no que tange à separação entre ‘contexto’ e ‘obra’, podemos dizer que os significados das músicas, como discursos, “estão sempre fundamentados socialmente e historicamente, e eles operam num campo ideológico de interesses, instituições e memórias conflitantes”,9 ou seja, são produtos socialmente fundamentados, como afirmamos anteriormente. E não apenas isso: estão intrinsecamente atrelados ao meio material no qual seus produtores se inserem. Música, como qualquer produto da cultura da mídia, é um produto de seu tempo, e como tal, carrega consigo tais elementos citados acima. Simon Frith defende que “o que é possível para nós como consumidores – o que está disponível para nós [...] – é um resultado de decisões feitas na produção, feitas por músicos, empresários e burocratas corporativos [...] em resposta às oportunidades tecnológicas”.10 Em resumo: as condições materiais de produção definem o que é possível ao público. c) Autor e sociedade: imerso na cultura da mídia de seu recorte temporal e geográfico, o autor de uma música será influenciado pelo ambiente ideológico no qual está inserido, mesmo que essa influência parta de formas de resistência em relação a determinadas ideologias vistas como hegemônicas, ou ao menos mais em voga numa sociedade. Além do mais, os discursos presentes em uma obra musical podem muito bem ser contraditórios, já que “a cultura veiculada pela mídia induz os indivíduos a conformar-se à organização vigente da sociedade, mas também lhes oferece recursos que podem fortalecê-los na oposição a essa mesma sociedade”.11 Afinal, enquanto a cultura da mídia em grande parte promove os interesses das classes que possuem e controlam os grandes conglomerados dos meios de comunicação, seus produtos também participam dos conflitos sociais entre grupos concorrentes e veiculam posições conflitantes, promovendo às vezes forças de resistência e progresso. Consequentemente, a cultura veiculada pela mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um instrumental banal da ideologia dominante, mas deve ser interpretada e contextualizada de modos diferentes dentro da matriz dos discursos e das forças sociais concorrentes que a constituem [...] 12

d) Estética e ideologia: por fim, a separação entre ‘estética’ e ‘ideologia’ é, até certo ponto, compreensível, tendo em vista que elementos estéticos nem sempre são facilmente identificáveis do ponto de vista discursivo e/ou ideológico. Contudo, em determinados momentos essa separação contribui para o enfraquecimento do entendimento dessa questão. Um exemplo é uso dos instrumentos de percussão presentes em uma bateria para se reproduzir uma batida semelhante a uma marcha, recurso que é normalmente utilizado em músicas que, de alguma forma, tenham em seu conteúdo relação com temáticas militares.

Dependendo da forma como o discurso, como um todo, é construído, esse tipo de elemento visa atender a um posicionamento em particular. No caso de uma letra que ressalta as glórias de se lutar por seu país, sua liberdade, etc., o elemento estético – no caso do exemplo citado, a batida marcial – atende a um discurso ideológico da validade e do heroísmo do sacrifício por elementos como ‘nação’ ou ‘povo’, de identificação coletiva, mas cuja definição pode ser muito maleável e discutível. Dados esses parâmetros para o uso da música como fonte histórica, nos parece plausível que a abordagem materialista que Thompson propõe se articule com a análise musical contextual. Segundo Thompson, o materialismo histórico propõe-se a estudar o processo social em sua totalidade; isto é, propõe-se a fazê-lo quando este surge não como mais uma história “setorial” – como história econômica, política ou intelectual, como história do trabalho, ou como “história social” definida também como mais um setor – mas como uma história total da sociedade na qual todas as outras histórias setoriais estão reunidas. Propõe-se a mostrar de que modos determinados cada atividade se relacionou com a outra, qual a lógica desse processo e a racionalidade da causação.13

Os produtos da cultura da mídia – música inclusa – se relacionam com as condições sociais e históricas que formam seu público, seus gostos e percepções, e estes se alteram com as mudanças dos seus suportes (como, por exemplo, a transição do consumo de músicas entre LP, fitas K7, CD, ou mesmo os serviços de streaming que a internet proporciona). Esta relação nos abre um enorme leque de possibilidades para a música como fonte fecunda para a compreensão do “processo social em sua totalidade”, como afirma Thompson. Aliás, vale lembrar que, para o historiador em questão, a história é a disciplina do contexto e do processo, e com essa afirmação só podemos concordar. A música fornece noções de contexto tanto quanto é oriunda dele, e o mesmo pode se dizer do processo social; e, como fonte, fornece evidências “que só se tornam cognoscíveis segundo maneiras que são, e devem ser, a preocupação dos vigilantes métodos históricos”.14 No caso, a lógica histórica. No entanto, cada fonte tem suas propriedades específicas, e nem toda pergunta será adequada a elas. O pesquisador deve ter condições de fazer as perguntas certas, e o contexto dará essas condições.15 Ou seja: a dialética entre as hipóteses e as evidências vai muito além de uma análise de conteúdo da fonte per se. Para dar um exemplo rápido, porém ilustrativo, cito o caso da banda finlandesa Sentenced. Dentre diferentes temáticas que a banda trabalhou em suas composições, grande parte delas abordava temas extremamente depressivos, contendo muitas músicas com referências ao suicídio (algumas de forma bem irônica, diga-se de passagem). No entanto,

apesar da estranheza de tal escolha, tudo se torna mais compreensível quando analisamos o contexto de produção. Durante muitos anos a Finlândia foi um dos países com a maior taxa de suicídios no mundo, e onde, apesar da diminuição de cerca de 40% nas taxas gerais nos últimos anos, a população masculina ainda mantém números elevados desse tipo de morte. Segundo matéria da Folha de São Paulo de 2007, o suicídio “representa a primeira causa de mortalidade dos homens entre 20 e 34 anos”.16 Também é alta a taxa de alcoolismo no país; não creio ser coincidência que um dos guitarristas da banda, Miika Tenkula, sofresse de problemas com o alcoolismo. A banda, aliás, já havia dedicado músicas a este problema, como The River17 e Guilt and Regret,18 e a banda Poisonblack, formada pelo ex-vocalista do Sentenced, Vile Laihiala, aparentemente escreveu a faixa Buried Alive19 inspirada no falecimento de Tenkula, ocorrido em 2009. Tanto Robert Walser como Douglas Kellner afirmam – e não creio que algum pesquisador sobre o tema discorde – que a música (Walser fala especificamente sobre o Heavy Metal) ajuda a compor identidades, tanto comunais quanto individuas. No caso do gênero citado, ao qual a banda Sentenced pertence, ele é “poderoso como um meio de dar sentido de sua própria situação e de compensá-la”,20 o que poderia explicar em partes a receptividade da banda entre seus fãs para temáticas tão obscuras e passíveis de polêmica, já que o produto da cultura da mídia em questão lida de forma um tanto quanto lúdica com problemas reais, fornecendo uma espécie de escapismo. Algo que talvez não ocorresse tão facilmente em outro contexto, como nos EUA, haja vista que algumas bandas já foram acusadas de incentivar o suicídio de fãs neste país; em um caso específico, com a banda Judas Priest, seus integrantes precisaram se defender na justiça contra as acusações. Rob Halford, vocalista da banda, afirma categoricamente que esse tipo de situação só ocorre nos Estados Unidos: “Circunstâncias como essas nunca ocorreram na Europa, nunca na América do Sul, nunca no Oriente. Quando o metal é culpado por violência, só aconteceu nos EUA”.21 Sobre este casamento entre fonte e contexto, Thompson afirma perspicazmente que a relação entre o conhecimento histórico e seu objeto “só pode ser compreendida como um diálogo”.22 E este diálogo, sincrônico e diacrônico, deve enxergar o passado humano não como um agregado de histórias separadas, mas uma soma unitária do comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona com outros de determinadas maneiras, tal como os atores individuas se relacionavam de certas maneiras (pelo mercado, pelas relações de poder e subordinação etc.). Na medida em que essas ações e relações deram origem a modificações, que se tornam objeto de investigação racional, podemos definir essa soma

como um processo histórico, isto é, práticas ordenadas e estruturadas de maneiras racionais.23

Diante desta breve discussão sobre o assunto, espero que as reflexões dos historiadores e musicólogos trazidas, bem como as proposições a respeito da pesquisa histórica apresentadas por Thompson possam dar a pesquisadores iniciantes as condições de se dar um pontapé inicial na pesquisa histórica com fontes musicais, transitando na “terra de ninguém” de Chimènes, mas sem que esqueçam das particularidades de sua trincheira, com suas lógicas próprias, ainda que a trincheira “do outro lado” não seja formada por inimigos, mas colegas, cujas contribuições são fundamentais para tal pesquisa.

Notas: 1

O artigo em questão foi traduzido por José Geraldo Vinci de Moraes para a edição da Revista de História do segundo semestre de 2007. Cf: CHIMÈNES, Myriam. Musicologia e história. Fronteira ou "terra de ninguém" entre duas disciplinas? Revista de história, São Paulo, n° 157, 2007, p. 15-29. Disponível em Acesso em: 11 jun 2014.

2

FERREIRA, Antonio Celso. “A fonte fecunda”. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (org). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2013, p. 67.

3

NAPOLITANO, Marcos. A história depois do papel. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes históricas. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2011, p. 238. 4

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pósmoderno. Bauru: EDUSC, 2001, p. 9. 5

NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit.

6

THOMPSON, E.P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1981, p. 49.

7

Idem.

8

NAPOLITANO, Marcos. História e música: história cultural da música popular. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 8.

9

WALSER, Robert. Running with the devil: power, gender, and madness in heavy metal music. Middletown: Wesleyan University Press, 1993, p. 29.

10

FIRTH, Simon. Music for pleasure. Nova Iorque: Routledge, 1988, p. 6.

11

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pósmoderno. Bauru: EDUSC, 2001, p. 11-12. 12

13

Ibid., p. 27.

THOMPSON, E.P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1981, p. 82.

14

Ibid., p. 49.

15

Ibid., p. 50.

16

Folha online. “Número de suicídios cai 40% em 15 anos”. Disponível em Acesso em: 12 jun 2014.

17

SENTENCED. The River. Mikka Tenkula, Sami Lopakka [Compositores]. In: _____. Crimson. Century Media, 2000. 1 CD (ca. 55 min) Faixa 8 (4 min 50 s).

18

SENTENCED. Guilt and Regret. Mikka Tenkula, Sami Lopakka [Compositores]. In: _____. The Cold White Light. Century Media, 2002. 1 CD (ca. 45 min) Faixa 9 (3 min 44 s). 19

POISONBLACK. Buried Alive. Vile Laihiala [Compositor]. In: _____. Of Rust and Bones. Century Media, 2010. 1 CD (ca. 53 min) Faixa 4 (4 min 34 s). 20

WALSER, Robert. Running with the devil: power, gender, and madness in heavy metal music. Middletown: Wesleyan University Press, 1993, p. 161.

21

WHIPLASH. Rob Halford: Só os EUA culpam o Heavy Metal por violência. Disponível em Acesso em: 12 jun 2014.

22

THOMPSON, E. P., Op. Cit.

23

Ibid., p. 50-51.

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